Ciclo do combustível: desenvolvimento e qualificação de processos de conversão de concentrado de urânio (torta amarela) em hexafluoreto de urânio

Documentos relacionados
Visão estratégica da INB a 2034

TECNOLOGIA NACIONAL EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE

3 O Ciclo do Combustível Nuclear

Empreendimento Reator Multipropósito. Brasileiro (RMB) Desafios e Perspectivas

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DE SUBMARINOS (PROSUB) E O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA DO BRASIL (PNM)

Artigo ENEM Enriquecimento de Urânio Prof. Thiago Magalhães F. Menezes

1a. Semana de Engenharia Nuclear da UFRJ. Empreendimento Reator Multipropósito Brasileiro

TECNOLOGIA NACIONAL EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE

O Programa Nuclear da Marinha nos contextos nacional e internacional

Atual Estágio de Desenvolvimento Tecnológico da Produção de Energia Nuclear no Brasil. Alfredo Tranjan Filho Presidente.

O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA - DESAFIOS E PROPOSTAS -

PROJETOS ESTRATÉGICOS DA MARINHA 17 MAIO 2016 FIRJAN / GICAN

LICENCIAMENTO NUCLEAR NO BRASIL

Mercado de Trabalho para Engenheiro Nuclear : AMAZUL

CENTRO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR CCN

PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS. Primeira Semana de Engenharia Nuclear

Ciclo do Combustível Nuclear no Brasil

PROJETOS ESTRATÉGICOS DA MARINHA DO BRASIL CEEEX 22 NOVEMBRO 2016

Figura Localização do ipen dentro da Universidade de São Paulo

Comissão Nacional de Energia Nuclear Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento

VI Semana de Engenharia Nuclear Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Engenharia Nuclear 16 de outubro de 2018

P&D na área nuclear CAND

O Futuro da Energia Nuclear no Brasil

Geração Elétrica. Prof. Dr. Eng. Paulo Cícero Fritzen

O DESENVOLVIMENTO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

The New Regulatory Body. Criação da Agência Nacional de Segurança Nuclear

Seminário de Barragens do CBH Grande

UMA VISÃO SUCINTA DAS ATIVIDADES DA CNEN

NUCLEARINSTALLATIONSAFETYTRAININGSUPPORTGROUP DISCLAIMER

Desmantelamento e Descomissionamento de Instalações Nucleares no Brasil

Seminário Perspectivas da Energia Nuclear no Brasil

PONTOS CRÍTICOS DE SUCESSO E FRACASSO DOS PROJETOS PREVISTOS NO PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

A Energia Nuclear no Brasil

Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro explica participação da FAB nos Jogos Olímpicos*

Parceria para Projetos de Inovação na Cadeia de Petróleo & Gás. abril de 2014

INCENTIVES FOR PROFESSIONAL QUALIFICATION 2016 LAS/ANS SYMPOSIUM

1a. Semana de Engenharia Nuclear da UFRJ. A Participação da CNEN no Programa Nuclear Brasileiro

PLANEJAMENTO DE RADIOPROTEÇÃO NO DESCOMISSIONAMENTO DA PLANTA PILOTO DE PROCESSAMENTO DE URÂNIO PARA FABRICAÇÃO DE ELEMENTO COMBUSTÍVEL

Formação de Mão de Obra para o Brasil. Desafios na qualificação de pessoas para a Indústria de P&G

PROPOSTA DE SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL PARA USINA DE PRODUÇÃO DE HEXAFLUORETO DE URÂNIO DO CENTRO TECNOLÓGICO DA MARINHA EM SÃO PAULO

CENTRO DE ENGENHARIA NUCLEAR CEN RGI-IPN

Simpósio Anual da LAS. Planejamento Estratégico para o Ciclo do Combustível Nuclear. Roberto Garcia Esteves. Junho 2006

NECESSIDADE DE RECURSOS HUMANOS NAS EMPRESAS

Vocação nuclear do Brasil, seus avanços e seus gargalos

POLÍTICAS PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS: A INSERÇÃO DA ENERGIA FOTOVOLTAICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL

SEMINÁRIO RECURSOS ENERGÉTICOS DO BRASIL: PETRÓLEO, GÁS, URÂNIO E CARVÃO Rio de Janeiro 30 de setembro de Clube de Engenharia

! " # $ % & ' ( ) &*+ #

V German-Brazilian RenewableEnergy Business Conference. Natal, 30/05/2017

O Gerenciamento de Resíduos Radioativos na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto

Prosub Nacionalização Prensas Schuler na construção dos submarinos

Reator Multipropósito Brasileiro

MINERAIS HIDROGEOLÓGICOS ENERGÉTICOS. de acordo com a finalidade

PLANO DE DESCOMISSIONAMENTO da Central Nuclear Alm. Álvaro Alberto BRASIL

RESULTADOS DO PROGRAMA DE MONITORAÇÃO OCUPACIONAL DO CENTRO TECNOLÓGICO DA MARINHA EM SÃO PAULO

4º SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM LOGÍSTICA AGROINDUSTRIAL. O Transporte Rodoviário de Granéis Líquidos

METALURGIA EXTRATIVA DO URÂNIO

CENTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS CCTM. Tabela Laboratórios do CCTM

Produção e Fornecimento de Radiofármacos pela CNEN: Contexto Geral e Desafios. INAC 2015 São Paulo

Curso de Graduação em Engenharia Nuclear na UFRJ

João Roberto Loureiro de Mattos

Rotas de Produção de Diesel Renovável

Perspectivas de la Generación Nucleoeléctrica en América Latina y Caribe

PEA 2200 Energia, Meio Ambiente e Sustentabilidade

ASPECTOS GERAIS DO USO DA ENERGIA NUCLEAR. Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências

P&D E O CICLO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR NO BRASIL - PRESENTE E FUTURO. Elita F.Urano Carvalho IPEN/CNEN-SP

Gestão do conhecimento e inovação

Universidade Federal do Paraná Setor de Tecnologia Departamento de Engenharia Química Usinas Piloto Laboratório de Tecnologia Ambiental

ESTRATÉGIAS DE ACEITAÇÃO PÚBLICA DA GERAÇÃO ELÉTRICA NUCLEAR

CADERNO OPINIÃO MARÇO 2016 ENERGIA NUCLEAR

Desafios nas concretagens da obra do submarino atômico da Marinha do Brasil (Elemento Estrutural de Sacrifício)

Aula 7 Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Eletrotécnica

Leonam dos Santos Guimarães Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente

Utilidades Industriais. Adilson Pences Gerente Técnico Comercial - Caldeiras

PORTARIA Nº 518, DE 4 DE ABRIL DE 2003

ENERGIA NUCLEAR. Professora: Thamilis Aguiar Colégio Energia Barreiros

RMB LICENCIAMENTO GRUPO 6

Aula 5 A energia não é o começo de tudo, mas já é um início

INHA DO BRA SUMÁRIO A importância da Amazônia azul A Missão do Poder Naval Brasileiro Submarinos Principais características

Financiar empresas para aplicação no desenvolvimento de novos. produtos, processos ou serviços bem como o aprimoramento dos já

Iperó, Outubro de 2017

Submódulo Processo de integração de instalações: visão geral

INOVAÇÕES AMBIENTAIS ENERGIA Fundação Dom Cabral 07/06/2011

É uma representação quantitativa da oferta de energia, ou seja, da quantidade de recursos energéticos oferecidos por um país ou por uma região.

Exercícios de Fontes de Energia

A Atividade de Regulação de Reatores Nucleares

a IAEA, e instituições que possuem conjuntos de EISDs próprios

COMPETÊNCIA, TECNOLOGIA E TRABALHO.

Projeto Níquel do Vermelho -1-

A EMPRESA VISÃO MISSÃO VALORES

Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Complexo Eletroeletrônico e Tecnologia da Informação

UFEM Montagem eletromecânica avança em diferentes etapas

VANTAGENS DOS TRANSFORMADORES DO TIPO SECO E DETALHES DE INSTALAÇÃO. Haida Freitas Engenheira Eletricista Representante TRAEL em Goiás


Reciclar, Transformar, Valorizar Lixo Urbano

GEOGRAFIA 6º ANO SEDE: EBS PROF. GABRIEL ROCHA. PERCURSO 31 Indústrias e Fontes de Energia

Fonte Características Vantagens Desvantagens

A Produtividade e a Competitividade da Indústria Naval e de BK Nacional. Fernanda De Negri Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA

SIMPOSYUM. Siting of New Nuclear Plants and Irradiated Fuel (24-28 JUNE, 2013) Panel 5: The Nuclear Industry in Latin America

Transcrição:

Ciclo do combustível: desenvolvimento e qualificação de processos de conversão de concentrado de urânio (torta amarela) em hexafluoreto de urânio Marinha do Brasil 1. UNIDADE DE PRODUÇÃOE HEXAFLUORETO DE URÂNIO (USEXA) A primeira etapa do Ciclo do Combustível nuclear é a obtenção de hexafluoreto de urânio nuclearmente puro a partir do concentrado de urânio natural (yellow cake), dentro do grau de pureza requerido. O material nuclear a ser manuseado como matéria prima é o concentrado de urânio, composto basicamente por diuranato de amônio (DUA) e impurezas. A partir de processo químico por via úmida, este material é transformado em hexafluoreto de urânio (UF 6 ) e acondicionado em cilindros de aço. Obtido esse material, ele será enriquecido pelo processo de separação isotópica nas ultracentrífugas já produzidas no Brasil usando processo inovador. Posteriormente, será convertido em dióxido de urânio, o que possibilitará a fabricação de pastilhas e a composição dos elementos combustíveis que integrarão o núcleo de um reator nuclear. A implantação da tecnologia de produção de hexafluoreto de urânio (UF6) em escala industrial é parte importante do esforço nacional na busca de autonomia no domínio do complexo ciclo da produção de combustíveis nucleares. A técnica de obtenção laboratorial do UF6, já foi desenvolvida no Brasil, o passo seguinte é a sua produção em nível piloto. Esse passo está sendo realizado pela Marinha do Brasil em uma instalação denominada Unidade de Produção de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), objeto do presente trabalho.

Marinha do Brasil A Usexa está sendo implantada no Centro Experimental Aramar (CEA), complexo tecnológico-industrial da Marinha, localizado na zona rural do município de Iperó, SP. O CEA está distante 11 km de Iperó, 16 km da cidade de Sorocaba e 110 km do município de São Paulo. A área construída da Usexa é de 12.000 m2, instalada em um platô que ocupa uma área de 2,4 ha da área do CEA, que é de 852 ha. A instalação completa é composta de várias unidades de processo, de utilidades e de apoio, cada uma prevista para realizar uma determinada etapa do processo. Os processos, compreendem resumidamente as seguintes seqüências de etapas químicas: purificação do concentrado de urânio obtendose nitrato de uranilo (NTU); produção de trióxido de urânio (UO3), por meio de reações químicas e calcinação; produção de tetrafluoreto de urânio (UF4), por meio de reações químicas com ácido fluorídrico e outros elementos em ambiente controlado; produção de flúor (F2) em células eletrolíticas a partir do ácido fluorídrico (HF); produção e purificação de hexafluoreto de urânio (UF6), por meio da reação do UF4 com F2 em reatores específicos. A produção anual prevista é de 40 toneladas de hexafluoreto de urânio, que atenderá às necessidades do Programa Nuclear da Marinha e, ainda, poderá atender, eventualmente, a parte das necessidades das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Os investimentos realizados, até o presente, no projeto e construção da Usexa são da ordem de US$ 42 milhões. Para o término e comissionamento da instalação serão necessários o equivalente a cerca de US$ 13 milhões. As figuras 1 e 2 dão uma idéia do conjunto das instalações e do estágio de prontificação dos seus prédios. Como fruto da cultura de segurança e da filosofia de projeto, na futura operação da Usexa, todo produto químico/radioativo estará limitado a uma barreira de contenção primária e a operação será auxiliada por um sistema de controle para acompanhamento de condições de operação ou detecção de situações anormais. Adicionalmente, o manuseio de material químico/ radioativo é totalmente efetuado dentro de prédios e até mesmo confinado em cabines dentro dos prédios, com ventilação controlada, minimizando qualquer efeito nocivo ao trabalhador ou ao meio ambiente. Isso reduz a possibilidade de liberação para a atmosfera, proporcionando o seu controle 1558 Seminários temáticos para a 3ª Conferência Nacional de C,T&I

PARCERIAS ESTRATÉGICAS NÚMERO 20 JUNHO 2005 ou quantificação, sempre em atendimento aos limites legais permitidos pelos órgãos reguladores. 2. IMPORTÂNCIA SOCIAL, ECONÔMICA E MILITAR A necessidade da Marinha, para o desenvolvimento dessa instalação, decorre da negativa de fornecimento de hexafluoreto de urânio, por parte de países detentores dessa tecnologia, para a fabricação de combustível nuclear dos reatores de pesquisa e, no futuro, de submarinos com propulsão nuclear. Essa negativa de fornecimento foi aplicada pela primeira vez quando a Marinha tentou realizar uma compra no exterior, para o reator de pesquisas Ipen-MB01, operado em conjunto pelo Ipen e pela Marinha, destinado a levantar dados de neutrônica para projetos de núcleos de reatores. Sabe-se, atualmente, que a fase de transformação do concentrado de urânio em UF6 não é etapa das mais onerosas na fabricação de combustível nuclear. Na cadeia de valor do ciclo do combustível nuclear, as contribuições se distribuíam, resumidamente, da seguinte forma em preços, no ano de 2003: Obtenção do urânio natural 22%, Produção do hexafluoreto de urânio (Conversão) 5%, Enriquecimento 47% e Fabricação de combustível 26%. Entretanto, prevê-se que, no futuro, essa etapa deva aumentar a sua participação proporcional. Além disso, prevêem-se a escalada do preço do combustível, em vista da crise energética, a demanda acentuada de energia pela sociedade e a queda na produção de petróleo. Na distribuição dos custos, a agregação de valor da fase da conversão parece não ser relevante, mas é importante observar que essa situação vem se modificando e os serviços de conversão vêm aumentando de preços continuamente, nos últimos anos. O preço do concentrado de urânio passou de US$ 24,00/Kg em 2003 para US$ 46,00/Kg em fevereiro de 2005. O preço dos serviços de conversão passou de US$ 6,50/KgU em 2003 para US$ 11,00/KgU (US$ 10,00/KgU nos EUA) em fevereiro de 2005. As razões para esse comportamento de mercado podem ser inferidas como a redução, ou a previsão de redução, da disponibilidade de urânio no mundo, desativação de algumas unidades de conversão e aumento, ou a expectativa de aumento, da demanda mundial, consistente com as previsões dos estudos dos órgãos especializados que indicam que, a partir 2006, haverá um déficit de urânio disponível no mercado, como mostrado na figura 3, o que pode estar contribuindo desde já com esse comportamento dos preços. Geração de riqueza 1559

Marinha do Brasil O maior custo de produção de UF6 deverá ocorrer como resultado do crescimento da demanda, a qual é hoje atendida por poucas instalações existentes no mundo e que terão a sua produção ameaçada por maior pressão ambiental das comunidades onde elas se localizam, por se tratarem de instalações antigas, construídas com requisitos ambientais mais brandos. A importância estratégica da Usexa é melhor evidenciada quando se avalia a situação mundial em relação ao mercado de urânio. Os países em desenvolvimento, destacando-se a China e a Índia, em processo acelerado de crescimento, buscam novas fontes de energia. Prevê-se maior participação da energia nuclear na grade energética desses países, contribuindo para o aumento mundial de consumo de combustível nuclear até 2025. Ao mesmo tempo, outros fatores como a preocupação ambiental, com ênfase na redução de emissões de poluentes (principalmente CO2) na atmosfera, poderão dar novo impulso à energia nuclear, em vista da necessidade de redução de emissões de muitos países desenvolvidos, como resultado de seus compromissos com o Protocolo de Quioto, em vigor desde 16 de fevereiro de 2005. Esses países, na falta de soluções tecnológicas economicamente viáveis, em curto prazo, relacionadas a fontes alternativas não poluidoras de geração de energia, voltam as atenções para a opção nuclear, que não provoca emissões e gerencia seus resíduos. Essa tendência é explicitada em documentos da AIEA /2/. Nos EUA, por exemplo, várias usinas nucleares que já se preparavam para descomissionamento, tiveram suas licenças de operação renovadas, com forte tendência à revitalização de antigas usinas nucleares e aumento dos investimentos nessa área, o que irá acarretar um aumento de consumo de combustível. Ao mesmo tempo, no Brasil, foi iniciado um importante programa de construção de unidades de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação. Segundo a referência /3/, o aumento de produção de energia elétrica a partir de fontes nucleares, será, aproximadamente, de 15%, entre 2001 e 2025. Nos países em desenvolvimento essa participação será superior a 160%, com a Ásia sendo responsável por 96% desse aumento. Além do aspecto comercial, com possibilidades interessantes para o Brasil, é importante ressaltar os aspectos tecnológicos e estratégicos envolvidos. 1560 Seminários temáticos para a 3ª Conferência Nacional de C,T&I

PARCERIAS ESTRATÉGICAS NÚMERO 20 JUNHO 2005 A prontificação da Usexa representa, não apenas um grande passo no domínio tecnológico do ciclo do combustível nuclear, mas uma etapa importantíssima para permitir, no futuro, a construção de unidades de grande porte, proporcionando ao país a autonomia no ciclo do combustível nuclear. Além da economia de divisas conseguida pela produção para as nossas usinas nucleares, existirão outros benefícios como a exportação de combustível com alto valor agregado, geração de emprego e fomento tecnológico para a indústria de um modo geral, haja vista a tecnologia e requisitos restritivos de qualidade do setor nuclear. À luz dessa perspectiva, visualiza-se como de interesse estratégico e econômico que o país disponha dessa tecnologia, para uso civil. A Usexa será uma unidade piloto, um repositório de conhecimentos restritos e constitui-se em um banco essencial de informações técnicas relevantes para a implantação, no país, de uma unidade industrial de grande porte, com capacidade para atender às necessidade internas e, eventualmente, de exportação. Dessa forma, ela proporcionará condições para obtenção de elevados padrões de confiabilidade e segurança, permitindo que o país aproveite suas enormes reservas de urânio com eficácia. Como se sabe, o Brasil possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, podendo se posicionar em segundo ou terceiro lugar, caso sejam identificadas novas jazidas. A possível exportação de serviços de conversão e de enriquecimento, com alto valor agregado, poderá resultar em aporte significativo de divisas para o Brasil, associado à geração de empregos em atividades de conteúdo tecnológico elevado. Para o desenvolvimento da tecnologia de produção de hexafluoreto de urânio, o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo apoiou-se em pesquisas anteriores realizadas pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Ipen/Cnen-SP). O projeto de concepção foi desenvolvido pelo CTMSP com a cooperação de equipe do Ipen, sendo também utilizados consultores especializados para assuntos específicos. Para o desenvolvimento dos projetos básico e de detalhamento nas diversas disciplinas, foram utilizados serviços de empresas de engenharia consultiva e de engenharia civil. Os estudos geotécnicos e sísmicos da área Geração de riqueza 1561

Marinha do Brasil foram realizados com o apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Para o fornecimento de serviços para a construção civil e de montagem eletromecânica, bem como para o fornecimento de materiais e equipamentos, estão sendo utilizadas empresas que atendam aos requisitos de qualidade exigidos no empreendimento. Houve, nesses casos, a necessidade de extensos trabalhos de qualificação de indústrias para o projeto e desenvolvimento de equipamentos especiais, como autoclaves, forno de calcinação, vasos de pressão, reatores químicos, dessublimadores, tanques e instrumentos de controle de processos químicos. Segundo depoimentos de alguns fabricantes, a exigência de requisitos rigorosos de qualidade, que as empresas precisaram atender para o cumprimento dos contratos, qualificou-as para o atendimento de outros contratos importantes, como aqueles da Petrobras. Essa é, sem dúvida, uma importante contribuição adicional do empreendimento, resultando em arraste tecnológico. A formação de recursos humanos qualificados em pesquisa e desenvolvimento no ciclo do combustível nuclear é um dos elementos essenciais para o sucesso do empreendimento. Para isso, a Marinha tem investido, ao longo dos anos, em pessoal civil e militar, formado em várias especialidades de engenharia (mecânica, naval, química, civil, eletrônica, de materiais, etc.), além de químicos, físicos e biólogos. Os oficiais da Marinha que atuam no projeto nuclear nas áreas técnicas e gerenciais possuem duas origens. Alguns ingressam já com formação superior obtida em Universidades. Sendo aprovados em um concurso de admissão para o Corpo de Engenheiros da Marinha, realizam um estágio de adaptação e iniciam seu trabalho nas várias organizações para as quais são designados. Aqueles alocados ao projeto nuclear recebem um treinamento interno e, eventualmente, cursam mestrado para se qualificarem em assuntos específicos. A segunda origem de oficiais engenheiros é aquela referente aos oficiais provenientes da Escola Naval que, optando por uma especialização em engenharia, após um concurso seletivo, são enviados para cursos na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, nas várias modalidades de engenharia, de acordo com o interesse do serviço. Diferentemente da abordagem adotada pelo Exército e pela Força Aérea, que optaram pela criação de escolas de engenharia próprias para a 1562 Seminários temáticos para a 3ª Conferência Nacional de C,T&I

PARCERIAS ESTRATÉGICAS NÚMERO 20 JUNHO 2005 formação de seus oficiais (IME e ITA), a Marinha considerou mais aceitável firmar um convênio com a Escola Politécnica e apoiar essa escola na criação do curso de Engenharia Naval, há 50 anos. Ela passou, então, a enviar um certo número de oficiais para os cursos de engenharia, avaliando ser esta uma opção mais econômica. Contava também com a vantagem de aproximarse da universidade e, com o conhecimento obtido, associar-se a professores de alta competência, para consultoria em problemas complexos e específicos. Um dos principais fatores levados em conta para justificar a instalação do Centro Tecnológico da Marinha na cidade de São Paulo, e no campus da USP, foi a proximidade com a universidade e com seus professores, além da maior facilidade para a obtenção de recém-formados de bom nível e com potencial para envolvimento nas atividades do programa nuclear. A maioria dos oficiais e civis de nível superior que atuam no projeto da Usexa são originários da USP. Esses profissionais, iniciando seus trabalhos na área nuclear com uma formação técnica básica para conduzir os projetos do ciclo do combustível nuclear, aprimoram e desenvolvem novos conhecimentos em cursos de pósgraduação no país ou no exterior. A formação adequada desses profissionais requer uma infra-estrutura educacional bastante consagrada no aspecto de segurança, o que exige, além dos aspectos técnicos e de engenharia mais rigorosos, conhecimento normativos e de cultura de segurança muito bem estabelecidos, como ocorre em instituições de ensino de países como EUA e França. As instituições de ensino mundialmente reconhecidas na área nuclear, não aceitam, ou aceitam com grandes restrições, alunos de pósgraduação que não tenham tido formação em universidades reconhecidas, como a USP. Neste sentido, a abordagem da MB em descentralizar a formação em instituições de ensino de primeira linha contribuiu significativamente para que oficiais da MB fossem aceitos em universidades de primeira linha nos EUA como MIT, Michigan e Berkeley, ou na França, contribuindo para formação de oficiais que assumem hoje importantes posições no projeto. 3. PROPOSIÇÕES O término da construção e o comissionamento, em futuro próximo, da Unidade de Produção de Hexafluoreto de Urânio em Aramar, consolidará a demonstração do domínio, pelo país, do ciclo completo do combustível nuclear. Atenderá ainda às necessidades da Marinha, fornecendo material necessário para a operação de reatores de pesquisa e para futuros submarinos de propulsão nuclear. A Usexa, ao ser prontificada e operada, fornecerá Geração de riqueza 1563

Marinha do Brasil subsídios para a construção de uma usina de maior porte, para fins comerciais, pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), caso exista um interesse do país, permitindo a economia de divisas. Dessa forma, ressalta como muito importante e imprescindível o apoio necessário para o término e comissionamento dessa instalação, tanto do ponto de vista financeiro como de recursos humanos. Para o êxito do empreendimento, será necessário garantir o aporte e a manutenção dos conhecimentos. Os novos conhecimentos finais e os testes de validação da planta piloto assim o exigem. E, para isso, faz-se mister a manutenção do pessoal qualificado e eventual reposição das evasões e aposentadorias. Serão essenciais os investimentos em pesquisa, qualificação continuada e treinamento de pessoal, inclusive de operadores de processos industriais, de nível médio, com vistas à operação segura e eficiente da instalação. REFERÊNCIAS /1/ USEXA. Relatório de análise de segurança. São Paulo: CTMSP, 2003. /2/ AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÔMICA - IAEA. Plans for new reactors worldwide. [S.l.: s.n.], 2004. (Nuclear Issues Briefing Paper, 19). /3/ ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION - EIA. International Energy Outlok, 2004. [S.l.], 2004. /4/ CENTRO EXPERIMENTAL ARAMAR CEA. Relatório de Impacto Ambiental RIMA. São Paulo: Multiservice, 1997. 1564 Seminários temáticos para a 3ª Conferência Nacional de C,T&I

PARCERIAS ESTRATÉGICAS NÚMERO 20 JUNHO 2005 Figura 1. Prédios da Usexa Nov 2004. Figura 2. Lay Out da Usexa Geração de riqueza 1565

Marinha do Brasil Fonte: 29º Annual Meeting and International Conference on Nuclear Energy 02/06/2002 Figura 3. Projeção da Demanda e Oferta Mundial por Conversão de Urânio