A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro

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Transcrição:

A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma... A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma aproximação ao conceito através do Direito Internacional do Mar 1 Fernando Loureiro Bastos Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Investigador Principal, Centro de Investigação de Direito Público Sumário: 1. A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha». 2. A participação da União Europeia e dos Estados-Membros na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM ou UNCLOS). 3. A produção de efeitos do Direito Internacional na ordem jurídica da União Europeia. 4. Os espaços marítimos previstos na CNUDM. 5. A fixação de limites marítimos e a delimitação de espaços marítimos pelos Estados costeiros. 6. O processo específico do alargamento das plataformas continentais dos Estados costeiros além das 200 milhas marítimas. 7. Os poderes dos Estados costeiros em espaços marítimos não delimitados quando existem reivindicações concorrentes. 8. A resolução de conflitos relativos à delimitação de fronteiras marítimas. 9. As fronteiras marítimas de Portugal, de Espanha, da França, do Reino Unido e da Irlanda. 10. O caso específico das áreas marinhas protegidas fora do espaço submetido à soberania e jurisdição do Estado português. 11. Conclusões. 1 Esquema da intervenção feita no III Congresso Internacional do Mar. A Protecção do Ambiente Costeiro e Marinho, na Universidade Lusíada de Lisboa, a 21 de Maio de 2014, no âmbito do Tema 1. A Estratégia Atlântica e a cooperação internacional no âmbito das regiões marinhas. III Congresso Internacional do Mar 117

Fernando Loureiro Bastos Tendo em consideração o limite de tempo fixado para a presente intervenção as diversas questões elencadas serão objecto de uma apresentação sumária, nomeadamente tendo em consideração a complexidade da maior parte delas. 1. A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha» A presente intervenção tem como ponto de partida a relevância que a União Europeia passou a dar recentemente às questões marítimas e a necessidade de ser posto em destaque o enquadramento jurídico- comunitário que é feito dessas matérias, nomeadamente através da Directiva 2008/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008 que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política para o meio marinho (Directiva- Quadro «Estratégia Marinha»). Deve ser objecto de referência, antes de mais, o considerando 17 do preâmbulo da Directiva-Quadro «Estratégia Marinha», em conformidade com o qual: A Comunidade e os seus Estados-Membros são partes na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), aprovada pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de Março de 1998, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e no Acordo de 28 de Julho de 1994 relativo à aplicação da Parte XI da Convenção (1). Por conseguinte, as obrigações da Comunidade e dos seus Estados-Membros decorrentes desses acordos deverão ser inteiramente tidas em conta na presente directiva. Daqui decorre que o enquadramento das questões marítimas por parte da União Europeia deve ter em consideração o enquadramento jurídicointernacional das mesmas, com particular destaque para as obrigações internacionais convencionais que foram assumidas pela Comunidade Europeia (União Europeia) e pelos seus Estados-Membros. O número 1 do artigo 2º (âmbito de aplicação) da Directiva-Quadro «Estratégia Marinha», prevê que 1. A presente directiva é aplicável a todas as águas marinhas tal como definidas no ponto 1 do artigo 3. As alíneas a) e b) do número 1 do artigo 3º (definições) da Directiva-Quadro «Estratégia Marinha» apresentam as seguintes definições para o conceito de águas marinhas : As águas, os fundos e os subsolos marinhos situados entre a linha de base a partir do qual são medidas as águas territoriais e o limite exterior da zona sobre a qual um Estado-Membro possua e/ou exerça jurisdição, em conformidade com a UNCLOS, ( ) As águas costeiras, tal como definidas na Directiva 2000/60/CE, o seu fundo e subsolo marinhos, na medida em que aspectos particulares do estado ambiental do meio marinho não sejam já tratadas na referida directiva ou noutra legislação comunitária. 118 III Congresso Internacional do Mar

A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma... A alínea a) do número 1 do artigo 3º antes citado reforça a ideia de que os conceitos de águas marinhas utilizados na legislação comunitária devem ter em adequada consideração os correspondentes conceitos jurídico-internacionais de espaços marítimos, com particular destaque para os constantes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção). Deve ser posto em destaque que o Plano de Acção para uma Estratégia Marítima na Região Atlântica. Para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, de 2013 - COM (2013) 279 final não adoptou conceitos equivalentes relativamente às mesmas áreas marítimas. Tenha-se nomeadamente em consideração a formulação que é utilizada na p. 3 do Plano de Acção: O presente plano de ação define, pois, prioridades em matéria de investigação e investimento para avançar com a «economia azul» na Região Atlântica. Os cinco Estados-Membros, e respetivas regiões, do Atlântico podem partir dele para fomentar o crescimento sustentável e inclusivo nas zonas costeiras. Em termos idênticos, importa salientar que os conceitos jurídico-internacionais de áreas marítimas não foram identicamente utilizados na Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2000 que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água, tendo em consideração que o regime jurídico está baseado num conceito - o de região hidrográfica - que não é utilizado na Convenção. Em conformidade, o nº 5 do artigo 3º estabelece que: Sempre que uma região hidrográfica se estender para lá do território da Comunidade, o Estado-Membro ou os Estados-Membros envolvidos esforçar-se-ão por estabelecer uma coordenação adequada com os Estados terceiros em causa, a fim de alcançar os objectivos da presente directiva em toda a região hidrográfica. Os Estados-Membros garantirão a aplicação das regras da presente directiva no seu território. 2. A participação da União Europeia e dos Estados-Membros na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM ou UNCLOS) A União Europeia e os seus Estados membros são autonomamente partes na Convenção, em razão da União Europeia não ter substituído os seus Estados Membros enquanto sujeitos de direito internacional. A participação da União Europeia teve lugar a 1 de Abril de 1998, em conformidade com o regime especial previsto para as organizações internacionais (de integração) no Anexo IX da Convenção 2. O último dos Estados Membros da União Europeia a ratificar a Convenção foi a Hungria a 5 de Maio de 2002. 2 O artigo 1º (Utilização do termo organização internacional ) do Anexo IX prevê que [p]ara efeitos do artigo 305 e do presente Anexo, organização internacional significa uma organização intergovernamental constituída nos Estados à qual os seus Estados membros tenham transferido competência em matérias regidas pela presente Convenção, incluindo a competência para concluir tratados relativos a essas matérias. III Congresso Internacional do Mar 119

Fernando Loureiro Bastos A participação da União Europeia e dos seus Estados membros simultânea e autonomamente na Convenção dá lugar a um acordo misto 3. Nestes termos, a ratificação por parte da União Europeia foi acompanhada de uma declaração sobre a repartição das competências entre a União Europeia e os seus Estados Membros, em conformidade com o nº 1 do artigo 5º do Anexo IX da Convenção 4. Na declaração em questão, que não foi objecto de qualquer actualização desde a data sua entrega 5, é feita referência às matérias que são da exclusiva competência da União Europeia, às matérias em que existe competência partilhada com os Estados Membros, e aos domínios em que pode existir um possível impacto sobre políticas comunitárias. Tendo em consideração os termos em que foi formulada esta declaração, é possível entender que as questões relacionadas com os espaços marítimos, nomeadamente ao nível da sua fixação e delimitação, são matérias da competência exclusiva dos Estados Membros. 3. A produção de efeitos do Direito Internacional na ordem jurídica da União Europeia Os compromissos internacionais convencionais assumidos pela União Europeia são uma fonte de direito da União Europeia e devem ser aplicados enquanto tal. Em conformidade, o nº 2 do artigo 216 do Tratado de Roma prevê que [o]s acordos celebrados pela União vinculam as instituições da União e os Estados-Membros. Importa referir que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a matéria da produção de efeitos dos compromissos internacionais tem sido no sentido de afirmar a autonomia do Direito da União Europeia, mesmo quando isso possa contender com as características específicas das obrigações 3 Sobre a questão, em termos gerais, o nosso Os acordos mistos em Direito Comunitário. Contributo para a compreensão do seu fundamento jurídico, Lisboa, 1997. 4 Em conformidade com o nº2 do artigo 5 (Declarações, notificações e comunicações) do Anexo IX [u]m Estado membro de uma organização internacional deve fazer uma declaração em que especifique as matérias regidas pela presente Convenção em relação às quais tenha transferido competências para a organização, no momento da ratificação da Convenção ou de adesão a ela ou no momento do depósito pela organização do seu instrumento de confirmação formal ou de adesão, considerando-se o que for posterior. 5 Da parte dos Estados terceiros, as dúvidas que possam surgir sobre a repartição de competências entre a União Europeia e os seus Estados membros, em razão da dinâmica da integração europeia, podem ser resolvidas através do recurso ao nº 5 do artigo 5º do Anexo, em conformidade com o qual [q]ualquer Estado Parte pode pedir a uma organização internacional e aos seus Estados membros, que forem Estados Partes, que informem sobre quem, se a organização ou os seus Estados membros, tem competência em relação a qualquer questão específica que tenha surgido. Importa ter ainda em consideração a parte final do nº 2 do artigo 6 (Responsabilidade), em conformidade com o qual os Estados membros ou a União Europeia passam a ser conjunta e solidariamente responsáveis caso não prestarem informação atempada ou forneçam informações contraditórias sobre responsabilidade em relação a qualquer matéria específica. 120 III Congresso Internacional do Mar

A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma... assumidas pela União Europeia e pelos seus Estados Membros ao abrigo do Direito Internacional 6. Nesse sentido, é particularmente relevante a posição assumida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Caso C 459/03, comummente designado como Caso Mox Planck (Acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2006), relativamente aos efeitos jurídico-internacionais e jurídico-comunitários da participação dos Estados Membros e da União Europeia na Convenção. Com efeito, no 177 do Acórdão de 30 de Maio de 2006, foi afirmado que: [o] facto de se submeter um diferendo desta natureza a um órgão jurisdicional como o tribunal arbitral implica o risco de que um tribunal diferente do Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o alcance de obrigações decorrentes, para os Estados-Membros, do direito comunitário. Em função desta argumentação, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que: Ao instaurar um processo de resolução de conflitos contra o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte no quadro da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar no que se refere à fábrica MOX PLANCK instalada em Sellafield (Reino Unido), a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 10 CE, 292 CE, 192 EA e 193 EA. 4. Os espaços marítimos previstos na Convenção O regime jurídico-internacional dos espaços marítimos é o resultado da conjugação entre direito internacional convencional, com destaque para a Convenção, e direito internacional costumeiro. Deve ser feita uma divisão básica entre espaços marítimos submetidos à soberania ou jurisdição do Estado costeiro e os espaços marítimos não submetidos à jurisdição ou soberania do Estado costeiro. No primeiro grupo devem ser incluídos: - as águas interiores, com o regime jurídico-internacional mencionado no artigo 8 da Convenção; - o mar territorial, com o regime jurídico-internacional previsto nos artigos 2 a 32 da Convenção; - a zona contígua, com o regime jurídico-internacional previsto no artigo 33 da Convenção; - a plataforma continental, com o regime jurídico-internacional previsto nos artigos 76 a 85 da Convenção; - a zona económica exclusiva, com o regime jurídico-internacional previsto nos artigos 55 a 75 da Convenção; 6 Sobre a questão, ver os 53 a 64 do Caso C- 308/06, comummente designado como Caso Intertanko, Acórdão de 3 de Junho de 2008. III Congresso Internacional do Mar 121

Fernando Loureiro Bastos - as águas arquipelágicas, relativamente aos Estados arquipélagos, com o regime jurídico-internacional previsto nos artigos 46 a 54 da Convenção. Os poderes que os Estados costeiros exercem nos espaços marítimos não são equiparados aos poderes que os Estados exercem no seu território terrestre, com excepção das águas interiores, mesmo que estes sejam designados como soberania ou direitos soberanos 7. Importa salientar que os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos espaços marítimos sob sua soberania ou jurisdição devem ser conciliados com os poderes dos terceiros Estados, com particular destaque no que se refere ao exercício da liberdade de navegação 8-9. No segundo grupo devem ser incluídos: - o alto mar, com o regime jurídico-internacional previsto nos artigos 86 a 120 da Convenção; - e a Área, com o regime jurídico-internacional de internacionalização previsto nos artigos 133 a 191 da Convenção, e no Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de Dezembro de 1982 (Acordo de 1994) 10. 5. A fixação de limites marítimos e a delimitação de espaços marítimos pelos Estados costeiros A fixação dos limites dos espaços marítimos corresponde normalmente, com a excepção da plataforma continental até às 200 milhas marítimas, a uma actuação unilateral de cada um dos Estados costeiros, em conformidade com os regimes jurídico-internacionais que estão previstos na Convenção. A plataforma continental até às 200 milhas marítimas, por seu turno, é um espaço inerente à 7 Sobre os poderes do Estados costeiros, ver para mais desenvolvimentos, o nosso O Direito Internacional do Mar e os poderes dos Estados costeiros, Revista Jurídica da Universidade de Santiago, Ano 1, nº 1, 2013, pp. 133-146. 8 Como refiro em O Direito Internacional do Mar, op.cit., p. 135, a utilização da expressão soberania dos Estados costeiros sobre o mar não corresponde ao reconhecimento de uma posição jurídica de exclusividade em todos os domínios e/ou de exclusão de todas as actividades que quaisquer outros sujeitos possam querer levar a cabo no espaço em questão. Antes, o que se está a pôr em destaque é o reconhecimento jurídico-internacional de determinados poderes, em resultado da estreita ligação existente entre os espaços terrestres e os espaços marítimos que lhes são adjacentes. Em alguns casos os direitos atribuídos aos Estados costeiros são exclusivos, mas essa exclusividade não impede que outros Estados possam desenvolver simultaneamente outras actividades no espaço em questão. 9 Sobre a questão é relevante ver o enquadramento que foi feito pelo Tribunal Internacional de Direito do Mar no recente Caso Virgínia G, com decisão de 14 de Abril de 2014, sobre a questão da conciliação entre os poderes dos Estados soberanos e o exercício da liberdade de navegação nas zonas económicas exclusivas. 10 Sobre a Área e o regime jurídico-internacional da Área, ver para mais desenvolvimentos o nosso A internacionalização dos recursos naturais marinhos, Lisboa, 2005, pp. 449-568. 122 III Congresso Internacional do Mar

A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma... existência do Estado costeiro, em conformidade com o artigo 77 da Convenção 11-12. Nestes termos: - nas águas interiores não existe um limite exterior expresso para o espaço marítimo que possa vir a ser qualificado como águas interiores, tendo os Estados uma considerável margem de manobra na utilização das linhas de base, com destaque para as linhas de base rectas 13 ; - no mar territorial temos um limite máximo de 12 milhas marítimas, em conformidade com o artigo 3 da Convenção 14 ; - na zona contígua temos um limite máximo de 24 milhas marítimas, em conformidade com o artigo 24 da Convenção; - na zona económica exclusiva temos um limite máximo de 200 milhas marítimas, em conformidade com o artigo 57 da Convenção. A fixação dos espaços marítimos pelos Estados costeiros será tida por definitiva quando os limites reivindicados não conflituem com os direitos de outros Estados costeiros à fixação das respectivas zonas marítimas. Nas situações em que existam ou possam existir reivindicações concorrentes ou sobrepostas por parte de dois ou mais Estados costeiros passamos a lidar com uma situação que deverá ser objecto de delimitação 15. A delimitação de espaços marítimos pode ser feita por acordo entre os Estados costeiros interessados ou com a intervenção de terceiros a solicitação destes, com particular destaque para a arbitragem e para tribunais internacionais, como o Tribunal Internacional de Direito do Mar ou o Tribunal Internacional de Justiça. 6. O processo específico do alargamento das plataformas continentais dos Estados costeiros além das 200 milhas marítimas Até às 200 milhas marítimas, como referido anteriormente, as plataformas continentais são inerentes à condição de Estado costeiro, em conformidade com 11 Nos termos do nº 3 do artigo 77 da Convenção, [o]s direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental são independentes de ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa. 12 Sobre a questão, ver para mais desenvolvimentos, o nosso A internacionalização, cit., pp. 314-338. 13 Sobre a questão da utilização das linhas de base, ver para mais desenvolvimentos, o nosso A internacionalização, cit., pp. 270-277. 14 A redacção do artigo é particularmente ilustrativa quando prevê que [t]odo o Estado tem o direito de fixar a largura do seu mar territorial até um limite que não ultrapasse 12 milhas marítimas, medidas a partir de linhas de base determinadas de conformidade com a presente Convenção. 15 Nesse sentido, o artigo 15 da Convenção estipula que [q]uando as costas de dois Estados são adjacentes ou se encontram situadas frente a frente, nenhum desses Estados tem o direito, salvo acordo de ambos em contrário, de estender o seu mar territorial além da linha mediana cujos pontos são equidistantes dos pontos mais próximos das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial de cada um desses Estados. No mesmo sentido, o artigo 74 da Convenção prevê que a delimitação da zona económica exclusiva entre Estados com as costas adjacentes ou situadas frente a frente deve ser feita por acordo, de conformidade com o direito internacional, a que se faz referência no artigo 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, a fim de se chegar a uma solução equitativa. III Congresso Internacional do Mar 123

Fernando Loureiro Bastos o nº 1 do artigo 76 da Convenção, ao estabelecer que a plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas marítimas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância. Os poderes que os Estados costeiros podem exercer nas plataformas continentais além das 200 milhas marítimas, ao invés do que sucede relativamente até às 200 milhas marítimas, estão dependentes da prévia apresentação e apreciação de uma submissão à Comissão de Limites da Plataforma Continental, em conformidade com o Anexo II da Convenção 16. Importa salientar que qualquer que tenha sido a distância fixada, a plataforma continental não passa a integrar o território do Estado costeiro, em termos equivalentes ao território terrestre e às águas interiores, na medida em que o Estado costeiro não exerce soberania sobre a plataforma continental, mas antes direitos de soberania ( ) para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais. Em conformidade com os limites estipulados no artigo 76 da Convenção, os Estados podem exercer os poderes previstos na Convenção em distâncias que podem atingir as 350 milhas marítimas ou as 100 milhas marítimas da isóbata de 2500 metros, que é uma linha que une as profundidades de 2500 metros (nº 5 do artigo 76 da Convenção). Quando haja aproveitamento de recursos não vivos, os Estados costeiros devem efectuar pagamentos ou contribuições em espécie, nos termos do artigo 82 da Convenção. Até 8 de Julho de 2014, tinham sido apresentadas à Comissão de Limites da Plataforma Continental: - setenta e três submissões por parte de Estados ou grupos de Estados, a última das quais pelo Tonga a 23 de Abril de 2014; - quarenta e seis informações preliminares, algumas das quais posteriormente transformadas em submissões. Até à mesma data, a Comissão de Limites da Plataforma Continental tinha emitido 20 recomendações relativas a submissões apresentadas pelos Estados, sendo a primeira de 27 de Junho de 2002, referente à submissão da Rússia (parcialmente revista quanto ao Mar de Okhotsk a 11 de Março de 2014), e a última de 11 de Março de 2014 referente à submissão da Dinamarca quanto à parte norte das Ilhas Faroe. 16 Sobre a questão, ver para mais desenvolvimentos, o nosso A internacionalização, cit., pp. 336-346. 124 III Congresso Internacional do Mar

A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma... 7. Os poderes dos Estados costeiros em espaços marítimos não delimitados quando existem reivindicações concorrentes O exercício pleno de poderes pelos Estados costeiros nos espaços marítimos está dependente de não existirem reivindicações concorrentes ou sobrepostas relativamente aos espaços em questão. Caso contrário, tendo em consideração que existem divisões alternativas que podem ser adoptadas nos casos de delimitação das fronteiras marítimas, os Estados costeiros com legítimas expectativas ao exercício de poderes sobre o espaço em questão devem abster-se de prosseguir actividades nesses espaços marítimos 17, com particular destaque para a exploração de recursos naturais vivos e não vivos. A necessidade de conciliar os vários interesses em presença é manifesta nos artigos 74 e 83, relativamente às zonas económicas exclusivas e às plataformas continentais, quando se prevê que, enquanto não se alcançar um acordo definitivo entre os Estados interessados relativamente às delimitações em questão, estes num espírito de compreensão e cooperação, devem fazer todos os esforços para chegar a ajustes provisórios de carácter prático e, durante este período de transição, nada devem fazer que possa comprometer ou entravar a conclusão do acordo definitivo (número 3, com idêntica redacção nos dois artigos) 18. 8. A resolução de conflitos relativos à delimitação de fronteiras marítimas A resolução de conflitos em Direito Internacional está sempre dependente de uma manifestação de vontade dos Estados envolvidos, seja pela conclusão de um acordo específico nesse sentido, seja pela genérica ou específica aceitação da intervenção de um órgão jurisdicional. Este pressuposto é particularmente relevante ao nível da delimitação de fronteiras marítimas, tendo em consideração os efeitos que a solução adoptada virá a ter em termos de exercício de poderes por parte do Estado costeiro, com particular destaque para a exploração de recursos naturais vivos e não vivos. Nestes termos, a resolução de conflitos internacionais pode ser feita por negociação entre as partes ou em resultado da intervenção de terceiros. A Convenção regula a matéria na sua Parte XV, sendo o recurso à arbitragem a solução supletiva, caso as duas (ou mais) partes envolvidas no conflito não tenham aceitado a jurisdição 17 Nesse sentido, a posição adoptada em A internacionalização, cit., p. 431, ao defender que nas situações em que a recusa seja justificada, ou em que seja manifestamente impossível chegar a um acordo, os Estados devem abster-se de desenvolver qualquer actividade relativamente ao aproveitamento do depósito conjunto. Caso contrário, mesmo que exista um recurso natural partilhado, estarão a ser violados os direitos soberanos do Estado costeiro ao aproveitamento da sua plataforma continental. 18 Sobre a questão dos ajustes provisórios de carácter prático, ver para mais desenvolvimentos, o nosso A internacionalização., cit., pp. 408-434. III Congresso Internacional do Mar 125

Fernando Loureiro Bastos do Tribunal Internacional do Direito do Mar 19. A jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça é particularmente relevante nesta matéria e demonstra que, em algumas situações, não é possível encontrar uma solução que agrade plenamente às partes envolvidas, pelo que o recurso à via jurisdicional só deverá ter lugar quando estejam esgotadas todas as possibilidades de chegar a uma solução por via negocial. 9. As fronteiras marítimas de Portugal, de Espanha, da França, do Reino Unido e da Irlanda Um repositório dos compromissos internacionais concluídos por Portugal, Espanha, França, Reino Unido e Irlanda em matéria de delimitação marítima pode ser encontrado no sítio das Nações Unidas 20, como Maritime Space: Maritime Zones and Maritime Delimitation (actualizado a 16 de Fevereiro de 2011). Uma apreciação destes compromissos internacionais bilaterais mostra a complexidade das situações e a dificuldade em alcançar acordos concretos que satisfaçam adequadamente os interesses dos Estados envolvidos. No seu âmbito, e restringindo apenas a panorâmica ao espaço europeu dos Estados em causa, é possível ter acesso ao texto de compromissos internacionais concluídos entre: i) Portugal e a Espanha; ii) entre a Espanha e Portugal e entre Espanha e a França; iii) entre a França e a Bélgica, entre a França e Itália, entre a França e o Mónaco, entre a França e a Espanha e entre a França e o Reino Unido; iv) entre a Irlanda e o Reino Unido; e v) entre o Reino Unido e a Bélgica, entre o Reino Unido e a Dinamarca, entre o Reino Unido e a França, entre o Reino Unido e a Alemanha, entre o Reino Unido e a Irlanda, entre o Reino Unido e a Holanda e entre o Reino Unido e a Noruega. Deve ser sublinhada a existência de uma submissão conjunta apresentada pela França, Irlanda, Espanha e Reino Unido à Comissão de Limites da Plataforma Continental, a 19 de Maio de 2006, relativamente à extensão da plataforma continental além das 200 milhas marítimas no Mar Céltico e na Baía da Biscaia. Nesta ocasião a delimitação das fronteiras marítimas entre Portugal e a Espanha é uma questão em aberto, tendo em consideração que não entraram em vigor os compromissos internacionais sobre a delimitação do mar territorial e a zona contígua, por um lado, e a plataforma continental, por outro, que tinham sido celebrados a 12 de Fevereiro de 1976. A questão tem suscitado alguma polémica a propósito do traçado de uma zona económica exclusiva em redor das Ilhas Selvagens, em razão da divergência entre Portugal e Espanha a propósito da sua qualificação como ilhas ou como rochedos 21. 19 Sobre a questão, ver para mais desenvolvimentos, o nosso A internacionalização, cit., pp. 209-225. 20 A lista Maritime Space: Maritime Zones and Maritime Delimitation, actualizada a 16 de Fevereiro de 2011, pode ser encontrada em www.un.org/depts/los/legislationandtreaties/index.htm. 21 Sobre a questão da resolução do conflito, ver a nota que publicámos sobre a matéria, em Novembro de 2013, na Revista Advocatus, Ano IV, nº 44, p. 18, com o título Como resolver o diferendo sobre 126 III Congresso Internacional do Mar

A definição de águas marinhas na Directiva-Quadro «Estratégia Marinha»: uma... 10. O caso específico das áreas marinhas protegidas fora do espaço submetido à soberania e jurisdição do Estado português A concluir esta apresentação importa referir que, apesar da evolução registada nas últimas décadas ao nível do Direito Internacional do Ambiente, continua a não existir uma coincidência entre os conceitos de natureza espacial previstos na Convenção e os conceitos de natureza ambiental que se foram consolidando depois da assinatura e da entrada em vigor da Convenção. A questão é particularmente relevante para o enquadramento jurídicointernacional das Áreas Marinhas Protegidas que foram sendo criadas desde 2005 na Região Autónoma dos Açores. Com efeito, embora fundadas no regime jurídico da OSPAR, o campo hidrotermal Rainbow, os montes submarinos Josephine, Altair, Antialtair e a área do Mid-Atlantic Ridge North of the Azores encontramse actualmente fora da área submetida à jurisdição nacional portuguesa. Embora resulte de um regime jurídico-internacional regional, com os problemas que podem ser suscitados pelos efeitos em relação a terceiros Estados não partes 22, na medida em que abrange apenas quinze Estados, a utilização da Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Noroeste como fundamento jurídico para a sua regulamentação não parece ter suscitado protestos relevantes por parte de terceiros Estados 23. 11. Conclusões A terminar três breves conclusões: (i) o enquadramento jurídico-internacional dos espaços marítimos está previsto no Direito Internacional, com destaque para a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar; (ii) a União Europeia e os seus Estados membros, como sujeitos de Direito Internacional, devem respeitar as obrigações internacionais assumidas, não obstante a autonomia da ordem jurídica da União Europeia, estando obrigados a conformar a sua actuação nos espaços marítimos ao que se encontra previsto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar; as Selvagens?. 22 Sobre a questão dos efeitos em relação a terceiros, em particular no espaço marinho, ver para maiores desenvolvimentos, o nosso A internacionalização, cit., pp. 752-829. 23 Sobre a questão, em termos actualizados, ver Marta Chantal RIBEIRO, Marine protected areas: the case of the extended continental shelf, in Marta Chantal Ribeiro (Coordenação), 30 anos da assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Protecção do Ambiente e o Futuro do Direito Mar, Coimbra Editora, 2014, que conclui, p. 207, que [b]oth for areas under national jurisdiction and for areas beyond national jurisdiction, only a revolutionary change of the current legal paradigma will ensure the achievement of the objectives set for the marine protected areas and, consequently, will ensure a happier prospect for the health of the oceans and, ultimately, for the health of the Earth and the sake of mankind. III Congresso Internacional do Mar 127

Fernando Loureiro Bastos (iii) o enquadramento jurídico-internacional dos espaços marítimos não é equivalente às zonas marítimas que poderiam resultar de uma abordagem primacialmente ecossistémica e, sendo essa uma evolução possível, como o demonstram as áreas marinhas protegidas, importa salientar que essa evolução só terá lugar no paradigma actual do Direito Internacional de acordo com a vontade dos Estados, na medida em que estes continuam a ser os donos do direito internacional. Lisboa, Julho de 2014 128 III Congresso Internacional do Mar