Artigo 19. Formulação de Reservas



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Transcrição:

Artigo 19 Formulação de Reservas Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou c) nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado. Comentários ao Artigo 19 Aziz Tuffi Saliba 1. Introdução Inúmeras obras de Direito Internacional, ao tratarem das reservas, consignam uma observação que soa como uma advertência: a complexidade do tema 1. Numa matéria marcada por controvérsias, o reconhecimento da sua dificuldade talvez seja o principal consenso; e na medida em que os tratados multilaterais se tornaram cada vez mais comuns, a formulação de reservas ganhou relevo, na práxis e na doutrina. 2 1 Nesse sentido, Ian Sinclair ressalta: "The topic of reservations to multilateral conventions is inevitably complex." SINCLAIR, Ian. The Vienna Convention on the Law of Treaties. 2 nd edition. Manchester: Manchester University Press, 1984, p. 51; José Maria Ruda, ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, iniciou seu curso em Haia sobre reservas, ponderando que : "The question of reservations has been one of the most controversial subjects in contemporary international law". RUDA, p 101. Para Hersh Lauterpacht, The subject of reservations to multilateral treaties is one of unusual in fact baffling complexity. LAUTERPACHT, Hersh. Law of treaties. Yearbook of the International Law Commission. Vol. II, 1953. Nova Iorque: Nações Unidas, p. 124. document A/CN.4/63. 2 Nesse sentido, ver a manifestação do delegado da União Soviética, Sr. Khlestov, na Conferência sobre Direito dos Tratados: "Mr. KHLESTOV (Union of Soviet Socialist Republics), (...) said that the situation with regard to reservations had changed considerably in the past thirty years. In current practice, multilateral conventions were often concluded by over a hundred States with widely differing social and political structures and legal systems, so that, although the object and purpose of the treaty might be common to all States, considerable differences might arise in respect of secondary provisions. The formulation of reservations was a satisfactory method of eliminating those difficulties and enabling large numbers of States to participate in international multilateral treaties, thus promoting widespread international co-operation." In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. United Nations Conference on the Law of Treaties. First session. March 24 - May 26, 1968, Nova Iorque: Nações Unidas, p. 107. Disponível em < http://untreaty.un.org >. Acesso em 5 de janeiro de 2010.

Há de se observar que a concepção que embasa o instituto das reservas é singela: em regra, ao se tornar parte num tratado, os Estados 3 podem rejeitar as cláusulas pelas quais não desejam se obrigar. Tal procedimento possibilita a um maior número de Estados integrar um instrumento convencional. O Estado não tem como opção apenas se sujeitar a todo o tratado ou não se sujeitar: poderá "excluir ou modificar" algumas cláusulas específicas e, ainda assim, participar da convenção. Tradicionalmente, uma reserva só era válida se aceita por todas as partes contratantes. 4 Na hipótese de ser recusada por qualquer parte, o Estado formulador da reserva tinha de desistir de efetuar a reserva ou de participar do tratado. 5 Tal práxis, que ficou conhecida como regra da unanimidade, predominou até a década de 50. 6 Outra prática, todavia, se desenvolveu nas Américas (mais especificamente, na União Pan-americana): a recusa da reserva formulada por outro Estado criava uma relação bilateral. O tratado não vigoraria entre o Estado formulador da reserva e o Estado que a recusava, mas operaria efeitos com relação a todos os demais Estados que aceitassem a reserva. 7 Um ponto decisivo para que a prática das Américas se consolidasse foi o parecer prolatado pela Corte Internacional de Justiça na década de 50, em caso conhecido como Reservas à Convenção sobre Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio. 8 Alguns Estados tinham formulado reservas à Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio 9. Como houve objeção às reservas, em conformidade com a prática prevalecente, o Secretário-Geral da ONU informou aos Estados que formularam reservas que eles não poderiam se tornar parte da mencionada convenção. 10 Diante da controvérsia suscitada pela atitude do Secretário-Geral, a Assembleia Geral solicitou à Corte Internacional de Justiça parecer sobre a questão das reservas. 11 3 Poderíamos acrescer: Estados e organizações internacionais. 4 BISHOP JR., William W. Reservations to treaties. Recueil des cours de l Académie de droit international de La Haye, 1961 II. Leyden, Sijthoff, Vol. 103, pp. 245 341, 1962. pp. 274-277; RUDA, op. cit., p. 5 VILLIGER, Mark E. Commentary on the 1969 Vienna Convention on the Law of Treaties, Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2009, p. 262. 6 SINCLAIR, Ian. Vienna Conference on the Law of Treaties. International and Comparative Law Quarterly. V. 19, pp. 47-69, 1970, p. 8. 7 VILLIGER, op. cit., p. 263. 8 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Reservations to the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide. Disponível em < http://www.icj-cij.org >. Acesso em 5 de janeiro de 2010. 9 A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio foi aprovada e proposta para assinatura e ratificação ou adesão pela resolução 260 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 9 de dezembro de 1948. 10 VILLIGER, op. cit., p. 263. 11 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolution adopted by the General Assembly at its 305 th plenary meeting on November 16 th, 1950. Disponível em < http://www.icj-cij.org >. Acesso em 5 de janeiro de 2010.

As respostas da Corte - proferidas por apertadas maiorias 12 - rejeitavam a regra da unanimidade em prol de um posicionamento "flexível". A Corte manifestou a compreensão de que um Estado que formulou e manteve uma reserva repudiada por um ou mais Estados parte da Convenção (mas, obviamente, não por todos), poderia ser considerado parte da Convenção, desde que a reserva fosse compatível com o objeto e finalidade do tratado. Contudo, o Direito dos Tratados, desde o início dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, em 1949, figurou como tema a ser discutido, e os três primeiros relatores (J. L. Brierly, Hersch Lauterpacht e Gerald Fitzmaurice) não incorporaram o posicionamento da Corte aos seus respectivos relatórios. Foi apenas o quarto (e último) relator, Humphrey Waldock, que adotou em sua proposta os postulados enunciados pela Corte 13 no supramencionado caso das Reservas à Convenção sobre Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio. Analisaremos cada uma das hipóteses previstas no artigo 19. 2. Reserva proibida pelo tratado Alguns tratados expressamente proíbem reservas. Esse é o caso, exemplificativamente, do artigo 120 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional que estabelece: "Não são admitidas reservas a este Estatuto". 14 Tal solução, que na prática é pouco frequente 15, tem também suas desvantagens. Uma delas é que a impossibilidade de realizar reservas pode diminuir a participação de Estados na convenção. Em pronunciamento no qual justificou a razão de o Paquistão não participar, o Embaixador do Paquistão na ONU lamentou que a convenção não possibilitasse reservas e afirmou que a possibilidade de fazer reservas poderia ter assegurado maior aderência. 16 3. Tratado traz um rol de possíveis reservas, no qual não figura a reserva em questão 12 Foram sete votos favoráveis e cinco contrários. 13 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-fourth session. Seventh report on reservations to treaties: by Mr. Alan Pellet, special rappoteur. Disponível em < www.un.org >. Acesso em 02 de janeiro de 2010. 14 SALIBA, Aziz Tuffi. Legislação de Direito Internacional. 5ª ed. São Paulo: Rideel, 2010, p. 568. 15 Sobre o caráter excepcional da proibição de reservas, ver Villiger, op. cit., p. 269, que afirma: "In practice, such clauses remain exceptional." 16 Na versão em língua inglesa, o teor da declaração foi o seguinte: "However, it is unfortunate that the Rome Statute did not provide for reservations by countries. This may have ensured wider adherence to the Statute. There are several provisions in the ICC Statute with respect to which Pakistan has certain concerns." Disponível em < http://www.amicc.org/ >. Acesso em 5 de janeiro de 2010.

Outra limitação ao poder de formular reservas está contida na alínea b do artigo 19, no qual se alude a determinadas reservas (ou, numa tradução mais aproximada do texto em inglês, reservas "especificadas"). 17 Nos termos de diretriz sugerida pelo relator especial da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, trata-se de "reservas que são expressamente autorizadas pelo tratado para determinadas cláusulas e que atendem a condições especificadas pelo tratado". 18 Um exemplo de especificação de hipótese na qual o Estado pode efetuar reservas aparece no Acordo Constitutivo do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola 19 : "Artigo 13, seção 4. Reservas. Só podem ser formuladas reservas à seção 2ª do artigo 11 do presente Acordo". 3. Reserva incompatível com o objeto e a finalidade do tratado Como afirmou Pellet, a gestação dos artigos sobre reservas foi "laboriosa e difícil" 20. Houve inúmeras divergências, tanto no âmbito da CDI quanto entre representantes de Estados e, para se solucionar alguns impasses, foi necessário recorrer a uma redação ambígua. Pellet assevera que "a mais notável dessas ambiguidades diz respeito à função exata do 'critério' de compatibilidade da reserva com o objeto e finalidade do tratado, o qual a Convenção 'doutrinariamente' homenageia, mas do qual não se infere qualquer consequência clara". 21 O critério de compatibilidade da reserva com o objeto e finalidade do tratado, como se explanou acima, constava do parecer proferido pela Corte Internacional de Justiça no Caso 17 O texto original do art. 19 (b), em inglês, é "the treaty provides that only specified reservations, which do not include the reservation in question, may be made". Todavia, a tradução oficial para a língua portuguesa está mais próxima do texto (também original) em francês, que dispõe: "Que le traité ne dispose que seules des réserves déterminées, parmi lesquelles ne figure pas la réserve en question, peuvent être faites". 18 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Fifty-eighth session. Eleventh report on reservations to treaties: by Mr. Alan Pellet, special rappoteur. Disponível em < www.un.org >. Acesso em 02 de janeiro de 2010. O texto em inglês é " (...) the expression specified reservations means reservations that are expressly authorized by the treaty to specific provisions and which meet conditions specified by the treaty." 19 BRASIL. Decreto nº 83926, de 31/08/1979. Disponível em < http://www.planejamento.gov.br >. Acesso em 2 de janeiro de 2010. 20 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Le droit et la pratique concernant les réserves aux traités. Premier rapport sur le droit et la pratique concernant les réserves aux traités, par M. Alain Pellet, rapporteur spécial. Disponível em < http://untreaty.un.org/ >. Acesso em 2 de janeiro de 2010. 21 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Le droit et la pratique concernant les réserves aux traités. Premier rapport sur le droit et la pratique concernant les réserves aux traités, par M. Alain Pellet, rapporteur spécial. Disponível em < http://untreaty.un.org/ >. Acesso em 2 de janeiro de 2010. O texto original em francês é "La plus remarquable de ces ambiguïtés tient au rôle exact du critère de la compatibilité de la réserve avec le but et l objet du traité, auquel la Convention paie doctrinalement tribut, mais dont elle ne tire aucune conséquence claire". No mesmo sentido, SCHABAS, William. Reservations to human rights treaties: time for innovation and reform. Canadian Yearbook of International Law, V. 32, 1994, pp. 39-81, p. 43-44.

das Reservas à Convenção sobre Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio. Entretanto, o relatório da CDI de 1951 classificava o critério da compatibilidade como "muito subjetivo para ser aplicado de forma geral a convenções multilaterais". 22 A inclusão do critério da compatibilidade foi efetuada por Humphrey Waldock. Contudo, mesmo Waldock reconheceu que tal critério era "em alguma medida uma questão de apreciação subjetiva" 23 e que "pode haver interpretações divergentes sobre a compatibilidade de uma determinada reserva com o objeto e finalidade de um dado tratado" 24. De fato, é uma tarefa menos complexa determinar se uma reserva é expressa ou implicitamente proibida pelo tratado (ou seja, averiguar seu enquadramento nas alíneas a e b do artigo 19) do que verificar se é compatível com o objeto e finalidade. 25 Um mesmo tratado pode ter diversos "objetos e finalidades". 26 Mormente, quando nos deparamos com tratados longos e complexos, pode haver desacordo com relação aos propósitos e escopo do instrumento convencional. 27 Há, também, persistente debate sobre a (in)aplicabilidade das regras atinentes a reservas aos tratados de Direitos Humanos. 28 Em uma versão mais extremada, nenhuma reserva a cláusula "material" de tratado de direitos humanos seria aceitável. Uma justificativa é que as cláusulas materiais seriam fundamentais para a realização dos objetivos e finalidades do tratado. 29 Assim, reservas em tratados de Direitos Humanos só seriam compatíveis com os propósitos e escopo do instrumento convencional se fossem pertinentes a aspectos 22 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Report of the Commission to the General Assembly. Yearbook of the International Law Commission, VII, 1962, p. 177. 23 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Report of the Commission to the General Assembly. Yearbook of the International Law Commission, VII, 1962, p. 181. "The criterion of compatibility with the object and purpose of the treaty... is to some extent a matter of subjective appreciation". 24 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Report of the Commission to the General Assembly. Yearbook of the International Law Commission, VII, 1962, p. 181. "This necessarily means that there may be divergent interpretations of the compatibility of a particular reservation with the object and purpose of a given treaty". 25 AUST, Anthony. Modern treaty law and practice. Cambridge: CUP, 2000, p. 110. 26 VILLIGER, op. cit., 271. 27 AUST, Anthony. Modern treaty law and practice. Cambridge: CUP, 2000, p. 111. Um exemplo fornecido por AUST é a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (Convenção de Montego Bay), que, em 320 artigos, lida com inúmeros temas, como alto-mar, estreitos, plataforma continental, mar territorial etc. 28 Nesse sentido, ver COSSIA, Maximo. Reservations to multilateral treaties on human rights. California Western International Law Journal. Vol. 15, pp. 1-51, p. 16, 1985. Para COSSIA, "The basic question concerning treaties on human rights is whether or not they are considered as a category separate from other multilateral treaties, and, in particular, whether the rules on reservations (...) apply to them with equal force". 29 Embora não adote tal linha, SCHABAS, comentando o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, bem sintetiza a questão: "An argument can be that all of the Convenant s substantial provisions are essential to its object and purpose, and that, as a consequence, reservation to any such provision is illegal". In SCHABAS, William. Invalid reservations to the international covenant on civil and political rights: is the US still a party? Brooklin Journal of International Law, vol. 21, 1996, pp. 277-325, p. 291.

"procedimentais". Aliás, no caso das Reservas à Convenção sobre Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, as reservas que deram causa à solicitação do parecer pela Assembleia Geral eram atinentes à cláusula que estabelecia a competência da Corte para dirimir divergências resultantes da mencionada convenção. 30 Em outras palavras, a reserva considerada pela CIJ compatível com o objeto e finalidade do tratado concernia a uma cláusula procedimental. Pode-se especular que talvez houvesse diferente desfecho se a reserva fosse atinente a cláusula substantiva. Outra justificativa aparece em opinião apartada do juiz De Meyer no caso Belilos v. Suíça, julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. De Meyer argumentou que a Convenção Europeia de Direitos Humanos não tinha por objeto e finalidade criar, mas sim reconhecer "direitos a serem respeitados e protegidos mesmo na ausência de um instrumento de direito positivo". De Meyer não apenas ressaltou a dificuldade de se aceitar reservas "a cláusulas reconhecendo tais direitos", mas cogitou, ainda, que tais reservas e até eventuais cláusulas que as permitissem seriam incompatíveis com jus cogens e, portanto, nulas. 31 Observa-se que não obstante ter se referido à Convenção Europeia de Direitos Humanos, o argumento aduzido por De Meyer poderia ser estendido a outros instrumentos de Direitos Humanos. Todavia, a compreensão que nenhuma reserva a cláusula material de tratado de direitos humanos é possível, não se subsume à prática dos Estados e cortes internacionais. Há inúmeros exemplos de reservas a provisões substantivas de tratados de direitos humanos que não sofreram oposição de outros Estados. Além disso, na opinião consultiva OC-3/83 (Restrições a pena de morte), a Corte Interamericana de Direitos Humanos admitiu que, observados certos parâmetros, o Estado pode opor reserva à cláusula substancial que seja compatível com o objeto e finalidade de um tratado. 32 30 Cf. SCHABAS, op. cit., p. 291. O artigo do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos a que nos referimos acima é o nono, que dispõe: "As controvérsias entre as Partes Contratantes relativas à interpretação, aplicação ou execução da presente Convenção, incluindo as controvérsias relativas à responsabilidade de um Estado em matéria de genocídio ou de qualquer dos atos enumerados no artigo 3º, serão submetidas à Corte Internacional de Justiça, a pedido de uma das partes da controvérsia". 31 Transcrevemos o trecho pertinente do voto do juiz De Meyer: "The object and purpose of the European Convention on Human Rights is not to create, but to recognize rights which must be respected and protected even in the absence of any instrument of positive law. It is difficult to see how reservations can be accepted in respect of provisions recognizing rights of this kind. It may even be thought that such reservations, and the provisions permitting them, are incompatible with the ius cogens and therefore null and void, unless they relate only to arrangements for implementation, without impairing the actual substance of the rights in question". In Corte Européia de Direitos Humanos. Belilos v. Switzerland, Application No. 10328/83. Judgement of 29 April 1988. Disponível em < http://www.humanrights.is >. Acesso em 2 de janeiro de 2010. 32 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião consultiva OC-3/83: Restrições a pena de morte (Artigos 4.2 e 4.4 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos). Disponível em <

4. Declarações Interpretativas Embora a Convenção de Viena não disponha sobre as "declarações interpretativas", elas têm considerável relevo na prática, dada a frequência com que são utilizadas e as dúvidas que suscitam. Ressalta-se que, mesmo em tratados que inadmitem reservas, é possível fazer declarações interpretativas. Na declaração interpretativa, o Estado não intenciona "modificar ou excluir" qualquer cláusula, e sim "esclarecer as demais partes sobre o entendimento que extrai da norma" 33. Em documento da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, as declarações interpretativas foram conceituadas como "declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ou Organização Internacional, pela qual o Estado ou Organização Internacional visa a especificar ou a esclarecer o significado ou escopo que o declarante atribui a um tratado ou a algumas de suas disposições". 34 Diante de uma "declaração interpretativa", há quatro possibilidades para cada um dos demais Estados. A primeira é a de manifestar "aprovação", ou seja,"expressar concordância com a interpretação formulada na declaração" 35. A segunda possibilidade é que o Estado se http://www.corteidh.or.cr > Acesso em 02 de janeiro de 2010. Nos termos da opinião citada, "(...) la primera cuestión que se plantea al interpretar una reserva determinada es si ella es compatible con el objeto y fin del tratado". A corte, então, distingue o que seria uma reserva compatível ou incompatível: " En esa perspectiva, toda reserva destinada a permitir al Estado la suspensión de uno de esos derechos fundamentales, cuya derogación está en toda hipótesis prohibida, debe ser considerada como incompatible con el objeto y fin de la Convención y, en consecuencia, no autorizada por ésta. Otra sería la situación, en cambio, si la reserva persiguiera simplemente restringir algunos aspectos de un derecho no derogable sin privar al derecho en conjunto de su propósito básico. Como el género de reserva referido en las preguntas planteadas por la Comisión no aparece dirigido a negar el derecho a la vida como tal, la Corte concluye que, en este aspecto, debe considerarse en principio no incompatible con el objeto y fin de la Convención". 33 REZEK, Francisco. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 340. 34 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixty-first session. Reservations to treaties. Titles and texts of the draft guidelines adopted by the Drafting Committee, 1999, V. I. Disponível em < www.un.org >. Acesso em 02 de janeiro de 2010. O texto original em inglês é: " Interpretative declaration means a unilateral statement, however phrased or named, made by a State or by an international organization whereby that State or that organization purports to specify or clarify the meaning or scope attributed by the declarant to a treaty or to certain of its provisions". O texto em francês é: "L expression déclaration interprétative s entend d une déclaration unilatérale, quel que soit son libellé ou sa désignation, faite par un État ou par une organisation internationale, par laquelle cet État ou cette organisation vise à préciser ou à clarifier le sens ou la portée que le déclarant attribue à un traité ou à certaines de ses dispositions". 35 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Reservations to treaties: text and title of the draft guidelines provisionally adopted by the Drafting Committee on 5, 6, 18, 19, 27, 28 and 29 May 2009, p. 2. Disponível em < www.un.org >. Acesso em 02 de janeiro de 2010. O texto original e completo é: " Approval of an interpretative declaration means a unilateral statement made by a State or an international organization in reaction to an interpretative declaration in respect of a treaty formulated by another State or another international organization, whereby the former State or organization expresses agreement with the interpretation formulated in that declaration".

quede silente. Diferentemente do que ocorre com as reservas, nessa hipótese, o silêncio não se traduz em aprovação. 36 Como se afirmou em documento da CDI/ONU, o silêncio pode expressar tanto concordância como discordância de uma interpretação proposta. Estados podem considerar que não é necessário responder à declaração interpretativa porque ela reflete adequadamente sua própria posição, ou podem entender que a interpretação é errônea mas que não há sentido em fazer tal proclamação, pois, na visão deles, a interpretação não seria mantida por um terceiro imparcial na hipótese de um litígio. É impossível decidir qual destas duas hipóteses é a correta. 37 Outra atitude que pode adotar o Estado diante de uma declaração interpretativa é a "oposição", ou seja, a rejeição da interpretação formulada. O Estado que se opõe à declaração pode, inclusive, apresentar uma interpretação alternativa. 38 Uma última possibilidade é a "reclassificação". Na reclassificação, o Estado rejeita a declaração interpretativa de outrem por entender que se trata, na verdade, de uma "reserva". 39 Um exemplo concreto ocorreu com declaração interpretativa do Uruguai relativa ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Por ocasião da ratificação, o Uruguai apôs uma "declaração interpretativa", com o seguinte teor: "a aplicação do Estatuto de Roma se sujeita 36 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Reservations to treaties, op. cit., p. 2. O texto provisório da CDI sobre reservas traz a seguinte informação: "An approval of an interpretative declaration shall not be inferred from the mere silence of a State or an international organization. Ressalta-se, no entanto: "In exceptional cases, the silence of a State or an international organization may be relevant to determining whether, through its conduct and taking account of the circumstances, it has approved an interpretative declaration". 37 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixtieth session. Geneva, 5 May-6 June and 7 July-8 August 2008. Thirteenth report on reservations to treaties: By Mr. Alain Pellet, Special Rapporteur, p. 16. Disponível em < www.un.org >. Acesso em 02 de janeiro de 2010. O texto original é: "Silence can express either agreement or disagreement with the proposed interpretation. States may consider it unnecessary to respond to an interpretative declaration because it accurately reflects their own position, or they may feel that the interpretation is erroneous but that there is no point in proclaiming as much because, in any event, the interpretation would not, in their view, be upheld by an impartial third party in case of a dispute. It is impossible to decide which of these two hypotheses is correct". 38 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Reservations to treaties, op. cit., p. 2. O texto provisório da CDI sobre reservas traz a seguinte informação: Opposition to an interpretative declaration means a unilateral statement made by a State or an international organization in reaction to an interpretative declaration in respect of a treaty formulated by another State or another international organization, whereby the former State or organization rejects the interpretation formulated in the interpretative declaration, including by formulating an alternative interpretation. 39 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Reservations to treaties, op. cit., p. 2. O texto provisório da CDI sobre reservas traz a seguinte informação: Recharacterization of an interpretative declaration means a unilateral statement made by a State or an international organization in reaction to an interpretative declaration in respect of a treaty formulated by another State or another international organization, whereby the former State or organization treats the declaration as a reservation.

às provisões da constituição uruguaia" 40. Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Irlanda, Noruega, Reino Unido e Suécia se opuseram à declaração uruguaia, alegando que se tratava de uma reserva, o que colidiria com o artigo 120 do Estatuto de Roma. Por fim, o Uruguai optou por retirar a mencionada declaração. 41 5. Declarações Interpretativas Condicionantes Há, ainda, uma outra modalidade de declarações interpretativas que merece alguns comentários adicionais. São as "declarações interpretativas condicionantes", assim denominadas por condicionarem a manifestação de consentimento em se obrigar o autor da declaração à aceitação, pelos partícipes do tratado, da interpretação proposta. Se os Estados e Organizações parte do tratado não aceitam a interpretação proposta, o autor da declaração não estará obrigado pelo texto convencional (ao menos em relação aos Estados que rejeitaram a interpretação proposta). 42 Um exemplo concreto pode ser útil para a melhor compreensão das "declarações interpretativas condicionantes". Ao assinar o Protocolo Adicional II do Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco), a França fez a seguinte declaração: "Na hipótese da declaração interpretativa ser impugnada no todo ou em parte por uma ou várias Partes Contratantes do Tratado ou do Protocolo II, estes instrumentos ficarão sem efeito nas relações entre a República Francesa e o Estado ou os Estados impugnadores". 43 6. Reservas e tratados bilaterais Um tema de maior relevância teórica do que prática é a possibilidade de reservas a tratados bilaterais. Há alguns (poucos) autores que defendem tal posição. Observa-se que o 40 Na versão em língua inglesa, o teor da declaração era "The application of the Rome Statute by the Eastern Republic of Uruguay shall be subject to the provisions of the Constitution of Uruguay". Disponível em < http://treaties.un.org >. Acesso em 5 de janeiro de 2010. 41 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Multilateral Treaties Deposited with the Secretary-General. Disponível em < http://treaties.un.org >. Acesso em 5 de janeiro de 2010. 42 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Sixtieth session. Geneva, 5 May-6 June and 7 July-8 August 2008. Thirteenth report on reservations to treaties: By Mr. Alain Pellet, Special Rapporteur, p. 21. Disponível em < www.un.org >. Acesso em 02 de janeiro de 2010. 43 O texto original em francês é: "Dans le cas où la déclaration interprétative ainsi faite par le Gouvernement français serait en tout ou en partie contestée par une ou plusieurs Parties contractantes au Traité ou au Protocole no II, ces instruments seraient sans effet dans les relations entre la République française et le ou les États contestataires". Disponível em < http://www.senat.fr/ >. Acesso em 02 de janeiro de 2010.

conceito de reserva contido no art. 2(1)(d) da Convenção de Viena não exclui tal possibilidade. Ademais, tal dúvida foi favorecida pela mudança do título dessa seção na Conferência das Nações Unidas sobre Direito dos Tratados, na qual convenção foi adotada. O título original (reservas a tratados multilaterais) foi substituído por "reservas". Todavia, como afirmou Rezek, em um tratado bilateral, "cada tópico reclama o perfeito consenso de ambas as partes, sem o que a negociação não vai a termo". Assim, uma "pretensa reserva a tratado bilateral não é reserva, mas recusa de confirmar o texto avençado e convite à renegociação". 44 44 REZEK, op. cit., p. 337.