PROCESSO DE OCUPAÇÃO DA MARGEM ESQUERDA DO RIO PARAGUAI E EVOLUÇÃO DA NAVEGAÇÃO NA CIDADE DE CÁCERES MATO GROSSO/BRASIL¹



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PROCESSO DE OCUPAÇÃO DA MARGEM ESQUERDA DO RIO PARAGUAI E EVOLUÇÃO DA NAVEGAÇÃO NA CIDADE DE CÁCERES MATO GROSSO/BRASIL¹ Gustavo Roberto dos Santos Leandro² Dra. Célia Alves de Souza³ ¹Pesquisa em andamento financiada pelo CNPq. ²Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq e Graduando do Departamento de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT. Endereço Eletrônico: gustavo807@yahoo.com.br. ³Professora Adjunta do Departamento de Geografia e Orientadora do Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT. Endereço Eletrônico: celiaalvesgeo@globo.com INTRODUÇÃO A ocupação da planície do rio Paraguai iniciou-se no século XVIII, com a abertura de fazendas e o surgimento do povoado de Cáceres, em 1772. Atualmente, no perímetro urbano, a margem esquerda do rio Paraguai encontra-se totalmente ocupada por residências, ruas, áreas de recreação, comércios, indústrias, ancoradouros e área portuária. A principal atividade realizada na calha fluvial é a navegação que está vinculada ao processo histórico de desenvolvimento da região de Cáceres e à expansão da agricultura. Na última década, ocorreu um crescimento expressivo da navegação, principalmente pelo o uso de barcos de pequeno e médio porte, bem como a navegação com grandes embarcações e comboios de chatas para transporte de grãos, sobretudo soja. A organização espacial do município de Cáceres esta ligada a forma de colonização e a maneira de ocupação do território, pois muitas cidades de Mato Grosso não possuíam um planejamento, surgiam de acordo com as necessidades dos colonizadores a partir de núcleos formados próximos a garimpos de ouro e diamante ou as margens de cursos d água (MENDES, 1998). O objetivo do presente trabalho é abordar a ocupação e os tipos de uso da margem esquerda do rio Paraguai na área urbana do município de Cáceres, sudoeste 1

mato-grossense assim como salientar o processo histórico-evolutivo da navegação no corredor fluvial. MATERIAL E MÉTODOS ÁREA DE ESTUDO A área de estudo está localizada à margem esquerda do rio Paraguai, entre a foz do rio Cabaçal (afluente da margem direita) e o perímetro urbano de Cáceres em Mato Grosso. Encontra-se entre as coordenadas geográficas 15 58 00 e 16º06 00 - Latitude Sul e 57º 40 00 e 5 7 4 4 0 0 L o n g i t u d e Oeste (Figura 01). 2

Figura 01: Localização da área de estudo. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Revisão teórica e conceitual de obras relacionado à área de estudo e a temática. Trabalho de Campo O trabalho de campo para a observação da margem do rio Paraguai no perímetro urbano da cidade de Cáceres, verificando as diversas formas de ocupação e utilização da margem. O estudo foi realizado nas seguintes etapas: No primeiro momento realizou o reconhecimento da área de estudo, no segundo momento dividiu a área em segmentos de acordo com as atividades desenvolvidas no perímetro urbano de Cáceres. Realizou entrevistas com barqueiros e donos de ancoradouros para identificação e quantificação das embarcações de acordo com o tipo e modelo. Levantamentos de dados (sobre as embarcações registradas no órgão) na Agência Fluvial de Cáceres Marinha do Brasil. RESULTADOS SISTEMA FLUVIAL DO RIO PARAGUAI A bacia hidrográfica do rio Paraguai abrange uma extensão territorial de 1.095.000 km² correspondente a áreas do sul e sudoeste mato-grossense, Mato Grosso do Sul (região Centro - Oeste do Brasil) e países sul-americanos (ANA, 2004). Possui sua nascente no Estado de Mato Grosso, no brejo das Sete Lagoas, a cerca de 18 Km da cidade de Diamantino, e aproximadamente a 240 Km ao Norte de Cuiabá. (SILVA, 2004). O sistema fluvial dos rios Paraguai-Paraná, ambos tributários da Bacia Platina, possui uma área de 1,75 milhões de km², com um contingente populacional de 17 3

milhões de habitantes, distribuído pela Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai (PONCE, 1995). Estudos realizados por Souza et al (2000) afirmam que o rio Paraguai é o principal canal de escoamento da bacia do Alto Pantanal. Sendo considerado como um sistema de precoce desenvolvimento apresenta uma estabilidade temporária. A baixa declividade do canal faz com que a água escoe lentamente, próximo de 1 a 5 cm/s tendo como conseqüência um intervalo maior entre o enchimento e o esvaziamento do rio Paraguai e seus tributários. O rio Paraguai na região de Cáceres caracteriza-se como um segmento bem definido (canal e planície fluvial). Percorre a Depressão do Paraguai com altitudes que giram em torno de 98-280 m (SOUZA, 2004). De acordo com Souza et al (2000) o rio Paraguai possui uma dinâmica própria, em termos de escoamento de fluxo, o que trás como efeito seu gradiente suave e uma planície de inundação que reserva parte do volume de água. A vazão oscila segundo a quantidade de chuvas em cada ano, com mudanças significativas, com cheias de Outubro a Março e estiagem de Abril a Setembro. O rio Paraguai apresenta uma variedade de formas geomorfológicas. As formas deprimidas são representadas por pequenas lagoas, baias (meandros abandonados) ou por antigos leitos de rio. Com relação às pequenas elevações do terreno, destacam-se os depósitos de sedimentos, diques marginais e ilhas fluviais. CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCUPAÇÃO DO MUNÍCIPIO DE CÁCERES: ORGANIZAÇÃO ESPACIAL A ocupação do estado de Mato Grosso ocorreu através da via fluvial, oferecida pela bacia hidrográfica do Alto Paraguai que permitiu que os bandeirantes paulistas no início do século XVIII adentrassem ao então território Bororo, formando os núcleos populacionais que deram início a ocupação não indígena (SILVA, 2004). Os índios Bororos, Paiaguás e os Guaicurus foram os primeiros habitantes do corredor fluvial. A Lei Provincial nº 03 de 30 de Maio de 1874 eleva Vila Maria do Paraguay a cidade com a denominação de São Luis de Cáceres. Nos primeiros vinte anos do século XX, São Luis de Cáceres possuía importante papel na geopolítica de Mato Grosso, 4

porque é neste momento da história que surgem os grandes casarões comerciais de importação e exportação (SIQUEIRA, 1990; ALVES, 1985). Alterou-se por meio do decreto-lei nº208 o nome do município de São Luis de Cáceres para Cáceres em 26 de Outubro de 1938. Nas décadas de 60 e 70 Cáceres destaca-se como pólo colonizador. O governador José Esteve de Lacerda inaugura a ponte Marechal Rondon sobre o rio Paraguai o que facilitou a ocupação do extremo oeste de Mato Grosso (SIQUEIRA, 1997). A cidade esta situada a margem esquerda do rio Paraguai, com altitude média de 118 m acima do nível do mar, possui clima tropical úmido típico da região pantaneira. Cáceres localiza-se a 209 km da capital do Estado, Cuiabá. Cerca de 74,6 % da população vive na zona urbana. Sua área territorial corresponde a 24.712,9 Km², e sua densidade demográfica é de 3,47 hab/km² estando acima da média do Estado que é de 2,77 hab/km² (GRANDO, 2002). De acordo com dados do IBGE (2000), o município de Cáceres conta com um contingente populacional de 84.175 habitantes, apresenta como distritos: Bezerro Branco, Caramujo e Horizonte D oeste. Na contemporaneidade a cidade enfrenta inúmeros problemas de infra-estrutura urbana, sobretudo no centro histórico. A distribuição das quadras, as ruas e calçadas estreitas é conseqüência da organização espacial no perímetro urbano. O aumento de fluxo assim como da população provoca disputas por espaço entre carros, motoqueiros e ciclistas o que é visível por toda a área central e os bairros circundantes. Outra problemática é a falta de tratamento de esgoto que é despejado no córrego Sangradouro (afluente da margem esquerda do rio Paraguai). Em alguns pontos da cidade o esgoto in natura é lançado diretamente no rio Paraguai. A margem esquerda no perímetro urbano encontra-se descaracterizada, pois a vegetação nativa foi retirada em substituição por espécies frutíferas e ornamentais. EVOLUÇÃO DA NAVEGAÇÃO E ATIVIDADES ANTRÓPICAS DESENVOLVIDAS NA MARGEM ESQUERDA DO RIO PARAGUAI 5

Documentos etnográficos sobre a região mostram que a navegação no rio Paraguai teve início através de canoas de pequeno porte feitas de troncos de árvores, movidas a remo, utilizadas pelos índios para se locomoverem (SOUZA, 2004). A partir do século XVI tiveram início o desenvolvimento da navegação e a ocupação das margens do rio Paraguai, sendo que algumas expedições espanholas navegaram pelo rio Paraguai com embarcações de maior porte. Mendes (1992) destaca que no século XVIII foi intensificada a ocupação nas margens graças à abertura de fazendas; surgimento de núcleos urbanos como o povoado de Cáceres em 1772 e também pela abertura da navegação no rio Paraguai, para o escoamento do ouro da capital do Estado, Vila Bela da Santíssima Trindade e carne bovina das fazendas ribeirinhas. Em meados do século XIX e início do XX observa-se, nas margens do rio Paraguai, o desenvolvimento da pecuária extensiva e da agricultura de subsistência, instalação de grandes fazendas de charqueadas, com exportação de carne e couro para a Bélgica e, também, aumento da exploração da poaia (Cephaelis Ipecacuanha) (IBGE, 1958). O rio Paraguai e os canais secundários (braços) percorrem 13 km de extensão no perímetro urbano de Cáceres. O processo de urbanização e expansão de Cáceres teve início na baía do Malheiros avançando pela margem esquerda do rio Paraguai. Atualmente, no perímetro urbano, a margem está totalmente ocupada por atividades humanas. Na baía do Iate foram construídos clubes, casas de veraneio. No canal secundário (baía dos Malheiros) que percorre na área central de Cáceres, são desenvolvidas várias atividades socioeconômicas (Secretaria de Meio Ambiente e Turismo, ancoradouros, bares, restaurantes, comércios, praias e praça de eventos). No segmento do Paraguai encontra-se o bairro São Miguel e área portuária (Figura 02). 6

Figura 02: Panorâmica da área central de Cáceres Mato Grosso, Brasil. FONTE: LEANDRO, 2009. A Praça Barão do Rio Branco é uma das principais áreas públicas do município, onde se encontra a Igreja Matriz de Cáceres e o Marco do Jauru que foi transportado para o local em 1883, monumento tombado pelo IPHAN. No entorno da praça são encontrados antigas construções que na atualidade são utilizadas em sua maioria como estabelecimentos comerciais (restaurantes, serviços públicos e privados, entre outros). Abaixo da Praça Barão do Rio Branco são encontradas embarcações de pequeno a grande porte como barcos-hotéis, restaurantes flutuantes e embarcações de passeio. O Bairro São Miguel encontra-se totalmente urbanizado e impermeabilizado com ruas asfaltadas. Inúmeras embarcações utilizam o local como ancoradouro. Nesse trecho há vários casarões dos séculos XVIII e XIX e construções com aspectos contemporâneos. Na margem foi construído muro de arrimo para conter a erosão. A água captada para o abastecimento da cidade é retirada do rio Paraguai no local estando sob a responsabilidade da Prefeitura. O Porto de Cáceres é responsável pelo transporte de grãos cultivados no Norte e Sudoeste do Estado. O escoamento da produção via fluvial é feito por comboios de chatas. Para a construção dos ancoradouros parte do leito foi aterrado. A atividade portuária conta com dois terminais sendo um público e outro privado, ambos administrados pela Companhia Docas de Mato Grosso. No entorno a vegetação foi parcialmente retirada ocorrendo no local pesca de barranco. Os caminhões que transportam os grãos produzidos no Norte de Mato Grosso até o município de Cáceres ocupam as vias públicas do Bairro São Miguel na entrada dos Terminais Portuários. A atividade portuária acarreta problemas ambientais ocasionados pelo descarregamento, armazenamento e carregamento dos grãos nas barcaças. Com a queda de grãos no leito do rio ocorre alteração no hábito alimentar dos peixes, alterando a cadeia de reprodução. Essa área acaba sendo caracterizada como ceva, pois os moradores encontram grande quantidade de peixes atraídos pelos grãos de soja 7

aumentando a pesca predatória. Todo o processo de transporte dos grãos é feito mecanicamente (BARBOSA, 2008). As cevas são construções edificadas de forma artesanal que são utilizadas para a pesca tendo como objetivo principal atrair peixes por meio de alimentos (iscas) para o local onde é construído, geralmente próximo a residências. A escolha dos locais para a construção das cevas ocorre de forma empírica, de acordo com o conhecimento popular adquirido pelos pescadores. Em geral as cevas são instaladas próximas a árvores frutíferas. As iscas mais usadas nas cevas são o milho e a soja e. Os materiais utilizados na confecção das cevas são: barbantes, cordas, arames, baldes e canos de PVC. As cevas de barranco descaracterizam os locais onde são construídas, pois a vegetação nativa é retirada, ocorre depósito de lixo e queimadas. Os pesqueiros construídos na margem dão novas características ao ambiente. Da mesma forma que as cevas de barranco ocorrem o desmatamento da área, deposição de lixo, utiliza-se ainda como forma de limpeza do local as queimadas. Esse tipo de construção apresenta certa infra-estrutura. As cevas e os pesqueiros são demarcados por placas que identificam a denominação e o nome do proprietário do local. O principal evento relacionado à atividade pesqueira é o Festival Internacional de Pesca (FIP) realizado anualmente na cidade. No evento são disputadas premiações em diversas categorias: infantil, canoa, barco a motor, entre outros. Além da pesca ocorrem no evento shows a nível nacional, regional e local; e exposição de artesanatos o que valoriza a cultura mato-grossense. Outra atividade desenvolvida é a turística. São vários os casarões dos séculos XVIII, XIX e XX o que garante a Cáceres um amplo patrimônio histórico. A cidade possui, de acordo com informações fornecidas pelos funcionários do Museu Histórico de Cáceres 42 imóveis tombados pelo Patrimônio Estadual, um pelo IPHAN que é o Marco do Jauru, atualmente localizado em frente à Igreja Matriz na Praça Barão do Rio Branco (SOUZA, 2006). Esta atividade é potencializada devido à biodiversidade encontrada na região. O município encontra-se inserido em três biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal. O rio Paraguai apresenta áreas inundadas, baías, lagoas, ilhas e praias, dentre outros. Há uma diversidade de espécies gramíneas e vegetação arbórea de pequeno e médio porte nas margens, enquanto que na calha do rio e nas baías existem várias espécies de vegetação 8

flutuante, dentre as quais se destaca a vitória-régia (Victoria amazônica). Além das espécies vegetais, encontram-se várias espécies animais como aves (tuiuiú símbolo do Pantanal, Jabiru mycteria), peixes, mamíferos e répteis, além de antigas fazendas e sítios arqueológicos. As praias, encontradas em alguns segmentos do rio Paraguai, surgem durante o período de estiagem. Seu tamanho pode variar de um ano para outro, devido à quantidade de sedimentos transportados e depositados. A população instala acampamentos nos finais de semana e feriados. De acordo com Padovezi (2003), no Brasil, nas hidrovias do Madeira, do Tietê-Paraná e do Paraguai-Paraná, praticamente 100% das cargas que percorrem maiores distâncias, são transportadas por comboios. No caso especifico de Mato Grosso (Cáceres) esses comboios são formados por chatas. A navegação no local é intensa, pois diferentes tipos de embarcações são encontrados em seu leito, tais como canoas a remo, barcos a motor, lanchas, barcos de passeio e comboios. De acordo com levantamento realizado nos ancoradouros, além de entrevistas com barqueiros, a cidade de Cáceres possui 60 canoas, 371 barcos a motor; 52 lanchas, 23 barcos de passeio com capacidade para 10 a 36 pessoas e 45 comboios/ano, sendo que cada comboio possui 6 chatas e 1 rebocador, destinados ao transporte de soja em grãos. O elevado número de embarcações, principalmente os C barcos a motor, as lanchas e barcos de passeio, geram ondas que promovem a remoção de sedimentos das margens. Embarcações de médio porte são utilizadas como barcos-hotéis e restaurantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, G. L. Mato Grosso e a história, 1870 1929. São Paulo. 1985. BARBOSA, A. Rio Paraguai, na cidade de Cáceres MT: Uso e ocupação da margem esquerda no perímetro urbano. Trabalho de Conclusão de Curso (Geografia). Universidade do Estado de Mato Grosso. Cáceres MT. 2008. GRANDO, B. S. Cultura e dança em Mato Grosso: Catira, Curussé, Folia de reis, Siriri, Cururu, São Gonçalo, Rasqueado e dança Cabocla na região de Cáceres. Cuiabá MT: Centro de Texto, 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. 9

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE. Enciclopédia das cidades brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. MENDES, N. F. Efemérides Cacerenses. 2ed. Brasília DF: Centro Gráfico do Senado Federal, 1992. MENDES, N. F. Memória Cacerense. Cáceres MT. 1998. PADOVEZI, C. D. Conceito de embarcações adaptadas à via aplicado a navegação fluvial no Brasil. Tese (Doutorado em Engenharia). Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo. 2003. PONCE, U. M. Impacto hidrológico e ambiental da hidrovia Paraná Paraguai no pantanal mato-grossense, um estudo de referência. San Diego State University. 1995. SILVA, E. P. O cotidiano dos viajantes nos caminhos fluviais de Mato Grosso: 1870-1930. Cuiabá MT: Entrelinhas, 2004. SIQUEIRA, E. M. Processo histórico de Mato Grosso. Cuiabá MT. 1990. SIQUEIRA, E. M. Revivendo Mato Grosso. Cuiabá: Ed. UFMT. SEDUC, 1997. SOUZA, C. A. 2004, Dinâmica do corredor fluvial do rio Paraguai entre a cidade de Cáceres e a estação ecológica da ilha de Taiamã MT. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2004. SOUZA, C. A.; Sousa, J. B., CUNHA, S. B. Considerações preliminares sobre impacto das chatas nas margens do rio Paraguai MT. Revista Ciência Geográfica, Bauru, Ano VI, v. 3, n. 17, dez. 2000. SOUZA, R. S. Transformações urbanas e a conservação do centro histórico da cidade de Cáceres MT. Trabalho de Conclusão de Curso (Geografia). Universidade do Estado de Mato Grosso. Cáceres MT. 2006. 10