Atendimento de urgência na Clínica de Odontopediatria



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Transcrição:

Artigo original / Review Articie Atendimento de urgência na Clínica de Odontopediatria Urgency care in Clinic of Pediatric Dentistry Ana Maria Martins Gomes 1, Elâine Cristina Vargas Dadalto 1, Marly Almeida Saleme do Valle 1, Luciana Faria Sanglard 2, Carolini Contreiro Azevedo 3, Antonio Augusto Gomes 1 1. Professores da Universidade Federal do Espírito Santo 2. Professora Visitante da Universidade Federal do Espírito Santo 3. Mestre em Clínica Odontológica pela Universidade Federal do Espírito Santo DESCRITORES: Odontopediatria; Socorro de Urgência; Assistência Odontológica. RESUMO Objetivou-se neste estudo apresentar os resultados do atendimento de urgência realizado em crianças (0-12 anos) no Projeto de Extensão Pronto-Socorro Odontopediátrico, da Disciplina de Odontopediatria (UFES) durante o período de 06/2003 a 12/2010. Dados de 574 prontuários foram tabulados no Excel 2007, para avaliar a relação entre as variáveis (procedência, gênero, idade, diagnóstico e tratamentos realizados), tendo sido realizado teste Qui-quadrado e correlação de Pearson, significância de 5%. Apenas 28.5% das crianças atendidas residiam em Vitória/ES, e 53.3% eram do gênero masculino. Os motivos para procurarem atendimento foram: cárie (39.6%), traumatismo dentário (31.7%) e alterações patológicas (28.7%). Quanto à história de dor, 53,8% relataram dor, sendo 24.4% espontânea e 29,3% provocada. Foram realizados procedimentos cirúrgicos, endodônticos e restauradores. Após o atendimento, 51.6% dos pacientes foram encaminhados para tratamento eletivo em outras clínicas. Com base nos resultados obtidos, concluiu-se que a maioria das crianças atendidas era de cidades vizinhas a Vitória/ES; a cárie dentária foi o principal motivo procura pelo atendimento de urgência; o trauma dental foi maior em crianças de menor idade; a alteração patológica mais prevalente foi a retenção prolongada de dentes decíduos, e a maioria das crianças foram encaminhadas para a disciplina de odontopediatria para sanar as suas necessidades. Keywords: Pediatric dentistry; Emergency relief; Dental care for children. ABSTRACT The aimed of this study is to present the results of the urgency care that is performed in children aged 0-12 years in Extension Project Emergency Room pediatric dentistry, linked to the Discipline of Pediatric Dentistry at UFES period 06-2003 to 12-2010. The data from 574 medical records were tabulated in Excel 2007 and, to assess the relationship between variables (origin, gender, age, diagnosis and treatments), were analyzed for Chi-square test and Pearson correlation. Only 28,6% of the children lived in Vitória and 53,5% were male. The reasons for the demand for dental care were caries dental (39.6%), dental trauma (31.7%) and pathological changes (28.7%), being that, 53,5% reported pain, provoked 28,3% and spontaneous 25,2%. Surgical procedures were performed (184), endodontic (93) and restorative (91). After urgency treatment, 51.6% of patients were referred for elective treatment in other clinics at the University. Based on the results, can be concluded that: most of the children served were from neighboring towns to Vitória/ES, caries was the main reason why the demand for emergency care, dental trauma was higher in younger children; pathologic changes and most children were referred to the discipline of pediatric dentistry to meet the needs of children. 367 Endereço para correspondência: Ana Maria Martins Gomes Rua Dr. João Carlos de Souza, 45/1201 Barro Vermelho, Vitória/ES CEP: 29.045-410 Email: anamaria.gomes@hotmail.com INTRODUÇÃO As situações de urgência odontológica em crianças requerem do profissional o domínio técnico dos conhecimentos em odontopediatria e a habilidade psicológica para ambientar a criança ao consultório e, ao mesmo tempo, transmitir segurança para os pais e/ou acompanhantes. Essas situações, comumente estão relacionadas com a dor provocada por cárie dentária e suas sequelas 1, com os traumatismos com envolvimento de dentes decíduos e/ ou permanentes e com as afecções bucais de origem infecciosa 2. O controle da dor se constitui em um desafio para o cirurgião-dentista que atende crianças. Cabe a ele interpretar e/ou traduzir as palavras e os sentimentos manifestados direta ou indiretamente, de tal forma que possa utilizá-los como ferramentas para melhor diagnosticar e tratar as crianças 3. Apesar de a Política Nacional de Saúde Bucal, em vigor atualmente, reconhecer a importância das ações de recuperação da saúde, centradas no diagnóstico realizado, o mais precocemente possível, assim como o tratamento instituído de imediato, de modo a deter a progressão da doença e impedir o surgimento de eventuais incapacidades e danos 4, os agravos bucais e suas sequelas ainda são de grande prevalência no Brasil, constituindo-se em problemas de saúde pública, com graves consequências sociais e econômicas 5. A percepção da população sobre a importância da saúde bucal está diretamente relacionada com acesso ao serviço odontológico 6, embora uma parcela considerável

da população brasileira não tenha acesso a esse serviço 7. A incapacidade dos sistemas de saúde de atender o indivíduo na sua integralidade resulta em uma procura constante por atendimentos de urgência que, dentro da Odontologia, são muito comuns nos pacientes infantis 8. Nos serviços de urgência, além da queixa do paciente, a análise bucal é importante para a identificação de outros tipos de problemas ainda não percebidos pelo paciente 9. O exame do paciente é o ponto de partida para o diagnóstico da condição que está gerando dor e para a posterior decisão do tratamento mais adequado ao caso 3. Diante das necessidades de tratamento odontológico acumuladas, do desconforto e do sofrimento causado pela dor odontogênica, a Disciplina de Odontopediatria da Universidade Federal do Espírito Santo criou um programa de pronto atendimento odontopediátrico, que teve seu início em junho de 2003. O atendimento prestado é vinculado a um Projeto de Extensão da Universidade e realizado por acadêmicos que já cursaram a disciplina, não interferindo no cronograma dos pacientes pré-agendados para os alunos da graduação e estagiários (cirurgiões- -dentistas). O objetivo deste estudo retrospectivo é apresentar o perfil do atendimento de urgência realizado em crianças e adolescente de 0 a 12 anos do Projeto de Extensão Pronto-Socorro Odontopediátrico, registrado no SIEXBRASIL nº 20827 e vinculado à Disciplina de Odontopediatria da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) entre o período de junho de 2003 a dezembro de 2008. cárie dentária x faixa etária e trauma dental x faixa etária das crianças, foram realizados a partir do coeficiente de Pearson. Esse coeficiente varia de -1 (associação negativa) a +1(associação positiva). Quanto mais próximos dos extremos, maior a relação entre as variáveis. Este trabalho está de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo sob o n. 091/06. RESULTADOS A amostra estudada foi composta por 574 prontuários de crianças atendidas cujos resultados estão apresentados nas Tabelas de 1 a 5 e Gráficos 1 e 2. A tabela 1 apresenta a distribuição da amostra de acordo com a faixa etária e o gênero: 53.3% eram do gênero masculino, e 46.7%, do feminino. A maioria das crianças atendidas residia em cidades vizinhas a Vitória/ES (gráfico 1). Tabela 1. Distribuição da amostra de acordo com a faixa etária e o gênero. 368 MATERIAL E MÉTODOS Este estudo epidemiológico analítico observacional seccional cujos dados foram coletados das fichas clínicas utilizadas no projeto, Pronto-Socorro Odontopediátrico, da Clínica de Odontopediatria da UFES presta atendimento de urgência odontológica às crianças e aos adolescentes. A Clínica de Odontopediatria está situada no Centro de Ciências da Saúde da UFES em Vitória/Espírito Santo. No período compreendido entre junho de 2003 a dezembro de 2010, foram atendidos 574 pacientes. Foram excluídas do estudo as fichas que continham informações incompletas e/ou inconsistentes e, ainda, quando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não estava assinado pelos pais e/ou responsáveis, permitindo a utilização de seus dados para trabalhos com a proposta de divulgação científica. Assim sendo, os dados de 565 fichas, provenientes de exames clínicos e dos procedimentos realizados, foram tabulados no Excel 2007 para serem analisados. Foram coletadas informações quanto à queixa principal e à presença ou não de dor relatadas pelo paciente e/ou responsável. No exame clínico, foram considerados os dados quanto à dentição envolvida, ao diagnóstico e ao tratamento realizado. A amostra foi distribuída de acordo com a faixa etária em quatro grupos: de 00 a 04 anos; de 04 a 08 anos e de 08 a 12 anos. A partir dos dados tabulados no Excel, foram construídos tabelas e gráficos para a apresentação dos resultados. Para estudar a dependência entre as variáveis: faixa etária x gênero; dentes decíduos cariados x dentes permanentes cariados, com envolvimento pulpar x sem envolvimento pulpar; faixa etária x cárie dentária e faixa etária x trauma dental, foram realizados testes qui-quadrado ao nível de significância de 5%. Os graus de associação entre Gráfico 1. Distribuição da amostra de acordo com a procedência. Das crianças atendidas, 53.8% (n=308/574) se queixavam de dor odontogênica, sendo que dessas, 29.3% (n=168/574) relatavam dor provocada, e 24.4% (n=140/574), dor espontânea. A cárie dentária foi a queixa que mais motivou a procura pelo atendimento odontológico de urgência com percentual de 39.6% (n=227/574), sendo que os dentes decíduos foram responsáveis por 85.3% dos casos. O trauma foi o segundo motivo para a procura por atendimento 31.7% (n=182/574), seguido de alterações patológicas 28.7% (n=165/574) nas crianças atendidas. As comparações entre as variáveis foram estatisticamente significantes (p<0.001). A Tabela 2 apresenta

a distribuição dos casos de cárie em relação à faixa etária e gênero, 51.3% das crianças com cárie eram do gênero masculino, e 48.7%, do feminino. Tabela 2. Apresentação numérica e percentual dos casos de cárie dental em relação à faixa etária e ao gênero. Para se avaliar a dependência entre faixa etária e trauma dental, utilizou-se o teste qui-quadrado que mostrou a existência de diferenças estatisticamente significante (p=0.001), e, com o objetivo de avaliar o grau de associação entre essas variáveis, foi realizada a análise de correlação através do coeficiente de correlação de Pearson. Os resultados obtidos na correlação entre trauma e faixa etária foram de r=-0.814, com uma correlação forte negativa entre faixa etária e trauma dental, isso é, à medida que a idade aumenta, o número de casos de trauma dental diminui. O Gráfico 1 oferece uma melhor visualização do coeficiente de correlação de Pearson. A Tabela 3 apresenta a distribuição dos dentes decíduos e permanentes cariados que apresentaram envolvimento pulpar, 70.0% (n=159/227) ou não 30.0% (n=68/227). Dos elementos cariados com envolvimento pulpar, observou-se que 39.0% (n=62/159) das crianças não apresentaram nenhuma alteração nos tecidos de sustentação; 29.5% (n=47/159) apresentavam fístula; 18.9% (n=30/159), abscesso e 12.6% (n=20/159), edema da face. Tabela 3. Distribuição da amostra estudada de acordo com o dente acometido pela cárie e o comprometimento pulpar. Gráfico 2. Visualização gráfica da análise de correlação entre trauma dental e a idade das crianças por meio do coeficiente de correlação de Pearson. Das crianças que procuraram atendimento, 28.7% (n=165/574) tiveram como motivo principal a presença de alterações patológicas na cavidade bucal, sendo que a retenção prolongada de dentes decíduos foi a mais frequente (n=88) (Tabela 5). 369 Tabela 5. Apresentação dos dados referentes às alterações patológicas encontradas na cavidade bucal das crianças. O trauma dental foi a segunda queixa, o que representou 31.7% (n=182/574) dos casos (Tabela 2). Desses, 66.5% (n=119/179) foram trauma em dentes decíduos, e 33.5% (n=60/179), trauma em dentes permanentes. As crianças do gênero masculino foram responsáveis por 66.5% (n=121/182), e as do feminino, por 33.5% (n=61/182) dos casos de trauma dental. Apesar das diferenças, quando esses dados foram comparados, utilizando o teste qui-quadrado, não se observaram diferenças estatisticamente significantes (Tabela 4). Tabela 4. Apresentação numérica e percentual dos casos de trauma com envolvimento dos dentes em relação à faixa etária e ao gênero. Os tratamentos realizados com mais frequência foram: 184 procedimentos cirúrgicos (157 exodontias de dentes decíduos, 19 remoções de resto radiculares, 7 exodontias de dentes supranumerários e uma excisão de tecido mole); 93 procedimentos endodônticos (60 curativos endodônticos em dentes decíduos, 29 endodontias em dentes decíduos e 4 curativos endodônticos em dentes permanentes); 91 procedimentos restauradores (55 restaurações provisórias e 36 definitivas). Como em muitos casos, o atendimento de urgência não conclui o tratamento ou mesmo não consegue sanar todas as necessidades das crianças, 51,6% (296/574) foram encaminha-

370 das para outras disciplinas. A maioria foi encaminhada para Disciplina de Odontopediatria, seguida de encaminhamentos para o Projeto de Controle de Traumas e para A disciplina de Endodontia de dentes permanentes. DISCUSSÃO Neste estudo epidemiológico analítico observacional seccional, o gênero das crianças não apresentou diferenças estatísticas (Tabela 1), porém o gênero masculino teve uma maior ocorrência, com 53.3% similar aos valores encontrados em outros estudos 10-13 diferentemente de outra pesquisa8, que, ao avaliarem o perfil das crianças no atendimento de urgência na disciplina de Odontopediatria da Universidade Federal de Alagoas, encontraram predomínio do gênero feminino em 55.7%. Dos pacientes atendidos, 53.8% se queixavam de dor odontogênica, seja ela provocada ou espontânea, resultados semelhantes a outros da literatura 10,11 e maiores que outra pesquisa12 e menores que os demonstrados em outro estudo, que obteve (84.7%) 14. A dor odontogênica é vivenciada como uma dificuldade enfrentada pelas populações de baixa renda, que não encontram nos serviços de saúde pública meios apropriados para o cuidado com a saúde bucal 7. A dor relatada nem sempre condiz com o quadro clínico da criança 11. Esse fato pode decorrer da ansiedade dos pais e da criança em conseguir tratamento, usando essa estratégia como passaporte para conseguirem ser atendidos. A maior procura pelo atendimento foi justificada por lesões cariosas (39.6%) como em outros estudos 13,14,15, sendo que os dentes decíduos foram responsáveis por 85.3% dos casos. Dos dentes cariados, 70.0% apresentaram comprometimento pulpar. O maior número de casos de crianças com cárie dentária ocorreu no grupo de 04 a 08 anos de idade. Apesar de o declínio da cárie dentária ser um fenômeno de ocorrência mundial, remanescem grupos com alta prevalência da doença por influência de fatores determinantes da saúde, como economia, cultura, hábitos, ambiente e sistemas de saúde 16. Desse modo, uma parcela significativa da população permanece com sérios problemas odontológicos, os quais ainda demandam grandes somas de recursos públicos para tratamento, e o seu impacto na sociedade em termos de dor, desconforto, limitação funcional e social acarretam efeitos importantes na qualidade de vida. O trauma dental foi o segundo fator (31.7%) que motivou a procura por atendimento de urgência, próximo aos valores encontrados na literatura 12 que foi de 23.2%. O grupo de crianças de 0 a 4 anos de idade foi responsável por 40.1% dos casos, como encontrado em outro estudo 18 com um percentual de 41.6% de trauma dentário em crianças de 1 a 3 anos. No presente estudo, observou-se uma correlação negativa entre trauma e faixa etária, isto é, à medida que a idade aumenta, diminui a ocorrência de trauma. Outros autores 12 observaram um aumento dos casos de trauma nas crianças de 0 a 3 anos e de 8 a 10 anos, e a justificativa para essa ocorrência é que as crianças de 0 a 3 anos começam a andar e correr, e de 8 a 10 anos é o período dos esportes coletivos, nos quais ocorre o maior risco de contato físico. Quanto ao gênero das crianças, não foram observadas diferenças em relação ao trauma dental. Esses dados conflitam com a literatura 18, onde consta uma maior ocorrência para o gênero masculino. Além das lesões cariosas e dos traumatismos dentários, algumas alterações patológicas também foram motivo para a procura por atendimento, dentre elas está a retenção prolongada do dente decíduo (tabela 5). Consoante alguns autores 7, na quase totalidade dos casos de pacientes que procuram o serviço de urgência odontológica, além do dente que motivou a procura, outros elementos estão comprometidos com maior ou menor gravidade. O mesmo fato foi confirmado no presente estudo. Por isso, após o atendimento de urgência, que não necessariamente é o atendimento final com conclusão do caso, mas, sim, uma resolução imediata, os pacientes foram encaminhados às disciplinas para prosseguimento do tratamento das necessidades acumuladas. Analisando-se os resultados, verifica-se que o pronto- -socorro odontopediátrico tem cumprido com sua função, que é a de proporcionar atendimento odontológico de urgência à população infantil, visando estabelecer o diagnóstico imediato para direcionar o tratamento adequado, transmitindo segurança aos pais e à criança e experiência aos acadêmicos, contribuindo com o processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, percebe-se ser de grande importância à comunidade a manutenção desse programa. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos, concluiu-se que a maioria das crianças atendidas residiam em cidades vizinhas a Vitória/ES; a cárie dentária foi o principal motivo que levou à procura pelo atendimento de urgência; o trauma dental foi o segundo motivo; as crianças de menor idade foram as mais acometidas por trauma dental; a alteração patológica mais prevalente foi a retenção prolongada de dentes decíduos, e 51.6% das crianças foram encaminhadas para outras disciplinas a fim de sanar as necessidades de tratamento odontológica das crianças. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Kanegane K, Penha SS, Borsatti MA, Rocha RG. Ansiedade ao tratamento odontológico em atendimento de urgência. Rev Saúde Pública. 2003; 37(6): 786-9. 2. Pereira MBB. Urgências dentais: dentição decídua. In: Pereira MBB. Urgências e emergências em Odontopediatria. Curitiba: Ed. Maia, 2001, Cap.1, p.19-54. 3. Estrela, C. 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