Desenho de uma poiesis

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Transcrição:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Desenho de uma poiesis comunicação de um processo coletivo de criação na arquitetura Daniel Ribeiro Cardoso DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Área de concentração: Signo e significação nas mídias Linha de pesquisa: Processo de criação nas mídias Orientadora: Profa. Dra. Cecilia Almeida Salles Coorientador: Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira São Paulo 2008

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial do corpo da tese, por qualquer meio seja convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Daniel Cardoso São Paulo, de maio 2008.

Banca Examinadora São Paulo, de maio 2008

de meu pai... ao José

AGRADECIMENTOS Aos professores do Curso de Pósgraduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP pelos encontros que resultaram na formação da pesquisa. Sou especialmente grato ao Prof. Jorge Vieira e à Prof a. Cecília Salles pelo acolhimento, conversas e correções no processo de desenvolvimento. Sou grato ao Grupo de Pesquisa em Processos da Criação PUCSP, ao Núcleo de Estudos de Semiótica e Complexidade PUCSP pelas leituras e discussões. Agradeço aos professores do Departamento do de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará, Prof. Ricardo Bezerra pelo acolhimento no Grupo de Pesquisa em Arquitetura, Urbanismo e Desenvolvimento, ao Prof. Roberto Castelo e Prof. Clovis Jucá Neto abertos e generosos no compartilhamento do conhecimento. Aos alunos de arquitetura: Francisco Jeffeson, Lucy Donegan, Hector Rocha, Jean Marcell Parente pela disposição, rapidez e eficiência em alguns dos levantamentos arquitetônicos. Ao Prof. Almir Leal de Oliveira do Departamento de História da Universidade do Ceará, pelos esclarecimentos sobre a formação da região estudada. Ao mestre Luiz de Meu Chico pela generosidade em partilhar sua memória e conhecimento do processo de formação das casas. Às arquitetas e agora pesquisadoras Adriana Gurgel e Larissa Menescal pelo envolvimento inicial na pesquisa. Sou também grato ao Filipe Cruz e Deweyne da Silva pelo apoio nos levantamentos arquitetônicos e pesquisas de campo. Ao CNPq pela bolsa concedida para realização da pesquisa. Ao André Paes pelas conversas, dedicação e presença fundamental no desenvolvimento, implementação, testes e correções do sistema. Agradeço ao Grupo de Redes de Computadores, Engenharia de Software e Sistemas da Universidade Federal do Ceará (GREat.UFC) pelo acolhimento através do Projeto de Pesquisa LG coordenado pela prof. Dra Rossana Maria de Castro Andrade, a quem especialmente sou grato. Ao Saulo Passos e Ronaldo Mota que, apesar dos contratempos na esteriolitografia, sempre os encontrei cedo e já entusiasmados na produção dos protótipos. Ao Sr. José, Sr a Rita, Sr a. Anaides, Sr a. Gerarda, Sr. João Borges, Sr. Joaquim, Sr. Paulo, Sr a. Francisca Bezerra, Sr a. Ivanilde, Sr a. Francisca Holanda, Sr. Jerônimo e todos os proprietários que cuidam de suas casas e da identidade da região. Sou grato ao Marcos e Patrícia Naspolini por terem continuado a expressar uma possível atualização do tipo da região. À Christine Mello, desde o princípio. Agradeço à Andréia Moassab pelas objeções. À Aléxia Brasil firme e serena. À Vivi e Regina pelo apoio incondicional e paciência.

Résumé/Resumo/Abstract

RÉSUMÉ CARDOSO, Daniel R. Dessin d'une poiesis: la communication d un processus collective de création dans la architecture. 2008. 109 f. Thèse (Doctoral) Universidade Pontifícia Católica de São Paulo, 2008. Dessin d'une poiesis: la communication d un processus de création dans la architecture est assignée comme un domaine de recherche de la Visualité. Étant donné que c est un travail lié à la visualisation scientifique, les recherches seront orientées vers la représentation et la communication au moyen d'images graphiques visuels. L objectif de cette thèse est de réfléchir sur des questions concernant les processus de génération et sur la forme appropriée de les représenter. Le processus de formation de la typologie dans l'architecture est adopté comme l objet de la recherche. Objet propre d'une culture, le type est considéré comme un élément qui sert de principe général de formation, un mécanisme supraindividuel nécessaire à la construction de sens et de l identité d'une société. Dans ce sens, les maisons, instantiation de la même logique de création, sont des voies qui expriment une intelligence collective. Etant donné l importance de la grandeur de l'échelle à la perception de son évolution, l'objet a été considéré dans l'architecture formée entre 1890 et 1980, dans la région de Cajuais et de Mutamba, du littoral sud du Ceará. Dans ce contexte, se posent quelques questions clés liées à la problématique de la thèse: Comment préserver des processus de génération d'un objet culturel? Comment garder quelque chose qui est par nature en état de fonctionnement et informationnel? Ou mieux encore, comment représenter convenablement une poiesis? Dans les possibles réponses à ces questionnements, se trouve le fondement de l'hypothèse de la thèse qui considère la grammaire de génération de la forme comme le signe le plus approprié à la représentation d'une poiesis. Les théories articulées pour supporter le développement de la recherche sont distinctes. Néanmoins, le réseau tissé se trouve dans un espace commun, dans un environnement où les théoriciens règlent les questions du signe et de la signification selon la pensée de Charles S. Peirce. Le fondement théorique se constitue à partir de trois axes majeurs: la Théorie Générale des Systèmes, au sens de Bunge et Vieira, dans laquelle se cherchent des concepts et des méthodologies en les justifiant à la seconde ligne la Critique Génétique telle que proposée par Salles qui recherche des principes généraux de la création; et la Sémiotique comme base pour les questions de la représentation et de la communication de processus. En outre, des auteurs tels que Chomsky, Prusinkiewics, Stiny, Duarte, pour ne citer que ceuxlà désignent également la grammaire comme représentation du processus dans des systèmes de sémiotique. À la fin, est proposé un système générateur de formes comme un signe ajusté à la poiesis qui fonctionne avec la logique évolutive trouvée dans l'objet. Par conséquent, le résultat de la recherche est non seulement un outil qui spécule sur la génération et la visualisation de formes futures, mais également c est une voie d'accès pour le développement de la critique génétique. Motsclés: communication visuelle, critique génétique, représentation des processus, poiesis, morphogenèse, grammaire.

RESUMO CARDOSO, Daniel R. Desenho de uma poiesis: comunicação de um processo coletivo de criação na arquitetura. 2008. 109 f. Tese (Doutorado) Universidade Pontifícia Católica de São Paulo, 2008. Desenho de uma poiesis: comunicação de um processo coletivo de criação na arquitetura inserese no domínio das pesquisas da visualidade. Como um trabalho ligado à visualização científica, equiparase às investigações sobre representação e comunicação por meio de imagens gráficovisuais. O propósito da tese é refletir sobre questões relativas aos processos de geração e à forma adequada de representálos. Adotase como objeto da pesquisa o processo de formação de uma tipologia na arquitetura. Objeto próprio de uma cultura, o tipo é entendido como um elemento que serve como princípio geral de formação, um mecanismo supraindividual necessário à construção de sentido e identidade de uma sociedade. Nessa acepção, as casas, instanciações de uma mesma lógica de formação, são meios que expressam uma inteligência coletiva. Dada a escala necessária à percepção de sua evolução, o objeto foi considerado na arquitetura formada entre 1890 e 1980, na região de Cajuais e Mutamba, litoral sul do Ceará. Nesse contexto, apresentamse algumas das questões constituintes da problemática da tese: Como preservar processos de geração de um objeto cultural? Como guardar alguma coisa que é por natureza operativa e informacional? Ou, ainda, como representar adequadamente uma poiesis? Nas possíveis repostas a esses questionamentos está o cerne da hipótese da tese que considera a gramática de geração da forma o signo mais adequado à representação de uma poiesis. São linhas distintas as teorias articuladas para apoiar o desenvolvimento da pesquisa. Contudo, a rede tecida encontrase num espaço comum, num ambiente onde teóricos concertam questões do signo e da significação em coerência com pensamento de Charles S. Peirce. A fundamentação teórica se constitui a partir de três linhas: a Teoria Geral dos Sistemas, na acepção de Bunge e Vieira, nos quais se buscam conceitos e metodologias ajustandoas à segunda linha; a Crítica Genética, precisamente na forma proposta por Salles, que busca por princípios gerais dos processos de formação; e a Semiótica, como fundamento para as questões da representação e comunicação de processos. Aqui, especificamente, são considerados autores como Chomsky, Prusinkiewicz, Stiny, Duarte, entre outros que também apontam para a gramática como representação de processo em sistemas semióticos. Ao fim, propõese como um signo adequado à poiesis um sistema gerador de formas que opera com a lógica evolutiva encontrada no objeto. Deste modo, temse como resultado da pesquisa não só uma ferramenta que especula sobre geração e visualização de formas futuras, como também um caminho para o desenvolvimento da Crítica Genética. Palavraschave: comunicação visual, crítica genética, representação de processo, morfogênese, poiesis, gramática.

ABSTRACT CARDOSO, Daniel R. Drawing a poiesis: communication of a collective process of creation in architecture. 2008. 109 f. Thesis (Doctoral) Universidade Pontifícia Católica de São Paulo, 2008. Drawing of the poiesis: communication of a collective process of creation in architecture is assigned as a domain of the visuality research. As a work related to scientific visualization, it can be compared to the investigations on representation and communication through visual graphic images. The purpose of this thesis is to reflect on issues concerning the processes of generation and the adequate way to represent them. The process of the form development tipology in architecture is adopted as the object of the research. As a proper object of a culture, the type is perceived as an element that serves as a general principle of creation, a supraindividual mechanism needed for the construction of meaning and identity of a society. In that sense, the houses, instantiation of the same logic of creation, are ways that express a collective intelligence. Given the necessary scale for the perception of its evolution, the object was found in the architecture formed between 1890 and 1980, in the region of Cajuais and Mutamba, southern coast of Ceará. In that context, there are some issues concerning the problematic of the thesis to be considered: How to preserve the processes of generation of cultural object? How to apprehend something that is by its nature operative and informative? Moreover, how to represent adequately a poiesis? The answers to these questions are the hypothesis crux of the thesis that considers the grammar of the form development most appropriate sign to represent for the representation of a poiesis. The articulated theories to support the development of the research are distinct. However, the composed network is in a common area in a environment where theoreticians settle the issues of sign and meaning according to the thinking of Charles S Peirce. The theoretical foundation is based on three views: the new General Theory of Systems as defined by Bunge and Vieira, in which it seeks concepts and methodologies adjusting them to the second view; the Genetic Criticism as proposed by Salles that searches general principles of the creation processes; and Semiotic as a basis for the issues of representation and communication processes. Furthermore, it will be considered authors like Chomsky, Prusinkiewics, Stiny, Duarte, among others that point out the grammar as a representation of process in semiotics systems. Finally, it is proposed a sign poiesis appropriate to a system generator of forms that operates with the evolutionary logic found in the object. Therefore, the result of the research is not only a tool that speculates the generation and the visualization of future forms, but it is also a path for the development of Genetic Criticism. Keywords: visual communication, genetic criticism, representation of morphogenesis, grammar. process, poiesis,

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 001: Distribuição da amostra de casas no tempo... 24 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de pesquisa de campo Figura 002: A terra vista de cima e por dentro... 31 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir de imagem fornecida pelo Instituto de Ciência do Mar (LABOMAR UFC) e foto do autor Figura 003: Foto justapostas de casas de Mutamba e Cajuais... 32 Fonte: Acervo do autor Figura 004: Partes da casa... 34 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir da casa 005 Figura 005: Fotos da explicação de Luiz de Meu Chico sobre o processo de marcação do corpo da casa. Na última foto, com destaque da marcação... 37 Fonte: Acervo do autor Figura 006: Figura 006. Gráfico de participação da Agropecuária, Indústria e Serviços no PIB Municipal... 34 Fonte: Diagramas elaborados pelo autor a partir de base de dados do IBGE Figura 007: Identificação e referências geográficas das 27 casas sobre imagem de satélite da região de Mutamba e Cajuais... 43 Fonte: Mapa do autor realizado a partir de pesquisa de campo e imagem fornecida pelo Instituto de Ciência do Mar (LABOMAR UFC) Figura 008: Identificação, proprietário e características de 3 das 12 casas referentes ao grupo 2 da região de Mutamba e Cajuais... 44 Fonte: Mapa do autor elaborado a partir do acervo do autor e pesquisa de campo Figura 009 Identificação, proprietário e características de 9 das 12 casas referentes ao grupo 2 da região de Mutamba e Cajuais... 45 Fonte: Mapa do autor elaborado a partir do acervo do autor e pesquisa de campo Figura 010. Formulário de pesquisa de campo (inicial)... 47 Fonte: Formulário elaborado pelo autor Figura 011. Identificação do corpo, alpendre e expansão... 50 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir da planta baixa da casa 005

Figura 012. Formulário para levantamento arquitetônico preliminar... 50 Fonte: Formulário elaborado pelo autor Figura 013. Gráfico de inclinações... 53 Fonte: Gráfico elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 014. Regressão linear do ângulo de inclinação no tempo... 53 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 015. Orientação do corpo da casa com referência à via de acesso... 54 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 016. Relação L t /F t ocorrência individuais... 55 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 017. Foto da casa geminada ID:067... 56 Fonte: Acervo do autor Figura 018. Diagrama de aproximações da relação L t /F t... 56 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 019. Diagrama área do corpo ocorrência individuais... 56 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 020. Diagrama de aproximações da variável área do corpo... 57 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 021. Diagrama de aproximações da variável F t frente do corpo... 57 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 022. Diagrama de relação entre frente, proporção e área do corpo... 58 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 023. Regressão linear da frente (F t ) e altura (H i )... 59 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 024. Proporção dos retângulos e retângulo médio 066... 59 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 025. Reconstrução individual dos perfis em escala e sem escala, justos na base... 60 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 026. Linhas gerais de formação da casa de Mutamba e Cajuais... 61 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de dados da pesquisa de campo Figura 027. Reconstrução da casa a partir das diretrizes de formação encontrada... 61

Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir de índices encontrados na pesquisa Figura 028. Foto da casa Id.:001... 63 Fonte: Acervo do autor Figura 029. Foto Sr. José Oceliano de Oliveira... 63 Fonte: Acervo do autor Figura 030. Foto da casa Id.:004... 63 Fonte: Acervo do autor Figura 031. Foto Sr. Paulo Simão da Costa... 63 Fonte: Acervo do autor Figura 032. Foto da casa Id:005... 63 Fonte: Acervo do autor Figura 033. Foto Sra. Francisca Bezerra... 63 Fonte: Acervo do autor Figura 034.Foto da casa Id.:010... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 035. Foto Sra. Maria Rita dos Reis... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 036. Foto da casa Id:028... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 037. Foto Sra. Ivanilde Maria da Costa... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 038. Foto da casa Id.: 041... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 039. Foto Sr. Joaquim Lourenço Soares... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 040. Foto da casa Id.: 042... 64 Fonte: Acervo do autor Figura 041. Foto Sra. Anaides Borges de Carvalho... 65 Fonte: Acervo do autor Figura 042. Foto da casa Id.: 059... 65 Fonte: Acervo do autor

Figura 043. Sr. João Borges Neto... 65 Fonte: Acervo do autor Figura 044. Foto da casa Id.: 062... 65 Fonte: Acervo do autor Figura 045. Foto Sra. Maria Borges do Nascimento... 65 Fonte: Acervo do autor Figura 046. Foto da casa Id.: 063... 66 Fonte: Acervo do autor Figura 047. Foto Sr. José Jerônimo Reis de Souza... 66 Fonte: Acervo do autor Figura 048. Foto da casa Id.: 064... 66 Fonte: Acervo do autor Figura 049. Foto Sra. Gerarda Costa Borges... 66 Fonte: Acervo do autor Figura 050. Foto da casa Id.: 076... 66 Fonte: Acervo do autor Figura 051. Foto Sra. Francisca Holanda Rebouças... 66 Fonte: Acervo do autor Figura 052. Desenho de levantamento referente à casa 005... 67 Fonte: Desenho do autor Figura 053. Grafo valorado dos ambientes... 68 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir do levantamento dos usos da casa Id.:005 Figura 054. Grafos... 68 Fonte: Diagramas elaborados pelo autor a partir do levantamento arquitetônico, através do sistema Agna 2.1 Figura 055. Grafos... 69 Fonte: Diagramas elaborados pelo autor a partir do levantamento arquitetônico, através do sistema Agna 2.1 Figura 056. Estados de formação da casa 005... 72 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 057. Estados de formação da casa 064... 72 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor

Figura 058. Especialização, pesos e regras de divisão de zc zd... 73 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 059. Especialização, pesos e regras de divisão de ze... 74 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 060. Especialização, pesos e regras de divisão de za zp... 75 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 061. Estados da forma assumida por zp, a partir dos três estados iniciais... 77 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir de pesquisa de campo Figura 062. Relação do ambiente na formação da casa 005... 80 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 063. Relação do ambiente na formação da casa 064... 80 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 064. Quadro etimológico da palavra gênese... 95 Fonte: Quadro elaborado pelo autor a partir dos dicionários de Isidro Pereira, Ermout e Hauaiss Figura 065. Diagrama de estados finitos dos ambientes da Zona de Corpo... 106 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor Figura 066. Tipos de linguagens formais e de gramáticas de Chomsky... 107 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de Kelley. Figura 067. Tipos de linguagens formais e classes de Lsystem... 110 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de Prusinkiewicz. Figura 068. Desenvolvimento do fractal de Koch... 110 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir de Prusinkiewicz. Figura 069. Visualização gráfica da Anabaena Catenula... 112 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir de testes de implementação em JAVA 3D. Figura 070. Fragmento da Carta da Capitania do Ceará de 1818 com indicação do Povoado de Motamba... 114 Fonte: Carta da Capitania do Ceará 1818 / levantada por ordem do Governador Manoel Ignacio de Sampaio por seu ajudante e ordens Antonio José de S. Paulet. Biblioteca Nacional (Brasil) / Arch. Militar/ Cartografia ARC.008,01,030. Figura 071. Carta da Capitania do Ceará 1818... 115 Fonte: Carta da Capitania do Ceará 1818 / levantada por ordem do Governador Manoel Ignacio

de Sampaio por seu ajudante e ordens Antonio José de S. Paulet. Biblioteca Nacional (Brasil) / Arch. Militar/ Cartografia ARC.008,01,030. Figura 072. Estradas Coloniais no Ceará... 115 Fonte: Mapa elaborado pelo autor a partir da Carta da Capitania do Ceará 1818 / levantada por ordem do Governador Manoel Ignacio de Sampaio por seu ajudante e ordens Antonio José de S. Paulet. Biblioteca Nacional (Brasil) / Arch. Militar/ Cartografia ARC.008,01,030.; a partir de informações da pesquisa A urbanização do Ceará setecentista de Jucá (2007); e a partir da pesquisa Notas sobre as casas de fazenda dos Inhamuns (1984) de Bezerra. Figura 073. Fazenda Belmonte 1835... 117 Fonte: Imagens elaboradas pelo autor a partir das informações da pesquisa Notas sobre as casas de fazenda dos Inhamuns de Bezerra (1984). Figura 074. Fazenda Trigueiro (início XIX) médio Jaguaribe... 118 Fonte: Acervo Nicolas Gondim e Tibico Brasil. Figura 075. Fazenda Santarém (início XIX) baixo Jaguaribe... 119 Fonte: Foto acervo de Almir Leal de Oliveira e desenhos do acervo de Clóvis Jucá Figura 076. Forma inicial e parâmetros para desenvolvimento da gramática dos mestres 126 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor, gerada em Blender 4.5 a partir da implementação inicial, em Python, da gramática dos mestres. Figura 077. Foto protótipo de uma casa gerada a partir da gramática dos mestres... 126 Fonte: Protótipo gerado a partir da gramática dos mestre, código disponível em < http://www. morphogenese.com.br>. Figura 078. Imagens das casas geradas a partir da gramática dos mestres... 129 Fonte: Modelos gerados pelo autor a partir da gramática dos mestres implementada em Python para Blender 4.5. Figura 079. Exemplo de Lsystem celular... 130 Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir de Prusinkiewicz. Figura 080. Imagens das casas geradas a partir da gramática dos moradores... 135 Fonte: Modelos gerados a partir da gramática dos moradores, código disponível em < http:// www.morphogenese.com.br>. Figura 081. Fotos realizadas durante a identificação e reconhecimento dos protótipos... 136 Fonte: Acervo do autor.

LISTA DE TABELAS Tabela 001 Identificação dos mestrescarpinteiros... 38 Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir de pesquisa de campo Tabela 002 As 27 unidades selecionadas para etapa posterior da pesquisa de campo... 49 Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir de pesquisa de campo Tabela 003 Dados morfologia... 51 Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir de pesquisa de campo Tabela 004 Índices de morfologia do corpo... 52 Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir da Tabela 003 Tabela 005 Freqüências... 57 Fonte: Tabelas organizadas pelo autor a partir de pesquisa de campo Tabela 006 Ângulos de inclinação da coberta do alpendre... 60 Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir de pesquisa de campo Tabela 007 Ângulos de inclinação da coberta do alpendre... 62 Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir de pesquisa de campo

LISTA DE SÍMBOLOS a 0.33 b representa uma regra de produção, como exemplo: S ae, lêse S produz ae. produção com probabilidade de 33% de ocorrência. a(x): x 10: ab produção paramétrica. opção de produção, como exemplo: E aa B a, E é substituída por aa ou por B ou por a. derivação é a substituição de uma subpalavra de acordo com a regra de produção. ε seqüência vazia. {ε} linguagem vazia, denotada também como conjunto vazio. ω cardinalidade de ω, é o número de símbolos que compõe a palavra ω. * + Iteração de Kleene, ou estrela de Kleene: Σ * = Σ {ε}. Σ + representa o conjunto de todas, exceto a palavra vazia: Σ + = Σ * {ε}. # complemento. {x x>1} os x tal que x maior que um. a b a b a ou b a e b

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 21 CAPÍTULO I... 29 exsistō: sair da terra; aparecer; mostrarse; existir Objeto instanciado... 32 Processo de construção... 37 Tipo... 39 Ambiente... 42 Corpus... 46 CAPÍTULO II... 83 genĕsis: posição dos astros relativamente ao seu nascimento; estrela; sina Crítica Genética... 88 Expansão da Crítica Genética... 90 Crítica de Processo... 96 Por uma abordagem do processo de formação... 99 Sobre organização e gramática... 103 Por uma abordagem formal da gramática... 105 Idéias de Lindenmayer... 109 Visualização... 111 À montante... 114 Casa de fazenda... 117 CAPÍTULO III... 123 in futura: sobre futuros Gramática dos mestres... 126 Gramática dos moradores... 130 Considerações finais... 137 BIBLIOGRAFIA... 139 ANEXO I... 155 ANEXO II... 167 ANEXO III... 187 ANEXO IV... 213

Introdução

23 Guardar uma coisa não é escondêla ou trancála. Em um cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perdese a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhála, fitála, mirála por admirála, isto é, iluminála ou ser por ela iluminado. Antonio Cícero A s questões que motivam este trabalho advieram da pesquisa de mestrado 1, que se propôs a uma investigação sobre a poiesis, sobre o processo de geração de uma obra de arte realizada com os novos meios uma obra em arte eletrônica. Dada a complexidade do objeto estudado e a particular característica dos documentos de processo 2 encontrados, a elaboração de diagramas 3 mostrouse útil à apreensão das relações entre os diversos índices do processo, ajudando a revelar tendências e dinâmicas de formação da obra. Não obstante o diagrama tenha se mostrado eficaz naquele momento, o problema da representação persistiu. Ou seja, questões de como representar adequadamente uma poiesis estavam abertas. Como representar algo que é de natureza operativa? Alguma coisa não tangível, que não se mostra diretamente aos sentidos? Ainda noutros termos, como representar aquilo que é aparentemente sem contorno definido, sutil, tênue? 1. A dissertação de mestrado defendida em 2003 com o título completo de [arte comunicação]: processos de criação com os novos meios, considerou especificamente os índices de processo das obras LAPIS/X e ad finem de Carlos Fadon Vicente mostradas na exposição Investigações: o trabalho do artista em 2000 no Itaú Cultural de São Paulo. 2. Termo geral proposto por Cecilia Almeida Salles, que mostrouse mais adequado à expansão dos objetos de estudos pertinentes à Crítica de Processo. Denominação que se contrapõe a termos restritivos, específicos a cada domínio, como rascunho, manuscrito etc., pertinentes à Crítica Genética. 3. Na dissertação foi proposta a construção de Espaço de Estados que são constructos que apresentam visualmente a evolução de uma ou mais características do sistema.

24 Aquilo que Vincent Colapietro 4, recorrendo a uma figura, melhor traduz na questão: como propor um signo adequado ao vôo errante e encantador das borboletas sem, contudo, ter que fixálas numa cortiça de fundo de uma caixa taxonômica? Esta foi uma das questões abertas na dissertação, reavivada com o projeto de pesquisa de doutorado e incorporada como guia deste trabalho. Questão constitutiva da problemática da tese e que parecia, à época, inserirse num âmbito formado ainda com bordas imprecisas, numa superposição 5 de áreas como semiótica, comunicação, lingüística 6, ciência da computação, morfogênese e todas aquelas que, como a Crítica de Processo 7, interessamse pelos processos de formação, ou seja, pela poiesis. Limites que melhor se definiriam e se configurariam quando vistos através de uma teoria geral, ou seja, de um conjunto de conceitos que vai além das particularidades fáticas do objeto, uma teoria sistêmica. Precisamente, a nova Teoria Geral dos Sistemas proposta por Mario Bunge e Jorge Vieira, como uma possível Ontologia Científica 8. Oportuno ressaltar ainda, que subjaz à pesquisa como seu substrato, as idéias fundamentais do contínuo 4. Uma das considerações propostas pelo professor Vicent M. Colapietro, em encontro de orientação de pesquisa realizado em agosto de 2006. 5. "We shall presently introduce two specific concepts of associatioin: those of juxtaposition or physical sum, and of superposition or phisical product. Two things placed side by side add or juxtapose, while two fluids, when mixed, superposed" (BUNGE, 2004a, p.39, grifos meus). A superposição diferente portanto de uma mera justaposição de áreas estabelecidas como distintas do conhecimento, constituise no âmbito da transdisciplinaridade e, por isso, num espaço com limites ainda não muito claros. 6. A lingüística pode ser definida como o estudo científico da linguagem. Em meados do século XX o campo da lingüística teórica ganha força com pesquisas e trabalhos publicados por Noam Chomsky. A ele é creditado ter transformado a lingüística americana, que de um ramo da antropologia passou a ser considerada uma ciência matemática. (DEVLIN, 2002, p.74). 7.Crítica Genética fundamentada na teoria semiótica de Charles S. Peirce, como proposta pelo Centro de Estudos de Crítica Genética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CECG PUC/SP). Atualmente o grupo tem como objeto de estudo o processo de criação, tanto que se sugere a alteração do nome do centro para Grupo de Pesquisa sobre Processo de Criação. 8. Adotase, neste trabalho, o significado de ontologia como proposto por Vieira (2007, p.3035) em seu livro Ontologia: formas de conhecimento arte e ciência. Sigo as palavras do autor, sem acrescentar comentários. Diz ele:... Estaremos seguindo a proposta de Bunge segundo a qual a Teoria Geral de Sistemas é uma boa candidata ao que poderíamos chamar de Ontologia Científica, uma proposta que permitiria uma maior eficiência no tratamento das ciências a partir de suas raizes ontológicas. [...] A Ontologia pode ser definida como outro nome da Metafísica, o estudo do ser enquanto ser, com independência de suas determinações particulares. Embora, a rigor, haja diferenças entre as duas áreas, é nesse sentido que estamos adotando aqui uma certa identificação entre uma Teoria da Realidade (Metafísica) com uma Teoria do Ser ou dos Objetos (Ontologia). Mais ainda, toda ciência será uma Ontologia Regional, na medida em que trabalha com tipos de objetos específicos. Estaremos seguindo ainda aproximadamente a proposta de Bunge (1977, p.5) como sendo a Ontologia (ou Metafísica) uma Cosmologia Geral ou Ciência Geral: como a ciência concernente à totalidade da realidade o que não é o mesmo que a realidade como um todo. Nesse sentido, ainda segundo Bunge, a Ontologia/ Metafísica estuda os traços genéricos de todo modo de ser e viraser, assim como as características peculiares da maior parte dos existentes.

25 peirceano 9. Estas que trazem em seu cerne, uma oposição radical àquelas que apartam as coisas do mundo em duas 10... Em mente/matéria, espírito/natureza, idéia/objeto. O trabalho define tardiamente seu corpus, ou melhor, a tese redefine aquilo que assumirá o papel de objetar 11, de corrigir e de direcionar sua elaboração, concertando conceitos e teorias para a comprovação da hipótese. Admite, para esse fim, uma série de casas de taipa de pauapique, de coberta em quatro aguadas com empena, de alpendre e copiar. Uma pluralidade de individuais que portam traços claros de um pensamento formador comum. São casas que, a partir do ponto de vista assumido pela tese, subsumemse à cultura da região. São memórias, parte de um processo contínuo ainda em formação. Portanto, tratase de um objeto que, por se inserir no âmbito da arquitetura, deve ser considerado em sua complexidade, em seu ambiente e em sua dinâmica de formação. Em vista disto, a uma abordagem adequada a tal objeto, imperativo é percebêlo não só em sua condição de edifício construído, em sua existência 12 particular. Efetivamente, há de se partir da experiência possível e acessível a qualquer pessoa para então buscar por uma forma comum, geral. Seguese relacionando essa forma que se delineia e se mostra em seus vários estados de desenvolvimento. É na mudança de estado, no processo, que se revelam as diretrizes gerais, hábitos, regras ou as leis de formação, que se constituíram na cultura e dela são constituidoras. Trazendo em outras palavras, partese daquilo que existe, das construções que lá se encontram; buscase por recorrências da forma, estas percebidas em cada edifício; através das mudanças e evolução da forma encontrada, devese infe 9. Para denominar o princípio da continuidade Peirce utiliza o termo Synechism, ou sinechismo, na forma traduzida para o português como proposta por Rosa (2003, p.270) e adotada na tese. 10. O princípio de continuidade supõe que deve existir um contínuo entre caracteres da mente e da matéria, tal que, segundo seu autor, a matéria nada seria senão mente que teve seus hábitos cristalizados, ou seja, que a faz agir em um grau peculiar de regularidade ou rotina. Em vista disto, mostrase uma afinidade entre espírito e natureza que faz do mundo inteligível (PEIRCE apud IBRI, 1992, p.62). 11. Papel atribuído de certa forma, logo nos primeiros anos, a um dos objetos de pesquisa ligada ao projeto COGNITUS http://www.cognitus.org coordenado durante o período de 2004 e 2005 por Dr. Fernando Pellon de Miranda, prof a Dr a Maria Lúcia Santaella Braga e José Wagner Garcia, abrigando àquela época pesquisas com foco na região do Médio Solimões entre a cidade de Coari e Manaus e que consideravam sobre vários enfoques as dinâmicas de formação daquele ambiente. Com apoio da Petrobrás e Finep, tinham o propósito de servir de base para ações mitigadoras do impacto da construção do gasoduto de Coari até Manaus, na região do médio Solimões. O objeto específico de interesse eram as habitações ribeirinhas e seu processo de formação. 12. O que quer que exista exsists, isto é, realmente age sobre outros existentes, obtém, assim, uma autoidentidade e é definidamente individual (PEIRCE, apud IBRI, 1992, p.28). Ainda, o vocábulo existência, enquanto derivado do termo latino existentia, significa "o que está aí", o que "está fora" (exsistit). Algo existe porque a coisa está, in re (MORA, 2004, p. 954).

26 rir sobre as regras, sobre a gramática de desenvolvimento. Nela, devese revelar o tipo 13 arquitetônico próprio à região de interesse. Assim, não obstante as diferenças apresentadas entre as unidades encontradas, uma forma comum e geral se mostra. Com efeito, nas particularidades devese perceber a dinâmica de atualização e evolução da idéia da casa alpendrada. Enfim, conhecer adequadamente o tipo e sua poiesis, ou seja aquilo que se constituiu o objeto da pesquisa. As habitações de maior interesse para a pesquisa, restringemse àquelas localizadas na região baixo Jaguaribe, litoral sul do Ceará próximo à divisa com o Rio Grande do Norte. São casas construídas, em sua maioria, nos anos finais do século XIX e no século passado. Entretanto, a origem desta arquitetura se supõe assentada nas casas de fazenda do gado. Fazendas distribuídas ao longo de todo o rio Jaguaribe, da foz à nascente região dos Inhamuns. A distribuição das construções elementos da série no intervalo de tempo analisado, não é homogênea, pois são poucas as casas encontradas com mais de 100 anos 14. Informação que aponta para, entre outras coisas, a condição efêmera do sistema construtivo adotado, no caso taipa de mão 15. XIX XX Figura 001. Distribuição da amostra de casas no tempo 1 3 10 7 7 18 15 11 18 4 1856 1986 Fonte: Diagrama elaborado pelo autor a partir de pesquisa de campo Neste contexto, formamse algumas das questões constituidoras da problemática da tese. Dado o reconhecido valor histórico e cultural do conjunto existente 16, assim como a condição efêmera das casas, em vista do sistema construtivo adotado, o que preservar em 13. Ora, entendese por tipo o sentido construído por Quincy em 1825 na Encyclopédie Methodique, Architecture vol. 3, pt. II e recuperado por Argan. Para estes autores, tipo é algo que deve conferir menos a imagem de uma coisa a ser copiada imediata e completamente, do que a idéia de um elemento que deve servir de princípio geral. O modelo, como entendido pela prática artística, é um objeto que pode ser repetido tal como ele é; o tipo, ao contrário, é um objeto pelo qual cada artista pode conceber trabalhos de arte que não tenham semelhança. Tudo é preciso e determinado no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo (QUINCY, 1998, p.618, grifos meus). Questão será retomada no primeiro capítulo desta tese. 14. Do universo de 115 casas cadastradas, apenas 4 casas têm sua data de construção atribuída ao século XIX, 21 estão sem suas datas de construção especificadas. 15. Denominada ainda como taipa de pauapique, ou sebe ou ainda taipa de sopapo. 16. Cf. nota 4 do Capítulo I desta tese.

tal arquitetura? Ou ainda, como preservar tal objeto cultural? Como guardar alguma coisa que é por natureza operativa e informacional? O desenvolvimento deste trabalho pautase no argumento de que é na poiesis, no processo de geração, o ponto a ser considerado. Mas como representar uma poiesis? Como guardar alguma coisa que é por natureza dinâmica, operativa e informacional? Admite que qualquer objeto cultural é parte de uma realidade legaliforme, relacional e em assim sendo a hipótese adotada considera o conjunto de regras que governam a formação de unidades básicas num sistema semiótico, ou seja a gramática, o signo mais adequado à representação de uma poiesis. São de linhas distintas as teorias articuladas para apoiar o desenvolvimento da pesquisa. Contudo, a rede tecida encontrase num espaço comum, num ambiente onde teóricos concertam questões do signo e da significação em coerência com pensamento de Charles S. Peirce. A fundamentação teórica se constitui sobretudo a partir de três linhas: a nova Teoria Geral dos Sistemas (TGS) com base na acepção de Mario Bunge. Com efeito, este trabalho fundase nas idéias sistematizadas por Jorge Vieira, em que se desenvolvem e se precisam os conceitos da TGS a partir de autores como A. Uyemov, Kenneth Denbigh, entre outros; a Crítica Genética, precisamente na forma proposta por Cecilia Salles, em que se busca por princípios gerais dos processos de formação a partir dos documentos de processo ajuntados no dossiê da obra; a Semiótica peirceana, a doutrina do signos, base a um pensamento científico, imprescindível à abordagem de processo de formação. São consideradas, ainda, as contribuições de autores como Noam Chomsky 17, Solomon Marcus 18 para possíveis formalizações, assim como as idéias de Lindenmayer 19, Prusinkiewicz 20, Stiny 21, Duarte 22, entre outros que propõem a abordagem a partir das regras de formação como base para a representação de processo de geração da forma. 27 17. Cf. CHOMSKY, 2006; CHOMSKY; RUWET, 1970. 18. Cf. VIEIRA, 2007. 19. Cf. PRUSINKIEWICZ; LINDENMAYER, 1996. 20. Cf. PRUSINKIEWICZ, 1996, p.6174. 21. Cf. STINY, 2006. 22. Cf. DUARTE, 2007.

28 O primeiro capítulo é exsistō. Trata do que está, do que se mostra, do que objeta. Casas existem, afirma sua matéria. São formadas em conjunto por compartilharem características, repertório de materiais, recorrência de elementos, padrões na proporção. Dar a conhecer a pouco e pouco o corpus, o coletivo de casas desde sua impressão imediata até os índices de uma mesma lógica de formação é o que compete ao primeiro capítulo. Genĕsis é o segundo capítulo. Trata do percurso da pesquisa no que se refere às ramificações teóricas. Dessa abordagem, se define o objeto da pesquisa como o tipo e seu processo de formação. Sina, das casas de taipa alpendradas de Cajuais e Mutamba, o tipo como um metadesign irá encontrar uma possível matriz rio acima. Sobre futuros, o terceiro capítulo, aponta para a gramática de desenvolvimento como representação do processo. Dos índices recolhidos no primeiro capítulo chegase à gramática dos mestres e dos moradores. Implementada num sistema de outra natureza, opera e especula sobre formas possíveis de casas.

Capítulo I exsist! sair da terra; aparecer; mostrarse; existir

31 Abençoada sejas matéria poderosa, desenvolvimento irrefreável, realidade sempre em gestação! Teilhard de Chardin V isitar Icapuí é experiência acessível e aconselhável a qualquer pessoa de bom espírito. Como primeira experiência, sugerese que se chegue pela serra 1, pois de lá, da parte alta, avistase um mar de coqueiros e descendo rumo à praia, mergulhase naquele verde, entremeio do azul e do amarelo... Mas, não passa muito tempo para se perceber o terracota, o vermelho forte da terra das falésias, a cor da argila que constitui as paredes das casas que formam o espaço da cidade. Figura 002. A terra vista de cima e vista por dentro Ilustração elaborada pelo autor a partir de imagem fornecida pelo Instituto de Ciência do Mar (LABOMAR UFC) e foto do autor 1. Moradores da praia designam serra a parte alta, as terras que ficam sobre as falésias. Atualmente, em algumas das praias que compõem o Município de Icapuí é considerado valoroso morar na praia e trabalhar na serra, ou seja, morar na parte baixa, próximo à praia e possuir algum comércio da serra.

32 Objeto Instanciado As habitações aparecem organizadas às margens da estrada principal de acesso. Alinhamse dum lado e doutro do eixo que vai do poente para o nascente, no fluxo de quem chega à cidade. No entanto, não se precisa ter formação em arquitetura para notar, logo de início, que são construções com características formais simples, bem definidas, constantes e comuns àquela sociedade. Parece ser, portanto, uma manifestação cultural de natureza arquitetônica coletiva. Confirmase, com um pouco mais de tempo, que se trata de fato de um conjunto formalmente coerente. Um conjunto que se mostrará próprio à região. Percebese que são construções com telhado em quatro aguadas com empena, alpendre e copiar 2 e em duas inclinações, uma para o corpo central da casa e outra para os alpendres. Porém, quando estendidas aos copiares seguem com uma pequena diferença de inclinção. Ainda observando as casas, agora com o olhar mais atento, desconfiase pelas espessuras das paredes externas, que são casas construídas em taipa. Vêse que se adota a taipa de pauapique 3 como sistema construtivo, esta que lança mão de uma estrutura autônoma de madeira e vedação com uma parede de varal cujos os vazios são fechados por várias camadas de barro. Um sistema designado também por taipa de mão, mas no entanto, conhecido na região apenas como taipa 4 por não se usar outro e adotado por sua leveza, rapidez, economia e adequação ao ambiente. Figura 003. Fotos justapostas de casas de Mutamba e Cajuais Fonte: Acervo do autor 2. Não obstante, a identidade atribuída por alguns autores entre o copiar e o alpendre, será dito copiar as extensões da coberta do alpendre dos fundos da casa. Estas puxadas, à guisa de um quebrasol, tem uso freqüente no diaadia como área para serviços pesados de apoio à cozinha, ou lavanderia e guarda de ferramentas. 3. Consiste em paus colocados perpendicularmente e amarradas horizontalmente a eles, com palha de carnaubeira e outros gêneros de cordas, varas (Cf. VASCONCELOS, 1970, f. 1617). Não faremos aqui, porém, nenhuma distinção entre taipa de sopapo e pauapique, como propõem alguns autores com o argumento de ser esta mais elaborada, menos rústica do que aquela. A despeito dessa opinião o sistema é o mesmo. 4. Há ainda a taipa de pilão, talvez, merecedora de tal simplificação, pois neste sistema a parede de barro desempenha a função não só de vedação, mas de estrutura, de suportar o peso da coberta. A taipa de pilão é aquele sistema em que as paredes são maciças, constituídas apenas por barro socado (Ibid., f. 6).

Quanto ao programa de função e uso, parece haver, naquela região, um único a ser seguido para a formação da casa. Determinação que deve ser lida como um indicador da existência de uma solução otimizada, adequada e adaptada às condições culturais e ambientais. Percebese ainda como propriedades 5 recorrentes àquelas construções: O corpo principal da casa em forma de um retângulo; O alpendre circunda o corpo da casa, com copiar freqüente aos fundos; A frente da casa, dimensão menor do retângulo, parece pouco variar; As casas são normalmente caiadas, compostas com uma barra que vai do piso ao peitoril, em cor forte de tinta a base de óleo; A pintura adotada nas casas lembra as pinturas dos barcos da região apontam alguns; Forma verticalmente alongadas das janelas, normalmente duas folhas; Portas partidas ao meio, designadas portas roladas; Esquadrias com folhas cegas de tábuas de umburana 6, quase sempre pintadas na mesma cor da barra inferior da pintura das casas; Paredes espessas com cerca de um palmo ou mais, característica que pode ser notada nos quadros das aberturas para esquadrias; As casas estão locadas de forma paralela ou perpendicular à via (CE261) de acesso ao centro da cidade; 33 5. Todo objeto tem propriedade. Se os objetos são conceituais ou formais, suas propriedades serão denominadas propriedades formais, ou atributos ou simplesmente predicados. Se os objetos são indivíduos substanciais, suas propriedades serão denominadas de propriedades substanciais, ou simplesmente propriedade. Porque cada modelo de um indivíduo substancial é construído por conceitos, este contém atributos ou predicados; ademais como os modelos representam uma substância individual, alguns desses atributos ou predicados representam propriedades substanciais. Uma propriedade substancial é uma característica que alguns indivíduos substanciais possuem mesmo se somos ignorantes deste fato. Por outro lado um atributo ou predicado é uma característica associada ou atribuída por nós a algum objeto: é um conceito. Um predicado pode representar ou conceitualizar uma propriedade substancial; mas o fará de modo falível, i.e. com uma larga margem de erro. Por outro lado a posse de uma propriedade não é matéria de verdade ou falsidade; apenas nosso conhecimento de propriedade pode ser mais ou menos verdadeiro ou adequado. Por esta razão distinguimos: 'indivíduo substancial b possui a propriedade P' de 'atributo A representa b' ou 'A é verdade de b', ou V (Ab) = 1 onde A é tomado como representando P. Novamente: a posse (ou aquisição ou perda) por um indivíduo substancial de uma propriedade é um fato além do nosso escopo; em contraste, nosso ato de atribuir uma propriedade conceitual (via algum predicado) é um ato cognitivo. Noutras palavras, controlamos todos os predicados porque nós os fazemos; em contraste, controlamos apenas algumas propriedades. Desnecessário dizer, nenhuma diferença entre atributos e propriedades substanciais é feita pelos idealistas: em tal filosofia a aquisição de propriedades coincide com seus atributos. Estranho é o realismo ingênuo que enquanto reconhece a diferença entre atributos e propriedades substanciais, afirma sua correspondência umaum. BUNGE, 2004b, p.5960, grifos meus. 6. Árvore de porte médio, cresce em média até 6 metros, de madeira clara e rija. Também designada amburana (Amburana cearensis) ou emburana ou imburana (Bursera leptophloeos).

34 Casas locadas normalmente sem o recuo de frente, ou seja, o limite da frente do terreno alinhase com a parede mais externa da casa, configuração que lança parte da varanda para fora do terreno chegando a confundirse com a calçada; As casas locadas em terrenos mais largos, em sua maioria, encontramse pa ralelas à via, o que proporciona uma maior superfície de contato com a área pública; Pilares de madeira, propriamente lavrados e pintados nas cores das esquadrias; Estrutura da coberta, de solução simples, utiliza madeiras da região. São utili zados troncos de carnaubeira, em sua grande maioria, para confecção de linha, frechal, terça e cumeeira além de caibros, para estes utilizase a quarta parte da seção do tronco. Notase que não há ripas; Telhado em quatro águas e em duas fases com inclinações diferentes, uma no corpo central da casa mais acentuada e outra para varanda mais leve; Cumeeira alta de modo a formar empena própria da casa da região; Empenas nos lados menores do retângulo, ou seja a cumeeira sempre no senti do maior do corpo da casa; Percebese a construção de adendos na varanda, provavelmente como adequa ção ao programa de uso. Ocupação ocorre principalmente nas áreas de fundo. empena coberta do corpo da casa copiar coberta do alpendre frente (Ft) da casa lateral (Lt) da casa privado público limite de frente do terreno Figura 004. Partes da casa Fonte: Ilustração elaborada pelo autor a partir da casa 005 alpendrepasseio

35 As casas que estão em pé, de um modo geral, encontramse em bom estado de conservação. Percebese ainda que, à exemplo do que descreveu Lúcio Costa sobre arquitetura vernacular, são construções simples, bem formadas, de elementos comuns à arquitetura civil, desprovidas de "make up", sem o ar afetado e por vezes pedante 7, constituindo sua maior riqueza a proporção 8... Estética que lhe é própria. As casas de tal região, em sua grande maioria, trazem propriedades e apresentam atributos comuns, formando, em vista disto, um todo coerente. Na realidade, um conjunto arquitetônico de interesse do IPHAN 9, que o aponta como um dos mais significativos conjuntos da arquitetura vernacular. Ora, entendese por vernacular àquela arquitetura cultivada, que se forma a partir de dentro de uma cultura, num movimento de baixo para cima. Neste sentido, Lucio Costa 10 melhor apresenta a imagem das casas próprias ao universo de uma arquitetura vernacular. É sair da cidade e logo surgem à beira da estrada, mesmo ao lado de vivendas de verão de aspecto cinematográfico [...]. Feitas de "pau" do mato próximo e da terra do chão, como casas de bicho, servem de abrigo para toda a família [...]. Ninguém liga de tão habituado que [se] está, pois "aquilo" faz mesmo parte da terra como formigueiro, figueirabrava e pé de milho é chão que continua... Mas justamente por isto, por ser coisa legítima da terra tem para nós, arquitetos, uma significação respeitável e digna; enquanto que o "pseudomissões, normando ou colonial", ao lado, não passa de um arremedo sem compostura. Com efeito, é na recorrência de características dessa arquitetura que emerge, quase espontânea, onde se indicia o objeto de uma atividade cultural 11, constituidor da sociedade. 7. Cf. COSTA, 1937, p.31. 8. Cf. BEZERRA, 1984, p. 56. 9. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, através da 4 a Superintendência Regional (4 a SR/IPHAN), com sede em Fortaleza, por indicar como um dos mais significativos conjuntos da cultura regional se propôs, em parceria com Universidade Federal do Ceará e Prefeitura Municipal de Icapuí, iniciar o processo para inventário de arquitetura tradicional da sede municipal de Icapuí, pelo Ofício Circular IPHAN/4 a SR/GAB/N o 014/0, do dia 12 de maio de 2006. 10. Cf. COSTA, op. cit., p. 34. 11. Entendese por atividades culturais, como aquelas atividades sociais realizadas por indivíduos sozinhos, ou, mais freqüentemente, em relação e cooperação com outros. A cultura constitui então um subsistema da sociedade, na qual se devem levar em conta igualmente os subsistemas da economia e da política. O fato de que nenhuma atividade social seja puramente econômica ou puramente política ou puramente cultural não impede que se introduzam as distinções necessárias destinadas a evidenciar a relação entre o subsistema chamado cultura e o sistema chamado sociedade. O subsistema denominado cultura não é autônomo; ele está integrado aos outros sistemas indicados, mas pode distinguirse deles e constituir por sua vez outros subsistemas (como arte, a tecnologia, a matemática etc.). BUNGE apud MORA, 2004, p.267268.