ESTADO DE HUMOR E PERIODIZAÇÃO DE TREINAMENTO: UM ESTUDO COM ATLETAS FUNDISTAS DE ALTO RENDIMENTO

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DOI: 10.4025/reveducfis.v21i4.10454 ARTIGOS ORIGINAIS ESTADO DE HUMOR E PERIODIZAÇÃO DE TREINAMENTO: UM ESTUDO COM ATLETAS FUNDISTAS DE ALTO RENDIMENTO MOOD STATES AND TRAINING PROGRAM: A STUDY WITH HIGH PERFORMANCE DEEP RUNNERS ATHLETES Lenamar Fiorese Vieira Josimar Silva de Oliveira ** Patrícia Aparecida Gaion *** Humberto Garcia de Oliveira **** Priscila Garcia Marques da Rocha **** José Luiz Lopes Vieira * RESUMO Existe uma lacuna na literatura sobre estudos longitudinais que avaliem o estado de humor de atletas ao longo da periodização de treinamento. O objetivo do estudo foi analisar o estado de humor em relação à periodização do treinamento de corredores fundistas de alto rendimento. Sete atletas fundistas (idade: 25,57 ± 4,61 anos; idade de início no atletismo: 17,57 ± 3,41 anos; tempo de prática do atletismo: 8,00 ± 3,00 anos), do sexo masculino, responderam ao questionário POMS durante três períodos de treinamento (pré-competitivo, competitivo e de transição), totalizando doze semanas. Foram utilizados para análise dos dados o teste Shapiro Wilk e o teste de Kruskal-Wallis, adotando-se p<0,05. Verificou-se que os atletas apresentaram um perfil iceberg durante toda a periodização e não foram observadas diferenças significativas entre os períodos de treinamento para nenhuma das dimensões do estado de humor. Esses resultados indicam que os atletas mantiveram estabilidade emocional independentemente dos períodos de treinamento analisados. Palavras-chave: Emoções. Esportes. Atletas. INTRODUÇÃO Humor pode ser definido como um estado emocional ou afetivo de duração variável que transita entre dois polos extremos, um eufórico e um apático, modificando-se de acordo com as circunstâncias encontradas no ambiente. É considerado o tônus afetivo do indivíduo, pois modifica a forma de percepção das experiências reais, ampliando ou reduzindo o impacto destas (DALGALARRONDO, 2000; GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; WEINBERG; GOULD, 2001). No esporte, diversos estudos têm destacado a importante relação entre o estado de humor e o desempenho de atletas de diferentes modalidades esportivas, seja por meio da comparação dos perfis de atletas vencedores e perdedores (COVASSIN; PERO, 2004), seja mediante a utilização do estado de humor como marcador psicológico de adaptação ao treinamento (MARTIN; ANDERSEN; GATES, 2000; LEMYRE; TREASURE; ROBERTS, 2006; ROHLFS et al., 2004). Durante muitos anos, o principal modelo de estado de humor utilizado para predizer o ** *** **** **** Professor(a) Doutor(a) do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá. Graduado em Educação Física. Professora Mestre do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá. Professor Mestre do Curso de Educação Física do Centro Universitário de Maringá. Professora Mestre do Curso de Educação Física da Faculdade Ingá.

586 Vieira et al. sucesso no esporte foi o denominado perfil iceberg ou perfil do campeão (MORGAN,1980), segundo o qual atletas vencedores apresentam escores acima da média para vigor e níveis abaixo da média para confusão, depressão, fadiga, tensão e raiva. Mais recentemente têm-se enfatizado as variações individuais no estado de humor (LANE; CHAPPBELL, 2001), indicando que alguns atletas podem perceber de forma positiva certas dimensões do humor tidas anteriormente como negativas. Lane (2001) sugere que a dimensão mais importante do humor é a depressão, tendo em vista sua natureza desmotivante e consequente influência negativa sobre as outras dimensões do humor. Observouse que a raiva, quando experienciada conjuntamente com a depressão, é tida como um fator negativo para o desempenho, enquanto em atletas que não apresentam humor depressivo a raiva pode ser um elemento motivador. Com relação à periodização do treinamento, sabe-se que atletas de esportes de resistência, como, por exemplo, corredores fundistas, passam por intensos períodos de treinamento para alcançar todo o seu potencial atlético (COUTTS; WALLACE; SLATERRY, 2007), por isso alterações no estado de humor, sobretudo na relação entre vigor, fadiga e depressão, podem servir como indicador de adaptação do atleta às cargas de treinamento. Reduções no vigor e aumentos na fadiga podem ser respostas normais a treinamentos árduos, porém essa situação ocorrer com aumento na depressão pode ser um indicativo de resposta de má adaptação às cargas de treinamento (LANE et al., 2004). A maior parte das pesquisas que investigaram o impacto das alterações das cargas de treinamento no estado de humor de atletas encontrou uma relação dosedependente, em que distúrbios no humor aumentaram proporcionalmente aos aumentos nas cargas de treinamento, ao passo que reduções nas cargas de treinamento foram acompanhadas por melhoras no estado de humor (JURIMÄE et al., 2004; BOUGET et al., 2006); porém esses estudos foram realizados em um único e curto período de aumento das cargas de treinamento, e não ao longo de toda a periodização. Ademais, levando-se em consideração que muitos fatores alheios às cargas de treinamento - como, por exemplo, as experiências passadas, a percepção da situação, a forma de lidar com as expectativas e pressões ambientais - podem afetar o estado de humor, seria interessante conhecer como se comporta o estado de humor de atletas ao longo da periodização, independentemente do efeito agudo das cargas de treinamento. Por isso, o objetivo do estudo foi analisar o estado de humor em relação à periodização do treinamento de corredores fundistas de alto rendimento, realizando as avaliações do estado de humor antes do início das sessões de treinamento. Sujeitos MÉTODOS Participaram do estudo todos os atletas fundistas de alto rendimento (n = 7), do sexo masculino que estavam treinando em Maringá para campeonatos nacionais e internacionais (idade: 25,57 ± 4,61 anos; idade de início no atletismo: 17,57 ± 3,41 anos; tempo de prática do atletismo: 8,00 ± 3,00 anos). Como critério para o atleta ser considerado de alto rendimento adotou-se a participação em pelo menos uma competição de nível nacional na qual fosse necessária um índice mínimo para participação. O Quadro 1 apresenta o perfil geral dos atletas. Sujeitos Idade (n = 7) (anos) Idade de início no Atletismo (anos) Tempo de prática em atletismo (anos) Melhor resultado alcançado S1 32 19 13 Campeão pan-americano S2 30 19 11 Campeão sul-americano S3 29 24 5 Campeão estadual S4 23 15 8 5º lugar Troféu Brasil S5 23 16 7 Campeão estadual S6 21 16 5 4º lugar Troféu Brasil S7 21 14 7 Campeão brasileiro Quadro 1 - Perfil geral dos corredores fundistas de alto rendimento (n = 7)

Estado de humor e periodização de treinamento: um estudo com atletas fundistas de alto rendimento 587 Os atletas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e o estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP) da universidade onde foi realizado o estudo (n.º protocolo: 175/2007). Perfil do estado de humor O perfil do estado de humor foi avaliado através do questionário POMS Profile of Mood States (MCNAIR; LORR; DROPPLEMAN, 1992), validado para a língua portuguesa por Pelluso (2003). Esse questionário se constitui de 65 adjetivos utilizados para avaliar seis dimensões do humor: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão. Para cada adjetivo o sujeito deve atribuir um número correspondente a uma escala do tipo Likert, que vai de zero (de jeito nenhum) a quatro (extremamente), referente ao seu estado de humor naquele momento. O questionário foi administrado duas vezes em cada fase da periodização (período pré-competitivo, período competitivo e período de transição), em dias aleatórios, com intervalo entre 15 e 30 dias, sempre antes do início da sessão de treinamento diária. A consistência interna do instrumento foi medida por meio do coeficiente alfa de Cronbach e o valor encontrado foi de 0,85, o que corresponde a uma boa confiabilidade do instrumento (PESTANA; GAGUEIRO, 2005). Periodização do treinamento Optou-se por coletar os dados no segundo semestre do ano, por ser o período em que se concentravam as principais competições dos atletas. Assim, não foram coletados dados do período preparatório, e sim, dos períodos pré-competitivo, competitivo e de transição, num total de doze semanas. Os dados referentes à periodização dos atletas foram fornecidos pelo técnico. O Quadro 2 apresenta os dados referentes ao volume e intensidade da periodização do treinamento dos atletas. Período Volume semanal (km) Volume semanal (sessões de treino) Intensidade relativa Pré-competitivo 150 60 8-10 85% - 95% Competitivo 130 40 8-10 85% a 100% De Transição 60 3-5 < 50% Quadro 2 - Periodização do treinamento de corredores fundistas de alto rendimento. O período pré-competitivo foi composto por treinamentos e competições que objetivavam o aperfeiçoamento da forma esportiva dos atletas, com exercícios de força específica, resistência específica, velocidade específica, flexibilidade e técnica específica. Já o período competitivo foi caracterizado por uma diminuição no volume e aumento na intensidade (em relação ao período pré-competitivo), visando a preparar o atleta para a competição principal. No período de transição ocorreu uma redução progressiva tanto de volume quanto de intensidade, objetivando proporcionar aos atletas uma recuperação ativa. Análise estatística Para verificar a normalidade dos dados, utilizou-se o teste Shapiro Wilk. Verificada a necessidade da estatística não paramétrica, aplicou-se o teste Kruskal-Wallis para comparação das dimensões do estado de humor entre os períodos de treinamento, adotando-se p<0,05. RESULTADOS Os valores médios das dimensões do estado de humor de acordo com o período de treinamento estão representados graficamente no Gráfico 1. Observou-se que os atletas apresentaram um perfil iceberg em todos os períodos de treinamento analisados.

588 Vieira et al. 80 70 60 Escore T 50 40 30 20 10 P. Pré-competitivo P. Competitivo P. Transição 0 Tensão Depressão Raiva Vigor Fadiga Confusão Gráfico 1 - Perfil do estado de humor durante os períodos de treinamento de corredores fundistas de alto rendimento (n = 7). A Tabela 1 apresenta o resultado da comparação das dimensões do estado de humor entre os períodos de treinamento. Não foram observadas diferenças significativas (p<0,05) entre os períodos de treinamento para nenhuma das dimensões do estado de humor. Tabela 1 - Comparação das dimensões do estado de humor entre os períodos de treinamento de corredores fundistas de alto rendimento (n = 7) Períodos Humor Pré-competitivo Competitivo de transição p Tensão 39,33 ± 9,22 36,14 ± 4,45 37,57 ± 5,38 0,957 Depressão 41,00 ± 4,60 38,00 ± 1,52 37,85 ± 1,06 0,084 Raiva 46,00 ± 11,66 40,85 ± 4,94 40,71 ± 2,98 0,717 Vigor 67,16 ± 4,49 60,71 ± 11,14 63,85 ± 7,96 0,154 Fadiga 39,00 ± 8,19 37,85 ± 5,36 38,38 ± 4,78 0,867 Confusão 33,00 ± 5,62 30,41 ± 0,78 30,57 ± 0,78 0,819 DISCUSSÃO Este estudo baseou-se na hipótese de que os períodos intensificados de treinamento pelos quais passam os atletas para alcançar todo o seu potencial atlético poderiam afetar de forma significativa seu estado de humor ao longo da periodização do treinamento. Esta hipótese foi fundamentada, sobretudo, em estudos que verificaram o efeito de alterações nas cargas de treinamento durante poucos dias em variáveis psicológicas como estresse e estado de humor e encontraram uma relação na qual os aumentos nas cargas de treinamento aumentavam também os distúrbios de humor, enquanto diminuições nas cargas de treinamento melhoravam o estado de humor (MARTIN; ANDERSEN; GATES, 2000; RAGLIN, 2000). Cumpre observar que no presente estudo não houve diferenças significativas nas dimensões do humor nos três períodos analisados (pré-competitivo, competitivo e de transição). Esta diferença entre os estudos pode deverse à duração do período analisado, porquanto esses estudos tiveram duração de poucos dias (JURIMÄE et al., 2004; BOUGET et al., 2006) a algumas semanas (MARTIN; ANDERSEN; GATES, 2000) e seu principal objetivo era verificar o efeito de períodos intensos de treinamento em variáveis psicológicas dos atletas. Como o presente estudo analisou o estado de humor de atletas durante doze

Estado de humor e periodização de treinamento: um estudo com atletas fundistas de alto rendimento 589 semanas, foi possível acompanhar alterações mais longas nas cargas de treinamento. O fato de esses atletas não terem apresentado diferenças significativas no estado de humor ao longo da periodização de treinamento demonstra que, apesar de passarem por períodos de intenso treinamento, conseguiram se recuperar e manter uma boa estabilidade no estado de humor. É possível que tanto as cargas de treinamento quanto outras variáveis como, por exemplo, competições, podem apresentar um efeito mais agudo no estado de humor dos atletas de alto rendimento, permitindo-lhes recuperar-se mais facilmente e manter um bom estado de humor ao longo dos períodos de treinamento. Essa afirmação ganha suporte no estudo de Vieira et al. (2008), que analisou o estado de humor de atletas de voleibol de ambos os gêneros durante dezesseis semanas. Observou-se que a equipe masculina apresentou um aumento significativo de fadiga da fase de treino para a fase final de competições; no entanto, assim como os atletas do presente estudo, os jogadores de voleibol apresentaram um perfil iceberg nas diferentes fases analisadas (fases de treino, classificatória, semifinal e final). O fato de a amostra ser composta de corredores de alto rendimento e ser do sexo masculino pode ter contribuído para essa maior estabilidade do estado de humor ao longo dos períodos de treinamento. Sabe-se que atletas mais experientes apresentam menores índices de distúrbio de humor do que atletas mais jovens (GOSS, 1994) e que o sexo masculino, por não estar sujeito às alterações referentes ao ciclo menstrual, é menos susceptível a variações no estado de humor (ANDRADE; VIANA; SILVEIRA, 2006). Além de manterem estabilidade no estado de humor, foi interessante notar que os atletas apresentaram um perfil iceberg durante os três períodos de treinamento analisados (Gráfico 1), indicando que, independentemente do período de treinamento, as dimensões do humor tidas como negativas (tensão, confusão, raiva, fadiga e depressão) mantiveram-se abaixo do escore 50 e a dimensão positiva do humor (vigor) manteve-se acima. Assim, parece que atletas de alto rendimento (como os corredores fundistas desta amostra) podem manter esse perfil de estado de humor não só antes da competição (COVASSIN; PERO, 2004), mas também durante os diferentes períodos de treinamento. Alguns estudos, não obstante, têm encontrado que dimensões do humor tidas como negativas, como a raiva, podem ser interpretadas por alguns atletas (na ausência da dimensão depressão) como elemento motivador. Lane (2001) verificou em uma amostra de corredores com humor não depressivo que a raiva se correlacionou positivamente com preparação percebida para a corrida. No presente estudo, embora os atletas tenham apresentando escores inferiores a 50 para a dimensão depressão, não foram observadas diferenças significativas na dimensão raiva (Tabela 1), sugerindo que um aumento na raiva tido como elemento motivador possa estar relacionado ao estado de preparação para a competição. O perfil iceberg apresentado pelos atletas durante os períodos de treinamento também sugere uma boa adaptação às cargas de treinamento pelas quais estavam passando, uma vez que, além de manterem o vigor alto, apresentaram valores mais baixos e estáveis de depressão e fadiga (Gráfico 1), características que têm sido associadas a uma boa adaptação às cargas de treinamento (LANE et al., 2004). O presente estudo, embora tenha sido um dos poucos que avaliaram o estado de humor ao longo da periodização de treinamento de atletas de alto rendimento, apresentou como limitação não ter avaliado o período preparatório. Sugerese que novos estudos longitudinais sejam realizados a fim de verificar se existem alterações no estado de humor ao longo de toda a periodização do treinamento. Além disso, uma vez que este estudo avaliou apenas atletas fundistas do sexo masculino, seria interessante que novos estudos verificassem se atletas do sexo feminino também apresentam essa estabilidade no humor ao longo da periodização do treinamento. CONCLUSÃO A conclusão a que se chegou é que os atletas, além de não apresentarem diferenças significativas nas dimensões do humor durante os períodos de treinamento, mantiveram um

590 Vieira et al. perfil iceberg durante toda a periodização analisada, sugerindo que os atletas, embora tenham passado por períodos intensos de treinamento, conseguiram se recuperar e manter uma boa estabilidade no estado de humor. MOOD STATES AND TRAINING PROGRAM: A STUDY WITH HIGH PERFORMANCE DEEP RUNNERS ATHLETES ABSTRACT Nowadays literature shows a gap when involving long-term studies that evaluate impact of training program over athlete s mood states. This study s objective was to analyze mood states in relation to the training program from high performance deep runners. Seven male deep runner athletes (age: 25.57 ± 4.61 years; beginning age in the athletic sport: 17.54 ± 3.41 years; practice time: 8.00 ± 3.00 years), answered to the POMS questionnaire during three training periods (pre competitive, competitive and transition), totalizing 12 weeks. Data analysis was performed by the Shapiro Wilk test and the Kruskal- Wallis test, adopting p<0,05. It was verified that the athletes presented an iceberg profile during the entire training program and none significant differences between the training periods for no mood state dimensions. These results indicate that the athletes maintained their emotional stability independently of the analyzed training periods. Keywords: Emotions. Sports. Athletes. REFERÊNCIAS ANDRADE, L. H. S. G.; VIANA, M. C.; SILVEIRA, C. M. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 33, no. 2, p. 43-54, 2006. BOUGET, M. et al. Relationships among training stress, mood and dehydroepiandrosterone sulphate/cortisol ratio in female cyclists. Journal of Sport Behavior, Mobile, v. 24, no. 12, p. 1297-1302, 2006. COUTTS, A. J.; WALLACE, L. K.; SLATERRY, K. M. Monitoring changes in performance, physiology, biochemistry, and psychology during overreaching and recovery in triathletes. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 28, no. 2, p. 125-134, 2007. COVASSIN, T.; PERO, S. The relationship between self-confidence, mood state, and anxiety among collegiate tennis players. Journal of Sport Behavior, Mobile, v. 27, no. 3, p. 230-242, 2004. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000. GAZZANIGA, M. S.; HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005. GOSS, J. Hardliness and mood disturbances in swimmers while overtraining. Journal of Sport and Exercise Psychology, Tallahassee, v. 16, no. 2, p. 135-149, 1994. JURIMÄE, J. et al. Changes in stress and recovery after heavy training in rowers. Journal of Science and Medicine in Sport, Belconnen, v. 7, no. 3, p. 334-339, 2004. LANE, A. M. et al. Mood responses to athletic performance in extreme environments. Journal of Sports Sciences, London, v. 22, no. 10, p. 886-897, 2004. LANE, A. M. Relationships between perceptions of performance expectations and mood among distance runners: the moderating effect of depressed mood. Journal of Science and Medicine in Sport, Belconnen, v. 4, no. 1, p. 116-128, 2001. LANE, A. M.; CHAPPBELL, R. C. Mood and performance relationships among players at the world student games basketball competition. Journal of Sport Behavior, Mobile, v. 24, no. 2, p. 182-196, 2001. LEMYRE, P. N.; TREASURE, D. C.; ROBERTS, G. C. Influence of variability in motivation and affect on elite athlete burnout susceptibility. Journal of Sport and Exercise Psychology, Tallahassee, v. 28, no. 1, p. 32-48, 2006. MARTIN, D. T.; ANDERSEN, M. B.; GATES, W. Using profile of mood states (POMS) to monitor highintensity training in cyclists: group versus case studies. The Sport Psychologist, Sheffield, v. 14, no. 2, p. 138-156, 2000. MCNAIR, D. M.; LORR, M.; DROPPLEMAN, L. F. Revised manual for the profile of Mood States. San Diego: Educational and Industrial Testing Service, 1992. MORGAN, W. P. Test of champions: the iceberg profile. Psychology Today, New York, v. 14, no. 4, p. 92-108, 1980. PELLUSO, M. A. Alterações de humor associadas a atividade física intensa. 2003. Tese (Doutorado em Medicina)-Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. PESTANA, M. H.; GAGUEIRO, J. N. Análise de dados para ciências sociais. 4. ed. Lisboa: Síbalo, 2005. RAGLIN, J. et al. Training practices and staleness in 13-18- year-old swimmers: a cross-cultural study. Pediatric Exercise Science, Springfield, v. 12, no. 1, p. 61-70, 2000. ROHLFS, I. C. P. M. et al. Aplicação de instrumentos de avaliação de estado de humor na detecção da síndrome do excesso de treinamento. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 111-116, 2004. VIEIRA, L. F. et al. Estado de humor e desempenho esportivo: um estudo com atletas de voleibol de alto rendimento. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 62-68, 2008.

Estado de humor e periodização de treinamento: um estudo com atletas fundistas de alto rendimento 591 WEINBERG, R. S.; GOULD, D. Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. Recebido em 19/02/10 Revisado em 20/07/10 Aceito em 24/08/10 Endereço para correspondência: Lenamar Fiorese Vieira. Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Educação Física. Av. Colombo, 5.790, Campus Universitário, CEP 87020-900, Maringá-PR, Brasil. E-mail: lfvieira@uem.br