Língua Latina e Português Erudito

Documentos relacionados
OS GRAUS DOS ADJETIVOS. Os adjetivos qualificativos, além de admitirem variação em número e género, admitem também variação em grau:

ADJETIVO. Profa. Luana Lemos

ADJETIVOS Profa Giovana Uggioni Silveira

EDMCB - Língua Portuguesa - 8º ano /2012- Profs Mª do Céu V. e Fernanda F.

ADJETIVOS. Profa Giovana Uggioni Silveira

ADJETIVOS. Profa Giovana Uggioni Silveira

ADJETIVOS. Profa Giovana Uggioni Silveira

Estudo dos Adjetivos

AULA 7 EMPREGO DAS CLASSES DE PALAVRAS III

Adjectivos. Flexão de género dos adjectivos. Regra geral: bonito bonita

Grau dos ADJETIVOS. Profa. Tamires Maio de 2016

Estudo dos Adjetivos

Língua. Portuguesa. Adjetivo

EMENTAS Departamento de Letras Estrangeiras UNIDADE CURRICULAR DE LÍNGUA E LITERATURA ITALIANA

ADVÉRBIOS. Profa. Luana Lemos

Ex: claro, triste, grande, vermelho. - derivados: são formados a partir de outros radicais. Ex: infeliz, azulado.

Bárbara da Silva. Literatura. Parnasianismo

IV DICAS SOBRE ESTRUTURA DOS VOCÁBULOS

Adjetivos. COMPOSTOS azul-claro, político-social, afrobrasileiro. DERIVADOS escadas rolantes, árvores frutíferas.

Prof. MSc. William Alves

PORTUGUÊS ABEL MOTA PREPARAR OS TESTES

Professor Jailton.

Adjetivo. Por que não usamos o meu celular? Telefones celulares não devem ser usados em aula.

ANEXO 16: FORÇADOS A EMIGRAR

HORÁRIO CURSO DE LETRAS 1 ANO - 1º SEMESTRE - PERÍODO DIURNO E NOTURNO

AULAS 3 E 4 - ADJETIVO

GRAU DOS ADJETIVOS Para expressar as variações de intensidade, o adjetivo apresenta-se em dois graus: comparativo e superlativo.

Curso de Letras - Disciplinas Obrigatórias - Horário do 2º semestre de 2016

OS GRAUS DOS ADJETIVOS

O PAPEL DOS ADJETIVOS

Aula 09 PALAVRA SE. VOZ PASSIVA Sujeito agente Agente da passiva. VOZ ATIVA Objeto direto Sujeito paciente

Utilização do BibleWorks NA 27

UFBA - Universidade Federal da Bahia - Sistema Acadêmico R Grade Curricular (Curso) 09/12/ :20. Letras Vernáculas. Bacharel em Letras

Cuiabá, de de REVISÃO DE LINGUA PORTUGUESA.

UFBA - Universidade Federal da Bahia - Sistema Acadêmico R Grade Curricular (Curso) 09/12/ :26. Letras

Minicurso Pronomes Clíticos

HORÁRIO DO CURSO DE LETRAS PERÍODOS DIURNO E NOTURNO ANO LETIVO DE º ANO/1º SEMESTRE

6LET062 LINGUAGEM E SEUS USOS A linguagem verbal como forma de circulação de conhecimentos. Normatividade e usos da linguagem.

Artigo 2 - O Curso de Letras habilitará o aluno em Português e uma Língua Estrangeira e suas respectivas literaturas.

UFBA - Universidade Federal da Bahia - Sistema Acadêmico R Grade Curricular (Curso) 09/12/ :25. Letras

Habilitação em Francês Horário noturno Segunda Terça Quarta Quinta Sexta

COLÉGIO DIOCESANO SERIDOENSE- C.D.S. Adjetivo. 2º Bimestre. Profª: Caliana Medeiros. Caicó/ RN

A arte de escrever um soneto

UFBA - Universidade Federal da Bahia - Sistema Acadêmico R Grade Curricular (Curso) 09/12/ :24. Letras

INTRODUÇÃO À MORFOLOGIA. Expor os princípios básicos da Morfologia, segundo a Gramática Descritiva.

O jovem brasileiro tornou-se participativo. O brasileiro jovem enfrenta dificuldades para ingressar no mercado de trabalho.

Classicismo. Literatura brasileira 1ª EM Prof.: Flávia Guerra

Planificação Anual. Disciplina de Português

HORÁRIO 2019 (B) CURSO DE LETRAS

LÍNGUA PORTUGUESA. Professora Rosane Reis MÓDULO 20 VERSIFICAÇÃO

PROPOSTA CURSO DE LETRAS HORÁRIO 2017

LETRAS HORÁRIO ANO / 1º SEMESTRE - PERÍODO DIURNO E NOTURNO ANO HORÁRIO SEGUNDA-FEIRA TERÇA-FEIRA QUARTA-FEIRA QUINTA-FEIRA SEXTA-FEIRA

Descrição da Escala Língua Portuguesa - 7 o ano EF

Professora Patrícia Lopes

Utilização do Dicionário de Grego Bíblico

Advérbios. Os advérbios modificam o sentido de um verbo, de um adjectivo, de outro advérbio ou de uma oração inteira.

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS-IRATI (Currículo iniciado em 2009) LETRAS-PORTUGUÊS

Morfologia e Classes Apresentação da Professora Gramaticais Licenciatura em Letras Língua Portuguesa e Literaturas Ementa Organização da Disciplina

Domínios / Conteúdos. Elogio do subúrbio (pág. 28) crónica

Adjetivo. O adjetivo é a nossa impressão sobre quase tudo Palavra Cantada

10.º ANO ENSINO SECUNDÁRIO Latim A

ALUNO(a): Lista de Exercícios de Língua Portuguesa P2 3º Bimestre 1º ano. Morfossintaxe Classes de Palavras: Substantivos, Adjetivos e Pronomes

SUMÁRIO. Capítulo 1. INTERPRETAÇÃO DE TEXTO, 21

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS-IRATI (Currículo iniciado em 2009) LETRAS-INGLÊS

PROMILITARES 13/08/2018 PORTUGUÊS. Professor Nei Xavier FLEXÃO DO ADJETIVO

Português O GLOBO

Prof. Doutor Justino Mendes de Almeida: Nótulas Camonianas. A) Homenagem singular a Camões. B) Rómulo de Carvalho, comentador d Os Lusíadas

Descrição da Escala Língua Portuguesa - 7 o ano EF

Professor Marlos Pires Gonçalves

6. Assinale a alternativa que inclui palavras da frase abaixo que contêm, respectivamente, um ditongo oral crescente e um hiato.

PROGRAMA. PARTE PRÁTICA: Comentário de textos a partir do século XVI.

Classes Gramaticais: Palavras Variáveis

Bárbara da Silva. Português. Aula 45 Regências nominal e verbal

AGRUPAMENTO de ESCOLAS de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2016/2017 PLANIFICAÇÃO ANUAL

1 SEMESTRE DE DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS

UFBA - Universidade Federal da Bahia - Sistema Acadêmico R Grade Curricular (Curso) 09/12/ :23. Letras

9 - (CESGRANRIO) Complete CORRETAMENTE as lacunas da seguinte frase: A obra de Huxley, se faz alusão no texto, descreve uma sociedade os atos dos

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

AGRUPAMENTO de ESCOLAS Nº1 de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2013/2014 PLANIFICAÇÃO ANUAL

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor

CONTEÚDOS PARA VA PARCIAL UNIDADE 01 6º ANO. - Unidade 1: História e suas interpretações. - Unidade 2: Registros da História: entendendo o passado.

MÓDULO I/ GREGO KOINÉ I

Português. Índice de aulas. Tipologias textuais

UDESC 2015/2 PORTUGUÊS. Gabarito do departamento de português sem resposta. Comentário

Estrutura e Processo de Formação da Palavra

Colégio Diocesano Seridoense Ensino Fundamental II 2º Bimestre. Verbo. Professora: Caliana Medeiros.

CAPÍTULO 01. Língua Portuguesa

COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ

1º PERÍODO DISCIPLINA DE PORTUGUÊS [5.º] PLANIFICAÇÃO ANUAL 2018/ º ANO DE ESCOLARIDADE. DOMÍNIO CONTEÚDO TEMPOS 1 Educação Literária

Soneto a quatro mãos

ESTUDO DA CRÔNICA SEXA DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO Sexa. In: Comédias para se ler na escola. R. Janeiro: Objetiva, pg

Síntese da unidade 4

CERT-A CERT-O CERT-A-MENTE CERT-EZA A - CERT - A - R

EXERCÍCIOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 3º BIMESTRE

Síntese da Planificação da Disciplina de Português-5.º Ano 2017/2018 Período

UFBA - Universidade Federal da Bahia - Sistema Acadêmico R Grade Curricular (Curso) 09/12/ :22. Letras

Transcrição:

Língua Latina e Português Erudito Antônio Pessoa Pereira 1 INTRODUÇÃO Longe de mim chegar ao exagero de afirmar, com o grande escritor português João Batista da Silva Leitão de ALMEIDA GARRETI, que "é tão impossível escrever bem em português, em castelhano, em inglês, em qualquer das línguas do ocidente da Europa, sem saber grego, e principalmente latim" _(l) Corroborando, no entanto, o pensamento do autor, chegase, infelizmente, à conclusão de que, nos dias atuais, a sua afirmação, pelo menos no que diz respeito ao conhecimento da língua latina e comunicadores de um modo geral, é pertinente, e está a merecer especial atenção. Isto porque, para muitos que não freqüentaram o antigo curso ginasial e o subseqüente 1 Q ano científico onde eram satisfatórias as noções de língua e cultura e suficientes as doses de gramática histórica portuguesa, falar-se em latim, perante eles, soa quase como falar-se em chinês ou em algum dialeto coreano. Há um segundo grupo de pessoas, e estas são os nossos atuais alunos dos cursos de letras, aos quais, ingressando no curso como autênticas tábulas rasas, se ministram, a partir do zero, uns magros quatro semestres de língua latina. Assim sendo, mesmo com bastante boa vontade, e esta talvez atinja uns 20% dos que se encaminham ao magistério de língua portuguesa, muito pouco se assimila de língua e cultura latina. E, daí... "nemo dat quod non habet"... = ninguém dá o que não possui... é o velho aforismo jurídico. Qual o seu amor por essa língua desconhecida? Que entuaisasmo poderá ter esse jovem em estabelecer uma ponte entre o latim e a língua portuguesa? Será que ele percebe o belíssimo parentesco entre as duas línguas? Terá ele discernimento suficiente para, ao menos, vislumbrar certas transformações fonéticas entre a língua-mãe e o 112

português atual? Estará ele capacitado a detectar a extraordinária riqueza vocabular transferida tal e qual do latim para o português? E, além disso, estará ele apto para estabelecer similaridade morfossintática entre os dois idiomas? 2 DESENVOLVIMENTO Srs. Acadêmicos, Deixo de lado todo este insistente questionamento. Meu propósito, porém, é outro, e, por isto, preferindo pedir ajuda a Virgílio, o Cisne de Mântua, com quem, na juventude, dividi meu tempo de apaixonado cultor da língua latina, direi com ele, dirigindo-nos às Sicelides Musae: paulo majora canamus = mussas sicilianas, cantemos coisas um pouco mais elevadas. Com efeito, a minha palestra pretende fazer um apelo não apenas em favor da "última flor do Lácio inculta e bela... " (2) mas mostrar ou demonstrar que "quando Vênus, a deusa protetora dos lusitanos, a considerava, supunha ver nela, um pouco alterado, 'o próprio latim", conforme palavras de Luís Vaz de Camões, poeta maior, na estrofe 33 do Canto I de "Os Lusíadas", in verbis:... "E na língua, na qual, quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a latina". Aliás, a propósito dos dois últimos versos da estrofe, o Sr. Francisco de Sales Lencastre, um dos grandes comentaristas de "Os Lusíadas", diz o seguinte: "A língua portuguesa é muito próxima da latina, porque deriva dela em todos os pontos essenciais da sua gramática e na maior parte do seu vocabulário; têm-se escrito versos que são ao mesmo tempo latinos e portugueses. Realmente, há um grande latinista e vernaculista brasileiro, o Dr. Castro Lopes, que, para mostrar a consangüinidade da língua latina, nos delicia com o belíssimo "despertar da manhã", AVE AURORA! Cuja leitura lúdica em qualquer das duas línguas é motivo de inexprimível gáudio literário para quem se deslumbra com as benesses da encantadora Polímnis, a musa da poesia lírica. Ouçamo-lo: 113

AVE, AURORA! Salve, aurora eia, refulge! Eia, anima valles, montes! Hymnos canta, o Philomela, Hymnos jocundos, insontes! Quam pura, quam pudibunda Es tu, aurora formosa! Diffunde odores suaves, Divina, purpurea rosa! Eia, surge, vivifica Pendentes ramos, aurora! Aureos fulgores emitte, Pallidas messes colora! Matutina aura, mitiga Solares nimios ardores; Inspira gratos Favonios, Euros, Zephyros protectores. Ecoa, Tithonia Diva, Fecundos campos decora, Canoras aves excita, O serena, bella aurora! Protege placidos somnos, Inquietas mentes tempera, Duras procellas dissipa, Terras, flores refrigera! Extingue umbrosos vapores, O sol, o divina flama! Lucidas portas expande, Tristes animos inflama! 114

Salve, aurora! eia, refulge! Eia, anima valles, montes! Hymnos canta, o Philomela, Hyrnnos jucundos, insontes! Vimos, pois, que se trata de um poema em linguagem erudita, composto numa perfeita simbiose de dois idiomas. Diz-nos o Prof. Sousa da Silveira, em seu precioso livro: "Lições de Português", que "as palavras latinas... recebidas pelo ouvido, rolavam de boca em boca, no largo período em que não se falava o romance". Elas constituíam o vocabulário popular. Mas, com o progresso da civilização, tendo-se tornado insuficientes para a cabal expressão do pensamento, e para acudir-lhes as falhas, os literatos recorreram diretamente ao dicionário latino, procurando os termos requeridos pela necessidade, ou que lhes pareciam convenientes à beleza e propriedade da expressão". "Estes vocábulos", continua o ilustre mestre, "hauridos em documento escrito, introduziam-se pela vista, e conservavam-se tais e quais ou sofriam leve modificação na parte final para reve.stirem aspectopqrtuguês. Tais vocábulos se denominavam literários ou eruditos". (3) Nesta palestra, quero restringir-me, quanto a formação do vocabulário português, apenas aos de formação erudita provindos diretamente da língua latina e, com isto, ousaria insistir junto aos professores de língua portuguesa que, em suas aulas, dessem maior enfoque a este aspecto cultural da língua, já que o latim, como matéria curricular, foi impiedosamente alijado do curriculum escolar brasileiro. Para este meu desiderato, valho-me da ajuda de bons gramáticos brasileiros, procurando, com eles, demonstrar, em alguns tópicos gramaticais, a genealogia de infindas palavras, revestidas de autêntica roupagem latina, às vezes, "com pouca corrupção", no dizer do poeta, ou "feitas em idênticos moldes latinos", como diz o Prof. Celso Cunha. ( 5 ) Embora receando tornar-me prolixo, não me posso furtar ao desejo de trazer em meu auxílio o grande Mário Barreto quando sentencia: "Não pode dizer que sabeportuguês quem não aprendeu pelo menos dois dedos de latim, língua-mãe, e umas migalhas das línguas irmãs". 115

Para nós, os dois latins, o clássico e o evolutivo, amparam igualmente o português. O que não sabe latim carece de meios de compreender as relações que guardam as palavras portuguesas entre si, as palavras populares e as palavras doutas, visto que a formação da língua popular foi governada por leis diversas das que presidiram a formação da língua literária. Como é que um espírito de todo estranho ao latim pode ver, de outra maneira que não seja por uma associação instável, que petrificar se relaciona com pedra, alterar com outro, lácteo com leite, capilar com cabelo, eclesiástico com igreja, maternal com mãe, ocular com olho? A língua assim vista sem latim é vista por fora; e por isso é que o latim serve de caminho muito reto e muito breve para o estudo do português. Dando início ao presente estudo, começarei apresentando alguns substantivos cujos diminutivos se revestem de formação estrutural nitidamente latina. São os chamados: 1 Diminutivos eruditos "Na língua literária e culta", diz o Prof. Celso Cunha, especialmente na terminação científica, aparecem formações modeladas no latim em que entram sufixos -ulo (-ula) e -culo (-cula), com as variantes -áculo (-ácula), -iculo (-icula), -úsculo (úscula) e únculo (úncula): corpo corpúsculo nota nótula febre febrícula obra opúsculo. globo glóbulo parte. partícula gota gotícula pele película grão grânulo questão questiúncula homem homúnculo raiz radícula modo módulo rei régulo monte montículo verme vermículo nó nódulo verso versículo 116

2 Compostos eruditos 11 A nomenclatura científica, técnica e literária", são palavras ainda do Prof. Celso Cunha~ 11 é fundamentalmente constituída de palavras formadas pelo modelo da composição greco-latina, que consistia em associar dois termos, o primeiro dos quais servia como determinante do segundo". Dentre outros, funcionam como primeiro elemento da composição dos seguintes radicais latinos, de regras terminados em -i: agri ager, agri campo agricultura ambi- ambo ambos ambidestro arbori- arbor, -oris árvore arborícula avi- avis, -is ave avifauna bis- bis duas vezes bisavô bi- bis duas vezes bípede calori- calor, -oris calor calorífero cruci- crux,-ucis cruz crucifixo curvi- curvus, a um curvo curvilíneo equi- aeguus, a, um igual eqüilátero ferri- ferrum,-i ferro ferrífero ferro- ferrum,-i ferro ferrovia igni- ignis, -is,.fogo ignívomo loco- locus, -i lugar locomotiva morti- mors, mortis morte mortífero multi- multus, a, um muito multiforme o lei- oleum,-i azeite, óleo oleígeno oleo- oleoduto oni- omnis,-e todo onipotente pedi- pes, pedis pé pedilúvio pisei- piseis, -is peixe piscicultor pluri- plus, pluris muitos, vários pluriforme quadri- quattuor quatro quadrimotor quadru quattuor quatro Quadrúpede reti rectus, a, um reto retilíneo semi- semi- metade semimorto sesqui sesqui- um e meio sesquicentenário 117

triunivermi- tres, tria unus,-a.,-um verme três um verme tricolor uníssono vermífugo -cida -cola -cultura -fero -fico -forme Como segundo elemento da composição, empregam-se: que mata que cultiva, ou habita ato de cultivar que contém, ou produz que faz, ou produz que tem forma de regicida, suicida vitícola, arborícola apicultura, piscicultura aurífero, flamífero benéfico, frigorífico cuneiforme, uniforme -fuga -gera -paro que foge, ou faz fugir que contém, ou produz que produz(= parir) centrífugo, febrífugo armígero, belígero multíparo, ovíparo -pede pé -sono que soa -vamo que expele -v oro que come palmípede, velocípede horríssono, uníssono fumívomo, ignívomo carnívoro, herbívoro ( 5 ) 3 Adjetivos pátrios compostos "Quando dizemos: a civilização portuguesa, referimo-nos apenas à civilização do povo de Portugal. Se, porém, quisermos indicar a civilização que é comum ao povo português e ao povo brasileiro, dizemos a civilização lusobrasileira assumindo o primeiro elemento uma forma alatinada e reduzida. Entre as formas alatinadas e reduzidas, que se empregam como primeiro elemento desses objetivos pátrios compostos, destaquemos os seguintes: anglo (-inglês) austro (-austríaco) euro (-europeu) Amizade anglo-americana Império austro-húngaro Relações euro-africanas 118

franco (-francês) greco (-grego) hispano {-hispânico, espanhol) indo (-indiano) ítalo (-italiano) galaico (-galego) luso (-lusitano, português) nipo {japonês, nipônico) sino (-chinês) teuto (-teutônico, alemão) Falares franco-provençais Antigüidade greco-romana Povos hispano-americanos Línguas indo-européias Atlas ítalo-suíço Trova galaico-português Glossário luso-asiático Comércio nipo-brasileiro Guerra sino-japonesa Ginásio teuto-brasileiro ( 5 ) Falando-se de adjetivos, é interessante recordar que, em 1939, mediante um tratado teuto-nipo-italiano, o "Eixo Tóquio-Roma Berlim" pretendeu cominar o mundo. Acontece que os aliados, graças à feroz ofensiva anglo-franco-sino-soviético-arnericana, conseguiram derrotá-lo e impor as condições de paz em maio de 1945. Nesse ano, incrementou-se muito a amizade afro-canadense. 4 SUPERlATIVO ABSOLUTO SINTÉTICO Quanto ao superlativo absoluto sintético, ternos, em português, a forma coloquial (docíssimo) e a forma erudita (dulcíssimo). Há certos superlativos que se empregam tanto na língua coloquial quanto na erudita (facílimo, dificílimo, paupérrimo) e outros que são de uso exclusivamente erudito ou semi-erudito (frigidíssimo, vg.). Nesta palestra, coerente com o terna que me propus defender, restrinjo-me sobretudo aos superlativos de formação nitidamente latina. 4.1 Formação e emprego do superlativo absoluto sintético Segundo Ismael de Lima Coutinho, em sua Gramática Histórica, página 269, 4 3 edição, 1958, "exprime-se o superlativo sintético com os sufixos íssirno, limo e ritmo (lat. Issirnu, lirnu e rirnu acrescentados as terna do adjetivo". 119

4.1.1 íssimo- Este sufixo, que é o de uso mais generalizado na formação dos superlativos de língua latina e de seu continuador, por evolução natural, o português, é acrescentado em latim ao tema do genitivo singular masculino, depois de suprimidas as desinências i e is dos adjetivos. de 2il e 3a declinação: sanctus, sanct+issimus = sanctissimus (sqntíssimo, em português); Levis. lev+issimus = levissimus (levíssimo, em português). Acontece que, em português, além dessa supressão ou truncamento, devemos atentar para o seguinte: a) muitos adjetivos assum~m uma forma e, por conseguinte, um tema declaradamente latino antes do sufixo íssimo, como é o caso de: amargo amaríssimo magnífico magnificentíssimo amigo amicíssimo maléfico maleficentíssimo antigo antiqüíssimo malévolo malevolentíssimo benéfico beneficentíssimo miúdo min:utíssimo benévolo benevolentíssimo nobre nobilíssimo cristão cristianíssimo pessoal personalíssimo cruel crudelíssimo. pr0digo prodigalíssimo doce dulcíssimo sábio sapientíssimo fiel fidelíssimo sagrado r sacratíssimo frio frigidíssimo simples simplicíssimo ou geral generalíssimo simplíssimo inimigo inimicíssimo soberbo superbíssimo b) Se o adjetivo português termina em vel, diz-se.que se permuta o vel por bil. O que ocorre é que o adjetivo reassume mesmo a sua forma latina à qual se acrescenta o sufixo íssimo depois de suprimida a desinência is do genitivo singular masculino. Senão vejamos: afável 6 afabilíssimo notável notabilíssimo agradável agradabilíssimo novel nobilíssimo amável amabilíssimo provável probabililíssimo crível credibilíssimo sensível sensibilíssimo 120

incrível indelével móvel incredibilíssimo indelebilíssimo mobilíssimo terrível visível volúvel terribilíssimo visibilíssimo volubilíssimo c) Com os adjetivos terminados em Zocorre o mesmo fenômeno da substituição da palavra portuguesa pela correspondente palavra latina cujo tema do genitivo singular será acrescido do sufixo íssimo e, então, teremos: atroz a,trocíssimo dicaz decacíssimo belaz belacíssimo eficaz eficacíssimo capaz capacíssimo falaz falacíssimo feliz felicíssimo sagaz sagacíssimo feroz ferocíssimo tenaz tenacíssimo loquaz loquacíssimo vivaz vivacíssimo mendaz mendacíssimo voraz voracíssimo minaz minacíssimo d) Os adjetivos terll).inados em v.ogal nasal (representados com? gráfico) e os terminàdos no ditongo ao transformam estes símbolos respectivamente em: -níssimo e -aníssimo., que não são mais do que terminações de palavras latinas. Exemplos: bom boníssimo comum comuníssimo jovem juveníssimo chão chaníssimo cristão cristianíssimo são saníssimo vão vaníssimo 4.1.2 Limo- Este sufixo tem uso restrito a poucos adjetívos. Talvez, além dos já apontados na Gramática Latina de Puppo Ravizza: facilis, difficilis, similis, dissimilis, gracilis e humils, só nos seja possível acrescentar mais o frágil, o dócil e o ágil. Vejamos, então: ágil dócil fácil agílimo docílimo facílimo grácil semelhante dessemelhante gracílimo simílimo dissimílimo 121

difícil humilde dificílimo humílimo frágil fragílimo 4.1.3 Rimo- A propósito da forma anormal magérrimo, o palestrante que lhes fala, na qualidade de Português para Você, (p. 158) de autoria do saudoso companheiro Itamar de Santiago Espíndola, quando abordou o sufixo RIMO, dizia o seguinte: "Chegamos, neste ponto, ao cerne do assunto que nos animou a estas divagações gramaticais. O sufixo rimo, ao contrário dos dois anteriores cuja posição normal era, e é, a mesma da terminação i ou is, as quais ele substitui, juntava-se, e se junta, somente aos adjetivos latinos cujo nominativo apresenta a terminação ER. Daí os superlativos de pulcher = pulcherrimus, de acer = acerrimus, de celeber = celeberrimus e outros semelhentes. Ora, se é esta a formação normal desse tipo de adjetivos, como nos ensina a gramática histórica, calcada na própria gramática latina, nada mais incongruente do que o emprego ou a admissão de forma como: magérrimo, bacanérrimo, negérrimo e até infamérrimo". E hoje eu acrescentaria mais o elegantérrimo, o chiquérrimo (Revista VEJA: anúncio "Para mulheres que sabem ser discretas e chiquérrimas ao mesmo tempo" p. 31, de 22/05/ 96) assim como, nos outdoors colocados em pontos estratégicos de Fortaleza, o violento atentado ao pudor lingüístico do anúncio de um café cujo marketing afirma que ele é gostosérrimo. O certo, no caso, dizia eu: "em se tratando desse tipo de adjetivos terminados em vogal, é o emprego do comuníssimo e generalíssimo sufixo em íssimo, cuja força expressiva já é de si bastante forte". E, daí, aconselhar-se os amantes de hipérboles a que se conformem, em seus arroubos fraseológicos, em usar apenas magríssimo, bacaníssimo, negríssimo e infamíssimo". E se convencerem, de uma vez por todas, de que não existe, nem em latim nem em português, sufixo érrimo. O que existe é a terminação de alguns adjetivos latinos em ER mais o sufixo RIMO. Nada mais. Aliás, dada a carga melódica antieufônica dos referidos e malsonantes adjetivos, é possível que algum gentil-homem de 122

boa formação intelectual se sinta constrangido se se disser que ele estava elegantérrimo é que sua esposa apresentava-se chiquérrima. Em razão de apresentarem, em latim, no nominativo masculino singular a terminação ER, podem e devem receber o sufixo RIMO em português apenas os adjetivos seguintes: acre (=acer) acérrimo áspero (=asper) aspérrimo bonito (=pulcher) pulquérrimo célebre (=celeber) celebérrimo célere (=celer) celérrimo íntegro (=interger) integérrimo livre (=liber) libérrimo magro (=macer) macérrimo mísero (=miser) misérrimo negro (=niger) nigérrimo pobre (=pauper) paupérrimo salubre (=saluber) salubérrimo 5 COMPARATIVOS SUPERLATIVOS IRREGUlARES Diz a gramática Latina de Puppo Ravizza o seguinte: Os quatro adjetivos bônus, malus, magnus e parvus têm o compaartivo e o superlativo irregulares do seguinte modo: POSITIVO COMPARATIVO SUPERLATIVO Bonus melhor melius optimus, a, um (bom) (melhor) (ótimo) Malus pejo r pejus pessimus, a, um (mau) (pior) (péssimo) Magnus major ma jus maximus, a, um (grande) (maior) (máximo) Parvus minor minus minimus, a, um (pequeno) (menor) (mínimo) Como se vê, é total a semelhança de sentido e de forma dos quatro adjetivos entre mãe e filha (latim e português). 123

6 PRONOME OBÚQUO ÁTONO, SUJEITO DO INFINITIVO O português, como parte deste extraordinário legado latino trazido até nós, além dos muitíssimos pontos de referência vocabular, apresenta-se, também, indissoluvelmente ligado à estrutura morfossintática do latim. Comprovação disto é o aparecimento de certas construções que são, na verdade, puro latim. É o caso, por exemplo, de uma construção portuguesa idêntica a do acusativo com infinitivo em latim. Nesta construção, em latim, o sujeito da oração subordinada substantiva objetiva direta com infinitivo vai para o acusativo. Assim sendo, o próprio pronome pessoal oblíquo átono, estando no acusativo em latim, é sujeito do infinitivo, e esta característica se reflete em idêntica construção em língua portuguesa. Com os auxiliares causativos e/ ou ~ensitivos: deixar, mandar, fazer, ver, ouvir, olhar, sentir e outros seguidos de infinitivo, aparecem orações subordinadas substantivas reduzidas que normalmente exercem função de objeto direto. E, então, se tivermos uma frase, por ex~mplo: jussi eum exire e formos traduzha por: "mandei ele sair" (em português vulgar) ou "mandei que ele saísse" (em boa linguagem coloquial) ou "mandei-o sair" (com oração reduzida, em português erudito), tanto o ele das duas primeiras orações quanto o o da última frase são sujeito do núcleo verbal sair. O parentesco, portanto, quanto ao pronome oblíquo átono em latim (eum) e em português (o) é perfeito. Quando se diz, no Evangelho: "sinite parvulos venire ad me" - "deixai os pequeninos vir a mim" e substituímos parvulos por eos, dizendo: "sinite eos venire ad me"= deixai-os vir a mim", se parvulos (no acusativo) é sujeito de venire, eos (em latim) e os (português) têm a mesma função sintática de parvulos, e são, portanto, sujeito do infinitivo. Em outro passo, se dissermos: "não nos deixeis cair em tentação" e fizermos o desdobramento em: "não deixeis que nós caíamos em tentação", veremos que o nós da frase reduzida e o nós da oração desdobrada são plenamente equivalentes no que diz respeito à função sintática, isto é: sujeito em ambas as orações. 124

Poderíamos ir adiante: Contentemo-nos, porém, como o admirável Rebelo da Silva, quando em a "Última corrida de touros em Salvaterra", (Contos e Lendas p. 17) ao dizer, pela boca de sua majestade: "deixai-o ir, ao velho fidalgo'~, não apenas empregou o pronome oblíquo o na qualidade de sujeito do infinitivo corno se valeu ainda de um a corno preposição enfática, realçando a vigorosa força estilística de exímio vemaculista português. E, por último, valendo-nos da elegância dé estilo de Machado de Assis, o qual, com a afirmação de que "Marcela deíxara-se estar sentada"... e "Sofia deixou-se estar à janela", nos ensejou a que também insistamos na afirrné).ção de que aquele SE, em construção erudita latina e portuguesa, é um belo e autên~ico sujeito do infinitivo. 7CONCLUSÃO Mantendo-nos rigorosamente dentro do precioso legado da língua erudita, poderíamos, se não fosse apenas urna palestra, poderíamos, repito, nos embrenhar nos meandros dos prefixos, radicais latinos e cognatos, cotejá-los com seus inseparáveis correspondentes gregos e palmilhar o insinuante e encantado mundo da etimologia, que tanto identifica os que se dão ao ensino e cultivo desta "língua... dulcíssirna e canora" ( 6 ) "Que tem o tom e silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura". (2) No entanto, rendendo-me à evidência da imperfeição humana e consciente de que o tempo urge, só me resta apelar para a síntese do prolóquio latino e concluir, dizendo: Feci quod potui; faciant meliora potentes = Fiz o que pude; façam melhor os que o puderem. 125

REFERÍNCIAS BffiUOGRÁFICAS 1. Apud. BARRETO, Fausto e LAET. Carlos de Antologia nacional. 27. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1949. p.181. 2. BILAC, Olavo. Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1968. p. 84. (Coleção nossos clássicos) 3.SOUSADASILVEIRA. Lições de português. 6. ed.. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1960. 4. BARRETO, Mário. Através do dicionário e da gramática. 3 ed. s.l.: Org. Simões, 1954. p. 260-261. 5. CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970. 6. ALBANO, José. Rimas. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1966. p. 203. 126