Medicações intracanal e sistêmica preconizadas nas faculdades de Odontologia brasileiras para o tratamento de urgência do abscesso periapical agudo

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Artigo Original Medicações intracanal e sistêmica preconizadas nas faculdades de Odontologia brasileiras para o tratamento de urgência do abscesso periapical agudo Intracanal and systemic medications recommended at Brazilian dental schools for urgency treatment of acute periapical abscess Resumo Objetivo: Este estudo objetivou avaliar a medicação intracanal (MIC) e a medicação sistêmica (MS) preconizadas nas Faculdades de Odontologia (FO) do Brasil para atendimento de urgência do abscesso periapical agudo (APA). Metodologia: Questionários foram enviados para 141 FO brasileiras endereçados ao responsável pela Disciplina de Endodontia. As questões abordaram as MIC e MS prescritas na unidade para o tratamento de urgência do APA em suas três fases de progressão: inicial, em evolução e evoluída. Resultados: O tricresol formalina foi a MIC mais empregada, independente da fase do APA, seguida por paramonoclorofenol, hidróxido de cálcio, clorexidina e hipoclorito de sódio. A MS mais utilizada foi o antibiótico, independente da fase do APA, seguido por analgésico e antiinflamatório. A associação sistêmica medicamentosa mais preconizada foi antibiótico/analgésico, seguida de antibiótico/antiinflamatório. O paracetamol, o diclofenaco e a amoxicilina foram o analgésico, o antiinflamatório e o antibiótico de primeira escolha, respectivamente. Nas fases em evolução e evoluída do APA, analgésicos mais potentes como o paracetamol associado à codeína e o dextropropoxifeno foram preconizados. Conclusão: Apesar de existir uma série de MIC e MS utilizadas em Endodontia, não existe consenso entre as FO brasileiras sobre qual a melhor medicação a ser usada em casos de APA. Palavras-chave: Abscesso periapical agudo; medicação intracanal; medicação sistêmica; analgésico; antiinflamatório; antibiótico Abstract Purpose: The aim of this study was to evaluate the prescription of intracanal medication (ICM) and systemic medication (SM) for urgency treatment of acute periapical abscess (APA) in Brazilian Dental Schools. Methods: Questionnaires were mailed to 141 Brazilian Dental Schools addressed to the Head of the Discipline of Endodontics. Questions focused on prescribed intracanal and systemic medication for urgency treatment of APA under various stages according to its progress: early stage, in evolution, and evolved stage. Results Tricresol formalin was the most used ICM regardless of APA stage, followed by paramonochlorophenol, calcium hydroxide, chlorhexidine, and sodium hypochlorite. The most used SM was antibiotics for all APA stages, followed by analgesics and antiinflammatory drugs. The most recommended systemic drug association was antibiotics/ analgesics, followed by antibiotics/anti-inflammatory drug. Paracetamol, diclofenac, and amoxicillin were the first-choice analgesics, anti-inflammatory drug, and antibiotics, respectively. For in evolution and evolved APA stages, prescriptions comprised more powerful analgesics, such as paracetamol associated with codeine and dextropropoxyphen. Conclusion: Although there is a plethora of intracanal and systemic medications available for endodontic purposes, there is no consensus amongst Brazilian Dental Schools on the best protocol for APA treatment. Key words: Acute periapical abscess; intracanal medication; systemic medication; analgesics; anti-inflammatory drug; antibiotics Fabiana Vieira Vier-Pelisser a Roberta Paniz Garbin a Marcus Vinícius Reis Só a Caroline Marca a Audrei Pelisser a a Curso de Especialização em Endodontia, Uningá, Caxias do Sul, RS, Brasil Correspondência: Fabiana Vieira Vier Pelisser Av. Cristóvão Colombo, 1636/306. B. Floresta Porto Alegre, RS Brasil 90560-001 E-mail: endovier@caiweb.com.br Recebido: 23 de janeiro, 2008 Aceito: 09 de junho, 2008 278 Rev. odonto ciênc. 2008;23(3):278-282

Vier-Pelisser et al. Introdução A natureza evolutiva do abscesso periapical agudo (APA) faz com que o paciente experimente sensações dolorosas importantes associadas a alterações faciais e sistêmicas. A intervenção profissional não promove, necessariamente, o desaparecimento imediato dos sinais e sintomas. Isto faz com que diferentes abordagens de tratamento tanto local quanto sistêmico sejam instituídas pelos profissionais, independentemente da fase evolutiva em que se encontra essa doença periapical: inicial, em evolução e evoluído (1). O tratamento de urgência do APA consiste na tentativa de drenagem da coleção purulenta (2), sendo indicado o emprego de medidas locais e sistêmicas (3,4). Após o tratamento local (abertura coronária, neutralização imediata e transpasse foraminal, almejando a drenagem via canal) (3,5-7), uma pequena quantidade de medicação intracanal antiséptica (tricresol formalina, formocresol, paramonoclorofenol canforado) (3,5) é colocada na câmara pulpar e o dente é provisoriamente selado. Já nos casos em que a saída contínua de exsudato purulento não permite secar a cavidade pulpar, é comum deixar o dente aberto, preenchendo a câmara com uma bolinha de algodão (5,7,8). Além dos antibióticos, analgésicos e antiinflamatórios são freqüentemente indicados na terapêutica medicamentosa do APA para o tratamento de infecção, dor e inflamação, respectivamente. O que se observa, no entanto, é que existem diversas opiniões sobre o uso ou não de medicação sistêmica, e diferentes medicações são empregadas para o mesmo diagnóstico clínico. O objetivo deste trabalho foi verificar a medicação intracanal (MIC) e a medicação sistêmica (MS) preconizadas nas Faculdades de Odontologia brasileiras para o tratamento de urgência do APA, nas suas diferentes fases evolutivas: inicial, em evolução e evoluído. Metodologia Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), sob o número 2003-157H. Para a realização deste trabalho, foi obtida uma lista das 141 Faculdades de Odontologia no Brasil cadastradas no Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul (CRO/RS) em 2003. Foi elaborado um questionário para registrar quais as MIC e MS são atualmente prescritas em cada faculdade para o tratamento de urgência do APA, nas suas diferentes fases evolutivas: inicial, em evolução e evoluído (Fig. 1). O número de respostas para os questionamentos não foi limitado, sendo possível que mais de uma medicação fosse listada pela instituição. O questionário foi enviado para os responsáveis pela disciplina de Endodontia de cada instituição, através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Após cinco meses do primeiro envio dos questionários, nova remessa foi endereçada aos cursos de Odontologia, cujas respostas não haviam retornado. Os dados obtidos foram analisados de forma descritiva. QUESTIONÁRIO Responda com relação à MEDICAÇÃO INTRACANAL E SISTÊMICA preconizada por essa Universidade, após o tratamento de urgência (cirurgia de acesso, esvaziamento e tentativa de drenagem via canal) do ABSCESSO PERIAPICAL AGUDO, nas seguintes fases evolutivas: INICIAL, EM EVOLUÇÀO e EVOLUÍDA Medicação intracanal ( ) tricresol formalina ( ) PMCC ( ) hipoclorito de sódio 1% ( ) clorexedina 2% ( ) hidróxido de cálcio ( ) Outro. Qual? ( ) nenhum, mas dente fica selado ( ) nenhum, e o dente fica aberto Medicação sistêmica ( ) analgésico ( ) anti-inflamatório ( ) antibiótico ( ) nenhum medicamento Nome Posologia: Fig. 1. Modelo de questionário enviado às Faculdades de Odontologia brasileiras. Resultados Do total de questionários enviados, foram obtidas 75 respostas, o que corresponde a 53,9%. A MIC prescrita nas Faculdades de Odontologia para o tratamento de urgência do APA nas diferentes fases evolutivas encontra-se discriminada na Figura 2. O tricresol formalina foi recomendado para 55% dos casos, independentemente da fase do abscesso. O paramonoclorofenol foi empregado em 18,5%, 18,5% e 12% dos casos, nas fases inicial, em evolução e evoluída, respectivamente. O hidróxido de cálcio foi indicado em 12,5%, 12,5% e 19% dos casos, respectivamente. Outras medicações citadas foram clorexidina e hipoclorito de sódio. Nos casos em que nenhum MIC foi empregado (10%,10% e 12%), o dente foi mantido aberto em 50%, 62,5% e 66%, nas fases inicial, em evolução e evoluída do abscesso, respectivamente. Evoluído * Estão incluídas as medicações: PRP (PMC, rinossoro e polietilenoglicol), PMCC (paramonoclorofenol canforado), PMCC + Furacin. ** Em 3% dos casos, o formocresol foi indicado. *** Em 30% dos casos, o PMCC estava associado ao Ca(OH) 2. Fig. 2. Medicação intracanal preconizada pelas Faculdades de Odontologia brasileiras para tratamento das três fases do abscesso periapical agudo: inicial, em evolução e evoluído. Nenhum Rev. odonto ciênc. 2008;23(3):278-282 279

A MS preconizada pelas Faculdades de Odontologia brasileiras para tratamento de urgência nas diferentes fases do APA encontra-se discriminada na Figura 3. O antibiótico foi o medicamento mais indicado, independentemente da fase evolutiva do abscesso, sendo recomendado em 48,5%, 78,0%% e 84,0% dos casos nas fases inicial, em evolução e evoluída, respectivamente. O analgésico foi a segunda MS mais utilizada, seguido pelo antiinflamatório. inicial foram citados paracetamol e dipirona. Já nas fases em evolução e evoluída, além dos já mencionados, incluemse o paracetamol associado à codeína e o dextropropoxifeno. Os antiinflamatórios mais citados foram o diclofenaco, a nimesulida e o rofexoxibe. Celecoxibe, eterocoxibe, piroxicam, ibuprofeno e meloxicam também foram mencionados. A amoxicilina foi o antibiótico mais empregado no tratamento de urgência do APA, sendo seguido de sua associação com o ácido clavulânico. Outros medicamentos indicados em ordem decrescente foram: fenoximetilpenicilina, ampicilina, azitromicina, clindamicina, cefalexina, cefalosporina, amoxicilina + metronidazol, metronidazol e penicilina G benzatina. Discussão Fig. 3. Medicação sistêmica preconizada pelas Faculdades de Odontologia brasileiras para o tratamento das três fases do abscesso periapical agudo: inicial, em evolução e evoluído. Na Tabela 1 estão descritas as MS prescritas para tratamento de urgência nas diferentes fases do APA e suas associações. Independentemente da fase do abscesso, a associação mais empregada foi antibiótico + analgésico (18,0%, 26,5% e 23,5%, nas fases inicial, em evolução e evoluída, respectivamente), seguida por antibiótico + antiinflamatório, que foi utilizada em 8,0%, 21,5% e 20,0%, respectivamente. Em 21,0%, 9,5% e 10,5% dos casos, nenhum medicamento sistêmico foi prescrito para as três fases do APA. A maioria das respostas não discriminou o tipo de analgésico, antiinflamatório e antibiótico receitado, assim como sua posologia. Dentre os analgésicos administrados na fase O tratamento de urgência do APA requer o emprego de medidas locais e sistêmicas (2,3). Como a origem infecciosa encontra-se no dente, a conduta mais eficaz para erradicar a infecção do canal radicular é a remoção criteriosa dos irritantes presentes no seu interior. Assim, o uso exclusivo de antibióticos é considerado inadequado se nenhuma tentativa simultânea for feita para estabelecer a drenagem do abscesso (9). A terapia antibiótica sistêmica somente deve ser considerada quando a infecção está localizada fora do canal, já que este não possui suprimento sangüíneo quando necrótico e infectado. Os resultados desta pesquisa demonstraram que a medicação intracanal mais utilizada pelas Faculdades de Odontologia para tratamento de urgência do APA, independente da sua fase, foi o tricresolformalina, corroborando estudos anteriores de Dourado e Rodrigues (10) e Vier- Pelisser e Só (3). O paramonoclorofenol foi a segunda escolha de MIC. Este medicamento, no entanto, age basicamente por contato e tem seu efeito neutralizado frente à presença de matéria orgânica (5). Desta forma, deveria ser usado exclusivamente em situações de necrose pulpar, após o completo preparo-químico mecânico do canal. Aproximadamente 10% das respostas desta pesquisa apontaram para o emprego do hidróxido de cálcio como MIC no tratamento de urgência do APA, concordando com o Tabela 1. Medicação sistêmica preconizada pelas Faculdades de Odontologia brasileiras no tratamento das diferentes fases do abscesso alveolar agudo. FASES DO ABSCESSO ALVEOLAR AGUDO Inicial Evolução Evoluído nf (%) nf (%) nf (%) Antibiótico 12 16,5 15 21,0 21 31,0 Antibiótico+Antiinflamatório 06 8,5 16 22,0 15 22,0 Antib.+Antiinflam.+Analgésico 04 5,5 06 8,5 05 7,5 Antibiótico+analgésico 13 18,0 19 26,5 16 23,5 Antiinflamatório 05 7,0 01 1,5 - - Antiinflamatório+Analgésico 05 7,0 03 4,0 01 1,5 Analgésico 12 16,5 05 7,0 02 3,0 Nenhum medicamento 15 21,0 07 9,5 08 11,5 Total 72* 100 72* 100 68* 100 * 3, 3 e 7 respostas não foram contabilizadas nas fases inicial, em evolução e evoluída, respectivamente, uma vez que as respostas não puderam ser compreendidas. 280 Rev. odonto ciênc. 2008;23(3):278-282

Vier-Pelisser et al. preconizado por Estrela e Figueiredo (1), que indicaram o preparo do canal radicular na consulta de urgência e seu preenchimento com pasta de hidróxido de cálcio, associado com a prescrição de analgésico e antibiótico. No entanto, o que se percebe na clínica diária é que estes pacientes apresentam-se prostrados, sendo difícil a instituição deste tratamento. Muitas escolas (cerca de 10%) preferiram não empregar nenhum tipo de MIC, recomendando deixar o dente aberto em muitos casos. Esta conduta pode visar à drenagem da coleção purulenta e também diminuição da dor pela descompressão do canal. No entanto, o dente não deveria ficar exposto à cavidade bucal, pois com as medidas locais adotadas é possível diminuir de forma significativa a agressão originada a partir de canais radiculares infectados. O fato de deixar uma cavidade aberta dificilmente ajudará na involução do processo; pelo contrário, permitirá a colonização por outros microrganismos que não faziam parte da microbiota anterior (3). A manutenção o dente fechado só tem a contribuir no controle de possível superinfecção (1). Quando se faz a opção de deixar o dente aberto, seria oportuno preencher a câmara pulpar com uma bolinha de algodão e selar a cavidade com guta percha. Desta forma, evitar-se-ia a obliteração da cavidade com alimentos e o paciente conseguiria remover este material com facilidade, se necessário. O antibiótico foi a medicação sistêmica mais comumente prescrita para o tratamento de urgência do APA, havendo maior indicação desta droga à medida que a patologia evolui de uma fase para outra. Nesta pesquisa observou-se o emprego de antibiótico em índices semelhantes aos relatados por Dourado e Rodrigues (10) e Matthews et al. (2), sendo 61,8% e 75%, respectivamente. O tratamento sistêmico do APA é particular para cada paciente e para cada caso, dependendo da obtenção ou não de drenagem, do envolvimento sistêmico, febre e linfadenopatia (5,11). Desta forma, torna-se difícil traçar um protocolo rígido de tratamento, principalmente quanto à medicação sistêmica antibiótica, apesar da penicilina ser o antibiótico de primeira escolha para combater as infecções endodônticas (9,12). Apesar de algumas situações do APA não necessitarem de antibioticoterapia (5,7,11), o mesmo não se pode dizer com relação à medicação analgésica, visto que esta patologia é acompanhada por desconforto e dor do paciente, principalmente nas fases inicial e em evolução. Mesmo assim, nenhum medicamento com ação analgésica foi recomendado pelas Faculdades de Odontologia brasileiras em 37,5%, 30,5% e 42,5% dos casos de APA nas fases inicial, em evolução e evoluída, respectivamente. A fase em evolução do abscesso é considerada uma das mais críticas devido à intensidade de dor, uma vez que a coleção purulenta encontra-se no espaço medular, tentando romper o periósteo em busca de drenagem. Era esperado, portanto, que a prescrição de analgésicos nesta fase fosse significativa quando comparada com as demais. No entanto, os resultados obtidos foram contraditórios, já que apenas 46% das Faculdades de Odontologia prescrevem uso de analgésico na fase em evolução do APA, em contraste com 47% e 35,5% nas fases inicial e evoluída, respectivamente. Por outro lado, houve uma tendência ao uso de analgésicos mais potentes, como a associação paracetamol + codeína e o doloxene nas fases em evolução e evoluída do abscesso. No entanto, na fase evoluída, como a coleção purulenta já alcançou a submucosa, a dor tende a involuir, não sendo necessário o emprego de analgésicos muito potentes. Portanto, a prescrição de analgésicos mais potentes seria indicada na fase em evolução do abscesso, com base no trabalho de Nusstein e Beck (13), que demonstraram ser os analgésicos narcóticos (codeína, hidrocodona, oxicodona e propoxifeno) mais efetivos no alívio da dor de origem endodôntica quando comparados aos não-narcóticos (acetaminofeno e aspirina). A associação medicamentosa mais empregada para o tratamento sistêmico de urgência do APA foi antibiótico + analgésico. O antibiótico teria como objetivo o controle da infecção e o analgésico, a minimização do quadro álgico. A segunda associação medicamentosa sistêmica mais empregada foi antibiótico + antiinflamatório. No entanto, torna-se imperioso o comentário de que a maioria das drogas antiinflamatórias é acompanhada de efeitos analgésicos. A inflamação é uma resposta fisiológica normal do organismo na tentativa de combater e eliminar o agente agressor. Desta forma, exclusivamente quando a inflamação toma proporções incompatíveis com o cumprimento funcional normal do órgão, é que se torna necessário o emprego de antiinflamatório para minimizar esta resposta. Este estudo objetivou o conhecimento das drogas antibióticas, analgésicas e antiinflamatórias, bem como sua posologia, empregadas para o tratamento do APA. No entanto, devido ao grande número de combinações de tratamentos e à quantidade de respostas incompletas, não foi possível expor os resultados quantitativamente quanto às diferentes classes de medicamentos. Quanto aos antiinflamatórios mencionados no tratamento de urgência do APA, apesar do maior uso de drogas nãoesteroidais, mais especificamente o diclofenaco, percebese uma tendência ao emprego de inibidores seletivos da cicloxigenase-2 na tentativa de minimizar os efeitos colaterais, principalmente os efeitos gástricos do diclofenaco. No presente estudo, o antibiótico mais recomendado foi a amoxicilina. Porém, como alguns microrganismos produtores de beta-lactamase podem estar presentes em APA, em alguns casos é importante associar a amoxicilina ao ácido clavulânico para que a o efeito antimicrobiano da amoxicilina não seja inativado por essas enzimas (14-16). Outra alternativa seria a associação com o metronidazol, devido à sua excelente ação sobre as bactérias anaeróbias, além de ser uma opção de menor custo (5). Já a azitromicina apresenta ação bacteriostática tanto sobre bactérias aeróbias quanto anaeróbias, mas não tem ação sobre bactérias produtoras de penicilinase. Por isso sua prescrição é restrita aos casos em que o paciente é alérgico às penicilinas (6). Uma vantagem da azitromicina em relação aos outros antibióticos é sua posologia de dose única diária, por 3 a 5 dias. A clindamicina também pode ser uma alternativa para pacientes alérgicos à penicilina, além de apresentar alta Rev. odonto ciênc. 2008;23(3):278-282 281

concentração no osso e ser eficaz contra bactérias anaeróbicas (9,17). Para evitar o risco da colite pseudomembranosa, pode-se prescrever juntamente com este medicamento um re-equilibrador da flora intestinal (18). O clínico geral e o endodontista freqüentemente se deparam com pacientes portadores de APA na clínica diária. Desta forma, devem estar conscientes da necessidade de intervenção local no dente afetado, assim como da indicação precisa de medicação sistêmica para combater e eliminar o quadro infecto-inflamatório, devolvendo saúde e conforto ao paciente. No entanto, há necessidade de se estabelecer protocolos de conduta padronizados para a intervenção medicamentosa em casos de APA de acordo com evidências clínicas e científicas comprovadas. Conclusões Com base na metodologia empregada e nos resultados obtidos, conclui-se que: Apesar de existir uma série de medicações intracanal e sistêmica utilizadas em Endodontia, não existe um consenso sobre qual a melhor medicação a ser usada em casos de APA; O tricresol formalina e o antibiótico foram as MIC e MS mais citadas, independentemente da fase do APA. O paracetamol, o diclofenaco e a amoxicilina foram o analgésico, o antiinflamatório e o antibiótico de primeira escolha, respectivamente. Referências 1. Estrela C, Figueiredo JA. Patologia Periapical. In:. Endodontia. Princípios Biológicos e Mecânicos. São Paulo: Artes Médicas; 1999. p.193-243. 2. Matthews DC, Sutherland S, Basrani B. Emergency management of acute apical abscesses in the permanent dentition: A systematic Review of the literature. J Can Dent Assoc 2003;69:660. 3. Vier-Pelisser FV, Só MV. Patologia aplicada à Endodontia. In: Só MV. Endodontia. As interfaces no contexto da Odontologia. São Paulo: Santos; 2007. p.129-65. 4. Slaus G, Bottemberg P. A survey of endodontic practice amongst Flemish dentists. Int Endod J 2002;35:759-67. 5. Soares IJ, Goldberg F. Emergências Endodônticas. In:. Endodontia. Técnicas e fundamentos. São Paulo: Artmed; 2001. p. 263-76. 6. Alves DF. Estudo comparativo da atividade antimicrobiana de algumas drogas no tratamento do abscesso periapical em evolução. J Bras Endod 2001;2:291-4. 7. Weine FS. Tratamento endodôntico de emergência. In:.Tratamento endodôntico. São Paulo: Santos; 1998. p. 203-37. 8. Tjäderhane LS, Pajari UH, Ahola RH, Bäckman TK, Hietala EL, Larmas MA. Leaving the pulp chamber open for drainage has no effect on the complications of root canal therapy. Int Endod J 1995;28:82-5. 9. Gluskin AH, Goon W WY. Emergência em Dor Orofacial de Natureza Odontogênica: diagnóstico e tratamento. In: Cohen S, Burns RC. Caminhos da polpa. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1994. p. 26-52. 10. Dourado AT, Rodrigues VS. Avaliação da conduta do cirurgiãodentista clínico geral frente às urgências endodônticas de maior freqüência [abstract Pc 048]. Pesqui Odontol Bras 2002; 16(Supl): 221. 11. Machado ME, Souza AD. Conhecimentos básicos na interpretação da dor e diagnóstico das patologias pulpares e periapicais. In: Machado MEL. Endodontia da Biologia à Técnica. Santos: São Paulo; 2007. p. 61-78. 12. Henry M, Reader A, Beck M. Effect of penicillin on postoperative endodontic pain and swelling in symptomatic necrotic teeth. J Endod 2001; 27:117-23. 13. Nusstein JM, Beck M. Comparison of preoperative pain and medication use in emergency patients presenting with irreversible pulpits or teeth with necrotic pulps. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2003; 96:207-14. 14. Duarte MA, Vale IS, Garcia RB. Antibioticoterapia em Endodontia. Rev Assoc Paul Cir Dent. 1999;53(1):59-62. 15. Khemaleelakul S, Baumgartner JC, Pruksaskorn S. Identification of bacteria in acute endodontic infections and their antimicrobial susceptibility. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2002;94:746-55. 16. Baumgartner JC, Xia T. Antibiotic susceptibility of bacteria associated with endodontic abscess. J Endod 2003; 29:44-7. 17. Meneses MM, Côas VR, Umetsubo LS, Valera MC, Pagani C. Antibióticos nas infecções pulpares e periapicais. J Bras Endod 2002;3:343-9. 18. Kuga MC, Duarte MA. Terapêutica medicamentosa em Endodontia. In: Só MV. Endodontia. As interfaces no contexto da Odontologia. São Paulo: Santos; 2007. p.167-74. 282 Rev. odonto ciênc. 2008;23(3):278-282