A vida e a obra de Caetano Veloso. na época do tropicalismo



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Transcrição:

MASARYKOVA UNIVERZITA FILOZOFICKÁ FAKULTA ÚSTAV ROMÁNSKÝCH JAZYKŮ A LITERATUR Portugalský jazyk a literatura Lenka Zemanová A vida e a obra de Caetano Veloso na época do tropicalismo Bakalářská diplomová práce Vedoucí práce: Mgr. et Mgr. Vlastimil Váně 2009

Prohlašuji, že jsem diplomovou práci vypracovala samostatně s využitím pramenů uvedených na příslušném místě. Tištěná verze práce je shodná s její verzí elektronickou.

Na tomto místě bych chtěla poděkovat Mgr. et Mgr. Vlastimilu Váňovi za veškerou pomoc, věnovaný čas a podnětné rady.

ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO... 6 2. BIOGRAFIA DE CAETANO VELOSO... 8 2.1 Gilberto Gil o principal companheiro de Caetano Veloso na época... 9 3. A CARACTERÍSTICA DO MOVIMENTO TROPICALISTA... 10 3.1. A situação política durante o tropicalismo... 11 3.2 O surgimento do nome do movimento, a época inicial... 12 4. CAETANO VELOSO E A SUA ACTUAÇÃO ARTÍSTICA DURANTE O TEMPO DO TROPICALISMO... 15 4.1 Os Festivais de Música Popular Brasileira... 15 4.2 O show na boate Sucata... 19 4.3 O programa Divino, Maravilhoso... 21 4.3.1 A sua passagem pelas drogas... 23 5. O NOVO ACTO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS... 25 5.1 A prisão... 25 5.1.1 O interrogatório principal... 27 5.2 A prisão «domiciliar»... 28 5.2.1 A sua actividade artística em Salvador... 29 5.2.2 O show da despedida... 30 6. NO EXÍLIO... 32 7. DE VOLTA NO BRASIL... 34 8. CONCLUSÃO... 35 9. BIBLIOGRAFIA... 36 APÊNDICE... 38

Caetano é uma luz, um dos artistas mais importantes da minha geração e do Brasil de sempre. Essa luz não iluminou apenas a música brasileira, mas também os nossos cinema, teatro, poesia e até a vida quotidiana dos brasileiros. Cacá Diegues, cineasta

1. INTRODUÇÃO A cultura brasileira, com a sua variedade e originalidade, certamente pertence entre as culturas mais ricas do mundo. A parte mais importante da cultura deste país exótico, ou digamos, a que é mais característica do povo brasileiro, é a música. A música brasileira tem passado por grande desenvolvimento e não há dúvidas que no futuro ainda poderá oferecer muito da sua riqueza para todos os gostos. Eu pessoalmente tenho interesse em cultura e música brasileira já há muito tempo, mas o meu primeiro contacto com cantor Caetano Veloso foi só dois anos atrás, quando ouvi por acaso uma sua canção. Comecei a interessar-me tanto pela sua obra como pela sua vida. O tempo do tropicalismo 1 era a época marcante na sua vida. No passado, o movimento, apesar de não ser muito conhecido fora do Brasil, foi uma das coisas mais relevantes para a evolução da música. Naquela época Caetano estava ainda no princípio da carreira, mas conseguiu com sucesso dirigir o movimento tropicalista e instaurar assim uma nova atitude na música popular brasileira, que até hoje inspirou muitos artistas. 2 Este trabalho dedica-se propriamente ao decurso do movimento tropicalista, enfocando-se à vida e à obra de Caetano Veloso como líder principal do movimento. Nos primeiros capítulos vamos explicar as características do tropicalismo e o contexto político que levou com a parte considerável ao seu surgimento. Logo vamos prosseguir ao próprio cantor, descrevendo a sua actuação artística durante os anos principais, os de 1967 e 1968. O capítulo seguinte dedicamos à sua estadia na prisão e no exílio, que chegou como o resultado lógico depois das suas provocações e comportamento contra o régime político daquela época. 1 Algumas fontes usam a palavra tropicalismo com a letra maiúscula - «Tropicalismo», mas o termo já passou a ser muito comum, por isso as duas formas são admissíveis. 2 David Byrne, Beck (inspirando gravou uma canção chamada «Tropicalia»), Kurt Cobain etc. Fonte: FARIA, Daniel: O Tropicalismo 'é lindo!' [online].[citado 2009-05-05] Disponível em WWW: http://www.revistaparadoxo.com/materia.php?ido=4770-6 -

Finalmente, o último capítulo vamos dedicar à sua volta ao Brasil depois de algum tempo vivido em Londres. No espaço de todo o trabalho, ocupamo-nos não só com os factos, mas também os tentamos de enriquecer dos próprios sentimentos e das opiniões de Caetano Veloso para podermos perceber de forma ainda mais larga a sua personalidade e o seu modo do comportamento. - 7 -

2. BIOGRAFIA DE CAETANO VELOSO Caetano Emanuel Viana Teles Veloso cantor, compositor, escritor nasceu a 7 de Agosto de 1942 em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, como o filho de José Teles Veloso, que trabalhava como Funcionário público do Departamento de Correios e Telégrafos, e de Claudionor Vianna Teles Veloso, que ficou mais conhecida como dona Canô. Tem sete irmãos Nicinha, Clara, Mabel, Irene, Rodrigo, Roberto e a mais conhecida Maria Bethânia (cujo nome foi escolhido por ele por causa de uma valsa do compositor pernambucano Capiba). Desde a sua infância demonstrou interesse pela música, pintura, e depois também pelo cinema. Em 1952 gravou «Feitiço da Vila» e «Mãezinha Querida» acompanhado ao piano por sua irmã mais velha, Nicinha. Esta gravação ainda não teve intenção profissional. Em 1956 morou durante curto período em Guadalupe, no Rio de Janeiro. Aqui frequentou o auditório da Radio Nacional era palco de apresentações dos maiores ídolos musicais brasileiros da época. Em 1959 conheceu o trabalho do músico João Gilberto através do LP «Chega de Saudade». Este músico mais influenciou sua trajetória artística: «No João, parece que é tudo mais justo, necessário: melodia, as vogais, as consoantes, os sentimentos, o respeito por aquela forma, que ele reconheceu ali, o jeito daquelas coisas se expressarem esteticamente. João traduz a canção.» 3 (Songbook Caetano Veloso vol.1) Em 1960, depois de ter concluido o curso ginasial, mudou-se com a família para Salvador, onde concluiu o ensino médio. Entre 1960 e 1962 escreveu críticas de cinema para o Diário de notícias. Nesta época também aprendeu a tocar violão e começou a cantar com a irmã Maria Bethânia em bares de Salvador. Em 1963 ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade de Bahia. Neste ano conheceu o seu ídolo que já conhecia pela TV, Gilberto Gil, e tornou-se o amigo dele. Também conheceu Gal Costa (chamada ainda da Maria da Graça) e Tom Zé. Casou-se com a baiana Dedé Gadelha em 21 de Novembro de 1967. No dia 22 de Novembro de 1972 3 Caetano Veloso, Biografia [online].[citado 2009-03-15] Disponível em WWW: http://www.dicionariompb.com.br/detalhe.asp?nome=caetano+veloso&tabela=t_form_a&qdetalhe=b io - 8 -

nasceu o primeiro filho deles, Moreno Veloso. No dia 7 de Janeiro de 1979 Júlia, que morreu dias depois. Em 1986, já separado de Dedé Veloso, começou a viver com a carioca Paula Lavigne. Com ela teve mais dois filhos Zeca Lavigne Veloso, nascido no dia 7 de Março de 1992, e Tom Lavigne Veloso, nascido em 25 de Janeiro de 1997 em Salvador. 2.1 Gilberto Gil o principal companheiro de Caetano Veloso na época «Caetano! Venha ver aquele preto que você gosta!» Assim a mãe de Caetano chamava-lhe, quando o Gilberto Gil, em 1962 surgia na televisão. Caetano estava com 20 anos, e ficava impressionado ao ver Gil dedilhar o violão. Ouvir o mestre da Bossa Nova pela primeira vez tivera o efeito duma revelação grande na vida do Caetano. Conheceram-se pessoalmente em 1963. Principalmente a admiração por João Gilberto surgiu como um definitivo ponto da identidade entre os dois. Gilberto Gil, sem dúvidas, não é menos importante do que o próprio criador do Tropicalismo Caetano Veloso. Quase toda a época passaram os dois cantores juntos, propagando o movimento. Por isso vamos dedicar um pouco de espaço também a vida dele. Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em 26 de Junho de 1942 em Salvador. Três semanas depois, segiu junto com o seu pai, o doutor José Gil Moreira e a sua mãe, a professora primária Claudina para Ituaço, no interior da Bahía. Formou-se em Administração, mas desde cedo já demonstrava interesse pela música. Quando resolveu seguir o caminho da música popular, escolheu o violão. Um compacto duplo gravado em 1963 foi o início da sua trajetória de sucesso na música popular brasileira. Junto com o Caetano foi preso e acabou exilado em Londres. No início de 1972 retornou ao Brasil. No final dos anos 80, teve sua primeira experiência como político, tornando-se vereador em Salvador. O definitivo reconhecimento internacional foi em 1998, quando Gil obteve o Prêmio Grammy de melhor disco de World Music por «Quanta Gente Veio Ver». Em 2002 tornou-se Ministro da Cultura de governo de Luís Início Lula da Silva. Hoje em dia segue compondo e fazendo shows. - 9 -

3. A CARACTERÍSTICA DO MOVIMENTO TROPICALISTA Tropicalismo foi um movimento musical que teve lugar entre 1967 e 1968 pautado pela intervenção crítico-musical no cenário cultural brasileiro liderado pelo Caetano Veloso. Os outros participantes foram Gilberto Gil e Tom Zé, os poetas Torquato Neto e Capinam, os maestros de formação erudita Rogério Duprat, Damiano Cozzella e Júlio Medaglia, o grupo Os Mutantes, a cantora Gal Costa e o artista plástico Rogério Duarte, entre outros artistas. A música brasileira pós-bossa Nova e a definição da qualidade musical no país estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos cujas ideas foram orientadas à esquerda. Contra essas tendências, os tropicalistas procuraram universalizar a linguagem da música popular brasileira incluindo elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia, a guitarra eléctrica. As idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas também da própria cultura nacional. O fundamento é estético. O movimento foi uma estética de vanguarda, queria que a arte evoluísse. O tropicalismo renovou também a letra da música, seguindo das tradições dos grandes compositores da Bossa Nova e incluindo novas referências e informações do seu tempo. Misturou rock mais bossa nova, mais samba, mais bolero, mais rumba. Sua atuação quebrou as barreiras que permaneciam no país pop x folclore, alta cultura x cultura de massas, tradição x vanguarda. Além dos discos antológicos, que foram produzidos, também a televisão foi outro remédio fundamental de atuação de grupo principalmente os Festivais de Música Popular da época. Na visão tropicalista, não há uma verdade que o compositor tem de anunciar. Caso haver, ela não é conhecida. A realidade está fragmentada, há múltiplos estímulos, factores novos, e o compositor encontra-se perplexo. 4 A tropicália transformou os critérios de gosto não só quanto à música e à política, mas também ao comportamento, ao sexo, ao corpo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a moda dos cabelos longos e das roupas coloridas e berrantes. 4 Tropicalismo na ditadura [online].[citado 2009-03-15] Disponível em WWW: http://www.scribd.com/doc/3965513/portugues-tropicalismo-na-ditadura - 10 -

O movimento durou pouco mais de um ano e acabou reprimido pelo governo militar. Porém, a cultura do país já estava marcada para sempre pela descoberta dos trópicos. 3.1 A situação política durante a época do tropicalismo Para entendermos melhor o surgimento do movimento tropicalista, explicamos agora aqui em poucas palavras a situação política do país daquela época. Em 1964 o Brasil foi influenciado pela Guerra Fria disputa entre as superpotências dos Estados Unidos e da União Soviética, que alimentava conflitos na América Latina e no país. Em 1959 a Revolução Cubana transformou Fidel Castro e Che Guevara em heróis internacionais e atiçou a pressão do bloco capitalista sobre os países do terceiro mundo. Segundo a opinião de Luiz Carlos Maciel, esta revolução foi o que mais marcou a geração «Foi uma revolução audaciosa, justa, juvenil, romântica enfim, tudo o que sonhávamos.» 5 O presidente João Goulart propôs uma série de reformas para atenuar o grave problema da desigualdade social e as pressões políticas que vinha sofrendo dos movimentos de esquerda. Contra tais propostas, formou-se um movimento da direita e da parte da sociedade que preconizavam uma modernização conservadora. Elites dominantes perceberam os sintomas que podiam resultar em uma possível ruptura com a política de manipulação de massas dia 31 de Março de 1964 concretizaram o Golpe de Estado. O presidente foi depusido e os militares ganharam o poder. O Golpe apoiado pelos americanos rompeu o frágil jogo democrático brasileiro. Castelo Branco tornou-se o primeiro general-presidente ditatorial. Ele queria limpar o Brasil do esquerdismo e da corrupção para poder entregá-lo às modernidades do livre mercado. Num ambiente estudantil, que foi altamente politizado, a música popular funcionava como arena de decisões importantes para a cultura brasileira tão como para a própria soberania nacional. Costa e Silva, seu substituto, governou o país de 1967 a 1969. 5 MACIEL, Luiz Carlos: Geração em transe: memórias do tempo do tropicalismo Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1996, op.cit., p.31-11 -

Até 1968, movimentos e intelectuais de esquerda podiam agir livremente, só com pequenos problemas com a censura. A política fazia-se presente em todas as áreas teatro, cinema, artes plásticas. A partir de 1967, no campo da música, houve confrontos entre os artistas nacionalistas de esquerda e os vanguardistas do tropicalismo, que se manifestaram contra o autoritarismo e a desigualdade social. Para os tropicalistas, entender a cultura de massas tinha tanta importância quanto entender as massas revolucionárias. As tensões no país chegaram ao máximo em 1968. Intesificaram-se as greves operárias e manifestações estudantis. Com o crescimento da oposição, Costa e Silva, na época pressionado pela extrema direita, respondeu com o endurecimento político. Em 13 de Dezembro, o Ato Institucional N 5 decretou o fim das liberdades civis e de expressão até ano 1984, quando o general João Figueiredo deixa a presidência do país. 3.2 O surgimento do nome do movimento, a época inicial O tropicalismo foi influenciado pela exposição do artista Hélio Oiticica Tropicália do Abril de ano 1967, exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, da qual tirou o nome e a fundamentação teórica. Era um ambiente formado por dois penetráveis, cercados por areia, brita e plantas tropicais, labirinto cheio dos vegetais e pássaros. Hélio radicalizava na teoria o projecto de miscigenação cultural e valorização do genuinamente brasileiro. Criticou o consumo imediato e impensado do tropicalismo. 6 Caetano viu esta exposição e resolveu colocar o nome «Tropicália» em uma das suas composições. Depois, o nome tropicalismo foi derivado. Citamos agora as palavras de Caetano sobre o nome do movimento: 6 MACIEL, Luiz Carlos: Geração em transe: memórias do tempo do tropicalismo Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1996, p.196-12 -

«[...]me soa não apenas mais bonito: ele me é preferível por não se confundir com o "luso-tropicalismo" de Gilberto Freyre (algo muito mais respeitável) ou com o mero estudo das doenças tropicais, além de estar livre desse sufixo ismo, o qual, justamente por ser redutor, facilita a divulgação com status de movimento do ideário e do repertório criados.» 7 O segundo disco de Caetano apresenta as canções «Tropicália» e «Alegria, alegria», e na capa traz a figura de Caetano rodeada por cores e flores. As canções compostas há mais tempo, mas ajustavam-se perfeitamente ao espírito tropicalista. O texto de «Tropicália» mistura o automatismo surrealista e a prosa jornalística. Caetano usa tal linguagem para construir uma alegoria musical que comenta a conjuntura cultural em geral e o estado da música popular em particular 8 : sobre a cabeça os aviões sob os meus pés os caminhões aponta contra os chapadões meu nariz eu organizo o movimento eu organizo o carnaval eu inauguro o monumento no planalto central do país viva a bossa sa sa viva a palhoça ça ça ça ça... Em 20 de Agosto de 1967, Caetano deixava evidente sua ansiedade por novidades no cenário da música popular brasileira em uma entrevista: 7 Caetano Veloso em: Tropicália um projecto de Ana de Oliveira [online].[citado 2009-03-26] Disponível em WWW: http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/verd_onome.html 8 PERRONE, Charles A.: Letras e letras da MPB Elo Editora e Distribuidora Ltda.: Rio de Janeiro, 1988, p.68-13 -

«Acho que a música brasileira, depois da bossa nova, ficou discutindo tudo que a bossa nova propôs, mas não saiu dessa esfera, não aconteceu nada maior. Eu, pessoalmente, sinto necessidade de violência. Acho que não pé pra gente ficar se acariciando. Me sinto mal já de estar ouvindo a gente sempre dizer que o samba é bonito e sempre refaz o nosso espírito. Me sinto meio triste com essas coisas e tenho vontade de violentar isso de alguma maneira. É a única que me permite suportar e aceitar a idéia de manter uma carreira musical, porque uma coisa é inegável: a música é a arte mais viva em todo o mundo. O que acho é que a música tem sido utilizada muito pra gente se manter enganado e eu não quero mais. Quero que a gente saiba mesmo, que a gente engula e veja que a gente está num país que não pode nem falar de si mesmo. A gente tem que passar a vergonha toda pra poder arrebentar as coisas.» 9 Numa outra entrevista Caetano declara, que a gente falava sobre a necessidade de um movimento de renovação da música popular brasileira já no ano 1966. Gil tinha feito umas reuniões no Rio com os outros compositores e músicos para tentar trasmitir o novo modo de ver. Mas o pessoal não entendeu. Caetano também conversava com os outros músicos sobre a falta de capacidade de aventura do criador de música popular no Brasil, sobre os resguardos dentro do mundo de bom gosto e do politicamente correcto na época, também sobre o preconceito contra o rock. Os outros embora não se interessassem tanto em princípio, tinham uma vitalidade para descobrir as coisas novas. 10 9 Caetano Veloso em: CALADO, Carlos: Tropicália: a história de uma revolução musical Editora 34 Ltda.: São Paulo, 1997, op.cit., p.117 10 Tropicália um projecto de Ana de Oliveira [online].[citado 2009-03-26] Disponível em WWW: http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/entr_caetano.php - 14 -

4. CAETANO VELOSO E A SUA ACTUAÇÃO ARTÍSTICA DURANTE O TEMPO DO TROPICALISMO 4.1 Os Festivais de Música Popular Brasileira Na década dos anos 60, o Brasil vivia uma grande efervescência cultural. Uma ponta-de-lança mais importante era a música. Os primeiros ídolos da televisão foram por isso músicos e cantores. Nesse período foram também criados, pela TV Record, os Festivais de Música Popular Brasileira. Marcaram a história da música brasileira pela comoção que instauraram, pelas discussões que detonaram, pelo espaço que ocuparam em meio à ditadura e principalmente através desses espaços o movimento tropicalista pôde eclodir com todo o seu arrojo. Alguns festivais foram especialmente marcantes, como o de ano de 1967. Caetano queria compor algo especial, uma canção que pretendia ser uma espécie de manifesto, uma síntese pessoal das conversas e discussões sobre os novos rumos estéticos da música popular brasileira. Decidiu que no festival de 1967 deflagraria, junto com o Gil, a revolução. Queria compor uma canção que fosse fácil de aprender por parte dos espectadores do festival, mas ao mesmo tempo caracterizasse a nova atitude que queriam inaugurar. 11 O resultado foi a canção «Alegria, alegria» apresentada no terceiro Festival de MPB 12 de TV Record de São Paulo. Classificou-se, para desgosto de muitos, em quarto lugar. Toda apresentação da canção nova foi muito rápida. Os Beat Boys, o grupo argentino de rock, acompanhando o Caetano, surgiram no palco do Teatro Paramount, com guitarras e cabelões. Iniciou-se uma vaia que o Caetano interrompi entrando em cena, com uma expressão muito irada, antes que o seu nome fosse anunciado. Isso assustou locutores, directores, produtores e público. A entrada de Caetano foi ainda mais chocante, porque o seu vestido era diferente de todos os cantores, músicos e apresentadores tinha um terno xadrez e uma camisa laranja. O público aplaudiu euforicamente, e o próprio Caetano ficou surpreendido com a rápida mudança de 11 VELOSO, Caetano: Verdade tropical Companhia das Letras: São Paulo, 1997, p.166 12 «Música popular brasileira» em forma abreviada. - 15 -

atitude do público, que primeiro ficou, por causa do susto, quieto. Neste momento inaugurou-se o tropicalismo. Cresceram os desafetos, a violência da platéia. Imediatamente após do festival, «Alegria alegria» era tocada nas rádios de todo o país. Transformou-se em hit, ultrapassou a marca de 100 mil cópias vendidas. A base rítmica da canção foi a tradicional marcha, mas o acompanhamento musical, como já mencionámos, foi feito por um grupo pop. Nos festivais existia o preconceito contra os instrumentos eléctricos, pela maioria eram vistos como uma manifestação de alienação ou de sentimento antinacionalista. A instrumentação dada por Caetano foi uma declaração, relacionada ao refrão, que podia soar como um desafio: «eu vou, por que não?». 13 A letra da canção era completamente inovadora para a MPB. Na letra podemos destacar dois aspectos fundamentais para a compreensão das tendências do tropicalismo a crítica aos intelectuais de esquerda 14 : por entre fotos e nomes sem livros e sem fuzil sem fome, sem telefone no coração do Brasil que pode ser vista como a crítica às «grandes palavras» dos intelectuais, que não se tornaram reais. O outro aspecto é a presença dos meios de comunicação de massa 15 : ela nem sabe, até pensei em cantar na televisão Caetano começou a ser tratado como um popstar. O novo ídolo era recontado em superlativos na grande parte da imprensa: «Caetano Veloso, o homem de maior prestígio no mundo de arte no momento» (O Sol); «o maior ídolo da platéia paulista» (Última Hora); «a personalidade mais discutida da música popular» (Manchete); «o 13 PERRONE, Charles A.: Letras e letras da MPB Elo Editora e Distribuidora Ltda.: Rio de Janeiro, 1988, p.63 14 Ibid 15 Ibid - 16 -

letrista de maior imaginação criadora» (Tribuna da Imprensa); «o líder de uma juventude que procura novos caminhos» (Fatos & Fotos); «verdadeiro revolucionário de nossa música» (Notícias Populares). 16 Dia 9 de Abril de 1968 Caetano era o astro principal da Discoteca do Chacrinha, o anárquico programa de auditório de Abelardo «Chacrinha» Barbosa da TV Globo no Rio de Janeiro. Por causa daquela noite, que foi anunciada como Noite da Banana, estava a vestir um camisolão estampado com bananas estilizadas. Além de cantar sua «Tropicália», escolheu também algo perfeito para a ocasião a marchinha «Yes, nós temos bananas» (de Braguinha e Alberto Ribeiro). O sucesso desta primeira show provocou mais uma noite dedicada aos tropicalistas. Caetano, Gil e os Mutantes passaram a ser atrações frequentes nos programas de Chacrinha. Os tropicalistas procuravam também alguma coisa que não fosse séria, alguma coisa que sacudisse a estrutura mental européia que os dominava. Chacrinha era «isso», era uma personagem que apresentava uma característica da cultura brasileira, que é a habilidade de transformar situações sérias em situações risíveis. 17 O outro festival importante foi a 15 de Setembro de 1968 em São Paulo Festival Internacional da Canção. Aqui Caetano apresentou sua canção «É proibido proibir», e sofreu uma vaia inimaginável. No ano anterior, apresentando «Alegria, alegria», já havia utilizado o acompanhamento de guitarras eléctricas naquele tempo representou um passo adiante no processo evolutivo da música dos tropicalistas mas o impacto do totalmente novo não permitiu uma reacção adversa do público, que também se calhar neste tempo não considerou a sua música tão direccionada contra o regime. Ao contrário, com «É proibido proibir» a plateia já esperava «o estilo» politicamente incorrecto, acompanhando por guitarras eléctricas de novo, e o recebeu agressivamente mal. A apresentação desta canção transformou-se num happening. Quando os Mutantes começaram a tocar a introdução da música, a plateia já atirava ovos, tomates e pedaços da madeira contra o palco. Desta reacção do público 16 CALADO, Carlos: Tropicália: a história de uma revolução musical Editora 34 Ltda.: São Paulo, 1997, p.150 17 CYNTRÃO, Sylvia Helena: A forma da festa tropicalismo: a explosão e os seus estilhaços Editora Universidade de Brasília: São Paulo, 2000, p.78-17 -

podemos observar que a plateia já sabia muito bem quem ia vaiar, no show não era provocada pelo momento. O Caetano apareceu vestido com roupas de plástico, colares exóticos e bolas do papel. Entrou em cena rebolando, fazendo uma dança erótica, que lembrava uma relação sexual. A plateia ficou escandalizada e deu as costas para o palco. Os Mutantes reagiram imediatamente sem parar de tocar, viraram as costas para o público. Caetano fez um longo discurso, que quase não se podia ouvir pelo barulho dentro do teatro. Citamos agora alguns fragmentos importantes do seu discurso: «Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada [...] Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem... se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!...» 18 O Caetano próprio manifestou-se que este show era possivelmente a mais bem-sucedida peça do tropicalismo. A que melhor expunha os interesses estéticos e a capacidade de realização dos tropicalistas. 19 «É proibido proibir» é uma das composições mais interessantes de Caetano Veloso. Foi feita por sugestão de Guilherme Araújo, que foi o empresário dele, sob inspiração dos acontecimentos em Paris de Maio de 1968, onde os estudantes 18 Caetano Veloso em: Tropicália um projecto de Ana de Oliveira [online].[citado 2009-04-02] Disponível em WWW: http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/proibido.php, op.cit. 19 VELOSO, Caetano: Verdade tropical Companhia das Letras: São Paulo, 1997, p.304-18 -

escreviam palavras de ordem nas paredes dos muros. Uma destas foi: «É proibido proibir». Nesta canção Caetano verifica a afirmação repressiva dos valores estabelecidos pela estrutura social vigente restrições sexuais familiares («A mãe da virgem diz que não»), à manipulação das consciências da economia capitalista de consumo («E o anúncio da televisão»), à codificação da ideologia dominante numa superestrutura jurídica e formal («Estava escrito no portão»), ao cerceamento da liberdade artística através da estética tradicional («E o maestro ergueu o dedo»), ao policiamento organizado dos interesses de classe dominante («E além da porta há o porteiro»). Tal tese do estabelecimento é sintetizada numa nota musical a que corresponde a palavra «sim» («E eu digo sim») A estrofe acaba com o refrão negador: «E eu digo não» / E eu digo não ao não / E eu digo é proibido proibir». 20 Caetano também recusa as restrições sexuais («Me dê um beijo meu amor») e convoca ao protesto geral, com uma evocação às manifestações estudantis em Paris («Eles estão nos esperando» / «Os automóveis ardem em chamas»), ele edifica às palavras de ordem do espírito anárquico dessas manifestações que propõem uma reformulação radical de todos os valores estabelecidos («Derrubar as prateleiras / as estantes / as estátuas / as vidraças / louças / livros»). 21 A canção tem sua força. Sua importância liga-se muito ao contexto em que vivia a geração, ao questionamento de valores e crenças que propunhavam na época. 22 4.2 O show na boate Sucata Caetano ganhou o sucesso popular graças aos Festivais da Canção de São Paulo. Também a primeira explosão dos baianos foi nesta cidade. Mas o primeiro grande show dos tropicalistas aconteceu no Rio, na boate Sucata. O show foi anunciado assim «Um espectáculo violento, diferente de tudo que já foi feito». 23 Neste show, Caetano, Gilberto Gil e os Mutantes mostraram a resposta aos festivais, que tinham favorecido a redundância tradicional, em 20 MACIEL, Luiz Carlos: Geração em transe: memórias do tempo do tropicalismo Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1996, p.201-202 21 Ibid 22 Ibid 23 CALADO, Carlos: Tropicália: a história de uma revolução musical Editora 34 Ltda.: São Paulo, 1997, op.cit., p.229-19 -

detrimento de vanguarda tropicalista. O show mostrou com clareza que eles estavam a fim de levar às últimas consequências a sua actual posição de vanguarda. O espectáculo era construído com inteligência destinado a envolver progressivamente o espectador. No palco pequeno foram instaladas duas bandeiras, com as inscrições «Yes, nós temos bananas» e «Seja marginal, seja héroi» (seguindo uma outra obra de Hélio Oiticica, criada em homenagem ao bandido Cara de Cavalo, já exposta em outras ocasiões). 24 Primeiro, entravam os Mutantes, com sua alegre ironia. Depois, o Gilberto Gil subiu ao palco. Com ele iniciavam-se os primeiros choques, a entrada de Caetano ficava então preparada. Começava a cantar quietamente sua canção «Saudosismo», composta havia poucos dias, acompanhando-se de um violão. No fim, cantava alguns versos da canção de João Gilberto «Chega de Saudade». Cantava cada vez mais alto, até ficar berrando no palco. Logo a seguir explodiam as guitarras eléctricas dos Mutantes. O surpreendente foi, que a plateia participava de alguma forma também. Além de aplaudir, alguns iam até o palco para dançar ou cantar. Mas havia também espectadores mais agressivos que na impossibilidade de entrarem na boate carregando tomates e ovos, jogavam cubos de gélo e água sobre o palco. O Caetano foi depois acusado de ter cantado o Hino Nacional durante um dos shows, enxertando versos ofensivos às Forças Armadas. 25 O cantor manifestou-se na forma que se segue: 26 «Os militares devem lembrar-se de que o Hino Nacional não é um hino de guerra, nem uma canção militar, mas uma civil, feita para os civis, e que pode ser cantado em qualquer lugar. Nós estamos fazendo um show na Sucata e nesse show acontecem muitas coisas, mas uma coisa que não aconteceu foi o Hino Nacional. Não cantei o Hino Nacional durante a Passeata dos Cem Mil. Prefiro músicas líricas a hinos patrióticos.» 27 24 CALADO, Carlos: Tropicália: a história de uma revolução musical Editora 34 Ltda.: São Paulo, 1997, p.229 25 Idem, p.232 26 Ibid 27 Caetano Veloso em: Ibid, op.cit. - 20 -