khz s

Documentos relacionados
Revisão da distribuição geográfica de Phyllodytes kautskyi Peixoto & Cruz, 1988 (Amphibia, Anura, Hylidae)

O CANTO DE ANÚNCIO DE SCINAX BELLONI, FAIVOVICH, GASPARINI & HADDAD, 2010 (AMPHIBIA: ANURA: HYLIDAE)

O CANTO DE ANÚNCIO DE SCINAX BELLONI FAIVOVICH, GASPARINI & HADDAD, 2010 (AMPHIBIA: ANURA: HYLIDAE)

Influencia do contexto social no comportamento acústico de Dendropsophus minutus (Anura: Hylidae): uma análise entre populações

Padrões de canto de anúncio de duas espécies de hylidae (Amphibia: Anura) do Sudeste do Brasil

O CANTO DE ANÚNCIO DE SCINAX LUIZOTAVIOI (CARAMASCHI & KISTEUMACHER, 1989) (ANURA, HYLIDAE) 1

RELACIONAMENTO ENTRE ANFÍBIOS ANUROS E BROMÉLIAS DA RESTINGA DE REGÊNCIA, LINHARES, ESPÍRITO SANTO, BRASIL

Novos registros de Dendropsophus anceps (Anura, Hylidae), para os estados do Rio de Janeiro e Bahia

Descrição do canto de anúncio e dimorfismo sexual em Proceratophrys

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE VOCALIZAÇÕES DE ANUROS NOTURNOS DE AMBIENTES LÓTICOS SUBMETIDOS À COMUNICAÇÃO VISUAL PIVIC/

HISTÓRIA DA COLETA CIENTÍFICA DE MATERIAL BIOLÓGICO DO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS, RJ

Apêndice. Como registrar e analisar sons. Como animais que se comunicam por sinais acústicos, em

REPERTÓRIO VOCAL DE HYLODES PHYLLODES (AMPHIBIA, ANURA, HYLODIDAE)

Levantamento Preliminar da Herpetofauna em um Fragmento de Mata Atlântica no Observatório Picos dos Dias, Brasópolis, Minas Gerais

DIFERENCIAÇÃO ACÚSTICA ENTRE POPULAÇÕES MINEIRAS DE HYPSIBOAS ALBOPUNCTATUS (ANURA, HYLIDAE) DA MATA ATLÂNTICA E CERRADO

O ESPAÇO ACÚSTICO EM UMA TAXOCENOSE DE ANUROS (AMPHIBIA) DO SUDESTE DO BRASIL 1

RIQUEZA E DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO TEMPORAL DE ANUROS EM ÁREA REMANESCENTE DE MATA ATLÂNTICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO.

Ecologia de Campo na Ilha de Santa Catarina

CARACTERIZAÇÃO ACÚSTICA E POSIÇÃO TAXONÔMICA DE DUAS ESPÉCIES DE DENDROPSOPHUS (ANURA LISSAMPHIBIA) DO TRIÂNGULO MINEIRO

José Nilton da Silva¹, Tomaz Dressendorfer de Novaes² & Fernando Moreira Flores³

14 TEIXEIRA & COUTINHO: DIETA DE PROCERATOPHRYS BOIEI and 38 8% by weight Spiders were the second more important prey, representing 23 3% in frequency

INVENTÁRIO PRELIMINAR DA ANUROFAUNA NA SERRA DAS TORRES, ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, BRASIL

Ecologia de Campo na Ilha de Santa Catarina

Primeiro registro de Rhinella pombali e novos registros de R. crucifer e R. ornata no Estado do Rio de Janeiro, Brasil (Amphibia, Anura, Bufonidae)

Anfíbios de dois fragmentos de Mata Atlântica no município de Rio Novo, Minas Gerais

SCIENTIA Revista Científica da Fundação Jardim Botânico de Poços de Caldas

LINHAS DE PESQUISA E INFRAESTRUTURA DOCENTE. Ecologia e Comportamento

VOCALIZAÇÕES E INTERAÇÕES ACÚSTICAS EM HYLA RANICEPS (ANURA, HYLIDAE) DURANTE A ATIVIDADE REPRODUTIVA ABSTRACT

Diversidade e Estruturação Espacial da Comunidade de Anfíbios Habitantes de Bromélias em Área de Restinga no Sudeste Brasileiro

DIAGNÓSTICO AMBIENTAL. Fauna

Estudo da comunidade de anuros em poça temporária com ênfase na espécie Phyllomedusa hypochondrialis.

ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências Naturais, Belém, v. 3, n. 3, p , set.- dez. 2008

Ecologia Reprodutiva de Hypsiboas multifasciatus (Gunther, 1859) (Anura, Hylidae) no Núcleo de Preservação Ambiental Bioparque Jaó, Goiânia GO

Relatório Parcial sobre os primeiros trabalhos de campo realizado no Parque Nacional do Caparaó

BOLETIM DO MUSEU NACIONAL NOVA SÉRIE RIO DE JANEIRO - BRASIL

Release call of Odontophrynus cultripes Reinhardt and Lütken, 1862 (Anura: Odontophrynidae) from Southeastern Brazil

PREDAÇÃO DE Scinax ruber (LAURENTI, 1768) (ANURA: HYLIDAE) POR Liophis typhlus (LINNAEUS, 1758) (SERPENTE: DIPSADIDAE) NA AMAZÔNIA CENTRAL, BRASIL

Vocalizações de Hyla werneri (Anura, Hylidae) no sul do Brasil

ATIVIDADE REPRODUTIVA DE PHYSALAEMUS SIGNIFER (ANURA, LEPTODACTYLIDAE) EM AMBIENTE TEMPORÁRIO

Presença de girinos de aplastodiscus ehrharditi (Müller, 1924)(Anura:Hylidae) em zona litorânea na cidade de Caiobá-PR

O Laboratório de Taxonomia e História Natural de Anfíbios AMPHIBIA O PPG em Biodiversidade & Evolução

DrscussÃo. O repertório vocal dos machos de J. rizibilis reprodutivamente ativos

NOVA ESPÉCIE DO GRUPO DE HYLA CIRCUMDATA (COPE, 1870) DO SUL DA BAHIA, BRASIL (AMPHIBIA, ANURA, HYLIDAE) 1

Equipe da UFMG descobre 2 novas espécies de

BIODIVERSIDADE DE ANFÍBIOS EM AMBIENTES DE MATA ATLÂNTICA E ANTRÓPICOS NA REGIÃO DO SUL DE MINAS GERAIS

Modo reprodutivo de Leptodactylus natalensis Lutz, 1930 (Amphibia, Anura, Leptodactylidae)

Revista Nordestina de Zoologia

8 PEIXOTO: NOVA ESPÉCIE DE SCINAX exemplares do gênero Scinax, colecionados em bromeliáceas em Santa Teresa, permitiu a identificação de uma nova espé

Revista Ibero Americana de Ciências Ambientais, Aquidabã, v.2, n.1, maio, ISSN SEÇÃO: Artigos TEMA: Ecologia e Biodiversidade

MODULAÇÃO DO REPERTÓRIO ACÚSTICO DE ANUROS EM FUNÇÃO DE ESTÍMULOS ACÚSTICOS E VISUAIS

REDESCRIÇÃO DE HYLODES PERPLICATUS (MIRANDA-RIBEIRO, 1926) (AMPHIBIA, ANURA, LEPTODACTYLIDAE) 1

IV SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA

ASTERACEAE DUMORT. NOS CAMPOS RUPESTRES DO PARQUE ESTADUAL DO ITACOLOMI, MINAS GERAIS, BRASIL

Projetos Intervales. Modificado de:

NOVA ESPÉCIE DE PROCERATOPHRYS MIRANDA-RIBEIRO, 1920 DO SUDESTE DO BRASIL (AMPHIBIA, ANURA, LEPTODACTYLIDAE) 1

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

ESTRATÉGIAS E MODOS REPRODUTIVOS DE ANUROS (AMPHIBIA)

Distribuição e fidelidade de desenvolvimento de Rhinella icterica (Anura, Bufonidae) no rio Cachimbaú, Sudeste do Brasil

Delimitação de espécies

O ESTADO DA ARTE DAS VOCALIZAÇÕES DE ANFÍBIOS ANUROS DA MATA ATLÂNTICA

INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA INMET 5º DISME BELO HORIZONTE

SELEÇÃO DE MESTRADO 2016 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E EVOLUÇÃO INSTITUTO DE BIOLOGIA ROBERTO ALCANTARA GOMES/UERJ

Relatório Parcial FCTY-RTP-HPT Referência: Diagnóstico da Herpetofauna. Fevereiro/2014. At.: Gerência de Sustentabilidade FCTY

Cássio Zocca¹,*, João Filipe Riva Tonini² & Rodrigo Barbosa Ferreira 1,3

LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA ANUROFAUNA EM UMA ÁREA DE CERRADO ENTRE DIAMANTINA E AUGUSTO DE LIMA, MINAS GERAIS, BRASIL.

BIOLOGIA REPRODUTIVA DE SCINAX FUSCOMARGINATUS, NA REPRESA DO RIBEIRÃO LAVAPÉS, BOTUCATU, SP (AMPHIBIA, ANURA, HYLIDAE).

DETERMINAÇÃO DO RISCO DE INCÊNDIOS NO MUNICÍPIO DE VIÇOSA-MG, UTILIZANDO SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA E ÍNDICE CLIMÁTICO.

Atividade reprodutiva de Rhinella gr. margaritifera (Anura; Bufonidae) em poça temporária no município de Serra do Navio, Amapá.

Papéis Avulsos de Zoologia

HERPETOFAUNA EM ÁREA DO SEMIÁRIDO NO ESTADO DE ALAGOAS, NORDESTE DO BRASIL

Predação de embriões por girinos de Bokermannohyla alvarengai (Anura, Hylidae) em riacho temporário na Serra do Ouro Branco, Minas Gerais, Brasil

EDIVANIA DO NASCIMENTO PEREIRA. Comunicação acústica de Sphaenorhynchus prasinus Bokermann, 1973 (Anura: Hylidae)

ANEXO I. Plano de Trabalho

Maio de 2011 BREVE HISTÓRICO

Distribuição espacial e sazonal de anuros em três ambientes na Serra do Ouro Branco, extremo sul da Cadeia do Espinhaço, Minas Gerais, Brasil

Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão

COMPORTAMENTO DE PROCEDÊNCIAS DE Pinus glabra Walt. EM RELAçÃO AO P. elliottii Engelm. var. elliottii EM IRATI, PR.

EVOLUÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO DE MATA NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA DE JETIBÁ - ES

RELATÓRIO DE ATIVIDADES NO MUSEU DE BIOLOGIA PROFESSOR MELLO LEITÃO (MBML) SETOR EDUCATIVO - ABRIL/2014

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP - DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA COMPARADA

TERMO DE SELEÇÃO 001/2017

PRISCILA GUIMARÃES DIAS¹ ALICE FUMI KUMAGAI²

ANÁLISE QUANTITATIVA DOS FRAGMENTOS FLORESTAIS NO ENTORNO DA RESERVA BIOLOGICA DE UNA-BA (REBIO)

Notas sobre predação de anuros em uma poça temporária no nordeste do Brasil

Temporada reprodutiva, micro-habitat e turno de vocalização de anfíbios anuros em lagoa de Floresta Atlântica, no sudeste do Brasil

Descrição do girino de Sphaenorhynchus surdus (Cochran, 1953) (Anura, Hylidae)

Albinismo parcial em Leptodactylus troglodytes (Amphibia, Anura, Leptodactylidae)

ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS

Primeiro registro de Mesoclemmys tuberculata (Reptilia, Testudines, Chelidae) em área de Cerrado no Estado de Minas Gerais, Sudeste do Brasil

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO INSTITUTO DE BOCIÊNCIAS RIO CLARO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS. André Buitoni

Espacialização dos machos vocalizantes. de duas espécies de Scinax (Amphibia, Anura, Hylidae)

ZOOCIÊNCIAS 10(1): 73-76, abril 2008

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP - DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA COMPARADA

Transcrição:

BOL MUS BIOL MELLO LEITÃO (N SÉR ) 16:47-54 DEZEMBRO DE 2003 47 Descrição da vocalização de Phyllodytes kautskyi Peixoto e Cruz, 1988 (Amphibia, Anura, Hylidae) José Eduardo Simon 1, 2 & João Luiz Gasparini 3 RESUMO: Descreve-se o canto de anúncio (advertisement call) de Phyllodytes kautskyi (Hylidae), a partir de gravações procedentes da localidade-tipo A análise sonográfica revelou que seu canto consiste de uma série de 21 notas, com frequência média de 1 370 Hz e duração de 3,55 s ± 0,19 (n= 6), emitido em intervalos de 46,66 s ± 11,45 (n=9) Sua vocalização difere em estrutura temporal e frequência da vocalização de P luteolus, a outra única espécie do gênero para a qual a vocalização de anúncio está descrita Devido a dificuldade de coleta e observação de Phyllodytes kautskyi, o conhecimento da vocalização pode contribuir para a identificação da espécie em campo, bem como para o refinamento da taxonomia do grupo Palavras-chave: Phyllodytes kautskyi, canto de anúncio, Anfíbios, Bromélias, Mata Atlântica ABSTRACT: Description of the vocalization of Phyllodytes kautsky Peixoto e Cruz, 1988 (Amphibia, Anura, Hylidae) - The advertisement call of Phyllodytes kautskyi (Hylidae) is described from records made at the type-locality Sonographic analyses revealed that the call consists of a 21-note series of mean frequency 1370 Hz and mean duration 3 55 ± 0 19 seconds (n= 6) The call is emitted at intervals of 46 66 ± 11 45 seconds (n=9) The vocalization differs from that of P luteolus, the only other species of the genus for which the call was described, in both temporal structure and frequency The knowledge of the vocalization of P kautskyi, a treefrog associated to epiphytic bromeliads, can be used to better define its geographic distribution and possibly to refine the genus taxonomy Key words: Phyllodytes kautskyi, advertisement call, Amphibians, Bromelids, Atlantic Forest 1 Museu de Biologia Professor Mello Leitão Av José Ruschi, 4, 29650-000 Santa Teresa, Espírito Santo, Brasil E-mail: simon@ebr com br 2 Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica IPEMA Av Hugo Viola, 1001, sala 218 Edifício Tropical Center, Jardim da Penha, 29060-420 Vitória, Espírito Santo, Brasil E-mail: ipema@ebrnet com br 3 Departamento de Biologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Av Marechal Campos 1468, Maruípe, 29040-090 Vitória, Espírito Santo, Brasil E-mail: gaspa vix@terra com br

48 SIMON & GASPARINI: VOCALIZAÇÃO DE PHYLLODYTES KAUTSKYI (HYLIDAE) Introdução A vocalização é um dos caracteres mais expressivos do comportamento reprodutivo dos anfíbios anuros, atuando como um mecanismo eficiente de comunicação específica no grupo O canto de anúncio (advertisement call) (sensu Well, 1977), um atributo exclusivo dos machos, tem como função primária a atração da fêmea para o acasalamento, embora também esteja intimamente relacionado com a defesa do território contra machos coespecíficos competidores (Duellman & Trueb, 1986) O conhecimento da vocalização de anfíbios anuros pode ser útil para a detecção das espécies em levantamentos de campo, bem como para o refinamento da taxonomia do grupo (De La Riva et al, 1995) Embora a Mata Atlântica detenha uma grande riqueza de anfíbios anuros, associada a um alto grau de endemismo (Duellman, 1999), oferecendo material para extensa pesquisa biocústica do grupo, boa parte das espécies permanece com sua vocalização desconhecida Só mais recentemente houve um aumento no número de pesquisas que tratam do assunto (e g Weygoldt & Peixoto, 1985; Weygoldt, 1986; Bastos & Haddad, 1995; Haddad & Sawaya, 2000; Abrunhosa et al, 2001) Um dos muitos exemplos de espécie cuja vocalização não encontrase documentada na literatura é a de Phyllodytes kautskyi, descrita do município de Domingos Martins, região serrana do Espírito Santo (Peixoto & Cruz, 1988) Phyllodytes kautskyi é um hilídeo que vive em bromélias epífitas, que até recentemente era conhecido somente de sua localidade-tipo Atualmente encontra-se registrado para São José do Macuco, porção sul do Estado da Bahia (Peixoto & Caramaschi, 2002), Bandeira (15º49 S; 40º30 W, 830 m), Minas Gerais (R N Feio, comun pess ) (espécime MZUFV 5 197, Viçosa- MG) e duas outras localidades do ES: Santa Teresa (19 56 S; 40 36 W, 650 m) e Reserva Florestal da Companhia Vale do Rio Doce, Linhares (J E Simon e J L Gasparini, dados não publicados) Além de P kautskyi, outras cinco espécies (de um total de nove reconhecidas no gênero) distribuem-se no bioma Mata Atlântica (Peixoto et al, 2003), entre elas, P luteolus (Wied- Neuwied,1824), a única espécie para a qual a vocalização de anúncio foi descrita (Weygoldt, 1981) O presente estudo descreve o canto de anúncio de Phyllodytes kautskyi, a partir de gravações obtidas na localidade-tipo da espécie Material e Métodos A vocalização de Phyllodytes kautskyi foi gravada no município de

BOL MUS BIOL MELLO LEITÃO (N SÉR ) 16 2003 49 Domingos Martins, Estado do Espírito Santo, em 29/10/2002, em uma área particular de mata nativa, contígua à sede do município (Pico do Eldorado, 20 21 56 S e 40 39 38 W, 850m) Sua descrição baseia-se em amostras do sinal acústico espontâneo emitido repetidamente por um único indívíduo (Figura 1) gravado em seu sítio de vocalização: interior de uma bromélia epífita (Aechmea nudicaulis, Bromeliaceae) (Figura 2), situada a 2,3 metros do solo O registro da vocalização foi feito por volta das 20:00 h (temperatura do ar a 25 C), com o gravador Sony TCM 5000-EV, acoplado a microfone Sennheiser ME-66, em fita cassete BASF ferro II O indivíduo gravado foi coletado e está depositado na coleção zoológica do Museu de Biologia Professor Mello Leitão (MBML 2570, CRA: 36,0 mm) Figura 1 Espécime testemunho de Phyllodytes kautskyi (Hylidae) gravado em Domingos Martins, ES (MBML 2570, CRA: 36,0mm) Foto: J L Gasparini

50 SIMON & GASPARINI: VOCALIZAÇÃO DE PHYLLODYTES KAUTSKYI (HYLIDAE) Figura 2 Sítio de vocalização de Phyllodytes kautskyi, Domingos Martins, ES (Aechmea nudicaulis, Bromeliaceae) Foto: J E Simon O oscilograma e sonograma foram confeccionados com o programa Avisoft SasLab Pro versão 3 0, com as gravações digitalizadas em uma freqüência de entrada de 16 khz (sampling frequency) e número de pontos igual a 256 (FFT-lenght), Overlap em 50% e Window Flat Top Resultados Pela análise dos sonogramas, verificou-se que a estrutura temporal do canto de anúncio de P kautskyi apresenta duração média de 3,55 s ± 0,19 (n= 6) (Figura 3), composta por uma série de 21 notas simples (não multipulsionadas) O canto apresenta estrutura harmônica, com 3 harmônicos visíveis no sonograma As notas são estruturalmente similares entre si, apresentando modulação ascendente em sua maior parte, descendendo em seu trecho final A freqüência fundamental corresponde à freqüência dominante, situando-se, em seu nível médio, em 1 370 Hz (870-1 810 Hz) A duração média das notas de um canto é de 85 ms ± 12 (n=21), emitidas em intervalos que aumentam gradualmente, entre 66ms e 120ms (Figura 3) O canto foi emitido em intervalos de 46,66 s ± 11,45 (n=9), repetidamente durante a noite a

BOL MUS BIOL MELLO LEITÃO (N SÉR ) 16 2003 51 partir do crepúsculo Em Santa Teresa (ES) os indivíduos podiam ser ouvidos vocalizando isolados na mata, normalmente nos estratos médio e superior da vegetação arbórea, e em quase todos os meses do ano a 0,5 s b khz 7 6 5 4 3 2 1 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 s Figura 3 Oscilograma (a) e sonograma (b) do canto de anúncio de Phyllodytes kautskyi (Hylidae), município de Domingos Martins, ES (temperatura do ar a 25 C) Em 05/08/2003, às 18:40h, um teste de play-back foi realizado com P kautskyi na região de Santa Teresa, ES, visando excitar a vocalização de um indivíduo para descoberta de sua posição na vegetação, a partir da reprodução do seu próprio canto de anúncio Embora excitado, não pôde ser localizado em função da altura em que se encontrava, a cerca de 7 m do solo O teste provocou variação estrutural perceptível em sua vocalização, devendo a resposta

52 SIMON & GASPARINI: VOCALIZAÇÃO DE PHYLLODYTES KAUTSKYI (HYLIDAE) corresponder ao canto de defesa territorial (territorial call) da espécie Contudo, não foi possível a gravação dessa vocalização Discussão Com base em material procedente de Vitória, ES, Weygodt (1981) forneceu o canto de anúncio de P luteolus através de um sonograma contendo as primeiras sete de uma série de vinte notas que o compõe, sem, contudo, referirse a detalhes dos seus parâmetros físicos, o que limita a comparação com o canto de P kautskyi Pelo sonograma que Weygodt (1981) apresentou, é possível verificar que o canto de P luteolus é uma série de notas emitidas em um tempo estimado em 5 s (vs 3,5 s em P kautskyi), constando de 6 notas em 1,5 s (vs 10 notas/1,5 s em P kautskyi) O canto de P luteolus caracterizase ainda por uma freqüência fundamental média em torno de 3 000 Hz (vs 1 370 Hz em P kautskyi) e extremos entre 2 000 e 4 000Hz (vs 870-1810 Hz), com harmônicos pouco perceptíveis e composto por notas sem modulação de freqüência e duração em torno de 0,12 s (vs 0,08 s em P kautskyi, e com notas moduladas) Logo, o canto de P kautskyi possui freqüência de emissão cerca de duas vezes mais baixa, além de ser mais curto e acelerado que o canto de P luteolus Sendo assim, ambos podem ser facilmente distinguidos no campo, mesmo onde ambas as espécies são sintópicas, como na Estação Biológica de Santa Lúcia, Santa Teresa De fato, a uma certa distância, o canto de P kautskyi sugere, em sonoridade, a vocalização de uma pequena coruja (como Otus, Strigidae), levando um dos autores (J E S ) a interpretá-lo inicialmente como pertencente a uma ave durante nossos estudos na localidade mencionada acima (Simon, 2000) Semelhança desse tipo, entretanto, não é novidade na literatura, já tendo sido, inclusive, reconhecida de modo mais consistente, por exemplo, entre Proceratophrys boiei (Anura: Lepitodacilidae) e Scytalopus indigoticus (Aves: Rhynochriptidae) (Vielliard, 1990) Em adição, vale ainda realçar que durante nosso experimento de playback com P kautskyi na região de em Santa Teresa (veja acima), ES, um morcego investiu por duas vezes consecutivas sobre o alto-falante do gravador, o que leva a crer que P kautskyi possa constituir-se em um dos itens alimentares de Chiroptera na região estudada Ainda que o morcego não tenha sido identificado, é bem possível que se trate de Trachops cirrhosus (Phyllostomidae), um morcego anurófago que utiliza-se da vocalização da sua presa como meio de detectá-la (Tuttle & Ryan, 1981), existindo, inclusive, registro de sua ocorrência na região de Santa Teresa (A D Ditchfield, comun pess ) Contudo, esse

BOL MUS BIOL MELLO LEITÃO (N SÉR ) 16 2003 53 fato só poderá se confirmar com a repetição do evento seguido da efetiva captura do morcego, permanecendo a sinecologia da vocalização de P kautskyi ainda por ser devidamente investigada Agradecimentos Gostaríamos de agradecer ao ilustre Sr Roberto A Kautsky, pela amizade, hospitalidade e auxílio nos trabalhos de campo durante as gravações de P kautskyi em Domingos Martins, ES, e identificação da bromeliácea A Ulisses Caramaschi, Carlos Alberto G Cruz e José P Pombal-Jr (MNRJ), pelo suprimento de bibliografias e valiosas críticas ao manuscrito A Gustavo M Prado (MNRJ), pelo auxílio na digitalização das gravações e confecção dos sonogramas A Célio F B Haddad (UNESP) e Rogério P Bastos (UFG), pelas sugestões à versão inicial do manuscrito A Albert D Ditchfield (UFES), pelas informações sobre o morcego Trachops cirrhosus E ao CNPq, pelo auxílio financeiro às pesquisas de campo de J E Simon, através do projeto Biodiversidade da Mata Atlântica do Espírito Santo (Processo CNPq N 469 321/2000-8) Referências Bibliográficas ABRUNHOSA, P A, WOGEL, H & POMBAL Jr, J P, 2001 Vocalização de quatro espécies de anuros do Estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil (Amphibia, Hylidae, Leptodactylidae) Bol Mus Nac (Nov Sér, Zoologia): 472: 1-12 BASTOS, R P & HADDAD, C F B 1995 Vocalizações e interações acústicas de Hyla elegans (Anura, Hylidae) durante a atividade reprodutiva Naturalia 20: 165-176 DE LA RIVA, I, MÁRQUEZ, R & BOSCH, J 1995 Advertisement calls of eight Bolivian hylids (Amphibia, Anura) J Herpetol 29 (1): 113-118 DUELLMAN, W E & TRUEB, L 1986 Biology of Amphibians New York: McGraw-Hill DUELLMAN, W E 1999 Patterns of distribution of amphibians Baltimore: Johns Hopkins University Press HADDAD, C F B & SAWAYA, R J 2000 Reproductive modes of Atlantic Forest hylid frogs: a general overview and the description of a new mode Biotropica 32 (4b): 862-871 PEIXOTO, O L & CARAMASCHI, U, 2002 Phyllodytes kautskyi

54 SIMON & GASPARINI: VOCALIZAÇÃO DE PHYLLODYTES KAUTSKYI (HYLIDAE) Geographic distribution Herpetological Review 33 (4): 318 PEIXOTO, O L & CRUZ, C A G 1988 Descrição de duas novas espécies novas do gênero Phyllodytes Wagler (Amphibia, Anura, Hylidae) Rev Brasil Biol 48 (2): 265-272 PEIXOTO, O L, CARAMASCHI, U & FREIRE, E M X 2003 Two new species of Phyllodytes (Anura: Hylidae) from the state of Alagoas, Northeastern Brazil Herpetologica 59 (2): 235-246 SIMON, J E, 2000 Composição da avifauna da Estação Biológica de Santa Lúcia, Santa Teresa-ES Bol Mus Biol Mello Leitão (N Sér ), 11/12: 149-170 TUTTLE, M D & RYAN, M J 1981 Bat predation and the evolution of frog vocalizations in the Neotropics Science 214: 677 VIELLIARD, J M E 1990 Estudo bioacústico das aves do Brasil: o gênero Scytalopus Ararajuba,1: 5-18 WELLS, K D 1977 The social behaviour of anuran amphibians Anim Behav, 25: 666-693 WEYGOLDT, P & PEIXOTO, O L 1985 A new species of horned toad (Proceratophrys) from Espírito Santo, Brazil (Amphibia: Salientia: Leptodactylidae) Senckenbergiana Biol 66 (1/3): 11-8 WEYGOLDT, P 1981 Beobachtungen zur Fortplanzurngsbiologie von Phyllodytes luteolus (Wied, 1824) im Terrarium (Amphibidia: Salientia: Hylidae) Salamandra 17 (1/2): 1-11 WEYGOLDT, P 1986 Beobachtungen zur Ökologie und Biologie von Fröschen an einem neotropischen Bergbach Zool Jb Syst 113: 429-445