A REALIZAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL: COMPARANDO VARIEDADES DO ESPANHOL SILVA, Humberto Soares da (UFRJ)

Documentos relacionados
A REALIZAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL DE REFERÊNCIA ARBITRÁRIA NA COMUNIDADE LINGUÍSTICA DE VITÓRIA DA CONQUISTA *

Aobservação do comportamento das línguas românicas

A AQUISIÇÃO DE SUJEITO NULO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO (PB): UM ESTUDO COMPARATIVO 1

A ORDEM DE AQUISIÇÃO DOS PRONOMES SUJEITO E OBJETO: UM ESTUDO COMPARATIVO 10

ANÁLISE DIACRÔNICA DA ORDEM V-DP/DP-V COM VERBOS INACUSATIVOS NO PORTUGUÊS EUROPEU

Juliana Esposito MARINS * Humberto SOARES DA SILVA **

IX SEMINÁRIO DE PESQUISA E ESTUDOS LINGUÍSTICOS 21 e 22 de setembro de 2017

Sobre a concordância verbal em sentenças inacusativas do português brasileiro

DOMÍNIOS DE Revista Eletrônica de Lingüística Ano 1, nº1 1º Semestre de 2007 ISSN

Mayara Nicolau de Paula 1 Elyne Giselle de Santana Lima Aguiar Vitório 2

O OBJETO DIRETO ANAFÓRICO E SUAS MÚLTIPLAS REALIZAÇÕES NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

AQUISIÇÃO DE CLÍTICOS E ESCOLARIZAÇÃO

Sujeito Nulo no Português Brasileiro: Elementos Para Sua Análise a Partir de Situações Experimentais

Cantáramos ou cantásemos - Os usos de -ra e -se no espanhol caribenho

a) houve uma mudança na direção de cliticização do PB (NUNES, 1996); b) os pronomes retos estão sendo aceitos em função acusativa;

A ordem VS/SV em interrogativas-q: um estudo diacrônico em peças teatrais brasileiras e portuguesas

EVIDÊNCIAS DA MUDANÇA PARAMÉTRICA EM DADOS DA LÍNGUA-E: O SUJEITO PRONOMINAL NO PORTUGUÊS E NO ESPANHOL

Carla Mota Regis de Carvalho (UFF) Introdução

A VARIAÇÃO NÓS/ A GENTE NO PORTUGUÊS FALADO DE FEIRA DE SANTANA: COMPARAÇÃO ENTRE FALARES DO PB

A VARIAÇÃO NA REALIZAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL NO PORTUGUÊS POPULAR DO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS BAHIA

O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO:

Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Sintaxe do Português I Maria Clara Paixão de Sousa

VARIAÇÃO PRONOMINAL EM CONCÓRDIA SC. Lucelene T. FRANCESCHINI Universidade Federal do Paraná

A REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL NO GRUPO ROMÂNICO: ESPANHOL E ITALIANO EM CONTRASTE COM O PORTUGUÊS

LECCION 1 DE PORTUGUES. eu e tu / eu e vocé

A EXPRESSÃO DO SUJEITO NULO EM REDAÇÕES DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

PRONOMES E CATEGORIAS VAZIAS EM PORTUGUÊS E NAS LÍNGUAS ROMÂNICAS, UMA CONVERSA COM SONIA CYRINO

A ELISÃO DA VOGAL /o/ EM FLORIANÓPOLIS-SC RESULTADOS PRELIMINARES

UFAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DE PESQUISA

Área Temática 11 Linguística Histórica

ESTARÁ O PORTUGUÊS BRASILEIRO DEIXANDO DE SER LÍNGUA DE SUJEITO-PREDICADO? *

AS CONSTRUÇÕES DE DESLOCAMENTO À ESQUERDA NO PB: EVIDÊNCIAS DE ORIENTAÇÃO PARA O DISCURSO Mayara Nicolau de Paula (UFRJ)

As construções de deslocamento à esquerda de sujeito nas falas culta e popular: um estudo de tendência 1

A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NO PORTUGUÊS POPULAR DA COMUNIDADE RURAL DE RIO DAS RÃS - BA

O SUJEITO EM PEÇAS DE TEATRO: ( ) ESTUDOS DIACRÔNICOS RESENHA

A REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL NA FALA DE NATAL: evidências de um processo de mudança?

ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO VARIÁVEL DOS SUJEITOS PRONOMINAIS EU E NÓS EM BLOGS BAIANOS

EL ACENTO DIACRÍTICO

SUJEITOS DESLOCADOS À ESQUERDA E MUDANÇA PARAMÉTRICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

1 Introdução. atrasos e/ou desordens no processo de aquisição da gramática em ausência de qualquer comprometimento de outra natureza.

Ocorrências e referências de la gente em língua hispânica

Is he a book? Animacy restrictions of the overt pronoun in European Portuguese

A ordem VS em sentenças com verbos não inacusativos em peças cariocas: um estudo diacrônico

Variação em Sujeitos de Referência Estendida na Fala Carioca

A FLEXÃO PORTUGUESA: ELEMENTOS QUE DESMISTIFICAM O CONCEITO DE QUE FLEXÃO E CONCORDÂNCIA SÃO CATEGORIAS SINTÁTICAS DEPENDENTES 27

XXX ENAPL Porto, 22 a 24 de Outubro de Sara Morgado*, CLUNL João Costa, CLUNL Paula Luegi, CLUL

Reflexões sobre a Redução eles > es e a Simplificação do Paradigma Flexional do Português Brasileiro

ELEMENTOS DÊITICOS EM NARRATIVAS EM LIBRAS 43

Curso: Letras Português/Espanhol. Disciplina: Linguística. Docente: Profa. Me. Viviane G. de Deus

OS PRONOMES PESSOAIS-SUJEITO NO PORTUGUÊS DO BRASIL: NÓS E A GENTE SEGUNDO OS DADOS DO PROJETO ATLAS LINGÜÍSTICO DO BRASIL

Avaliar o comportamento das crianças DEL no que concerne ao valor dado à informação de pessoa em Dmax e no afixo verbal;

O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO:

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE ESPANHOL

TÍTULO DA PESQUISA: O ir e vir das preposições - um estudo diacrônico dos complementos dos verbos ir e vir no português mineiro de Uberaba.

A SELEÇÃO ARGUMENTAL NA AQUISIÇÃO DE PORTUGUÊS ESCRITO POR SURDOS

OS CLÍTICOS, PRONOMES LEXICAIS E OBJETOS NULOS NAS TRÊS CAPITAIS DO SUL.

Wanderley SUEIRO (Universidade Estadual de Londrina)

A AQUISIÇÃO DO NOME NU SINGULAR E DO NOME DEFINIDO NA POSIÇÃO PÓS-VERBAL NO PB

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Efeitos de animacidade do antecedente na interpretação de pronomes sujeito

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE ESPANHOL

VARIAÇÃO NÓS E A GENTE NA FALA CULTA DA CIDADE DE MACEIÓ/AL

LHEÍSMO NO PORTUGÛES BRASILEIRO: EXAMINANDO O PORTUGÛES FALADO EM FEIRA DE SANTANA Deyse Edberg 1 ; Norma Lucia Almeida 2

MOVIMENTO OU DEPENDÊNCIAS DESCONTÍNUAS: UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA SOBRE ABORDAGENS DE INTERROGATIVAS-QU NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

IV Seminário de Iniciação Científica

1 Introdução. (1) a. A placa dos automóveis está amassada. b. O álbum das fotos ficou rasgado.

Interrogativas no Português Brasileiro e no Português Europeu e o Parâmetro do Sujeito Nulo: contribuições do corpus Mafalda *

REALIZAÇÕES DAS VOGAIS MÉDIAS ABERTAS NO DIALETO DE VITÓRIA DA CONQUISTA BA

SILVA, Maria Cristina Figueiredo. A Posição Sujeito no Portu guês Brasileiro: frases finitas e infinitivas. Campinas, Edito

O PRONOME COMPLEMENTO NO LIVRO DIDÁTICO NUEVO VEN

ESTRUTURAS COM TER E HAVER EM TEXTOS JORNALÍSTICOS: DO SÉCULO XIX AO XX.

CATEGORIAS LEXICAIS EM LIBRAS

Não foram indicadas as obras desses autores nas Referências Bibliográficas, assim como de diversos outros referidos no corpo do artigo.

A Focalização do Sujeito e a Inversão Livre no Português Brasileiro

A referencialidade do sujeito como condicionamento semântico para a ocorrência do sujeito nulo na comunidade lingüística de Vitória da Conquista-BA

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

Apresentação Conceitos básicos Gramática, variação e normas Saberes gramaticais na escola... 31

ARÂMETRO EM MUDANÇA SUJEITO PREENCHIDO NA APRENDIZAGEM:

ELEMENTOS ANAFÓRICOS NA COORDENAÇÃO 1

NOTAS SOBRE CONSTRUÇÕES DE INDETERMINAÇÃO NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Recursos para Estudo / Atividades

pág Anais do XVI CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012.

LISTA DE EXERCÍCIOS 3º ANO

Apresentação 11 Lista de abreviações 13. Parte I: NATUREZA, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM

Linguística O Gerativismo de Chomsky

Entrevista com Sonia Cyrino

OS PRONOMES PESSOAIS ÁTONOS NA INTERLÍNGUA ORAL DOS APRENDIZES BRASILEIROS DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Jéssica da Silva Bezerra 09/

Variação linguística e ensino de Língua Portuguesa: aspectos inovadores na escrita escolar

PRIMEIRO SEMESTRE DE 2017 DISCIPLINA: TIPOLOGIA LINGUÍSTICA. PROFA. DRA. MÔNICA VELOSO BORGES

DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

AQUISIÇÃO DAS RELATIVAS PADRÃO EM PB DURANTE A ESCOLARIZAÇÃO

ANÁLISE DE VARIEDADES DO PORTUGUÊS: A INTRODUÇÃO DE NOVAS FORMAS PRONOMINAIS NA IMPRENSA - SÉCULOS XIX e XX

O comportamento do parecer em peças teatrais portuguesas oitocentistas

1. Ele ficou cansado. 2. Ela ficou cansada. 3. Eles ficaram cansados. 4. Elas ficaram cansadas.

A representação dos sujeitos de referência estendida

O papel da Teoria Gramatical no ensino de línguas estrangeiras

UM ESTUDO VARIACIONISTA SOBRE O PREENCHIMENTO DA POSIÇÃO DO SUJEITO EM DADOS DE FALA

A posição dos clíticos na escrita de Missivistas Cultos no século XIX: um caso de competição de gramáticas

Transcrição:

A REALIZAÇÃO DO SUJEITO PRONOMINAL: COMPARANDO VARIEDADES DO ESPANHOL SILVA, Humberto Soares da (UFRJ) O objetivo deste trabalho é investigar a representação do sujeito pronominal de referência definida, comparativamente, em três variedades do espanhol: as falas cultas de Madri, Buenos Aires e San Juan (Porto Rico). A pesquisa se baseia numa associação entre a Teoria da Variação e Mudança (WEINHEICH, LABOV & HERZOG 1968) e o quadro teórico de Princípios e Parâmetros da Gramática Gerativa (CHOMSKY, 1981). Parte-se de pesquisas sobre o português europeu (PE) e o português brasileiro (PB) que seguem a mesma metodologia e baseiam-se nos mesmos pressupostos teóricos. Licenciamento e identificação do sujeito nulo Chomsky (1981) afirma que a referência de um pronome não expresso só poderia ser recuperada pelo morfema número-pessoal ligado ao verbo. Portanto, uma língua só teria sujeitos nulos se tivesse uma morfologia verbal rica (CHOMSKY 1981, p. 241). A morfologia do espanhol europeu (EE), que apresenta seis formas distintas para as seis pessoas gramaticais, como se pode ver na Tabela 1, exemplifica essa riqueza. Português europeu (Duarte 1995) Português brasileiro falo você fala ele fala nós falamos vocês falam eles falam eu falo tu/você fala ele fala nós falamos/a gente fala vocês fala(m) eles fala(m) Espanhol europeu Espanhol argentino Espanhol porto-riquenho (Cameron 1994) yo hablo tú hablas él habla nosotros hablamos vosotros habláis ellos hablan yo hablo vos hablás él habla nosotros hablamos ustedes hablan ellos hablan yo hablo tú habla(s) él habla nosotros hablamos ustedes habla(n) ellos habla(n) Tabela 1 Paradigmas flexionais de variedades do português e do espanhol Huang (1984) mostrou que línguas cujo verbo não apresenta nenhuma marca número-pessoal também têm sujeitos nulos. Então, Jaeggli & Sapir (1989) levantaram a hipótese de que sujeitos nulos seriam licenciados por um paradigma uniforme, que apresente distinção morfológica ou em todas as seis pessoas ou em nenhuma delas. Roberts (1993) acrescenta que, além de uma morfologia uniforme, um paradigma verbal também licencia e identifica sujeitos nulos se for funcionalmente rico. Um paradigma flexional mantém a riqueza funcional se tiver, no máximo, uma desinência < > e um sincretismo: uma mesma forma para apenas duas pessoas gramaticais. O paradigma do espanhol argentino (EA), apresentado na Tabela 1, é um exemplo da riqueza funcional apontada por Roberts. Sujeito nulo no português 1

O comportamento do PE em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo O paradigma flexional do PE tem dois sincretismos, como foi mostrado na Tabela 1. Pelas considerações de Roberts (1993), esse paradigma não exibiria riqueza funcional e, por isso, não deveria licenciar sujeitos nulos. Resultados de Duarte (1995), porém, mostram que o PE se comporta como uma língua de sujeito nulo, exibindo preferência pelo apagamento do pronome em todas as pessoas gramaticais: Representação do sujeito NULO PLENO TOTAL Pessoa gramatical e Ocorrências número % Ocorrências % Ocorrências % Primeira do singular 248 59% 173 41% 421 100% Primeira do plural 86 61% 54 39% 140 100% Segunda do singular 82 75% 28 25% 110 100% Segunda do plural 19 68% 9 32% 28 100% Terceira do singular 205 72% 80 28% 285 100% Terceira do plural 98 74% 34 26% 132 100% TOTAL GERAL 738 66% 378 34% 1116 100% Tabela 2 Expressão do sujeito pronominal segundo a pessoa e o número no PE Duarte (1995) conclui, com seu estudo, que a riqueza funcional proposta por Roberts (1993) ainda se mantém em paradigmas com até dois sincretismos. Assim, uma língua não tem riqueza funcional (e não licencia nem identifica sujeitos nulos) caso ultrapasse o limite de dois sincretismos ou caso haja alguma forma que sirva para mais de duas pessoas gramaticais. Essa é a posição aceita neste trabalho, e uma comparação com um estudo anterior sobre o PB (DUARTE 1993) ajuda a confirmar tal visão. A mudança paramétrica em curso no PB A mudança em progresso no PB, que está passando a se comportar, cada vez mais, como um língua de sujeito pleno, pode ser observada no Gráfico 1, elaborado para um trabalho de Duarte (1993) com dados de peças de teatro. Em 1845, 80% dos sujeitos não eram expressos; em 1992, os dados revelam que havia apenas 28% de sujeitos não expressos. A redução nas taxas de sujeitos nulos do gráfico, porém, não é uma constante: são estatisticamente significativas apenas as reduções de 75% a 54% (entre 1918 e 1937) e de 50% a 33% (entre 1955 e 1975). 80% 77% 75% 54% 50% 33% 28% 1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992 Gráfico 1 Sujeito nulo através de sete períodos A primeira grande redução na taxa de sujeitos nulos corresponde à mesma época 2

em que, nas peças analisadas, os pronomes tu e vós são abandonados e substituídos por você e vocês. Com o uso generalizado desses pronomes, o paradigma, que tinha uma riqueza formal, passou a ter dois sincretismos. Essa situação, segundo Duarte (1995), ainda mantém uma riqueza funcional capaz de licenciar e identificar sujeitos nulos, o que explica as taxas ainda altas de apagamento do sujeito até 1955. O último quartel do século XX, representado pelas duas últimas barras do Gráfico 1, corresponde à época em que o pronome a gente passa a concorrer com nós (LOPES 2003). O surgimento desse novo pronome fez o paradigma flexional do PB ultrapassar o limite de sincretismos estabelecido por Duarte (1995), como se pode ver na Tabela 1 (que também ilustra a variação na realização da desinência <-m>), e perder a riqueza funcional. Sendo assim, tal variedade do português perdeu a capacidade de licenciar e identificar sujeitos nulos e se aproximou das línguas de sujeito pleno. Metodologia de análise do espanhol e hipóteses Os dados foram coletados no Macrocorpus de la norma lingüística culta de las principales ciudades del mundo hispánico (PADILLA, Samper, CABRERA, Hernández & DÉNIZ, Troya 1995), de 12 entrevistas de cada uma das cidades analisadas (Madri, Buenos Aires e San Juan) para que a escassez de dados não comprometesse a análise da segunda pessoa e das sentenças interrogativas, foi incluída a fala dos entrevistadores. As ocorrências foram codificadas segundo variáveis lingüísticas e sociais e submetidas ao pacote de programas VARBRUL, para a obtenção de freqüências e pesos relativos. Nesta seção, serão apresentados os três grupos de fatores mais relevantes. As condições de referência A condição de referência é o grau de acessibilidade ao antecedente do pronome em análise. O antecedente pronominal é a última ocorrência de um elemento que o pronome em análise retoma. Os pronomes analisados (em negrito, nos exemplos) foram codificados de acordo com cinco padrões sentenciais i, como se vê na lista a seguir: Padrão A: o pronome em análise está numa oração encaixada e seu antecedente, com a mesma função de sujeito, na oração matriz correspondente (1) (cv) i No puedo juzgarla [porque en realidad (cv) i no conozco]. (BA-01) Padrão B: o antecedente está na oração imediatamente anterior à do pronome em análise, mas são orações de períodos diferentes, e ambos têm a função de sujeito (2) Eso actualmente no lo puedo, (cv) i no lo puedo señalar. (cv) i Creo que depende de muchísimos factores. (MA-01) Padrão C: o antecedente está na oração imediatamente anterior à do pronome sujeito em análise (no mesmo período ou não), mas tem função sintática diferente de sujeito (3) A mí me i tiemblan las piernas cada vez que (cv) i veo sangre. (MA-04) Padrão D: o pronome em análise e seu antecedente têm a mesma função, de sujeito, mas há uma ou mais orações intervenientes entre eles (em itálico, no exemplo) (4) (cv) i Estudio tercero actualmente de ingeniero técnico de obras Públicas, como se ha venido llamando, pero actualmente no sabemos cómo... cómo lo llamamos. (cv) i Termino este año. (MA-01) Padrão E: o antecedente tem função sintática diferente da do pronome em análise (ou seja: diferente de sujeito) e há uma ou mais orações entre eles (em sublinhado, no 3

exemplo) (5) Pero es como uma materia optativa, pero que a nosotros nos i sirve mucho porque es la práctica real de la profesión en un centro de cómputos. Nosotros i estamos como un empleado que trabaja ocho horas... cuatro horas por día, no? (BA-04) Barbosa, Duarte & Kato (2001, 2005), em estudos sobre o PE e o PB, verificaram que os primeiros padrões sentenciais favorecem o sujeito nulo, enquanto os últimos favorecem o preenchimento do pronome. Isso indica que as condições de referência devem ter uma atuação geral em relação à realização do sujeito, independentemente da língua. Dessa forma, espera-se que as variedades do espanhol apresentem todas um resultado gradual, sendo o padrão A o mais favorecedor. A pessoa gramatical A primeira pessoa do singular apresenta as maiores taxas de sujeitos plenos no italiano (DURANTI & OCHS 1979), que é considerada um língua de sujeito nulo. Segundo Fernández Soriano (1999), os pronomes de segunda pessoa indireta usted e ustedes servem para marcar a atitude de respeito do falante, por isso tem altas freqüências de preenchimento no espanhol. Espera-se, então, que no EE e no EA, que exibem paradigmas formalmente e funcionalmente ricos, respectivamente, licenciando o sujeito nulo (ver Tabela 1), a primeira pessoa do singular e a segunda indireta sejam as mais desfavorecedoras do sujeito nulo; no espanhol porto-riquenho (EP), que não exibe um paradigma rico (conforme a Tabela 1), esse comportamento não é esperado. O tipo de desinência número-pessoal O levantamento de todas as desinências número-pessoais das amostras analisadas permitiu o agrupamento delas em três grupos: as desinências que são exclusivas para apenas uma pessoa gramatical, as que se associam a duas pessoas gramaticais e o morfema < >, que pode associar-se às três pessoas do singular. Segundo Fernández Soriano (1999) e Luján (1999), a ambigüidade é uma das causas da expressão fonética do sujeito. O controle deste grupo de fatores permite testar a influência da ambigüidade flexional, presente nas desinências não exclusivas. Resultados A Tabela 3 mostra as freqüências e pesos relativos para cada padrão sentencial (nas análises do EA e do EP, esse grupo de fatores foi o mais relevante; na rodada para o EE, o VARBRUL selecionou o grupo como o segundo mais relevante). Os resultados para as condições de referência mostraram o que se esperava encontrar: resultados graduais de freqüências e pesos, com o padrão sentencial A favorecendo o sujeito nulo e o E desfavorecendo-o. A semelhança com os resultados encontrados para o PE e o PB sugerem que as condições de referência podem ter uma atuação universal nas línguas. 4

EE EA EP Oco./tot. % PR Oco./tot. % PR Oco./tot. % PR A 142/162 88% 0,71 153/186 82% 0,67 108/124 87% 0,85 B 290/342 85% 0,63 298/373 80% 0,65 135/199 68% 0,59 C 94/119 79% 0,51 80/114 70% 0,50 54/90 60% 0,52 D 321/464 69% 0,39 242/437 55% 0,35 159/340 47% 0,34 E 90/151 60% 0,30 61/111 55% 0,32 47/103 46% 0,34 TOTAL 937/1238 76% 834/1221 68% 503/856 59% (segundo selecionado) (primeiro selecionado) (primeiro selecionado) Tabela 3 Sujeito nulo de acordo com as condições de referência no espanhol Os resultados para a pessoa gramatical (o grupo de fatores mais relevante na análise de Madri) no EE também confirmam as hipóteses: a seção da direita da Tabela 4 mostra que a primeira pessoa do singular e as segundas indiretas são as que favorecem o sujeito pleno. O tipo de desinência não foi considerado relevante. O cruzamento dos dois grupos de fatores confirma isso: observando, na região central da tabela, horizontalmente, apenas as linhas correspondentes às pessoas gramaticais que se associam a mais de um tipo de desinência, percebe-se que a diferença entre os percentuais das desinências exclusivas e os das ambíguas não chega a ser relevante. DESINÊNCIAS ESCLUSIVAS DUAS < > TOTAL PESSOA Oco./total % PR 1ª do singular 66% 58% 336/517 65% 0,38 1ª do plural 89% 90/101 89% 0,75 2ª direta singular 78% 113/144 78% 0,41 2ª indir. singular 67% 69% 80/116 69% 0,23 2ª indireta plural 67% 6/9 67% 0,19 3ª do singular 92% 87% 213/242 88% 0,71 3ª do plural 91% 99/109 91% 0,76 TOTAL 72% 89% 77% 937/1238 76% Tabela 4 Pessoa gramatical x tipo de desinência em Madri (EE) A pessoa gramatical, na análise do EA, é o segundo grupo de fatores mais relevante. Observa-se que os menores pesos relativos são das segundas pessoas indiretas, o que está de acordo com o que diz Fernández Soriano (1999) sobre o espanhol. A primeira pessoa do singular, porém, não favorece nem desfavorece o sujeito nulo, mostrando que a afirmação de Duranti & Ochs (1979) não se aplica no EA. 5

DESINÊNCIAS ESCLUSIVAS DUAS < > TOTAL PESSOA Oco./total % PR 1ª do singular 64% 56% 330/527 63% 0,46 1ª do plural 62% 40/65 62% 0,40 2ª direta singular 78% 78/100 78% 0,44 2ª indir. singular 71% 57% 101/168 60% 0,35 2ª indireta plural 63% 12/19 63% 0,26 3ª do singular 88% 79% 208/258 81% 0,69 3ª do plural 77% 65/84 77% 0,63 Oco./total % PR 393/594 72% 0,56 153/196 78% 0,54 288/431 67% 0,40 834/1221 68% Tabela 5 Pessoa gramatical x tipo de desinência em Buenos Aires (EA) O grupo de fatores tipo de desinência foi selecionado pelo VARBRUL em oitavo lugar na análise do EA. Vê-se, na última linha da Tabela 5, que as desinências com conteúdo fonético favorecem o sujeito pronominal nulo. O morfema < > desfavoreceo: a falta de conteúdo fonético na desinência verbal faz com que o pronome sujeito tenha mais probabilidade de ser preenchido nessa comunidade. O segundo grupo de fatores mais relevante na análise do EP é o tipo de desinência. Os pesos relativos na parte de baixo da Tabela 6 mostram que as desinências exclusivas favorecem o sujeito nulo. O morfema < > desfavorece-o. DESINÊNCIAS ESCLUSIVAS DUAS < > TOTAL PESSOA Oco./total % PR 1ª do singular 63% 43% 242/415 58% 0,41 1ª do plural 60% 39/65 60% 0,49 2ª direta singular 45% 14/31 45% 0,22 2ª indir. singular 100% 55% 17/30 57% 0,31 2ª indireta plural 59% 10/17 59% 0,52 3ª do singular 29% 60% 77/140 55% 0,50 3ª do plural 66% 104/158 66% 0,79 Oco./total % PR 255/419 61% 0,67 122/200 61% 0,26 126/237 53% 0,41 503/856 59% Tabela 6 Pessoa gramatical x tipo de desinência em San Juan (EP) Os resultados para a pessoa gramatical, que foi o sexto grupo de fatores em ordem de relevância no EP, mostram a segunda pessoa direta do singular como favorecedora do sujeito nulo e a terceira do plural como desfavorecedora. O cruzamento entre os dois grupos de fatores mostra três contextos em que o sujeito pleno é preferido. Isso evidencia que o EP não se comporta como uma língua de sujeito nulo prototípica. Referências bibliográficas BARBOSA, Pilar; DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia & KATO, Mary Aizawa. A distribuição do sujeito nulo no português europeu e no português brasileiro. Actas do 6

XVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Lingüística. Lisboa, 2001. P. 539-50.. Null subjects in European and Brazilian Portuguese. Journal of Portuguese Linguistics, v. 4, n. 2. 2005. P. 11-52. CAMERON, Richard. Ambiguous agreement, functional compensation, and nonspecific tú in the Spanish of San Juan, Puerto Rico, and Madrid, Spain. Language Variation and Change, 5 (1993). Cambridge University Press, 1994. P. 305-34. CHOMSKY, Noam. Lectures on Government and Binding. 2ª edição (1982). Dordretch: Foris, 1981. DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português do Brasil in: ROBERTS, Ian & KATO, Mary Aizawa (orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: UNICAMP, 1993.. A perda do princípio Evite Pronome no português brasileiro. Campinas: UNICAMP, 1995. DURANTI, A. & OCHS, E. Left-dislocation in Italian conversation in: GIVÓN, T. (org.). Syntax and semantics, v. 12: Discourse and syntax. Nova Iorque: Academic Press, 1979. P. 377-415. FERNÁNDEZ SORIANO, Olga. El pronombre personal: formas y distribuciones. Pronombres átonos y tónicos in: BOSQUE, Ignacio & DEMONTE, Violeta. Gramática descriptiva de la lengua española: sintaxis básica de las clases de palabras. v. 1. Madri: Espasa, 1999. P. 1209-73. HUANG, C. T. James. On the distribution and reference of the empty categories. Linguistic inquiry, 15. 1984. P. 531-74. JAEGGLI, Osvaldo & SAPIR, Kanneth J. The Null Subject Parameter. Dordrecht: Kluwer, 1989. LOPES, Célia Regina dos Santos. A inserção de a gente no quadro pronominal do português. v. 18. Frankfurt/Madri: Vervuert/Iberoamericana, 2003. LUJÁN, Marta. Expresión y omisión del pronombre personal in: BOSQUE, Ignacio & DEMONTE, Violeta. Gramática descriptiva de la lengua española: sintaxis básica de las clases de palabras. v. 1. Madri: Espasa, 1999. P. 1276-315. ROBERTS, Ian. Verbs and diachronic syntax. Dordrecht: Kluwer, 1993. WEINREICH, Uriel; LABOV, William & HERZOG, Marvin. Empirical foundations for a theory of language change in: LEHMAN, W. & MALKIEL, Y. (orgs.). Directions for historical linguistics. Austin: University of Texas Press, 1968. P. 97-195. 7

i Quatro padrões sentenciais foram propostos por Barbosa, Duarte & Kato (2001). Para ter uma análise mais detalhada, para este trabalho o último padrão das autoras foi separado em dois. Trata-se dos padrões D e E, da lista. 8