Fernão Gomes da Mina Mercador e Conselheiro de Monarcas. I - Relevância económica e política de um cidadão de Lisboa.



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Fernão Gomes da Mina Mercador e Conselheiro de Monarcas Comunicação apresentada na Academia de Marinha pelo Membro Efectivo Aurélio de Araújo Oliveira, em 7 de Fevereiro de 2012 Síntese (NB: Não respeitamos aqui a recente ordenhaçom ortográfica). I - Relevância económica e política de um cidadão de Lisboa. 1. São muito parcos os dados documentais que possuímos sobre esta tão importante figura ligada aos descobrimentos. Teve o destino de muitos outros que viram o seu nome esquecido, porventura, apagado nas crónicas oficiais sobretudo depois dos concertos ordenados quer por Afonso V, quer depois, mais largamente, por D. Manuel. 2. Ignoramos, assim, as datas do nascimento e morte e muitos outros passos importantes desta figura, para além daqueles que constam em João de Barros que nos sumariou o contrato que fez com Afonso V em 1469. Generoso, alías, poi o diz cidadão honrado de Lisboa, enquanto que Pina, se limita a dizê-lo cidadão de Lisboa (Muito pouco. E ambos deveriam ter sabido da enorme relevância deste homem).teremos que buscar outras fontes. 3. É um homem do mar que bem possivelmente terá tido já contacto com o Regente D. Pedro. Não seria a um novato (ainda que jovem) que se tornaria Homem do Tesouro e a quem se entregariam todos os regates da Guiné como se verificou, em 1455. 4. Por isso, desde antes, mas particularmente a partir daí andou cada vez mais envolvido nos tratos do mar (negócios das ilhas e costas de Árica), como em acções políticas e militares - conquistas Alcácer, Arzila e Tanger V-1

(sempre ao lado do Príncipe e - claro - de Afonso V). Particularmente importante (do meu ponto de vista), a presença na conquista e Anafé - um ninho de pirataria que, nas imediações, muito incomodava os tratos e empecilhava os caminhos do Atlântico. Passo estratégico no qual directamente se empenhou. Envolveu-se em significativos apoios financeiros à Coroa; envolveu-se nos tratos com o eixo da Flandres e depois no do Mediterrâneo. Tomou a iniciativa de propor ao monarca o arrendamento de 1469. Já antes, porém, tinha obtido toda a liberdade para ir às partes de Africa onde quisesse e com quaisquer mercadorias que entendesse. 5. Tomou o tão falado arrendamento em 1469 que, por demasiado conhecido, passamos. Não, porém, sem referir um aspecto que não tenho visto sublinhado ou devidamente sublinhado e que, do ponto de vista estratégico é importante iniciando uma estratégia de posse pela sinalização dos lugares atingidos com a colocação de Padrões, que ao tempo de Fernão Gomes, pelos vistos, eram de madeira (possivelmente troncos bem resistentes). Mandaria, depois o monarca (ou o Príncipe?), que daí (1474) para futuro fossem de pedra. Numa altura em que os estrangeiros estavam tentando meter-se nesses mares (e até alguns nacionais (Vide nosso Diogo Gomes de Lagos), esta sinalização de posse para Portugal era de facto, importante. 6. Já desde 1469, mas sobretudo desde 1471 quando tomou também a concessão do circuito de Arguim - a mais importante feitoria na costa de África até à construção da de S. Jorge da Mina - se tornou Fernão Gomes num verdeio potentado territorial-marítimo de que não há conhecimento semelhante na História de Portugal nem na Europa do tempo. Uma dimensão geográfica impressionante e, logo, económica também. Um verdadeiro senhor do Atlântico! 7. Permitia-me sublinhar também - porque também não o tenho visto referido como tal - o seu decisivo papel na reserva e preservação dos espaços marítimos portugueses. Na verdade, e contrariando as iniciativas e pretensões de não-nacionais, na pessoa de António de Nola, a quem Afonso V (temerariamente - segundo Cortesão) concedeu a donataria das ilhas de Cabo Verde), Fernão Gomes veio a envolver-se em grave conflito com o italiano. Na verdade, um verdeiro conluio espano-genovês, impedindolhe(s) circunscrevendo-lhe(s) a presença no estrito espaço que lhe(s) havia sido concedido. Vedar-lhe(s)-ia a pretensão de se alargarem a outros como 2

Fernão Gomes da Mina Mercador e Conselheiro de Monarcas estava(m) tentando. Ao que parece um conflito com aspectos de algua violência. Importa sublinhar este aspecto. É certo que defendia interesses próprios, mas Fernão Gomes tinha um contrato a tempo certo que largaria de mão brevemente - daí a um ano (estamos em 1472). A preservação para além desse tempo, a favor da Coroa e do Príncipe (que a partir das alfândegas de Lisboa, recebidas em 1471, já superintendia aos negócios do mar e do Atlântico. Na verdade, o envolvimento numa acção estratégica de futuro, não para si, mas para a Coroa de Portugal. A sua acção foi definitiva: Circunscreveu, limitou di Nola e os que com ele estavam). Este, pouco depois passar-se-ia para Castela a quando dos conflitos marítimos que chegaram até esses espaços. Uma atitude de verdadeira desforra. Mais: do ponto de vista jurisdicional é um acontecimento deveras importante. Fernão Gomes em 1472 (fim do litígio que levou a melhor), ficou com toda a jurisdição nesses mares: presas e embarcações por aí encontradas, passavam à posse e à mercê do destino que pessoalmente entendesse darlhes. 8. Outro dos aspectos que apraz sublinhar, é que Fernão Gomes acabou por tomar em mãos praticamente toda a construção naval em Lisboa. Logo de seguida a 1469, arrenda tarecenas ao Monarca e torna-se também o controlador do Paço da Madeira Escrivão do Paço da Madeira - que certamente exerceria por interposta pessoa, mas de que ele era o titular). Tudo lugares chave. Ainda com D. Manuel nos inícios do Século XVI alarga ou tenta alargar estas oficinas de construção naval solicitando novos arrendamentos contra o que então se opõe a nobreza a governança 9. Este homem acabaria feito cavaleiro pela sua participação, com armas e com dinheiro, logo nos campos de África, conselheiro régio desde Afonso V a D. João II e ainda com D. Manuel e homem da nobreza do Reino. Se não de sangue, ao menos de dinheiro: E já lá dizia por esses tempos, ou pouco depois, o trovador que o dinheiro é fidalgo e que, o sangue, todo é vermelho! II. Ficou-nos retrato de Fernão Gomes? 1. Eis uma questão, lateral nesta nossa intervenção, embora reconheça que se possa vir a tornar a mais polémica. V-3

Terá ficado algum retrato deste homem, para além de duas pinceladas das crónicas e um ou outro documento disperso? Cremos, seguramente, que sim. Ora, é o retrato desse homem, sem dúvida notável, que hoje, no contexto em que falamos do Mercador e Conselheiro de Monarcas, ousamos deixar à V. consideração. Não é que o encontro de mais um retrato, de per si, represente algo de excepcional, ainda que seja mais uma figura saída do fundo dos Séculos que se nos perfila, quase em carne e osso - como são todas aquelas outras dessa espantosa galeria e vivo mostruário saídos das mãos de Nuno Gonçalves. (E sobre o extraordinário mérito do pintor e da obra nada mais se poderá acrescentar ao que os peritos já disseram, nacionais e estrangeiros. Calar-nos-emos, por isso, aqui). A relevância, segundo creio e passando a modéstia que não me permite ir além de a deixar como hipótese - ainda que bem segura segundo vejo - advém do facto de, em primeiro lugar, ser possível identificar mais uma das figuras do célebre Tríptico dos Descobrimentos contribuindo para ajudar a completar (ou complicar?) a iconografia dos mesmos. Em segundo lugar, por vir dar um contributo para a data mais provável e possível da feitura dos mesmos (embora ande a datação envolvida em grandes polémicas e técnicas muito recentes a tenham já encontrado (ainda que sumida) numa das biqueiras da botas de um figurado). Pelos elementos que vão ficar á disposição dos ouvintes aqui presentes (e amanhã) de quem nos l ler, quase com certeza, o ano de 1475/1476. Nunca antes, pois não nos parece muito credível que essa notável peça do Tríptico tenha sido encomendada, realizada e concluída, toda ela, ainda no decurso de 1475. De qualquer modo, teria que ter sido forçosamente começada depois de 29 Agosto desse ano de 1474 a data em que Fernão Gomes recebeu o Grande Colar de Ouro, de condecoração. 2. Muito se tem escrito sobre os Painéis de Nuno Gonçalves. Já lá vão carradas de tinta. Assim, na possível identificação das figuras como a própria datação e significado, etc. Quanto às figuras, umas de identificação assente, mas outras de identificação incerta, bem problemática, outras de mera suposição, etc. etc. (Dispensámo-nos, por isso, de fazer aqui largo aparato referencial sobre cada uma destas teses e doutas questões. Não é esse o objectivo da nossa intervenção. Obras de mérito, sem dúvida. A mais demolidora, quanto a datas (e logo quanto ao conteúdo), uma das que mais recentemente apareceu (ainda que a idade do suporte possa pouco ou nada ter a ver com a data da realização da pintura). Também não pretendemos 4

Fernão Gomes da Mina Mercador e Conselheiro de Monarcas mover nem demover ninguém. Aqui, tão só, dar a ler e, da nossa parte, depois da leitura e do que acima dissemos, retirar as ilações. 3. Não temos grande dúvida que uma das figuras retrata Fernão Gomes da Mina - o maior personagem do Reino a quem todo o reino e o próprio rei reverenciavam. Bem sei que alguns peritos atribuíram já este retrato a outras figuras (da nobreza, muito menores, para não dizer irrelevantes, sem qualquer dúvida, em relação ao Fernão Gomes). E se o Tríptico representa as gentes e a gesta do mar quem, com mais créditos se lhe poderia avantajar? Foi a personagem que o Monarca mais apreciava entre todas e a quem, por sua vez, todo o Reino mais prezava e respeitava. Além disso, estamos nos tempos em que a figura e papel de D. João, é já decisiva. Um Príncipe (depois e monarca) em tudo muito mais afeiçoado à burguesia que à nobreza. Mas deixemos este argumento que pode ser menor. 4. Baseamo-nos para uma e outra das propostas na efectiva relevância deste personagem nos meios económicos, sociais, políticos e marítimos da capital e do Reino mas, sobretudo, na descrição e no testemunho documentais que nos ficaram, ainda que breves e sucintos: um, do punho de João de Barros, que cremos todos terem passado em branco - quanto a este assunto; outro, na relevância, também nunca atendida, dada e testemunhada na prosa do Cancioneiro Geral acerca de Fernão Gomes, - que se tornou, na figura mais importante de todo o Reino após a "descoberta da Mina do Ouro"! Dois documentos escritos, (apesar de impressos há muito, muito tempo, conjugando um testemunho que me parece, difícil de ultrapassar (para além da lógica representativa, evocativa e apologética das gentes do mar, que os Painéis, sem dúvida, consagram e representam). Ora, a apoteose das descobertas e o sucesso da Gesta do Mar, deu-se, nesse tempo, com a integração do Golfo. Precisamente um feito recente - espantoso pela rapidez com que acabava de se verificar; de extraordinária relevância económica - como acabava de se comprovar. Tudo isso se representava, incarnava e personalizava em Fernão Gomes cabeça dos homens que o conseguiram. (NB: Creio que ninguém apontou lá o Infante D. Pedro, mas isso parece também óbvio nesta altura, mas deveria estar em 1445 ou entre 1445-1449 - uma das datas a que alguns atribuem à Obra! Como arriscaria um pintor da Corte (nessa data ou nessas datas, deixar de lado o Regente, tão respeitado e louvado das gentes do mar (para além de algumas capas da aristocracia nobiliárquica). Isto é, tão só, a primeira figura do Reino? Esse notável Regente responsável por toda a política metropolitana e ultramarina nacional e um dos mais ilustrados príncipes da Europa de então? V-5

5. Poderiam alguns usar colares ao pescoço. Aliás, alguns, depois, tilintam, às vezes, aqui e ali, ajudando a ritmar e a musicar algumas das estrofes do Cancioneiro. Mas esta moda e esta ostentação, tinha começado antes. E todos quiseram depois imitar o Fernão da Mina! Todos esses blazonadores, porém, teriam que os adquirir por si próprios. Nenhum, como a Fernão Gomes, que lhe tivesse sido posto e ao que as palavras de Barros directamente mostram oferecido pelo Rei que lho pôs ao colo, isto é, ao peito. Uma autêntica condecoração e reconhecimento públicos do Monarca, da Coroa e do Reino! Por isso se diz na prosa do Cancioneiro que o Monarca não permite, ou antes, que "despreza qualquer outro bailador". E logo com D. João II mesmo quando Príncipe!. Não era qualquer um que bailava com o monarca ou com o seu filho que, desde 1471 ou 1474 tinha nas mãos todo o negócio dos mares. Um Príncipe depois um Monarca que segundo Resende só com o seu olhar corrigia tudo e todos! Não era qualquer um que - perante o monarca (fosse Afonso V, fosse, sobretudo, D. João) se apresentasse e se perfilasse como merecedor e digno de toda a honra e mercê que lhe fosse feita. 6. Havemos de reparar também que Fernão Gomes se passeava, isto é, se ostentava nas ruas de Lisboa rodeado e uma verdadeira corte, carregado de ouro, com aparato de príncipe! (NB. Nestas estrofes do Cancioneiro -que vão abaixo observe-se também a sua permanente e íntima ligaçãoassociação ao Príncipe. Os povos, ao que parece, distinguiam já muito bem por mãos de quem corriam as coisas do mar e não só). 7. Tão eminente personagem, respeitando, embora, hierarquias que os tempos assim o exigiam - nunca deixaria de ser "tratada" por Nuno Gonçalves - um contemporâneo atento, um homem do Renascimento ainda, por cima, numa galeria cuja temática se reporta, por inteiro, à Gesta das Descobertas e do trato marítimo, que tão largas cobiças despertava já na Europa do tempo e, gora, rematadas com a espectacular integração da Mina do Ouro. Um raro testemunho pictórico como querendo fixar os homens que fariam e permitiriam o sucesso de Gama e a fortuna do Venturoso! O tempo em que aparece é, por isso, outro dos argumentos documentais que acrescenta também verossimilhança à hipótese aqui deixada. Em 1475/1476 consagrase o espanto e o espectáculo do ouro.. 8. Ao lado da pintoresca, mas sugestiva descrição do Fernam Gomez da Myna, "apanhado" nas ruas de Lisboa pelo bardos e "retratistas" do 6

Fernão Gomes da Mina Mercador e Conselheiro de Monarcas Cancioneiro o que, sem dúvida, capta o inusitado do aparato e a ousadia da ostentação sem que ninguém o ousasse beliscar fica agora, daqui em diante, a imagem e a fisionomia do Mercador, do Cavaleiro nobilitado e do Conselheiro Régio tirada ao natural por Nuno Gonçalves. Fiquem, para a História e para a História da Arte, a verdadeira condecoração que o monarca lhe lançou ao pescoço e lhe pôs no peito. Verificar-se-á que é, essa figura, entre todas, a única que ostenta o aparatoso cordão de ouro ao peito, sobre as vestes, bem visível. (Aliás, também a fisionomia de um homem de sessenta de tantos anos que tantos teria Fernão Gomes por esta altura). Penso que, para a sua a sua legenda, podem ficar as estrofes directas do Cancioneiro de Resende e a tão breve passagem de Barros: "Se m a mym nã mente Ayxa, se me Conba nam enguana, sey bailar melhor mangana que dançar alta nem baixa. O Rey guaba e despreza qualquer outro bailador, ysto provarey à Alteza do Prinçepe nosso Senhor. Ando por ruas a pee, meus brozeguys com recramos, criados, compadres, amos, tudo casta de Guynee. Todo Portugual me preza, porque fuy descobridor da Mina de Su Alteza, do Prinçepe nosso Senhor". (Garcia de Resende, Cancioneiro Geral. Centro de Estudos Românicos. I. A. C. Coimbra. 1973-74. II. 126). Por último, fique o testemunho, as palavras tão breves (mas preciosas) de João de Barros, em texto muito lido e utilizado por todos nós, ainda que não, com este fim. V-7

A primeira parte reporta-se aos contractos e serviços (por isso aqui a omitimos); a última, à merecida recompensa que documenta e sustenta a hipótese para uma outra leitura, de uma figuras dos trípticos de Nuno Gonçalves:. E porque descobrio o resgate do ouro da Mina, foy dado a Fernam Gomes apellido da Mina com ármas desta nobreza"./ porque depois este Soeiro Dacósta descobrio o rio a que óra chamámos o de Soeiro, que está entre o cábo das palmas e as tres pontas, vezinho a cása de Axem onde se faz a feitoria do resgáte do ouro.(vide alusão directa na estrofe supra) O qual contracto foy feito no anno de quatro centos e sessenta e noue... Peró depois ouue o mesmo Fernam Gomez do principe este resgate de Arguim por certos annos, /...E foy Frernam Gomez tam diligente e ditóso em este descobrimento e resgáte delle, que lógo no janeiro de quatrocentos e setenta e hû, descobrio o resgáte do ouro onde óra chamámos a Mina... e nam sómente descobrio Fernam Gomez este resgáte do ouro, mas chegarã os seus descobridores pela obrigação do seu contracto té o cábo de Sancta Catherina: que é alem do cábo de Lopo Gonçaluez trinta e séte léguoas.. No qual tempo ganhou Fernam Gómez muy grossa fazenda, com que depois seruio el rey: assy em Cépta como na tomáda de Alcacer, Arzila e Tangere, onde el rey o fez caualeiro. E no anno de quátro centos e setenta e quatro, que foy o derradeyro de seu arrendamento lhe deu nobreza de nouas ármas, hû escudo timbrádo com o campo de práta e tres cabeças de negros, cada hû com tres aries douro nas orelhas e narizes, e hû collar de ouro ao collo, e por apellido da Mina, em memória do descobrimento della, e disso lhe passou cárta a uinte e nóue dagosto do dito anno. Depois passádos quatro annos o fez do seu conselho: porque já neste tempo éra o commercio de Guine e resgáte da Mina de tanto proueito, e ajudáua tanto em substancia ao estádo do reyno, polo boa jndustria de Fernam Gómez, que assy por este seruiço como por outros particuláres de sua pesóa merecia toda a honra e merce que lhe fose feyta". (João de Barros, Ásia. Primeira Década. Imprensa Nacional Casa da Moeda. Edição Fac-Símile. Lisboa. 1988. 65-67. Sublinhados, nossos). 8

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