MR 08 Partidos e Organizações de Esquerda na Bahia Coordenador: Muniz Gonçalves Ferreira



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Transcrição:

MR 08 Partidos e Organizações de Esquerda na Bahia Coordenador: Muniz Gonçalves Ferreira UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ I ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA/ANPUH BAHIA HISTÓRIA, CIDADES E SERTÕES 17 A 20 DE JULHO DE 2002 ILHÉUS BAHIA Mesa-Redonda: Partidos e Organizações de Esquerda na Bahia Título: Do Partido à Guerrilha: a produção teórico-política de Carlos Marighella no período 1965-1967. Nome: Muniz Gonçalves Ferreira. Palavras-chave: PCB; Guerrilha, Carlos Marighella. Titulação: Doutor. Endereço: Rua Alagoinhas, nº 380, Edf. Coelho de Araújo, apto. 002, Parque Cruz Aguiar-Rio Vermelho, Salvador-BA. CEP: 41940-620 Fone: (71) 335 1215/99852253. E-mail: munfer@zaz.com.br Filiação Institucional: Universidade Federal da Bahia. O trabalho examinará o desenvolvimento das formulações teórico-politicas do revolucionário baiano Carlos Marighella no período 1965-1967. O ponto de partida do desenvolvimento de tais elaborações é a crítica dirigida à orientação política colocada em prática pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos meses que sucederam ao putsch militar de 1964. Tal interpelação política, exposta de forma minuciosa no livro Por que resisti a prisão (1965), evoluiria posteriormente para a contestação dos próprios fundamentos da estratégia política dos comunistas, em particular, sua admissão da possibilidade de um desenvolvimento pacífico da revolução brasileira. Em textos posteriores como A crise brasileira (1966), Carta à executiva (1966), Ecletismo e marxismo (1967) completa-se o processo de ruptura política de Marighella com o partido comunista e a sua adesão plena ao projeto da guerra de guerrilhas latino-americana, documentado também em suas cartas de Havana dirigidas ao Comitê Central do PCB (17/08/67) e a Fidel Castro (18/08/67). O objetivo da investigação é captar o efeito das redefinições teórico-políticas mencionadas na produção do discurso revolucionário de Carlos Marighella, atentando para a permanência ou ruptura neste discurso dos temas derivados da cultura política pecebista, tais como a definição do caráter da revolução brasileira, o problema das alianças, a questão da democracia e o papel das classes sociais no processo

revolucionário, concluindo com a avaliação acerca da vigência de graus maiores ou menores de objetividade na análise da realidade brasileira e das perspectivas da revolução nestes textos de ruptura. O golpe militar ocorrido em 1964 pegou de surpresa o conjunto das forças políticas democráticas e progressistas da sociedade brasileira. Apesar de previsível - à luz do acirramento das contradições políticosociais e da inquietação reinante junto aos círculos mais conservadores da cúpula militar no momento imediatamente anterior -, o evento surpreendeu por sua intempestividade e, mais ainda, pela tranqüilidade com que foi concebido e desfechado. Facilitado pela desorientação e conseqüente paralisia das forças de sustentação do governo Goulart e dos movimentos populares, o movimento pode triunfar e estabelecer-se placidamente no poder, sem ter de enfrentar qualquer resistência significativa tanto na sociedade política quanto na sociedade civil. Um dos resultados diretos de tal acontecimento foi à deflagração de uma crise no interior da mais antiga e influente organização política da esquerda brasileira de então: o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Atingidos pela voragem repressiva que se abateu sobre as forças mais visíveis e ativas do bloco político que lutava pelas reformas de base, dirigentes e militantes do partidão viram passar 12 meses até que estivessem reunidas as condições de segurança e organização necessárias à reunião do Comitê Central que elaborou a primeira Resolução Política de avaliação das causas e das implicações do golpe militar de abril. Tal avaliação adotou um forte tom autocrítico. Foram denunciadas as ilusões de classe alimentadas pelo partido quanto à possibilidade de realização de seus objetivos, sem a resistência dos círculos reacionários das classes dirigentes brasileiras. Foi estigmatizado o reboquismo dos comunistas face aos setores da burguesia nacional que conduziam o processo político. Reprovou-se, sobretudo, a falsa confiança depositada no chamado dispositivo militar de sustentação ao governo Goulart 1. Porém, não apenas os desvios de direita na implementação da política do partido (e não obviamente a essência desta política) foram submetidos a uma apreciação crítica, manifestações de estreiteza e subjetivismo político também foram apontadas como coresponsáveis pelo despreparo do PCB para o enfrentamento do golpe: Nossa atividade em relação ao governo de Goulart era orientada, na prática, como se sua política fosse inteiramente negativa. (...) Nossa oposição ao governo adquiria o sentido de luta contra um governo entreguista, com o objetivo principal de desmascará-lo perante as massas. 2 Para além das críticas a tais manifestações de esquerdismo realizava-se também, de forma bastante significativa, uma tentativa de ajuste de contas com o menosprezo pela democracia subjacente a certas ações dos comunistas brasileiros: Deixamos de lado o fato de que o próprio avanço do processo democrático ameaçava os privilégios dos monopólios estrangeiros, dos latifundiários e da grande burguesia entreguista, que ainda possuíam fortes posições 3 Tal ensaio de reconhecimento da 1 Ver Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, in Edgar Carone, O P.C.B. 1964 a 1982. São Paulo, DIFEL, 1982, p. 24. 2 Idem, p. 25. 3 Idem, pp 25-26.

centralidade da questão democrática para a realização das tarefas de caráter nacional e social se completava em uma extensa e contundente invectiva contra as sobrevivências golpistas e vanguardistas na práxis política da militância comunista: Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e golpista, da revolução brasileira, a qual se tem manifestado de maneira predominante nos momentos decisivos de nossa atividade revolucionária, independentemente da linha política, acertada ou não, que tenhamos adotado (grifo meu, M.F.). É uma concepção que admite a revolução não como um fenômeno de massas, mas como resultado da ação de cúpulas ou, no melhor dos casos, do Partido. Ela imprime à nossa atividade um sentido imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente e continuada pelos nossos objetivos táticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da hegemonia pelo proletariado. 4 É contra tal avaliação da atividade do partido e das forças progressistas no momento que antecedeu o golpe militar que Carlos Marighella toma posição em seu livro Por que resisti à prisão de 1965. Nas três décadas de sua militância política que antecederam ao golpe militar de 1964, Marighella mostrara-se um disciplinado e devotado militante e dirigente político do partido dos comunistas brasileiros. Devoção e disciplina que podem ser deduzidos da observação de sua trajetória como reorganizador do PCB em São Paulo, na seqüência do desmantelamento das estruturas do partido pela repressão estado-novista e pela dissidência encabeçada por Hermínio Sacchetta. 5 Iguais demonstrações de fidelidade e comprometimento para com a linha política e a organização de seu partido seriam concedidas por Marighella nas décadas subseqüentes, seja quando do exercício de seu mandato parlamentar nos anos de 1946-1948, ou no retorno à vida e a militância clandestina Brasil afora, ou, principalmente, no posicionamento em face de outro movimento dissidente conhecido pelo PC na virada dos anos 60, exatamente o que deu origem ao PC do B. Tendo representado oficialmente o Partido Comunista em uma viagem à China no ano de 1953 e apreciado a via revolucionária chinesa, Marighella ainda foi capaz de conceder, poucos anos antes do golpe de 64, mais um exemplo de sua valorização da unidade orgânica dos comunistas, recusando-se a se incorporar àquela 4 Idem, ibidem, p. 26. O que pretendo destacar com a passagem grifada é o caráter defensivo da formulação da maioria do Comitê Central do PCB neste momento. A par com o equilíbrio e a sobriedade de sua apreciação das causas do golpe, manifesta-se a tentação de resguardar a integridade da linha política, estando ela acertada ou não, dos desvios imediatistas, golpistas e vanguardistas verificados nos momentos de sua implementação. 5 A dissidência comunista liderada pelo jornalista Hermínio Saccheta foi deflagrada no final do ano de 1937 e consumada, com a defecção de Sacchetta e seu grupo das fileiras do partido, em meados de 1938. Sua motivação visível foi a oposição dos dissidentes à política eleitoral adotada pelo Comitê Central do PCB em relação às eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938, frustradas em razão do golpe de 10 de novembro de 1937. Sobre o episódio pode ser consultada a obra de Emiliano José: Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar, São Paulo, Sol e Chuva, 1997, bem como a introdução escrita por Jacob Gorender à coletânea de artigos de Hermínio Saccheta: O caldeirão das bruxas e outros ensaios, São Paulo, Perseu Abramo, 1996. Um relato literário, bastante controvertido, acerca do episódio pode ser encontrado na obra de Jorge Amado, Os subterrâneos da liberdade.

cisão caracterizada por uma forte simpatia pelas orientações da liderança chinesa. Por tais razões, as motivações determinantes de sua ruptura com a orientação política defendida pela maioria do Comitê Central do PCB e sua transformação em um dos mais importantes lideres das várias dissidências sofridas por aquele partido na segunda metade dos anos 60 constituem um importante tema de investigação. Sem pretender esgotar, ou mesmo abordar exaustivamente tal problema, farei menção às interpretações de alguns autores que se ocuparam da questão. Coube a Jacob Gorender caracterizar pioneiramente a dissidência de Marighella como um movimento processual. Segundo o autor do Combate nas trevas, o descolamento de Marighella frente à política do Partido Comunista Brasileiro ocorreu como resultado de sua sistemática desilusão para com as propostas de enfrentamento da realidade gerada pelo golpe, por parte da corrente hegemônica na direção do Partido. Tal processualidade manifestar-se-ia, segundo Gorender, na própria redação de sua primeira grande obra de polêmica com a maioria do Comitê Central, o livro Por que resisti à prisão de 1965, livro este determinante para o recrudescimento de sua postura crítica à posição majoritária na reunião do Comitê Central que aprovou a Resolução Política de maio de 1965: O volume tem 141 páginas divididas em dezoito capítulos, dos quais os dois últimos exibem flagrante discrepância em relação aos anteriores. Parece correto presumir que os dezesseis primeiros capítulos foram redigidos antes da reunião de maio do Comitê Central, ao passo que os dois últimos registram reflexões suscitadas pela reunião. 6 De acordo com esta análise, as interpelações de Marighella, na maior parte da obra, ainda se circunscreviam aos espaços e à dinâmica interna da discussão no seio do CC, exibindo cautela nas elaborações críticas e até referências protocolares à figura do então secretário-geral. Porém, em suas últimas partes, o escrito do revolucionário baiano radicaliza sua contestação à orientação política vigente no partido e antecipa alguns elementos de sua nova perspectiva enquanto defensor da imprescindibilidade do caminho armado da revolução brasileira: Após o relato pessoal, segue-se à denúncia de crimes e arbitrariedades cometidos pelos novos donos do poder. Em toda esta parte, observa-se a moderação nas proposições críticas à direção do PCB e ainda aparecem os habituais elogios à figura de Prestes. Já os dois últimos capítulos se desfazem do tom cauteloso e as proposições críticas se aguçam. O texto põe em descrédito a possibilidade do caminho pacífico e condena as ilusões no potencial revolucionário da burguesia nacional. O autor salienta o erro da subestimação do aliado camponês, destaca a lição de Cuba e afirma que a luta revolucionária no Brasil poderá levar ao aparecimento de guerrilhas. 6 Cf. Jacob Gorender, Combate nas trevas A Esquerda Brasileira: Das ilusões Perdidas à Luta Armada, Rio de Janeiro, Ática, 1990, p. 94.

Emiliano José, até aqui o único biógrafo efetivo de Carlos Marighella, se baseia no depoimento prestado por Ana Montenegro, veterana militante comunista e amiga pessoal de Marighella, para explicar sua ruptura com as orientações do partido e sua adesão ao projeto guerrilheiro. Tendo se empenhado quase solitariamente na tentativa de animar uma resistência armada ao golpe contra João Goulart ainda em abril de 64, através da arregimentação de militares legalistas, Marighella jamais se conformaria com a passividade manifestada pela direção diante daquele acontecimento, provocado, concluiria ele, pela confiança exagerada do partido na possibilidade de um desfecho pacífico da revolução brasileira. Ademais, ter de contemplar mais uma vez, aos 52 anos de idade e após 30 de militância, uma nova involução radical da política brasileira o teria motivado a investir na forma de resistência mais contundente e, segundo seus adeptos, capaz de produzir resultados eficientes e imediatos em prol da luta revolucionária brasileira: a resistência armada. Geraldo Rodrigues dos Santos, ex-operário do porto de Santos, parlamentar e dirigente do Partido Comunista, buscou, nos traços da personalidade de Marighella, a explicação de sua discordância com o PCB e seu ingresso na luta armada. Descrevendo-o como profundamente humano, apaixonado e impulsivo, afirma que Marighella não teria vislumbrado outro meio de responder à violência reacionária dos militares golpistas senão através da própria violência revolucionária. Nas palavras de Rodrigues dos Santos: Recordo-me que Marighella, logo após o golpe e antes da realização do VI Congresso, dissera-me que para fazer a política convencional, marcar pontos, distribuir material e reunir-se às escondidas, preferia vender gravatas. E mais adiante: Não fosse o seu temperamento impetuoso e o amor devotado ao povo trabalhador mais humilde, talvez ele permanecesse por mais algum tempo conosco, ainda que divergindo como de costume. Já Marco Antonio Tavares Coelho, ex-dirigente e parlamentar do PCB, opositor direto de Marighella nos debates travados no seio da direção paulistana do partido nos anos 66-67, avaliou de forma menos condescendente a atuação do dissidente comunista baiano naquele período. Sem deixar de reconhecer, ainda que sumariamente, os méritos pessoais e políticos de Carlos Marighella, enfatizou um certo déficit de equilíbrio nas escolhas políticas realizadas nos últimos anos de vida deste e, particularmente, seu deslumbramento, em face das alternativas foquistas, em conseqüência de sua passionalidade e impulsividade. Porém, mais do que tudo chama a atenção a importância atribuída pelo memorialista às influências internacionais (no caso cubanas), para a adesão de Marighella e outros militantes de esquerda ao projeto da guerra de guerrilhas em nosso país. Mas sua visão (de Marighella, M.F.) da luta dos comunistas sempre foi marcada pela paixão evolucionária, pelo impulso combativo que não era contrabalançado pela análise fria da realidade no conjunto da vida brasileira. Assim, ficou deslumbrado pela proposta do desencadeamento de ações radicais e violentas promovidas por um pequeno grupo de pessoas de vanguarda, estratégia defendida por Guevara e outros revolucionários latino-americanos. Por isso rompeu com o PCB e junto com um expressivo grupo de

militantes organizou a Ação Libertadora Nacional, levantando a bandeira da luta armada contra o regime militar em nosso país. A ALN acabou dizimada pela brutal repressão da ditadura. 7 Florestan Fernandes, em um texto pouco conhecido, também apresenta a sua interpretação dos motivos que determinaram o rompimento de Carlos Marighella com o Partido Comunista e seu ingresso na luta armada. Segundo o sociólogo paulista, a opção do revolucionário baiano seria uma decorrência lógica da adoção por este, em sua análise do significado do golpe de 64, de dois elementos conceituais novos e fundamentais: o conceito de democracia racionada: Esse conceito[...] equivale àquilo que os cientistas sociais denominam democracia restrita, uma democracia que nominalmente defende a todos, mas, na verdade, é monopolizada pelos poderosos 8 e o conceito de fascismo militar ( [...] ele preferiu caracterizar como fascismo porque aquele regime nada tinha de democrático e se impunha levar seu desmascaramento até um ponto extremo. Ele acreditava na conceituação forte como ponto de partida da luta beligerante. 9 ). As implicações parecem claras. Admitir a existência de duas alternativas clássicas de exercício de poder pelas classes dirigentes brasileiras, sendo elas uma democracia racionada ou um fascismo militar, induzia aqueles interessados em uma opção original a escolher a via da ruptura revolucionária com tal tradição através da luta insurrecional. Pode-se considerar que tal enfoque era tão radical quanto escatológico, uma vez que o objetivo de superação da democracia racionada das classes dirigentes tendia a excluir da luta amplos contingentes de representantes políticos das mesmas e até segmentos das massas influenciadas e submetidas à sua direção política. Por outro lado, identificar o fascismo militar como o núcleo essencial do regime significava tender a considera-lo monoliticamente, excluindo de antemão a possibilidade de explorar suas divisões internas e fraturas e atrair para a oposição setores descontentes originários de seu próprio meio. Talvez a análise mais aguda e melhor embasada historicamente tenha sido a empreendida por João Quartim de Moraes nas páginas da obra coletiva História do Marxismo no Brasil. Para Quartim de Moraes, a emergência das formulações de Marighella e das demais proposições dos expoentes da esquerda armada brasileira no período 1965-1967, representa uma inflexão na trajetória teórico-política da esquerda brasileira. Para ele, a evolução histórica da esquerda brasileira teria sido marcada até então pelos esforços de assimilação do marxismo e do leninismo, dos métodos de organização e trabalho político de extração bolchevique e pelos esforços de interpretar adequadamente, em sua dimensão sócio-econômica, a realidade brasileira. O advento das obras de Marighella Por que resisti à prisão e A crise brasileira representou, para este autor, o desenvolvimento de uma (...) nova forma de consciência revolucionária dos marxistas brasileiros: o primado da razão prático-estratégica sobre a razão teórico-econômica. 10 7 Marco Antonio Tavares Coelho, Herança de um sonho as memórias de um comunista, Rio de Janeiro, Editora Record, 2000, pp 318-319. 8 Cf. Florestan Fernandes, O pensamento político de Carlos Marighella: A última fase, in Cristiane Nova e Jorge Nóvoa, Carlos Marighella O homem por trás do mito. São Paulo, Editora Unesp, 1999, p. 207. 9 Idem, p. 208. 10 João Quartim de Moraes (org.) História do Marxismo no Brasil vol. II (cap. A evolução da consciência política dos marxistas brasileiros, Campinas, editora da Unicamp, 1995, p.84).

Uma comparação entre a Resolução Política do Comitê Central do PCB e Porque resisti à prisão de Marighella exibe uma convergência estrutural. Tratam-se de textos radicados da mesma cultura política, neles são empreendidas análises das causas da derrota de 64 essencialmente compatíveis. Entre eles observase, contudo, duas distinções fundamentais. A primeira diz respeito ao tom geral imperante e à ênfase na determinação dos erros cometidos pelo partido às vésperas da deflagração do golpe. A segunda se refere à natureza e aos propósitos de cada um dos textos. Enquanto a Resolução Política consiste em um texto de orientação político-partidária dirigido prioritariamente à militância comunista e a personalidades e grupos sociais influenciados pelo PCB, o texto de Marighella possui um caráter predominantemente crítico-analítico e de proposição de alternativas para o enfrentamento com o governo surgido do putsch de 1 o de abril. Enquanto na Resolução, como já foi indicado, há uma apreciação critica e autocrítica do comportamento do partido (mas não de sua direção, que aparentemente, para os redatores do texto, sempre esteve correta!) no contexto que antecedeu ao golpe, sendo criticados tanto os desvios de direita quanto os de esquerda, o livro de Marighella centraliza sua crítica nos desvios de direita na implementação da política do Partido. Por outro lado, os primeiros elementos programáticos a sofrerem a interpelação crítica de Marighella são aqueles referentes à tática. Mas o diferencial qualitativo sobre a apreciação crítica da atuação dos comunistas nestes dois documentos diz respeito à responsabilidade atribuída pelo revolucionário baiano à direção do PCB. Subjacente a praticamente todo o livro, tal repertório crítico emerge maciçamente na última seção do livro, intitulada A nova geração e a liderança marxista. Em pouco mais de sete páginas, Marighella ensaiava uma análise histórica da atuação dos comunistas brasileiros a partir de 1935. Narrando e, sob certo aspecto, reivindicando o histórico de lutas dos comunistas na sociedade brasileira, inicia sua crítica à liderança marxista (ou seja, à direção do PCB), tomando como leitmotiv a alegada apreciação errônea desta sobre o papel político desempenhado pelas forças armadas na história do Brasil. Arrolando momentos de retrocesso autoritário na história do Brasil republicano que contaram com a participação direta ou indireta das forças armadas, Marighella chega a duas conclusões: Primeiro: as forças militares, em seu conjunto, são um instrumento do aparelho de Estado para a repressão permanente da expansão das massas em busca da democracia. Segundo: é impossível obter a vitória sem organizar independentemente a força do movimento de massas, por meios ideológicos e materiais, e com o emprego de táticas apropriadas condições indispensáveis à superação do poder repressivo das forças militares. 11 Assim sendo, teria a direção do PCB incorrido em um erro crasso ao depositar confiança num caráter supostamente democrático e patriótico do conjunto das forças armadas (Marighella não negava que alguns de seus integrantes o fossem, mas jamais a instituição!) e desta forma se desarmado ideológica e

materialmente para a resistência a um novo golpe militar. Ocorre que, para Marighella, esta manifestação de ilusão de classe derivaria por sua vez de outro desvio táctico de maior alcance: a crença na possibilidade da realização das reformas de base através, apenas, da pressão de massas sobre o Parlamento (segundo Marighella, refratário a qualquer mudança de estrutura na base econômica do país ). Tal encaminhamento da luta, na opinião do dissidente baiano, colocava o movimento pelas reformas sob a hegemonia da burguesia nacional, o que explicava sua derrota praticamente sem resistência: A nenhuma resistência organizada ao golpe de 1 o de abril, exceto a greve geral, foi o resultado mais sensível do erro tático de confiar na capacidade de direção da burguesia, sem o apelo à organização das massas e à ação e vigilância independentes. 12 Ocorre que a burguesia nacional, definida pelo PCB como integrante do bloco nacional e democrático ao lado do operariado e do campesinato em sua luta comum contra o latifúndio e o imperialismo, caracterizar-se-ia histórica e socialmente pelas tendências à conciliação com as forças reacionárias. Inversamente, sua vacilação e estreiteza de classe em face das massas populares (o campesinato e a classe operária) faria dela um aliado titubeante e temerário, o mais incapacitado possível para a liderança da revolução nacional e democrática, objetivo estratégico defendido então pelo PCB e aceito, a princípio sem maiores reparos por Carlos Marighella: Ora, quando Marighella denuncia as vacilações e as tendências à conciliação da burguesia nacional tem como alvo de sua crítica o governo de João Goulart e as forças que o apoiavam. Esta postura de radicalidade esquerdista na perspectiva da maioria do Comitê Central do PCB, já se manifestara no interior do partido antes do golpe e é objeto de censura, como foi visto, na Resolução Política de maio de 65. Mais ainda, esta postura que expressa uma tomada de posição profundamente crítica face ao governo de Jango - caracterizado como limitadamente progressista e propenso a compromissos com o imperialismo e o latifúndio, em paralelo, é claro, a uma certa valorização de suas tendências reformistas - aparece em todos os documentos políticos produzidos pelo PCB durante a vigência do referido governo! 13 Não há, portanto, nas elaborações alternativas de Marighella, qualquer distinção de substância em face das definições táticas adotadas pelo partido. O que há sim é uma diferenciação de ênfase, manifesta na crítica à burguesia nacional e na apologia da aliança operário-camponesa, supostamente negligenciada pela liderança marxista, bem como o trabalho junto à pequena-burguesia: A insuficiência da penetração no campo, alie-se o desprezo pelo trabalho entre a pequena-burguesia, resultado da incompreensão do papel das chamadas camadas médias na revolução. As classes médias 11 Carlos Marighella, Por que resisti à prisão. São Paulo, Brasiliense, Salvador, EDUFBA, OLODUM, 1995, p. 146. 12 Idem, p. 148. 13 Ver a esse respeito: Resolução política dos comunistas (dezembro de 1962), os comunistas e a situação nacional (12.07.63), Por um novo governo capaz de adotar soluções imediatas em favor do povo (outubro de 1963 e Por um governo que faça as reformas de base (06.03.1964). CF. Edgard Carone, O P.C.B. 1943 a 1964. São Paulo, DIFEL, 1982, pp 250-271.

tornaram-se o alvo que a reação procura mobilizar contra o proletariado, assustando-se com a propagação da tese falsa de que o marxismo é contra todo e qualquer direito de propriedade. 14 Carente de quaisquer divergências mais substanciais, o escrito de Marighella representa muito mais a prédica de implementação mais contundentes das diretrizes políticas mais radicais e confrontacionistas inscritas no próprio programa dos comunistas brasileiros, entre as quais encontra-se a própria luta armada. Como escrevia o futuro dissidente Jacob Gorender, em artigo dedicado à divulgação das resoluções do V Congresso do PCB: Enquanto existir a possibilidade do caminho pacífico, os comunistas tudo farão no que deles dependa, para transformar esta possibilidade em realidade. Ao mesmo tempo, os comunistas não deixam de se manter alertas para o fato de que os inimigos internos e externos da revolução resistirão, por todos os meios ao seu alcance, à perda de suas posições. Em desespero de causa, tais inimigos podem vir a recorrer à violência mais extrema e criar uma situação em que a revolução não teria outra possibilidade de vencer senão através do caminho da luta armada. Os sofrimentos que recaírem sobre as massas, em tal caso, serão de inteira responsabilidade dos inimigos do povo brasileiro. 15 Emblematicamente redigida por um posterior expoente da chamada Corrente Revolucionária e alto dirigente do PCBR, a passagem evidencia o que já fora sugerido anteriormente: que muito longe de procurar refundar a política dos comunistas brasileiros, Marighella e outros dissidentes de esquerda do PCB pós-64, pretendiam muito mais implementar a própria política do partido naquilo que ela possuía de mais radical. 14 Idem, p. 149. 15 Jacob Gorender, o V Congresso dos Comunistas Brasileiros, in Edgar Carone, O P.C.B. 1943-1964, op. Cit; p. 234.

Título: AÇÃO POLÍTICA DE MILITANTES BAIANOS DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL 16-1965/1971 Autor: Andréa Cristiana Santos Titulação: Bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia e mestranda em História Social, no programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFba. E-mail: criza@bol.com.br Os estudos historiográficos a respeito da atuação do Partido Comunista do Brasil (PC do B) no período da ditadura militar (1964-1985) ainda são recentes no país. Os acontecimentos envolvendo a guerrilha rural no sul do Pará (1972-1974) e o episódio conhecido como Massacre na Lapa, quando foram mortos os dirigentes Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, em dezembro de 1976, pela repressão militar, têm sido, prioritariamente, objetos de análises de ex-militantes e suscitado interesse da imprensa, por causa do envolvimento das Forças Armadas e dos órgãos de repressão nos desaparecimentos e morte dos militantes. Permanecem, entretanto, desconhecidos os pressupostos da ação política que nortearam a atuação da militância na contestação ao regime militar, bem como de um perfil dos militantes. Também suscitam indagações as bases nas quais foram geridas a militância partidária, quais segmentos sociais foram atraídos para ação política e como a organização estava estruturada nas cidades. O fato de o PC do B ter sido a única organização comunista a planejar a mais bem sucedida experiência de guerrilha rural no país, ainda que aniquilada e derrotada pelas Forças Armadas, é motivo suficiente para despertar curiosidade sobre o poder efetivo do partido em aglutinar militantes e de se colocar como ator político na sociedade, durante regime militar. Com o objetivo de trazer reflexões ao debate sobre a atuação das organizações de esquerda, este texto procura compreender a ação política dos militantes do PC do B, que 16 O presente trabalho tem sua origem no projeto experimental Memórias da Resistência: perfil biográfico dos desaparecidos políticos baianos na Guerrilha do Araguaia, defendido, pela autora, em 14 de fevereiro de 2001, na Faculdade de Comunicação, da Universidade Federal da Bahia.

atuaram na Bahia, no período entre 1965-1971, num contexto político de contestação ao regime militar e de afirmação política da organização na região, entre as demais organizações de esquerda. A partir de depoimento de militantes e análise de documentos partidários podemos perceber que a ação dos militantes teve como base uma proposta política baseada em duas vertentes: a política de massa no segmento estudantil; a segunda, uma política de revolucionarização visando a luta armada no campo. Ao destacarmos a ação política de militantes baianos, buscaremos contribuir para novos conhecimentos sobre o papel dos atores locais dentro das organizações de esquerda que aderiram à luta armada. Entre os 58 militantes mortos no Araguaia, 10 eram baianos, oito deles começaram a militância no movimento estudantil. Contudo, ainda são poucos os trabalhos acadêmicos referentes à participação de militantes baianos no combate efetivo ao regime militar, não obstante ter sido a Bahia um dos estados pólos geradores de uma militância ativa e combativa nos grupos de guerrilha armada, urbana e rural. O PC do B e o caminho da luta armada Fundado em 1962, o Partido Comunista do Brasil tem sua origem no processo de cisão no Partido Comunista Brasileiro, na época o maior partido de esquerda no país. As origens da cisão remontam ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, realizado em Moscou, em 1956, que colocou novas perspectivas no horizonte da experiência comunista. O evento foi marcado pelo pronunciamento do líder soviético Nikita Kruschev, denunciando o culto à personalidade os métodos extremos de repressões e as violações praticadas contra os comunistas por Josef Stálin, quando a revolução já estava vitoriosa e as relações socialistas consolidadas. Stálin teria revelado intolerância, brutalidade e abuso de poder para se perpetuar no poder (FALCÃO,1988:449). O Congresso também reafirmou e consolidou a política de coexistência pacífica praticada pela URSS em relação aos estados do mundo capitalista e abandonou a tese da inevitabilidade do caminho armado para alcançar a revolução socialista. O Relatório Kruschev, como ficou conhecido as denúncias, causou um forte impacto nos partidos comunistas em todo o mundo. No PC brasileiro, as novas diretrizes políticas serão acentuadas na Declaração de Março de 1958, assumindo uma posição

nacionalista, democrática e, aceitando, oficialmente, a tese do caminho pacífico da revolução brasileira (PACHECO,1984:217), contrapondo-se a linha política insurrecional e isolacionista em relação aos movimentos de massa, adotada no Manifesto de Agosto de 1950. A tese da transição pacífica para se alcançar o socialismo e a proposta de transformação do PCB no amplo partido de massa são ratificadas no V Congresso (1960), exigindo a intensificação dos comunistas no trabalho ideológico voltado para a eliminação do sectarismo e dogmatismo identificado em representantes do Comitê Central. São destituídos do CC os antigos dirigentes como Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas e Maurício Grabois, entre outros, por estarem identificados com essa visão dogmática. As divergências entre o antigo núcleo dirigente a nova política se aprofundam. A publicação no semanário Novos Rumos do Programa e os Estatutos do Partido Comunista Brasileiro (até então o partido tinha a nomenclatura de Partido Comunista do Brasil), em 11 de Agosto de 1961, serve como estopim para o antigo núcleo dirigente (Grabois, Amazonas e Pedro Pomar, entre outros) articular um protesto subscrito por 100 militantes, no qual afirmava que o partido incorrera em infração de princípios, afastava-se do marxismo, renegava o partido criado em 1922 e oficializava um novo partido revisionista. Os dirigentes reúnem-se na Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do Brasil, em fevereiro de 1962, e se proclamam o mesmo partido criado em 1922 e reorganizado em 1962. Sobre esta estratégia, GORENDER é contundente ao denunciar a manobra, afirmando que o PC do B eleva esta duvidosa versão historiográfica a questão de princípio, pois se trata de afastar toda dúvida acerca de qual é o partido do proletariado brasileiro. De acordo com o dogma estalinista, o proletariado não pode ter mias de um autêntico partido revolucionário (1987:34). A dissidência teve pequena dimensão e não afetou o PCB, então em vigoroso processo de ascensão política e orgânica. O PC do B reorganizado vai manter a mesma concepção política da revolução brasileira adotada pelo PCB no IV Congresso (1954), dividida em duas etapas: a revolução nacional de conteúdo antiimperialista e antifeudal; a segunda etapa, a revolução socialista. Contudo, os dois partidos divergem quanto ao meio utilizado para fazer a revolução. Aliado com o Partido Comunista Chinês, o PC do B considera que um novo regime só se efetivaria por meio da violência revolucionária.

Somente depois de 1964, o PC do B vai incorporar a sua estrutura partidária militantes de bases comunistas descontentes com a linha política pacífica do PCB, beneficiado, inclusive, pela defesa da luta armada antes mesmo do golpe dos militares. O ponto chave para o fortalecimento do partido será a resolução política, União dos Brasileiros para livrar o País da Crise, da Ditadura e da Ameaça Neocolonialista, aprovada na Sexta Conferência Nacional realizada em junho de 1966. De modo geral, defende a retomada das lutas de massa, o combate à ditadura militar e a viabilidade da luta armada. A proposta em favor da luta armada atrairá segmentos estudantis nos anos seguintes ao golpe militar. Eles serão identificados como uma parcela pequena de estudantes, porém ruidosa. A efervescência do movimento estudantil no ano de 1968 será responsável por colocar os estudantes na cena política contra o regime militar e parte dela encontrará abrigo nos grupos de luta armada. Na Bahia, o PC do B será formado e organizado por estudantes universitários, a partir do final do ano de 1965. Movimento estudantil: a primeira frente de luta No final do ano de 1965, estudantes da Faculdade de Direito, da Universidade Federal da Bahia, vão articular a primeira base, do PC do B no estado. A base é formada por Amálio Couto de Araújo, Vítor Hugo Soares e Rui Medeiros, Demerval Pereira e Rosalindo Souza (estes dois últimos participaram da Guerrilha do Araguaia), entre outros. Segundo Amálio Coutro, o PC do B só começará a ter uma estrutura articulada e organizada a partir do trabalho feito na universidade. O militante começava como um simpatizante, passava a contribuir com o partido e depois procurava formar uma base na sua escola, arregimentando outros estudantes. O grupo formado na Faculdade de Direito vai ser reconhecido pela coesão de princípios contra os militantes do PCB, francamente numerosos na escola, e na tentativa de conquistar o Centro Acadêmico Rui Barbosa, um reduto histórico do PCB. O núcleo do PC do B só vai conseguir ampliar a participação no movimento estudantil após as manifestações puxadas pelos secundaristas em agosto de 1967 contra o inciso 1 do artigo 9 da Lei Orgânica de Ensino, pela Assembléia Legislativa do Estado, que estabelecia que as escolas de ensino médio mantidas por fundações poderiam cobrar anuidades. Os cerca de 2 mil manifestantes nas ruas, entre estudantes, professores e populares, entendiam que a lei

representaria o fim do ensino gratuito. Não obstante à pressão popular, a lei é aprovada, garantindo o direito às fundações de cobrarem anuidades. Os estudantes amargam uma derrota política, mas saíram fortalecidos por terem demonstrado que podiam aglutinar universitários e secundaristas pelo direito à educação 17. Embora não estivesse à frente dos protestos de rua de 1967 ( a AP teve maior papel na condução do movimento), os militantes conseguiram articular e mobilizar bases de estudantes secundaristas. A decisão de participar do movimento de massa seguia determinação do Comitê Central. Em março de 1967, os dirigentes Maurício Grabois e Pedro Pomar realizam uma reunião clandestina em São Paulo para definir a linha política no meio estudantil. Defendem que os estudantes participem das lutas de massa, conquistem as entidades representativas e se contraponham ao acordo MEC-USAID, acusado de ser expressão do imperialismo norte-americano. Amálio Couto e José Almeida Caldas, estudante de Medicina, retornam a Salvador decididos a organizar o partido em outras escolas. À época, o PC do B tinha base consolidada na Faculdade de Geologia e na Residência Universitária Feminina, com as lideranças de Antônio Carlos Monteiro Teixeira e Dinalva Oliveira (desaparecidos políticos no Araguaia, desde 1972 e 1974 respectivamente). Em novembro de 1967, militantes do PC do B junto a outros segmentos de massa estudantil lançam Antônio Carlos Monteiro Teixeira, à presidência da União dos Estudantes da Bahia (UEB). A eleição é conquistada por Sérgio Dias Passarinho, militante do PCB, mas a disputa é acirrada e o PC do B tem boa margem de votos. Em 1968, militantes conquistam a presidência do Centro Acadêmico Rui Barbosa (CARB). Rosalindo Souza, baiano do interior de Itapetinga, e estudante do curso noturno de Direito, era eleito presidente da entidade. A vitória do grupo, até então minoritário do PC do B, foi considerada uma surpresa, um espanto, no reduto histórico dos comunistas do PCB. A partir da eleição do CARB, os militantes do PC do B serão identificados como radicais e adeptos da linha política maoísta. Nas assembléias estudantis, os militantes vão defender um maior engajamento na contestação ao regime militar. Em entrevista ao jornal A tarde, de 12 de junho de 1968, Rosalindo Souza defende que a greve geral na UFBA 17 Devido à pressão popular, o governador Luís Viana Filho, assinou o Decreto 20315, no qual se comprometia a manter a gratuidade do ensino médio, dada a preferência de matrículas nos colégios oficiais, aos alunos economicamente desfavorecidos (Jornal da Bahia, 27-28.8.1967).

deveria expandir-se para outros segmentos sociais: Os estudantes precisam traçar um programa de passeatas, comícios-relâmpago, trabalho junto a população e a, depender das condições, nos sindicatos. Neste contexto de correlação de forças no movimento estudantil, militantes do PC do B e da AP ensaiam as primeiras alianças e se afirmam como aliados estratégicos. Em 1968, as duas organizações lançam Aurélio Miguel (estudante de Direito) à presidência da União dos Estudantes da Bahia (UEB), mas são derrotadas por Filemon Matos, estudante de Economia e militante do PCB. Nos anos seguintes a promulgação do AI-5, a aliança se intensifica com o objetivo de reorganizar as entidades estudantis colocadas na ilegalidade, embora entre elas houvesse divergências na concepção de qual seria o caminho da revolução brasileira 18. Ações clandestinas: uma nova práxis na luta de massa Com o AI-5 em vigor, as entidades estudantis têm cerceado o direito de atuar legalmente e são colocadas na clandestinidade. Lideranças estudantis do PCB, AP e PC do B respondem a inquérito policial por envolvimento com o movimento estudantil 19 e universitários têm as matrículas cassadas. O Decreto 477, sancionado em 26 de fevereiro de 1969, considerava infração à ordem e à lei o aluno que alicie, incite a deflagração de movimento que tenha a finalidade de paralisação da atividade escolar. Os estudantes estavam proibidos de realizar passeatas e de realizar, imprimir e de conduzir material subversivo de qualquer natureza sob a penalidade de cassação da matrícula por três anos. O movimento estudantil de massa sofre um abalo e são necessárias novas formas de luta. 18 O militante da Ação Popular, José Sérgio Gabrielli, confirma que havia uma aliança, mas aponta as divergências: a AP acreditava que ainda não existia um partido de vanguarda da classe operária. Poderia haver até a possibilidade de esse partido ser construído a partir da fusão entre as duas organizações. Em contraposição, o PC do B já se considerava a vanguarda da classe operária. Uma outra diferença é que a AP tinha a concepção de trabalhar com setores médios na cidade e não via o campo como único campo de ação. 19 Lideranças como Sérgio Dias Passarinho (presidente da União de Estudantes da Bahia, em 1968), Marival Caldas (líder secundarista), Rosalindo Souza e Antônio Carlos Monteiro Teixeira, entre outros, são processados pela Justiça Militar, sob a acusação de participar de manifestações estudantis e incitar à lei e a ordem. Na 6 a Circunscrição da Auditoria Militar os processos constam com a numeração 28/69 e 36/69.

Militantes serão atraídos pela proposta da luta armada imediata, a guerrilha urbana. O PC do B, contudo, vai pautar a ação política por duas vertentes, a primeira é a atuação legal nas representações estudantis junto às representações de sala e à Congregação Universitária, a fim de reivindicar propostas específicas. A segunda, as atividades clandestinas de propaganda política, entre elas a panfletagem noturna, comícios-relâmpago e pichações. O objetivo, imediato, era reorganização das entidades estudantis colocadas na ilegalidade como Associação dos Estudantes Secundaristas da Bahia (ABES) e União dos Estudantes da Bahia (UEB). Numa análise mais cuidadosa, percebe-se a necessidade de a organização formar quadros revolucionários para o projeto da guerrilha rural, presente nos planos do PC do B desde 1967, quando chegam os primeiros militantes a área onde se implantaria a guerrilha. A proposta de desenvolver várias frentes de luta no combate ao regime militar está presente no documento Responder ao Banditismo da Ditadura Militar com a Intensificação das Lutas de Massa, de dezembro de 1969: Quando a ditadura vai num crescendo de violências e trata de impedir qualquer atividade política de massa é mister golpear o inimigo em toda a parte, desenvolver o trabalho de massa tanto aberto quanto clandestino. Todas as lutas grandes ou pequenas contribuem para desgastar a ditadura (...). Impõe-se, portanto, às forças conscientes estudar as condições concretas de cada lugar e tomar a iniciativa de ações revolucionárias que tenham sentido para as massas (PC do B: 1977: 75-76). A linha política vai ser seguida à risca. Os militantes fazem ações clandestinas nos bairros, com distribuição de panfletos contra à ditadura militar, e procuram reorganizar as entidades estudantis. Pode parecer que o PC do B ficou restrito, apenas, a um proselitismo político, com atividades clandestinas localizadas e sem repercussão na sociedade, enquanto outras organizações de esquerda partiam para a ação concreta armada, com os assaltos a bancos e os seqüestros. Contudo, essa análise não deixa entrever as algumas sutilezas existentes no contexto histórico da época. Depoimentos de militantes apontam que o fechamento do regime após o AI-5, as prisões de militantes e a falta generalizada de liberdade política levaram muitos estudantes a se engajarem nas organizações de esquerda contra o regime militar. O historiador Manuel Neto, à época estudante secundarista, recorda que a vinculação às

organizações de esquerda foi uma reação natural ao cerceamento de direitos elementares, como os de liberdade de expressão: Grande parte da minha geração vivia o drama da falta de liberdade de expressão e de pensamento. Isso nos impedia de ter acesso às informações que nos permitissem pensar o país e usufruir de senso crítico sobre a realidade. Nós sentíamos que para sobreviver a ditadura, enquanto cidadão e pessoa, era necessário derrubá-la. Não havia canal de conciliação com a ditadura. Se você queria pensar, ter conhecimento, tornar-se um cidadão, ajudar o país, você tinha que romper com a ditadura (entrevista concedida em 01/07/2000). Aliada ao sentimento de repúdio à ditadura militar, havia a concepção de que era necessário lutar pela transformação da sociedade, por mais justiça social e combater a pobreza, embora o país estivesse atravessando um período de crescimento econômico. O ex-militante e representante estudantil no Colégio Central, Gabriel Kraychete, considera que existia uma crença na revolução e a juventude acreditava que estava fazendo a sua parte no processo de transformação mundial. Faz uma análise crítica de que as ações clandestinas eram localizadas, pontuais e estavam aquém de questionar o poder político hegemônico. Reconhece, contudo, os ideais que os animavam: lutava-se por questões mínimas e dava-se a vida por elas, as manifestações eram a favor de liberdade e de resgatar o direito das entidades se reorganizarem (entrevista concedida em 07/02/2000). No período de 1969 até 1971, esses estudantes, que iniciaram a militância em movimentos de contestação cultural e muitos com formação católica, vão ser agregados às organizações clandestinas como Ação Popular e PC do B para tentar reestruturar a ABES colocada na ilegalidade. Quando Uirassu Batista (militante do PC do B e desaparecido político no Araguaia) entrou em contato comigo, a ABES e a UBES estavam esvaziadas de representação estudantil, eram quase que extensão da AP e do PC do B. Nós fazíamos um movimento de massa legal, grupo de estudo, exposições e debates. Essas atividades acabaram chamando a atenção da ABES, revela Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho, à época líder estudantil no Colégio Antônio Vieira. Sob a influência de militantes da Juventude Estudantil Católica, o Vieira conseguiu preservar um movimento cultural intenso, mesmo com o AI-5. Em 1970, o grupo passa a militar no PC do B. A ABES vai ser instrumentalizada como entidades revolucionárias, disputadas por AP e PC do B. Os estudantes fazem pichações, reproduzem documentos partidários e

distribuição de panfletos clandestinos. As duas organizações chegaram a reunir, aproximadamente, 60 estudantes. Envolvidos em ações clandestinas e em trabalhos partidários, em agosto de 1971, os estudantes despertam atenção dos órgãos de repressão e são presos por agentes do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI/6). A maioria dos presos é de estudantes secundaristas e com menos de 18 anos. Vinte militantes da AP e do PC do B são processados 20. As prisões só se tornam públicas em 15 de janeiro de 1972, quando a Secretaria de Segurança Pública, divulga uma nota oficial, com o título Subversão no Meio Estudantil -Alerta aos Pais. Sobre organização e o trabalho dos estudantes nos principais colégios, a nota afirmava: As células se compunham de 3 a 4 estudantes do nível médio que se reuniam nas próprias residências, a pretexto de estudar em grupo, quanto então eram traçados para subverter a ordem sob o manto protetor dos seus lares e iludindo seus responsáveis. Os pais, incrédulos de início, chocaram ante os frios depoimentos de seus filhos, a esta altura contaminados pelos germe do comunismo, veneno inoculado por falsos amigos e indivíduos mais velhos que, face sua experiência subversiva, conseguiram manter-se fora do alcance da lei, devido a um falso sentimento de lealdade dos estudantes indiciados aos antigos líderes, que só são conhecidos através de codinomes e identidades falsas (Jornal da Bahia, 15 de janeiro de 1972). Com a desarticulação do Comitê Regional, combalido pelo deslocamento de lideranças para trabalho político em outras áreas e as prisões ocorridas em 1972, os militantes mudam a estratégia de ação política. Carlos Eduardo de Carvalho revela que, com o objetivo de preservar a organização, rompem com a linha de revolucionarização imediata, centralizem as suas ações no movimento de massa, priorizam o trabalho nos diretórios acadêmicos e abandonam as ações clandestinas como os comícios-relâmpago. Um dos resultados da mudança de linha política pode ser percebida nos anos seguintes, com um enraizamento maior do PC do B em segmentos intelectuais, em movimentos culturais e na revitalização do movimento estudantil, com abertura de diretórios acadêmicos e entidades estudantis. 20 Entre os processados Demerval Pereira, Uirassu Batista e José Lima Piauhy Dourado, desaparecidos políticos no Araguaia. Demerval teria tido a casa vigiada pela polícia e conseguiu sair clandestino de Salvador, segundo a família. Uirassu deixou Salvador em fevereiro. Apesar de não haver a data exata sobre a

Das ações clandestinas à luta armada no campo A maioria dos estudantes, que se empenhou na luta contra a ditadura militar, seja em atividades de massa legal e nas ações clandestinas (da distribuição do panfleto a decisão de pegar em armas), assumiu uma identidade de militantes comunistas, crentes de que havia um processo de transformação revolucionária em curso. Consideramos que, neste processo de iminência da revolução, a linha política aberta à participação da massa tinha a finalidade de recrutar e formar quadros para a proposta revolucionária de tomada do poder. Avaliamos que, a despeito de não ter sido efetivado, satisfatoriamente, os planos de luta armada, o endurecimento da ditadura militar com a proclamação do Ato Institucional n o 5 instaurou um Estado autoritário e repressivo. As sanções impostas às entidades estudantis restringiram os canais legais de reivindicação, como aponta os militantes. Porém, ao invés de se submeter às restrições impostas pela Lei de Segurança Nacional que antevia, em qualquer reunião de estudantes, pólos de subversão, os estudantes resolveram contrapor-se à ordem hegemônica. Utilizando-se de ações clandestinas, instrumentos de luta encontradas na época, eles procuraram reorganizar as entidades estudantis, numa tentativa de recuperar a efervescência do movimento de massa do ano de 1968, quando os estudantes saíram às ruas para tentar ser sujeitos da história e exercer o direito de lutar pela volta à democracia. No afã de restaurar o movimento de massa, estudantes passaram a assumir a identidades de militantes comunistas, com uma missão a cumprir: fazer a revolução. Com isto julgamos que o papel das organizações de esquerda tenha sido fundamental na formação e conformação da identidade de militante comunista. Como afirma REIS FILHO, o partido, neste caso, assume papel fundamental, ele é forma suprema de organização, o instrumento privilegiado para a ditadura de classe. Em relação, ao partido o militante têm uma relação de subserviência e dívida. Ele pertence a um Estado Maior, que vai transformar o mundo e tem as chaves de sua compreensão (1989:120). Neste sentido, verificamos que, para o PC do B, o ano de 1971 será decisivo para efetivar os planos da guerrilha rural no país. Em julho de 70, o Comitê Central assinalava, no texto Mais audácia na luta contra a ditadura, que a ditadura militar procurava demonstrar saída de José Lima, de Salvador, o irmão Epaminondas Dourado foi intimado por agentes da Polícia Federal

força e se apresentar como poder inabalável, porém não perduraria por muito tempo. É válido ler trecho do documento: Os militares procuram aparentar força, apresentar seu Poder como inabalável. Mas, na verdade, esse Poder é um poder precário, fraco e instável. Está corroído por profundas contradições que atingem as próprias forças armadas, seu principal sustentáculo. O AI-5 e outros dispositivos são aplicados de modo crescente contra os militares. Ao invés de fortalecer-se, a ditadura isola-se cada vez mais. O descontentamento popular crescerá inevitavelmente e o movimento revolucionário cobrará novas energias. Entre as próprias forças que sustentam o regime militar se aguçarão as divergências. Fatalmente, surgirão novas crises políticas. (..) A situação no Brasil e no mundo se apresenta favorável às forças da revolução e não às da contra-revolução. Os revolucionários que se atrevem a lutar, e persistem na luta, alcançarão a vitória (PC do B:1977. 97). A análise do PC do B demonstra uma visão equivocada quanto a fragilidade do aparelho do Estado. Uma análise a posterior confirmará que o regime militar não media esforços para utilizar o aparato repressivo e autoritário do Estado para desbaratar e aniquilar as organizações de esquerda. As organizações de esquerda armada sofriam uma repressão violenta, com a morte sob tortura de grande parte dos seus militantes. A infraestrutura para realizar as ações armadas e manter os seus quadros na clandestinidade por um período longo, que garantissem a sua segurança, exigia altas somas em dinheiro que as organizações não dispunham. Imersos no ímpeto das ações armadas, os próprios militantes acreditavam estarem fazendo o possível para deflagrar a revolução. Mas, esta é uma análise feita a posteriori. Para o militante comunista, a luta revolucionária era premente. Ao militante comunista, caberia como membro de uma organização de vanguarda romper com a passividade, o conformismo, as atitudes contemplativas e os debates estéreis. O militante deveria preocupar-se permanentemente com a revolução e atrever-se a lutar. Com esta missão, militantes com experiência no movimento estudantil baiano serão deslocados para a região do Araguaia 21 e outros vão dedicar-se ao trabalho político em cidades do interior da Bahia, como Ilhéus, Itabuna e Vitória da Conquista. As motivações para falar sobre o seu paradeiro (Depoimento à autora em 24/3/2000). 21 No ano de 1971, saem de Salvador e os estudantes Vandick Reidner Coqueiro (Economia) Dinaelza Santana Coqueiro (Geografia); Rosalindo Souza, advogado, além dos já citados Uirassu Batista, José Lima Piauhy Dourado e Demerval Pereira.