O PODER DA LITERATURA MORALIZADORA DE PADRE ANTÔNIO VIEIRA E O CONFLITO DO HOMEM BARROCO EM GREGÓRIO DE MATOS

Documentos relacionados
GREGÓRIO DE MATOS BOCA DO INFERNO

3) As primeiras manifestações literárias que se registram na Literatura Brasileira referem-se a:

JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO, E NASCEU DA VIRGEM MARIA

Flagelação de Cristo (Foto: Pintura: Caravaggio / Reprodução)

Colégio Santa Dorotéia

LITERATURA BARROCA NO BRASIL

Fascículo 6 Linguagens Unidade 17 A linguagem nas tirinhas e nas charges

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO ANUAL DE LITERATURA

Natividade de Maria Sex, 08 de Setembro de :27

Bárbara da Silva. Literatura. Aula 12 - Barroco

BARROCO. Vaidade, de Domenico Piola

A POÉTICA DO SÉCULO XVII

Maria, a SEMPRE VIRGEM

aula Barroco LITERATURA

Novena milagrosa a. São José. Festa: 19 de março. editora

SUPERIOR DE LICENCIATURA EM LETRAS, COM HABILITAÇAO EM LÍNGUA PORTUGUESA, NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Quando para-se para refletir sobre o significado da palavra MARIA na vida dos cristãos, por diversas formas pode-se entendê-la: seja como a Mãe do

1. (UNIV. CAXIAS DO SUL) Escolha a alternativa que completa de forma correta a frase abaixo:

SANTA MISSA EM PORTUGUÊS Domingo, 17 de dezembro de :00 p.m. 3º. Domingo do Advento CANTOS CANTO DE ENTRADA: Reunidos Aqui

ESTUDO DIRIGIDO CONTEÚDO DO BIMESTRE

Solenidade da Assunção da Virgem Maria 21 de agosto de 2016

EVANGELHO DO DIA E HOMILIA

Novena Em Louvor A N. Sra. Do Carmo

Barroco Gregório de Matos: o primeiro grande poeta brasileiro. Literatura brasileira 1ª EM Prof.: Flávia Guerra

Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós. Coração Imaculado de Maria, sede a nossa salvação.

Atividade extra. Fascículo 6 Linguagens Unidade 17 Barroco e romantismo Poesia de sentimentos. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

SOBRE O CENÁCULO Mencionado na Mensagem de

IV Domingo do Advento

Literatura. - Gregório de Matos (Boca do inferno) - Padre Antônio Vieira - (Admirado por Seus Sermões)

DOMINGO IV DO ADVENTO

1ª Leitura - Is 7,10-14; 8,10

Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

MISSA SOLENE DO DIA DE NATAL. 1. Nasceu o Salvador do mundo! O Verbo fez-se carne

LISTA DE EXERCÍCIOS 3º ANO

Mariologia Prof. Thiago Onofre

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUISTA FILHO Campus Experimental de Itapeva. Literatura aula 04 22/03/ Profº Rafael Semensi

CANTO: O auxílio virá do Senhor, do Senhor, o nosso Deus, que fez o céu e a terra.

DINÂMICA LOCAL INTERATIVA 1 LÍNGUA PORTUGUESA CONTEÚDO E HABILIDADES FORTALECENDO SABERES DESAFIO DO DIA. Conteúdos: Semântica: Sinônimos e antônimos

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA COMPÊNDIO

EVANGELHO DO DIA E HOMILIA (LECTIO DIVINA) REFLEXÕES DE FREI CARLOS MESTERS,, O. CARM REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM

Maria e seu FIAT COTIDIANO

A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS: EU CREIO. NÓS CREMOS Catequese com adultos Chave de Bronze

Aula 08 Terceiro Colegial.

LÍNGUA PORTUGUESA AVALIAÇÃO AVALIAÇÃO DA UNIDADE II PONTUAÇÃO: 7,5 PONTOS

Sequência Didática Natal

Humanidade de Cristo # Conceituações Teológicas O que as escrituras testemunham sobre Ele?

Escrito por Hélio Clemente Qua, 05 de Outubro de :01 - Última atualização Seg, 14 de Novembro de :48

Mestra do Anúncio, Profecia do Amor

PADRE ANTÓNIO VIEIRA

CARTA AOS CARISMÁTICOS DO BRASIL. Por ocasião da festa da Padroeira da nossa Pátria. Doc. 04/2017. Vitória /ES, 11 de outubro de 2017

Arte Barroca. século XVII (seiscentismo) Igreja de Nossa Senhora da Conceição (Ouro Preto)


1Co 15:2 Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão.

MARIA DE JESUS SUA VIDA E MISSÃO

BARROCO BRASILEIRO. O Homem em Conflito (século XVII)

Colossences 2,9: Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.

Meditando o. Rosário. Inspirado nos escritos de Santo Antônio Maria Claret EDITORA AVE-MARIA

Oração Inicial: Leitura: Lucas 22, 7-20.

Epifania do Senhor. Homilia para a Família Salesiana. Is 60,1-6

Propriedades essenciais da Igreja: a unidade, a catolicidade, a santidade e a apostolicidade

O ENEM E AS FIGURAS DE LINGUAGEM (ENEM 2006)

O TEMPO OS FILHOS O DINHEIRO O TRABALHO

Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa, em 1608, e morreu na Bahia, em Com sete anos de idade, veio para o Brasil e entrou para a Companhia de

Passo a passo da Oração Pessoal

II TRI LIÇÃO 1. evange ho LUCAS A PRIMEIRA VINDA DE JESUS

Missão. São Bernardo de Claraval resume em três atitudes o comportamento que

SEGUE-ME! ESTOU CONTIGO NA ALEGRIA E OTIMISMO! 2ª FEIRA

Rita de Sá Freire. Maria: a Mãe do Eterno e Sumo Sacerdote - Homenagem ao Dia do Padre 4 de agosto

Gloria in excelsis Deo - O Cântico dos Anjos

Também foram apresentadas sugestões de temáticas para alguns encontros que já fazem parte da vida do movimento nos estados e dioceses:

Maria e seu SIM. Dercio Angelo Berti

Teologia Sistemática

SERMÃO SEXAGENÁRIO. Artur Ledur Bernardo Barboza Eduardo Oliveira Gustavo Johnson Leonardo Valcarenghi Thomas Ricardo

IMPELIDOS PELO ESPÍRITO PARA A MISSÃO

OS OFÍCIOS DE CRISTO REI. vivendopelapalavra.com. Por: Helio Clemente. - Rei:

OS PARADOXOS DA CRUZ: SERMÃO

LADAINHA LAURETANA OU LADAINHA DA SANTÍSSIMA VIRGEM


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 1, 26-38)

Celebração do Mês de Maria

FIGURAS DE LINGUAGEM

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

O ROSÁRIO PARA CRIANÇAS Amiguinhos de Deus

Tenham fé em Deus. Eu garanto a vocês: se alguém disser a esta montanha: Levante-se e jogue-se no mar, e não duvidar no seu coração, mas acreditar

Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

Resumo Aula 4 e 5 de Literatura: Classicismo, Quinhentismo e Barroco.

COMUM DOS SANTOS E DAS SANTAS

LIÇÃO 3 A SALVAÇÃO E O ADVENTO DO SALVADOR. Prof. Lucas Neto

Homilia na Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora da Assunção Santo Tirso

Escrito por Pe. Luís Maurício Seg, 10 de Novembro de :27 - Última atualização Dom, 23 de Novembro de :50

CELEBRAÇÃO DE NATAL COMUNIDADE EDUCATIVA

A família foi pensada e criada no coração de Deus!

NATAL DO SENHOR DE 2015 MISSA DO DIA

Solenidade da Imaculada Conceição

Explicação das leituras nas. Eucaristia. Crisma ou. Sacramento da Ordem

É Maria quem nos convida a refletir e guardar no coração a

Ofício da Imaculada Conceição

Slide 2

Transcrição:

O PODER DA LITERATURA MORALIZADORA DE PADRE ANTÔNIO VIEIRA E O CONFLITO DO HOMEM BARROCO EM GREGÓRIO DE MATOS Gisele Palmieri (UERJ) giselepalmieri@yahoo.com.br INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo analisar a produção poética de dois importantes autores do período barroco. São eles: Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos. O crescente individualismo que marginalizou a espiritualidade na Renascença é combatido no Seiscentismo. Neste último período revela-se a tendência a uma doutrinação dirigida. A cristianização tenta dar retorno às questões religiosas, que o homem havia ignorado no seu interesse terrenalista do período anterior. Instaura-se, assim, a dúvida, o conflito, a tensão psicológica de um homem que tentava conciliar as necessidades materiais (da carne) e as aspirações religiosas (espirituais). Padre Antônio Vieira serve ao ideal da literatura moralizante, espiritual, com vistas a doutrinar o homem que estava perdido em desgraças neste mundo. Já Gregório de Matos, reflete em suas obras o homem em conflito com os valores terrenos e espirituais, que tenta conciliar as duas idéias opostas e se perde na dúvida. Será apresentado um sermão de Padre Antônio Vieira, que serve ao propósito de mostrar sua postura no Barroco e um poema de Gregório de Matos, que exemplificará o conflito do homem aos quais eram dirigidos tais sermões. PADRE ANTÔNIO VIEIRA Padre Antônio Vieira viveu no contexto do Barroco, em que se cultivava a cultura do excesso, juntamente ao saber ornamental da palavra. A oratória, cuja função social era a propagação da fé e do catolicismo, adquire grande importância priorizando as regras da e- loqüência e produzindo um discurso engenhoso. O belo está presente 76

como ornamentador do discurso. Os sermões de Padre Antônio Vieira servem a este propósito: propagar a fé com os recursos da retórica. Conceptista, ele presta especial atenção ao conceito. Padre Antônio Vieira acreditava ser escolhido por Deus para uma missão na Terra: disseminar a palavra de Deus. Vieira, como porta-voz deste Senhor Absoluto, se dirige a um mundo desordenado, a um mundo que caminha para a destruição, tal como ele, se não tivesse tido o privilégio de ser o escolhido. (Ferreira, 1999, p. 1179) Ele acreditava que as palavras continham em si mesmas o seu significado na sua própria essência significado este, determinado por Deus. A língua portuguesa, para ele, é uma língua fundamental, onde todos os seus elementos já contém em si mesmo o valor universal da Verdade. Desta forma, além dos fonemas e da etimologia, as letras também portam um sentido. (ibidem, p. 1178). Como exemplo, destaca-se o sermão dedicado a Nossa Senhora do Ó, em que ele fala o tempo inteiro do significado da letra o, destacando-a como figura geométrica e como fonema. Sendo assim, o sentido desta palavra está associado à sua forma e ao seu som. A ver: Sermão da Nossa Senhora do Ó. A figura mais perfeita e mais capaz de quantas inventou a natureza, e conhece a Geometria, é o círculo. Circular é o Globo da terra, circulares as Esferas Celestes, circular toda a máquina do Universo, que por isso se chama Orbe, e até o mesmo Deus, se, sendo espírito, pudera ter figura, não havia de ter outra, senão a circular. O certo é, que as obras sempre se parecem com seu Autor: e fechando Deus todas as suas dentro em um círculo, não seria esta idéia natural, se não fora parecida à sua natureza(...) O primeiro círculo, que é o mundo, contém dentro de si todas as coisas criadas: o segundo, incriado e infinito, que é Deus, contém dentro em si o mundo, e este terceiro, que hoje nos revela a fé, contém dentro em si ao mesmo Deus: Ecce concipies in útero, et paries Filium: hic erit magnus, et Filius Altissimi vocabitu 4. Nove meses teve dentro de si este círculo a Deus; e quem pudera i- maginar, que estando cheio de todo Deus, ainda ali achasse o desejo capacidade e lugar para formar outro círculo? Assim foi; e este novo círculo formado pelo desejo, debaixo da figura e nome do O, é o que hoje particularmente celebramos na Expectação do parto já concebido : Ecce concipies, et paries. De um e outro círculo, travados entre si, se comporá o nosso discurso, concordando ( que é a maior dificuldade deste dia) o Evangelho com o título da Festa, e o título com o Evangelho. O mistério 4 Lc 1 [:31] [E eis que em teu ventre conceberás, e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado do Altíssimo; e o senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai] 77

do Evangelho é a Conceição do Verbo no ventre virginal outro círculo; o que pretendo mostrar, em um e outro, é que assim como o círculo do ventre virginal na Conceição do Verbo foi um O que compreendeu o E- terno. Tudo nos dirão, com a Graça do Céu, as palavras que tomei por tema: Ave Maria. (Vieira, 2002, p. 11) As letras, para Vieira, carregam em si mesmas um sentido. Podemos, assim, ver expressa no Sermão da Nossa Senhora do Ó, a idéia de língua fundamental: a idéia do círculo para representar o fonema [o] não foi por acaso; tem um significado. A forma (letra) O, sendo um círculo, representa o desejo: quando alguém deseja algo, exclama oh! [O] da eternidade: Deus (pai); [O] do desejo: Jesus (filho). Para Vieira, o mistério da Santíssima Trindade está contido na letra O. E o grande milagre que ele celebra neste sermão é a indagação de, como um círculo tão pequeno (o útero de Maria), pôde guardar a vida de um ser tão importante, que é o filho de Deus. Não poderia haver, então, figura mais perfeita para representar o ventre, do que o útero de uma grávida. O símbolo do eterno (desejo de Maria de ver o filho de Deus concedido) é associado ao símbolo da imensidão, que é o fato de haver tão grande ser em tão pequeno círculo, ambas representadas pela letra O. Daí o sentido único que Padre Antônio Vieira dá as coisas. Tudo tem sentido atribuído e valor associado. A esse valor de significação que Vieira atribui a tudo e, por conseguinte, tudo ter um mistério a ser decifrado, a segunda parte do sermão bem exemplifica: Uma das maiores excelências das Escrituras Divinas, é não haver nelas nem palavra, nem sílaba, nem ainda uma só letra, que seja supérflua, ou careça de mistério. Tal é o misterioso O que hoje começa a celebrar, e todos estes dias repete a Igreja, breve na voz, grande na significação, e nos mistérios profundíssimo. Mas contra este mesmo princípio, parece que no nosso texto, com ser tão breve, não só temos uma letra, senão uma sílaba, e uma palavra supérflua. E que sílaba, e que palavra? In uter: dizendo o Anjo à Senhora: Ecce concipies, et paries: que conceberia, e pariria o Filho de Deus, bem claramente se entendia não só a sustância do mistério, senão o modo e o lugar; e que este havia de ser o sacramento virginal do ventre santíssimo. Supérfluo parece logo, sobre a palavra Concipies, acrescentar, In utero. Mas esta embaixada deu ao Anjo, mandou-a Deus, e refere-a o Evangelhista: e nem Deus, nem o Anjo, nem o Evangelhista, haviam de dizer palavras supérfluas. A que fim, pois, 78

quando se anuncia este oráculo ( que foi o maior que veio, nem virá jamais do Céu à terra), se diz e se repete por três bocas, uma divina, outra Angélica, e outra mais que humana, que o mistério da Conceição dos Verbos e há de obrar sinaladamente no útero ou ventre da Mãe: Ecce concipies in utero? Sem dúvida, porque era tão grande a novidade, tão estupenda a maravilha, que necessitava a Fé de toda a expressão. Haverse Deus de fazer o homem, novidade foi que assombrou aos Profetas quando a ouviram. Porém que esse mesmo Deus, sendo imenso, se houvesse ou pudesse encerrar em um círculo tão breve, como o ventre de uma Virgem: Inútero? Esta foi a maravilha que excede as medidas de toda a capacidade criada. (Vieira, 2000, p. 12) GREGÓRIO DE MATOS Gregório de Matos Guerra (1636-1696) nasceu em Salvador, estudou em colégio de jesuítas, formou-se doutor em Coimbra. Retornou ao Brasil e morreu em Recife. Suas obras adquirem grande importância como documento da vida social dos Seiscentos e pelo nível artístico atingido. É considerada a primeira manifestação nativista da nossa literatura. Petrarca e Camões o inspiraram. A musa gregoriana teve múltiplas dimensões: sacra, moral, erótica, satírica e escatológica. Ele descreveu em seus poemas o lírico-amoroso, o religioso e o satírico. Porém, a vertente mais original de sua obra foi a sátira. Podemos apontar um contraste em suas produções literárias: ora satiriza irreverentemente, ora se torna poeta devoto. A intenção da sua sátira é moralizadora. A sua lírica religiosa é a que mais se aproxima dos fundamentos do Barroco e a lírica satírica é a que mais se afasta, pois se volta para a realidade baiana do século XVII. Daí uma ambigüidade na escolha de seus temas. Em suas poesias de tema religioso pode-se destacar uma retórica nobre e moralizante. O poeta reflete sobre a inconstância do mundo, revelando claramente a influência de Camões. Em sua lírica fica evidente o tema da contrariedade barroca, através do abundante uso de antíteses e oxímoros. Ele aborda questões próprias do período barroco como a efemeridade da vida, o pessimismo e o desengano do mundo. O poema abaixo, destaca essas características: 79

MORALIZA O POETA NOS OCIDENTES DO SOL A INCONSTÂNCIA DOS BENS DO MUNDO Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se é tão formosa a Luz, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza, Na formosura não dê constância, E na alegria sinta-se a tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza na inconstância. (Rocha, 2004, p. 6) O poema reflete a efemeridade da vida. Pessimista, sentindo o desengano do mundo o eu lírico se indaga sobre o sofrimento que se prolonga e a alegria que, tão rápido, termina, assim como o Sol, que não dura mais que um dia. Pode-se perceber o uso de jogos de antíteses como exemplo, dia/noite; Luz/noite escura; tristeza/alegria. O uso destas antíteses reflete o estado contraditório da condição humana, à luz da temática barroca. E remete a uma antítese maior, própria da reflexão barroca e que abrange todas as outras antíteses: vida/morte. É a dualidade antitética barroca. Na terceira estrofe, onde o eu lírico parece querer dar uma solução no problema da Luz e da formosura, que não duram, temos o paradoxo que revela o pessimismo do homem barroco, ao acreditar não haver jeito para este mundo.... E na alegria sinta-se tristeza.. Termina por achar, que só pode haver luz se houver sombra, ou seja, o mundo possui dois lados opostos. E por isso tem a firmeza somente na inconstância. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tentou-se mostrar neste trabalho, como se pretendia, de um lado, doutrinar o homem no intuito de propagar a fé católica. Do outro, o conflito de se tornar alvo de um interesse objetivando fortale- 80

cer a Igreja Católica, que perdia sua força. Assim, a dúvida do homem barroco é exemplificada numa literatura em que predomina o excesso, o exagero, a linguagem extremamente exuberante, a utilização de figuras de linguagem como a antítese, o paradoxo, o oxímoro e a hipérbole. As alegorias de Padre Antônio Vieira, presente em seus sermões, revelam sua adesão à corrente conceptista, que valoriza as i- déias, a propagação de conceitos, a linguagem mental. O rebuscamento de Gregório de Matos revela sua adesão ao cultismo, que valoriza a imagem, a linguagem cromática, servindo assim, à reprodução da sua angústia. BIBLIOGRAFIA CANDIDO, Antonio. Literatura como sistema. In:. Formação da literatura brasileira. Momentos decisivos. 4 ed. São Paulo: Martins, V1, p.23-5. FERREIRA, Nadiá Paulo. Poesia Barroca. Antologia do século XVII em língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2000. MERQUIOR, José Guilherme. O Barroco, primeiro estilo da cultura ocidental moderna. In:. De Anchieta a Euclides. Breve história da literatura brasileira I. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977, p. 10-16. ROCHA, Fátima Cristina Dias. A poesia da Época Gregório de Matos. In: Poesia brasileira: Um percurso (do século XVII à atualidade). Antologia Poética. UERJ, 2004. 81