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Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 2005 IDENTIFICAÇÃO O meu nome é Marcos Isaac Assayag. Eu nasci em Manaus, Amazonas, no dia 19 de fevereiro de 1952. FAMÍLIA A família do meu pai é oriunda do Marrocos, e muito tradicional no Estado do Amazonas: a família Assayag. Eles vieram de Casablanca no final do século XIX. Eles vieram de Marrocos para o interior do Amazonas. O meu pai, Isaac, nasceu em Parintins e conheceu a minha mãe, Fortunata, em Manaus. Ele nasceu e se criou em Parintins, estudou em Belém e em Manaus. Eu nasci em Manaus e vim pro Rio de Janeiro com quatro anos de idade, no final de 1956. Então, essa que é a história da minha família. Eu retornei a Manaus muito tempo depois. Hoje a Petrobras tem um campo chamado Urucu. Eu tive a oportunidade de voltar a Manaus, que deixei quando era muito criança. Hoje a Petrobras tem bastante atividade no Estado do Amazonas. Mas, infelizmente, a atividade que eu trabalhei a vida inteira, a parte de águas profundas, não tinha em Manaus. Eu trabalhei mais voltado ao Rio de Janeiro. Pai O meu pai era comerciante. Ele começou a trabalhar bem jovem. Ele comprava mercadoria e botava nos barcos e levava pro interior do Amazonas e vendia mantimentos, batata, arroz, açúcar, para a população ribeirinha do rio Amazonas. Ele passava um mês viajando pelo interior do Amazonas e voltava depois de ter vendido tudo. Posteriormente, ele abriu um mercado em sociedade com o meu tio, o irmão dele. Depois, quando ele resolveu vir pro Rio para trabalhar com um outro tio numa fábrica de capas de chuva, ele vendeu a sua parte pro irmão. Esse mercado depois virou uma rede de supermercado, com umas 20 lojas, com

frigoríficos e distribuidores. O meu tio que teve a sorte de fazer o negócio. Mas eles começaram juntos. Irmãos Eu tenho um irmão e uma irmã. Minha irmã mora em Israel. Eu sou de origem judaica, eu nasci árabe judeu. A minha irmã mora em Israel, tem uma família grande lá. O meu irmão mora nos Estados Unidos. Mora em Miami, na Flórida, há dez anos. Hoje, ele tem até cidadania americana. A minha irmã mora em Israel com a família dela. Eu vivo aqui no Rio e a minha mãe também. O meu pai já é falecido. A minha mãe já teve dois AVC. Então, ela precisa de todo um esquema especial, três enfermeiras, que moram com ela, pra poder sobreviver. INFÂNCIA /MANAUS Eu me lembro muito vagamente de Manaus. Eu vim de lá com quatro anos. O que me lembro da minha infância, das coisas que me chamavam a atenção, são as frutas de Manaus, as frutas tropicais, que até hoje gosto muito. Açaí era uma coisa que me lembro que tomava lá e ainda tomo aqui. A gente gosta muito. Gosto também de alguns pratos típicos de Manaus, como tacacá, que é uma sopa servida numa tigela com tucupi, ela vem fervendo. É uma comida típica dos índios. Apesar de ter saído de lá com quatro anos, me habituei com essas comidas. Aqui no Rio tem alguns lugares que você encontra, e até hoje a gente ainda toma. Eu ainda tenho uma relação com a cultura amazonense, principalmente com a culinária. Eu voltei a Manaus em 1974, havia saído em 1956, e ainda não estava formado. Isso aconteceu uns seis meses antes da minha formatura, nem estava na Petrobras. Então, tentei reviver as lembranças da infância, como o Mercado dos Ingleses. Eu não tenho o sotaque amazonense. O meu sotaque é carioca mesmo. Quatro anos não deu pra marcar, mas apesar disso eu sou amazonense.

INFÃNCIA / RIO Eu morava em Copacabana. Tem até uma história interessante. O meu pai veio pra trabalhar com o meu tio e um outro tio meu veio junto com ele. O meu pai, como vendeu essa parte do mercado pro irmão dele, tinha um dinheiro que dava pra comprar um apartamento. Ele escolheu morar em Copacabana, porque em 1956 era o lugar dos sonhos, a princesinha do mar. Todo caboclo que vinha do interior tinha o sonho de morar em Copacabana. O meu tio veio logo depois, ele também era um comerciante, mas não tinha os mesmos recursos que o meu pai. E ele foi morar num bairro pobre chamado Ipanema e comprou um casarão numa rua meio escondida, perto do morro, chamada Nascimento e Silva. Ele comprou uma casa enorme, porque era muito barato. E o meu pai comprou um apartamento bem mais caro em Copacabana, na rua Barata Ribeiro. O mundo é engraçado, porque depois Ipanema ficou um bairro extremamente nobre e o terreno e a casa, ele vendeu, foram construídos três edifícios e ele ficou rico. INFÂNCIA EM COPACABANA Copacabana era um lugar maravilhoso. Eu morava na Rua Barata Ribeiro perto da Rua Constante Ramos. Eu jogava bola na rua. Em Copacabana jogava futebol na rua. Havia muito poucos carros. Carro era uma coisa de rico. Então, a gente fechava a rua, botava duas sandálias de cada lado e jogava futebol. Quando passava um carro a gente parava o jogo. Pra você ver, a freqüência era tão pequena que a gente parava o jogo pra deixar o carro passar e continuava o jogo logo depois. Então, era muito bom. A gente ia pra praia. Violência zero. Não existia nem um caso de roubo ou coisa assim. Era muito raro acontecer. Todo mundo queria morar em Copacabana. Um lugar que tinha todas as facilidades próximas. Tive uma infância muito boa

ENSINO FUNDAMENTAL Depois fui estudar no Pedro II. Então, pegava um ônibus em Copacabana para ir para São Cristóvão. Lembro que eu acordava bem cedinho. A escola começava às sete horas. Então eu tinha que acordar às cinco e meia da manhã pra poder chegar em São Cristóvão no horário. JUVENTUDE /TRABALHO A minha adolescência já foi mais complicada, porque o meu pai tinha um emprego, não era um emprego estável, e aí ele perdeu esse emprego. Ele ficou desempregado e teve que abrir um próprio negócio. Aí foi na época em que surgiram as primeiras loterias esportivas. Então, ele abriu uma loteria esportiva em Copacabana, na rua Francisco Sá. Eu estudava em Petrópolis, tinha que descer porque tinha um jogo, o último dia de aposta era quinta feira. Eu descia de Petrópolis pra trabalhar até meia noite, porque depois que fechava a loteria tinha os jogos de fora do Rio de Janeiro, de Fortaleza, enfim, de lugares onde não tinha loteria. E a gente continuava furando os cartões. Naquela época, cartão era perfurado à mão. Então, a gente tinha que trabalhar muito pra poder sobreviver. A adolescência não foi tão simples como a infância. A infância já foi mais estável, porque ele tinha um bom emprego. FAMÍLIA Eu tenho um irmão e minha irmã. Mas a diferença de idade é muito grande. Minha irmã é dez anos mais velha e o meu irmão sete anos mais velho do que eu. Então, eu era quase que um filho único, bem temporão. E eles tinham atividades bem diferentes. Eu lembro que brincava muito. Estudava no Pedro II e tinha alguns colegas de rua. Então tinha uma vida tranqüila.

LAZER / FUTEBOL Tinha a turma de rua que a gente se dava bem e o grande programa era jogar bola. Formamos um time com camisa e tudo. A gente jogava bola na praia ou na rua Constante Ramos. Então, a brincadeira era sempre essa, uma brincadeira muito sadia. Não existia droga, não existia nada. A nossa brincadeira era jogar bola. A gente se organizou pra ter um time com camisa e para jogar o campeonato da praia. A gente tinha que registrar na região administrativa de Copacabana, eu me lembro que era no posto seis. Lá tinha essa região administrativa. Então, a gente tinha um time de camisa. Até que aconteceu o meu acidente. JUVENTUDE /ACIDENTE Eu estava voltando da escola de carona. Eu estudava no Pedro II, em São Cristóvão. A gente costumava pegar carona. Naquela época, andar de carona era tranqüilo. Todo mundo andava. Então, eu estava vindo da cidade, peguei uma carona que me deixou na Marechal Floriano. E, como morava em Copacabana, atravessei a rua Presidente Vargas pra pegar um ônibus ou tentar uma outra carona pra voltar pra casa. Eu e um colega meu. Nessa travessia, eu parei no meio da Presidente Vargas, onde tem a faixa de pedestre, mas veio um carro e me atropelou. Eu estava com 17 anos, quebrei a tíbia, o perônio. Quebrei quase todos os meus dentes. Quebrei a cara. O carro me arrastou por 40 metros. Foi um atropelamento bem sério. Eu estava no segundo ano científico. Nesse dia, meu pai estava trabalhando na loja, com a minha mãe. Eu não consegui avisa-los. Fui removido para o Souza Aguiar e fiquei uma semana nesse hospital com um tratamento muito precário. Até que conseguiram me remover pra uma clínica particular, que hoje não existe mais, o Hospital dos Acidentados da Cruz Vermelha, onde tive o primeiro tratamento adequado. No caso da fratura, eles colocaram o osso na posição certa pra poder fazer a calcificação e colocaram o gesso. Até então não tinham feito nada no Souza Aguiar, onde o tratamento foi muito ruim. Eu tive que refazer todos os meus

dentes, todos. Os dentes saiam. Na hora, eu desmaiei. Tive o choque e desmaiei. Na realidade, o que aconteceu? O cara que me pegou estava embriagado, estava num fusca. Era um fugitivo da polícia. Foi preso, mas não pagou nada. O meu amigo, que estava do meu lado, não foi atropelado. Eu me distraí e o carro passou por cima. Ele que avisou a minha família. Eu fiquei dois meses numa cama e mais dois meses com gesso. A minha grande preocupação era perder o ano letivo, o que de fato não ocorreu, porque esse meu amigo ia pra aula, trazia todos os apontamentos pra casa. Ele se sentia muito responsável. No final do ano, eu fiz a prova e passei direto em tudo. Depois disso, eu nunca mais joguei futebol. Aí eu virei técnico na praia. Eu distribuía as camisas etc. Mas nunca mais joguei futebol e antes eu jogava bem. ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO O primeiro e segundo grau, eu fiz no Pedro II, que era um internato em São Cristóvão. Foi ali que eu me deparei com as primeiras experiências de vida. Eu estava acostumado com as pessoas de uma classe média da Zona Sul. Normalmente, quem morava em Copacabana era de classe média, média pra alta. Quando eu cheguei no Pedro II, eu comecei a ver que tinha gente muito mais pobre. O Pedro II era internato e, geralmente, quem estudava lá tinha o pai separado da mãe, não tinha uma estrutura familiar. Era uma escola excelente em termos de base. A escola Pedro II tinha ótimos professores. Era difícil passar no seu concurso, não era qualquer um que passava. E todo mundo queria ir pro internato, onde se entrava segunda e saia sexta. Tinha ainda o regime de semiinternato, que começava às sete horas e saia às quatro e meia da tarde. Era o que eu fazia. Era dada alimentação, tinha o dormitório, e todas as coisas. Era um sistema razoável. Eu não me lembro de ser ruim. Agora, o ensino era muito bom, tanto que me deu base pra que passar no vestibular sem ter que freqüentar nem um tipo de curso especial.

Lembro muito bem da escola. Uma lembrança boa? O recreio. Era a hora que eu gostava mais. Eu jogava bolinha de gude, coisas que hoje não se faz muito. Eu tinha uns amigos para brincar, coisas de criança mesmo, bolinha de gude e um negócio de fincar um ferrinho, que você jogava num triângulo. Chamava-se triângulo mesmo. Você tinha dois triângulos e tinha que cravar com um ferrinho pra fazer um roteiro da volta na casa do outro e voltar. Era um joguinho bem simples. Mas o Pedro II, eu me lembro bem, tinha muito bons professores. Não era muito fácil de passar não. Você tinha que estudar muito pra poder passar. A escola não era boate. Hoje a escola pública não é mais a mesma. Os meus filhos todos tiveram que estudar em escola particular, porque a escola pública ficou muito ruim. Mas eu sempre estudei em escola pública, a vida inteira. ENSINO SUPERIOR / TRABALHO Eu fiz o vestibular, passei pra faculdade e comecei a trabalhar. Passei para a UCP, Universidade Católica de Petrópolis, onde fiquei exatamente um ano. Depois fiz outro vestibular, passei para a Fluminense em Niterói, onde me formei Engenharia. Mas o primeiro ano da faculdade eu fiz em Petrópolis. Nessa época, eu passava a semana inteira lá. Eu descia na quinta, não assistia às aulas da quinta feira, vinha trabalhar, ajudando o meu pai, de duas da tarde até quatro horas da manhã do dia seguinte, furando os cartões da loteria. OPÇÃO PROFISSIONAL Eu não tinha uma predileção por uma profissão. Quem tinha vocação era meu irmão, que era uma pessoa muito habilidosa com as mãos. Ele sempre teve uma vocação grande pra Engenharia. Ele fez Engenharia Civil. Mas, pra mim, qualquer coisa tava bom. Eu podia fazer engenharia, podia fazer medicina, podia fazer jornalismo. Não havia algo especial. Eu gostava de estudar. Estudava. Era estudioso, mas não era uma pessoa muito atirada, vamos dizer assim. E o meu irmão falou assim: Ó, faz Engenharia porque eu vou arrumar um emprego pra

você. Eu falei: Legal! Eu não era uma pessoa muito determinada, não tinha uma predileção pessoal. FAMILÍA O meu pai não interferiu na minha escolha. Nessa fase da minha vida, ele estava desempregado, e a sua preocupação era muito mais pela sobrevivência do que pela educação. A minha mãe tinha preocupação que eu estudasse e fosse alguém na vida. O meu pai estava mais preocupado com a sobrevivência. Então, muitas vezes, falava pra gente ter que trabalhar mesmo. Tanto eu, quanto o meu irmão, tínhamos que trabalhar para ajudar no sustento da casa. Trabalhávamos na loteria esportiva do meu pai. Eu lembro bem que começamos com o teste 25 os testes tinham números, não sei se ainda existe isso e fomos até o teste 95, quando a loteria fechou. Foram 70 testes. E aí o meu pai voltou pra Manaus, com minha mãe, para ser gerente de um dos supermercados do meu tio. Voltou depois de muitos anos. Na verdade, estamos falando de 1972. Foi nessa época que ele voltou, mas eu fiquei aqui no Rio. Já estava estudando na Fluminense. Fiquei morando com o meu irmão, num apartamento pequenininho aqui na Rua Lauro Muller, em Botafogo. A minha irmã já tinha ido pra Israel. Ela casou e foi morar lá, na época da revolução, em 63 ou 64. Ou foi bem antes. Então, foi uma infância muito boa, muito saudável. Já a minha adolescência foi bem mais difícil. JUVENTUDE / LAZER Eu tinha uma família aqui no Rio de Janeiro bem grande. Tinha muitos primos e primas na minha idade. Eu saia com eles. Eles tinham mais de recursos do que a gente. Então, tinha esses primos com quem eu me dava, esse filho do meu tio que comprou a casa em Ipanema, que veio de Manaus, e que tinha uma loja. Era com a família do meu primo que o meu pai trabalhava. Esse meu tio tinha quatro filhos. E eu saia com eles, era muito bom, muito saudável. A gente saia pras festas. Sábado à noite íamos as festas em casa de família. Tinha alguns clubes que a

gente ia também. Íamos ao cinema. Depois começou a idade dos namoricos. Os Beatles e os Rolling Stones eram dois grandes sucessos na época, sem contar o Roberto Carlos, que estava começando o movimento da Jovem Guarda. DITADURA MILITAR O que foi muito forte na minha juventude, foi o fato de viver em plena revolução. Eu sofri. Eu estava no segundo científico quando vi o assassinato, em frente da Embaixada Americana, a morte daquele estudante, o Edson, que morreu baleado pela polícia. Eu estava ao lado. Eu não vi o cara morrer, ouvi os tiros e fugi. No dia seguinte, li no jornal que ele tinha morrido. Eu não era uma pessoa politicamente ativa, porque era muito pobre. A minha mãe dizia assim: Se você se meter em política vai pra cadeia e eu não vou poder te tirar. Os ricos, de alguma forma, podem. Eu não era uma pessoa muito politizada. Eu era muito curioso, mas não politizado. Não tinha ideais políticos muito fortes. Agora, os meus primos sim, e eles tinham plena consciência do que estava acontecendo. Eu não me metia em política, não era do Partido Comunista ou coisa assim. Mas, normalmente, a juventude é sempre da oposição. E, em 68, teve muito protesto contra o regime militar. JUVENTUDE / MÚSICA E FESTIVAIS A música era, basicamente, Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Esses eram os nossos cantores. O Chico Buarque era o melhor na época. E os estrangeiros eram os Beatles, que a gente tocava nas festas. A gente ia aos festivais de música. Era a época dos festivais, assisti à alguns. Fui no Maracanãzinho. E na PUC também tinha. O Chico Buarque cantava muito na PUC. Então, sábado à noite a gente ia pra PUC, onde tinha uma pérgula, que os músicos tocavam. Peguei uma época muito boa da música brasileira, com os festivais e de grandes músicos emergentes. Hoje, com MP3, a gente consegue baixar pela Internet todas as músicas antigas que não se tocam muito hoje, como Lunik 9, que é uma das primeiras músicas do Gilberto Gil: Poetas, seresteiros,

namorados... É uma música linda, é uma poesia do Gilberto Gil, hoje ministro. Foi uma das primeiras músicas que ele cantou. E tinha a Gal, Maria Bethânia, esse grupo todo. Foi a época da vivi na minha adolescência. MODA / CALÇA LEE Não era uma pessoa muito rica, mas a moda era, geralmente, calça Lee e camiseta. Era o que se usava. Hoje é jeans, mas se chamava calça Lee. A moda que se usava normalmente no Rio de Janeiro era essa. Era quase um uniforme. A calça Lee era importada. Tinha a Lee e a Levi s. A calça Lee vinha contrabandeada, se comprava no camelô na Praça Mauá. Então como era? Vinha pelos navios. Os camelôs contrabandeavam. Naquela época, não tinha os contrabandos do Paraguai, como hoje. Então, os navios chegavam na Praça Mauá, os caras traziam e vendiam as calças Lee originais, americanas. E eram caras, porque não tinha calça Lee pra comprar em loja. Quando tinha, era dez vezes o preço da calça que você comprava no camelô. Então, a minha primeira calça Lee eu comprei num camelô, no contrabando, da Praça Mauá. Era uma calça grossa e que todo mundo curtia. A moda era você curtir muito. E não tinha muito tênis. Tênis não era tão usado como hoje. O que se usava eram aqueles Congas. Quer dizer, eu não tenho grandes memórias de moda, porque eu não tinha posses pra poder ter moda. Eu me vestia dentro do possível. Agora uma calça dessas durava três, quatro anos. E quanto mais velha, melhor ficava, porque ela ia ficando mais fina e mais confortável de usar. As pessoas, normalmente, vestiam esse tipo de roupa. Principalmente, pra ir aos lugares públicos. JUVENTUDE / LIVROS E DISCOS Eu peguei uma época muito boa. A época dos Beatles. Só que os discos que a gente ouvia eram de vinil. E nem todo mundo tinha vitrola. A vitrola era uma coisa cara. Hoje, tudo isso evoluiu demais. Então tinha o toca disco. Você ouvia os discos de vinil.

Eu lembro que tinha muitos livros. Tinha as feiras de livros. A turma gostava muito de ler, mas os livros sempre foram caros. Eu gostava de ler mais os autores nacionais, como Machado de Assis, Guimarães Rosa etc. Gostava também dos livros russos. Os livros russos eram feitos naquele papel bem mais barato, enquanto os nacionais eram feitos em papel branco, numa impressão muito boa. Então, eram livros caros. Você não tinha muito acesso, as pessoas mais pobres não conseguiam comprar os livros. Mas os livros russos custavam cinco, não lembro a moeda, mas era um valor ínfimo, quase de graça. Então você lia Lênin, livros que eram proibidos. Tem uma história engraçada, meu primo, que hoje é um grande cirurgião, era muito ativista. Ele chegou pra mim e falou: Pô, dá pra você guardar uns livros? Estávamos em plena revolução. E ele me deu Trotski, Lênin, Marx, e um monte de livros pra guardar lá em casa. Um dia, a minha mãe viu e disse: O quê que é isso? E eu: Ah, o Rafael pediu pra guardar. O quê? Devolve essa porcaria. Se pegam isso aqui, você tá preso! Na época, isso era o suficiente pra você ir pra cadeia. Basta ter os livros dos pensadores russos. FAMÍLIA A minha mãe sempre foi a autoridade dentro de casa. O meu pai era muito mais uma pessoa que corria atrás pra trazer o dinheiro. A minha mãe era do lar, mas, ela foi obrigada a trabalhar, depois que o meu pai perdeu o emprego na fábrica de capas, onde tinha trabalhado durante 20 anos. Quando ele perdeu esse emprego, nós tivemos que abrir uma loja. A minha mãe nunca tinha trabalhado antes. E ela foi trabalhar pra garantir que os filhos pudessem estudar, o meu irmão e eu. Ela aprendeu tudo muito rápido. Ela foi trabalhar na loja que tínhamos na Rua Francisco Sá entre a Raul Pompéia e a Avenida Nossa Senhora de Copacabana. A minha mãe trabalhava também. A gente tinha que fazer tudo. A gente pegou a loja, pintou, fez as prateleiras das mercadorias. O meu pai tinha um dinheiro e eu ia com ele pra São Paulo comprar mercadoria lá na 25 de Março. Enchíamos as malas e trazíamos de ônibus pela Viação Cometa. Trazíamos a mercadoria pra vender em Copacabana. Depois o meu tio convidou o meu pai pra ir pra Manaus.

Então, eu diria que, essa loja durou uns quatro anos. A minha mãe foi com ele pra Manaus e nós ficamos aqui. Eu já tava na faculdade. ESTÁGIOS / TRABALHOS Já na Faculdade, na Fluminense, eu fiz estágios. O meu primeiro trabalho foi numa fábrica de máquinas de sinalização de estradas, em Duque de Caxias, na estrada Rio-Petrópolis. Eram aquelas máquinas que pintam as faixas nas estradas. Eu fiz estágio nessa fábrica. Eu já estava na faculdade, mas como não estudava em período integral, dava para trabalhar meio expediente. Eu trabalhava na manutenção. A gente testava a máquina na pista pra ver se tava tudo limpinho, pra liberar pra a obra. Essa firma prestava serviço pro DNER. Fazia pintura em estrada. Eu aprendi uma coisa. É até um fato interessante: quando tudo vai bem a produção é sempre elogiada, mas quando alguma coisa dá errada, a manutenção é que paga a conta. Então, nós tínhamos recebido uma máquina e fizemos uma revisão completa. Máquina de pintura costuma entupir com a tinta. Como é que funciona? A tinta na época era assim, não sei se ainda hoje é dessa forma era misturada com esfera de vidro pra dar o reflexo na estrada. Quando bate o farol você vê aquele reflexo. O que brilha é o vidro, as micro-esferas de vidro que você joga na tinta. Enfim, quando você termina de usar a máquina, tem que limpar a mangueira com um solvente muito poderoso chamado toluol. E o que aconteceu? A gente preparou a máquina e tinha um operador para andar com ela, que era como um carro, com um motor de Volkswagen: dois cilindros pra tração e dois cilindros pra compressão. Mas o operador esqueceu de limpar a máquina. Aí um belo dia, quando nós fomos fazer a inauguração da Niterói-Marília, a gente entregou a máquina. Foi o dono da firma da fabrica. Eu fiquei na fábrica, mas o operador foi. Quando chegou lá começou a botar pressão. A mangueira estava entupida, explodiu. Foi tinta pra tudo que é lado. Sujou a roupa do prefeito. Levei uma bronca do tamanho de um bonde. Aí eu aprendi uma coisa: na manutenção você pode trabalhar até se matar, mas se errar uma coisinha paga a conta.

Quando entrei na Petrobras, eu falei: Eu quero trabalhar em qualquer lugar, menos em manutenção. Acho que essa lição eu aprendi. A manutenção é uma atividade extremamente técnica. Hoje não é mais assim, é dado um valor muito grande pra manutenção, porque sem ela as coisas não funcionam. Não dá mais pra pensar como se pensava antigamente. Hoje todos os processos são importantes. Pra você ter o processo na ponta, é porque alguém tá fazendo algum serviço de infra-estrutura pra você poder ir para frente. Mas, na época, a manutenção não era tão valorizada. Quando entrei na Petrobras, depois daquele trauma com aquela máquina, pedi: não trabalho em manutenção. Como eu disse, isso era um estagio de Engenharia, era o nome que davam. Mas era um estágio que você trabalhava efetivamente. Eu ganhava dois salários mínimos: um salário mínimo na carteira e mais um que eu ganhava por fora. Eu fiquei um ano e meio nessa firma trabalhando. Quando estava no quarto ano da faculdade, o meu irmão que já era Engenheiro Civil da Servenco, construtora de edifícios conseguiu um emprego pra mim na Elevadores Schindler do Brasil. A firma onde ele trabalhava comprava muitos elevadores, e ele conhecia as pessoas de lá. Eu estava fazendo Engenharia Mecânica. Aí eu fui trabalhar nessa fábrica de elevadores, que ficava lá em São Cristóvão. Hoje esta fábrica está na Avenida Brasil, em Campo Grande. Nesse trabalho, aprendi como era o processo de produção, como é que funcionava uma fábrica, como é que se faz assistência técnica. Trabalhei um ano na Schindler. Estava muito bem lá. Já estava conhecendo bem todo o funcionamento, ganhava um salário maior, acho que ganhava cinco salários mínimos. Até que houve o concurso pra Petrobras. Eu não ia nem fazer, porque estava satisfeito lá na fábrica. Mas os meus colegas de turma falaram: Ó, vai ter um concurso pra Petrobras. Você não tá a fim de ir lá se inscrever? Eu falei: Ah, tá bom. Eu era muito tranqüilo. Aí como todo mundo foi: Ah, eu vou também, vou junto. Aquele negócio de colega, né, de todo mundo vai, eu vou. Não vou deixar de fazer o que eles estão fazendo.

INGRESSO NA PETROBRAS Quando chegou na hora de fazer a inscrição, tinha opção para vários cursos. Eu não tinha a menor idéia do que era petróleo, da Petrobras, de nada. Eu não tinha idéia alguma. Aí um amigo disse: Eu vou fazer o curso de Analista de Sistema. Eu nem sabia o quê era isso direito. Era a parte de computadores. Eu perguntei: Vem cá, qual é o curso com melhor relação candidato/vagas? Eu já fui pelo lado da praticidade. Era o curso de Engenharia de Equipamentos, que tinha 100 vagas. É nesse que vou me inscrever. Então ele se inscreveu num curso, muito mais bonito, uma especialidade mais nobre. E eu fui mais prático. E esse curso onde se faz? É no Rio. Então é esse que eu vou fazer. Porque o curso de Produção era na Bahia. Eu queria ficar no Rio, porque o meu circulo de amizade estava todo aqui. Então me inscrevi no curso de Engenharia de Equipamentos. E o que aconteceu? Eu fiquei como terceiro suplente. Como é que funcionava? Tinha um número de vagas, vamos supor 100 vagas, eu seria o 103. Era o terceiro suplente. Aí eu até brincava muito quando perguntavam: Que lugar você passou? Eu passei em terceiro. Mas não dizia o que era o terceiro suplente. Nós estamos em 1974 e, nessa época, além da Petrobras, tinha a Nuclebrás, a indústria nuclear brasileira, que estava sendo criada. Então, não havia problema de desemprego. Na minha turma de 31 engenheiros, todos tinham emprego. Aliás, emprego era uma coisa que não faltava. Faltavam pessoas pra trabalhar, porque ainda tinha a indústria automotiva, automobilística em franca expansão em São Paulo, a indústria naval fluminense, lotada de pedidos. Os estaleiros estavam desesperados por gente. Então era assim, você escolhia onde trabalhar. Hoje eu vejo todo mundo desesperado por emprego. Naquela época, era fácil: Aonde eu vou? Eu não vou pra São Paulo, porque não gosto de poluição. Então, tinha essas coisas. A maioria dos meus colegas foi pra área naval, em estaleiros. Niterói estava cheia de estaleiros. E eu estava trabalhando na Elevadores Schiller e teve essa prova. Eu fiz a prova e, logo, fui chamado. Fui fazer o curso de Engenharia de Equipamentos. Aquele meu amigo, colega de turma, não

conseguiu passar. E era um bom aluno. Na escola, ele era melhor do que eu. Ele tinha notas melhores, mas não conseguiu passar. IMAGEM DA PETROBRAS O que sabia da Petrobras era muito pouco, quer dizer, eu não tinha muita informação. Eu sabia que a Petrobras era uma empresa grande, mas não tinha a menor idéia do que vinha a ser a Petrobras, nem o que ela fazia. A única coisa que eu sabia é que ela pagava um salário razoável. Não era muito não. Eu me lembro bem qual era o valor do salário: 4122 cruzeiros. Não sei o que isso significa nos dias de hoje. Nós estamos falando de 1975. Eu entrei na Petrobras no dia dois de janeiro de 1975, ou seja, acabei de fazer 30 anos, no dia dois de janeiro de 2005. Mas, naquela época, não tinha a idéia do que era a Petrobras. CURSO DE ESPECIALIZAÇÂO EM ENGENHARIA DE EQUIPAMENTOS Eu sabia que tinha que fazer curso de Engenharia de Equipamentos, que era um curso de especialização, e era um curso excelente. Então, a vontade do saber era mais importante do que o quanto iria ganhar ou deixar de ganhar. O que eu queria era aumentar os meus conhecimentos. A curso de engenharia que tinha feito na Fluminense foi um curso mais ou menos. Eu queria mesmo era ter feito o IME, mas não consegui passar. Eu fui reprovado na quarta prova. Então, o curso de especialização da Petrobras era uma oportunidade de melhorar os meus conhecimentos. Eu fiquei muito satisfeito. E o curso era eliminatório, ou seja, tinha um conjunto de provas de três em três meses. Se você não passasse, você era demitido. Terminando o curso, você podia ser contratado ou não. Era tudo condicionante. Como todos aqueles que passavam no concurso, assinava-se o contrato e ia fazer o curso no Edise. Na época, o curso era dado no décimo oitavo andar do Edise, Edifício Sede.

ESPECIALIZAÇÂO ENGENHARIA DE EQUIPAMENTOS O curso da Petrobras não era um curso difícil, mas era extremamente cansativo. Você tinha um volume de matérias muito grande e um tempo muito pequeno. Então, você tinha que estudar muito, mas não tinha um grau de dificuldade que exigisse um conhecimento profundo. Você tinha que se dedicar. Eu estudava de 12 a 15 horas por dia. Não tinha como não fazer isso. Mas não era difícil. O curso era competitivo, porque era classificatório. Por exemplo, tinha uma matéria lá, pintura. Tirei uma nota 9,8. Fui bem? Não, não fui porque todo mundo tirou dez. Eu tirei 9,8 fui mal pra chuchu. E por que era competitivo? Porque quem tivesse a melhor colocação escolhia a vaga no lugar que queria. Na época, em 75, tinha lugar no Brasil inteiro: desde a refinaria de Manaus até Porto Alegre. Em todos os lugares onde a Petrobras tinha atividade. Tinha a área de dutos, a área de produção. Tinha o Xisto, no Paraná. Você podia escolher qualquer lugar no Brasil. E o que eu queria? Eu já era noivo. Estava noivo da minha atual esposa. Ela estudava na UFRJ. Então, eu não queria ficar longe do Rio de Janeiro. Quando terminou o curso, eu procurei arrumar um lugar que me garantisse o retorno pro Rio, independente do fato de ser um lugar promissor. Enfim, eu queria ir pra um lugar onde tivesse possibilidade de voltar pro Rio de Janeiro. Aí eu fui pesquisando os diversos lugares que ofereciam. Hoje, eu conheço profundamente todos os lugares da Petrobras. Mas, na época, eu fui procurando: Ah, se for pra refinaria você vai e fica por lá, não tem como voltar. Então descartei essa possibilidade. Eu escolhi a Bahia, porque o pessoal disse: Você pode passar um ou dois anos e, depois, pode voltar pro Rio. Foi o que escolhi, fui para Salvador, para o departamento de Exploração e Produção. Mas a minha visão era independente do que iria fazer. Eu tinha feito o curso de equipamento voltado para a área de refino. A vaga era na área de produção de petróleo, ou seja, nada a ver com refino. Era completamente diferente. E na Bahia. Então, na realidade, o lugar que eu ia trabalhar não tinha muita relação com o curso que tinha acabado de fazer. Mas eu não estava

preocupado com isso. Eu estava preocupado em voltar pro Rio de Janeiro dois anos depois. CASAMENTO Eu queria voltar pro Rio. Todos os meus amigos eram daqui. Apesar de eu não ser carioca, a minha vontade era voltar pro Rio. Inclusive, porque a minha namorada estava aqui, né? Então, eu terminei o curso e fui pra Bahia. Teve até um fato interessante. Eu fiquei em Salvador um ano, sete meses e 15 dias. O curso terminou no final de 75. Eu fui pra Bahia e, no final de 76, dia 29 de dezembro, eu casei no civil. Era muito comum, quase todo mundo fazia isso, quando você acabava o curso, casava, porque já tinha condições de se sustentar. Naquela época era quase um padrão. Então, eu casei. Só que eu estava na Bahia e a minha esposa estudava Engenharia Química na UFRJ. O que aconteceu? Nós casamos, ela saiu de casa. Nós casamos aqui no Rio. Na época tinha o civil, que era outra cerimônia, e depois o religioso. Eu casei no religioso no dia oito de janeiro, na Sinagoga da ARI aqui em Botafogo. Tivemos a lua de mel em São Lourenço e depois fomos pra Bahia, onde eu fui trabalhar. Quando terminou o mês de fevereiro, o que aconteceu? Ela estava estudando, tinha que voltar pra as aulas. Então, um mês depois, ela voltou pro Rio e eu fiquei na Bahia, porque tinha que terminar um trabalho. Eu estava pedindo a minha transferência pro Rio. Foi engraçado que ela saiu pro casamento e, quando voltou, foi pra casa dos pais. E o porteiro disse assim: Pô, coitadinha, casou outro dia e já voltou pra casa. O casamento durou dois meses. Essa história foi engraçada. Eu voltei para o Rio três meses depois, porque saindo da Bahia tive que fazer um estágio. A Petrobras estava começando a atividade offshore. Aí começa a história das águas profundas.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / BAHIA A Bahia era um lugar completamente novo pra mim, com um tipo de cultura completamente diferente. A Bahia é um lugar onde a raça negra é muito presente, a influência africana é muito forte. É um lugar maravilhoso, as pessoas são maravilhosas. Eu comecei a trabalhar na atividade de projetos de estação coletora em terra. O Brasil ainda não tinha nada em offshore. Eu trabalhava fazendo projetos de produção. Vou entrar um pouquinho na parte técnica. O petróleo era produzido em terra lá na Bahia. Então tinha o sistema de tratação. Você tinha que tratar esse petróleo, tirar a água, separar o gás. E a gente fazia isso em estações coletoras. Aí comecei a aprender a projetar estações para sistemas terrestres. Cheguei na Bahia no pico da produção. Naquela época, a Bahia estava produzindo 150 mil barris por dia. A Bahia é onde nasceu o petróleo no Brasil, no município de Candeias, onde está o campo de Lobato. O primeiro poço foi o Lobato. Candeias e Catú são as duas regiões na Bahia. E eu trabalhava na sede, em Jequitai, perto da feira de Água de Menino. Era um lugar muito típico. Quando tinha a lavagem do Bonfim, havia uma procissão que passava por lá. Na Bahia tem muita cultura negra e muita religiosidade também. É muito forte, muito mais do que no Rio de Janeiro, não tem nem comparação. Eu estranhei muito, porque não tinha o círculo de amizade enorme que tinha aqui no Rio de Janeiro. Eu me criei aqui, né? Então, na Bahia eu não conhecia ninguém. E me dedicava demais ao trabalho, porque eu não conhecia nada. Eu ficava oito, nove, dez horas trabalhando. Eu morava num apartamento alugado com um colega. Ele era do Rio também. Fizemos o curso e fomos para a Bahia juntos. Na época, não existia os bairros famosos. Era um areal. Isso foi 1975. Eu morava na Barra, num condomínio. E a gente rachava um apartamento.

TRAJETÒRIA PROFISSIONAL TENTANDO VOLTAR PARA O RIO E já queria voltar pro Rio. Cheguei pro meu chefe e falei: Olha, eu quero voltar pro Rio, não quero mais ficar aqui. O cara disse que não podia. Aí eu vim pro Rio, acertei com uma pessoa, que era chefe aqui no Edise. E o cara falou: Você passa um ano, que eu vou fazer o seguinte: vai chegar uma nova turma, quando tiver um engenheiro novo, eu mando pra Bahia e você vem pro lugar dele. Falei: Legal. Então, seria na base da troca. Tudo bem. E passou um ano, as pessoas foram mudando. E eu tinha acertado aquela troca com o chefe. Mudou esse chefe, entrou outro. O outro chefe falou: Não, eu não vou te liberar. Eu trabalhava bem, produzia bastante. Eu não vou te liberar não. Você está aqui há muito pouco tempo. De fato, eu tinha menos de um ano de casa, e já estava querendo ir embora. Em 76 olha como o mundo é pequeno e a história da Petrobras vai se somando, foi criado o Distrito Sudeste. Em 1974, tinham descoberto um negócio chamado Bacia de Campos, através do campo de Garoupa. Estavam criando o Distrito Sudeste em Vitória. Aí a minha cabeça pensou: Eu tô a 1600 quilômetros de casa. Indo pra Vitória, eu fico a 600 quilômetros de casa. Vou tentar ir pra Vitória. Se eu não for pro Rio, vou pra Vitória, porque já fica mais perto, estarei a menos mil quilômetros. E esse meu chefe, o primeiro, me convidou: Você quer vim comigo pra Vitória? Eu adoraria ir pra Vitória. Só que o chefe que ficou no lugar dele falou: Você não vai pra Vitória, vai ficar aqui na Bahia. E não me deixou ir. Eu iria trabalhar numa atividade crescente, que estava iniciando, o que hoje é a Bacia de Campos, e que estava começando por Vitória. Eu peguei o início do início do início de todo o desenvolvimento da Bacia de Campos atual. Então, o meu chefe não deixou eu ir pra Vitória. Eu tive que ficar na Bahia. Eu era engenheiro novo, produzia, era o mais novo que tinha lá. Quando eu cheguei, o mais novo tinha 13 anos de Petrobras. Então, eu era sangue novo. A gente sabe como é importante ter os jovens trabalhando junto com os antigos. É fundamental. Hoje, onde trabalho tem

300 engenheiros trabalhando comigo. Quando recebo as turmas dos jovens, cada um é melhor do que outro. Há a passagem da experiência e do aprendizado. É isso que perpetua a Companhia. Hoje, eu entendo quando meu chefe dizia que não podia me liberar, ele tinha toda a razão. Mas eu fiquei uma fera. Eu queria vir embora. Não queria nem saber. Eu estava determinado a ir embora. A minha esposa, que estava aqui, perguntava: Qual o lugar que você mais gosta da Bahia? Eu respondia: O aeroporto. Quais os lugares que você mais freqüenta? E eu: Vasp, Varig e Cruzeiro. Eu queria voltar pro Rio e eles não me deixavam sair de lá. Eu disse: Não tem outro jeito, vou pedir demissão. Aí eu vim pro Rio durante as férias e arrumei um lugar numa empresa pra trabalhar. Como tinha feito o curso de especialização, eu teria que pagar uma indenização pra Petrobras para poder sair. Ai o cara dessa empresa disse: Eu pago a indenização e você vem trabalhar aqui. Quando eu cheguei lá pro meu chefe: Tá aqui. Nunca tinha feito uma carta de demissão na minha vida. Procurei como se fazia uma carta de demissão, fiz a carta e entreguei. Eu tinha um ano de Petrobras. Mas já tinha a decisão: Vou pedir demissão e vou trabalhar no Rio. Aí quando meu chefe viu a carta e viu que era sério: Não, peraí, calma, você está muito nervoso. O que você está querendo? Vou dar um tempo e tal Aos poucos, eu fui conseguindo a transferência pro Rio de Janeiro. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / ATIVIDADES EM OFFSHORE Mas antes de ser transferido pro Rio, eu iniciei a atividade de plataforma. A Petrobras tinha descoberto o campo em 68. Foi o primeiro campo marítimo no Brasil, chamado Guaricema, no litoral do Sergipe. Na época, a Petrobras não tinha nenhum conhecimento técnico de como se explotava um campo no mar. Então, houve uma decisão do Presidente Geisel, o então Presidente da Petrobras, extremamente estratégica de explotar o campo sem que a rentabilidade fosse assegurada. Hoje, qualquer projeto que se faça, tem que ver se a receita compensa o gasto que vai ser feito. É preciso ter o que a gente chama de VPL, que é o Valor Presente Líquido, isto é, tem que ser positivo pra justificar o investimento. Foi uma decisão estratégica, porque naquela época o barril de

petróleo valia dois dólares, um valor muito baixo. Hoje o petróleo está bem mais alto, mas na época era muito baixo e não compensava. Mas foi um aprendizado. Então, eles compraram, porta fechada, das empresas americanas, as plataformas, as jaquetas fixas, o sistema de produção das plataformas e uma estação em terra, que é a Estação de Atalaia, que existe até hoje em Sergipe. O sistema de produção foi comprado e tudo foi projetado pelos estrangeiros, até o aço era importado, porque nós não tínhamos conhecimento. Quando eu saí da Bahia, para trabalhar no Rio de Janeiro, o meu chefe do Rio falou assim: Você vai fazer um estágio, e vai trabalhar na atividade offshore, em Aracajú. Ao invés de vir para o Rio, eu saí de Salvador e fui pra Aracajú. A minha mulher falou assim: Pô, mas não é possível. Você não foi transferido? Pois é, mas agora tenho que passar por um estágio. Quanto tempo? Um mês. E fui pra Aracajú, visitei todas as plataformas, conheci toda atividade offshore, foi um estágio muito legal. Quando terminou o estágio, o cara da Bahia falou: Olha, tem um projeto que você fez. Você tem que voltar pra Bahia pra poder terminar esse projeto, mas agora chegou aquele cara que eles mandaram pra você passar o serviço. Em vez de voltar pro Rio, eu saí de Aracajú e voltei de novo pra Bahia. E agora vai contar essa história pra a minha esposa, a Cibele. Ela ia acreditar? Tá me enrolando, né? Mas eu fui. Em maio de 77, eu fui efetivamente transferido e vim pro Rio de Janeiro. Então, foi um período complicado até a minha volta. Mas, o meu plano inicial estava certo. Eu fui para a Bahia em novembro de 75 e um ano e oito meses depois, menos de dois anos, eu estava de volta no Rio de Janeiro, conforme aquele planejamento. Na época, offshore era uma atividade menor. O mundo é engraçado, porque quando o petróleo era barato, a atividade de exploração e produção offshore tinha um valor pequeno. Todo mundo, os melhores alunos, os melhores colocados, iam pra área de refino. A Petrobras era refinaria. O petróleo era importado. A gente produzia muito pouco petróleo no Brasil, 200 mil barris na época. Então, o petróleo era importado. E todos os meus colegas de curso foram pra área de refino. E eu fui pra área de produção. E os caras disseram: Pô, você vai praquela porcaria e tal. E, quer dizer, a razão de eu ter ido foi mais física. Mas foi a decisão mais

certa que eu fiz na minha vida, ir pra área de produção, porque foi a área que mais cresceu. DÈCADA DE 70 / CHOQUES DO PETRÓLEO / MUDANÇAS NA PETROBRAS E aí houve o choque de petróleo, os dois choques: o de 73 e o de 79. E a prioridade da Petrobras mudou completamente, passou toda para a área de produção. E onde tinha petróleo no Brasil? No mar. Então, a gente tinha descoberto a Bacia de Campos, que começou a crescer. Com esse crescimento enorme de campos descobertos, houve necessidade de desenvolvimento da produção, porque a dívida externa brasileira era muito grande. E o petróleo era o causador disso. Foi nesse momento que o preço do petróleo subiu muito. Então o governo brasileiro abriu para a área de risco. Porque havia um problema de balanço de pagamento muito grande. E a gente era totalmente dependente do petróleo. O petróleo era importado, éramos fortemente dependentes. Então, a atividade que eu fui trabalhar começou a crescer estupidamente. BACIAS DE CAMPOS E DO NORDESTE / DÈCADA DE 70 O campo de Garoupa na Bacia de Campos foi descoberto em 1974. A primeira produção olha como eu vivi exatamente esse momento, o primeiro óleo produzido na Bacia de Campos foi em 15 de agosto de 1977, no Campo de Enchova 1. E as plataformas fixas começaram a ser desenvolvidas em 79. Eu já estava no Rio de Janeiro. Então, só pra encaixar no tempo. Eu cheguei no Rio em maio de 77, quando já estavam produzindo o primeiro óleo na Bacia de Campos. Eu trabalhava na Divisão de Engenharia do Departamento de Exploração e Produção e continuava responsável pelas plataformas do Nordeste. Eu fazia os projetos dessas plataformas. Todas as plataformas lá de Aracajú: Caioba, Guaricema, Camorim e Dourado. Eram plataformas pequenas e fixas.

Depois a gente começou a trabalhar, subindo pra Ubarana, no Rio Grande do Norte. Fiz o projeto para a Plataforma de Cação, no Espírito Santo. Todas plataformas fixas pequenas. E fomos até Fortaleza, com o projeto de Curimã e a Plataforma de Espada. Eram os projetos que a gente trabalhava. Então, criaram um grupo chamado Gecam, que cuidava só da Bacia de Campos. E eu trabalhava pelo resto da costa, na Divisão de Engenharia. Ficava responsável pelos projetos do Nordeste. PRIMEIRA TURMA DE ENGENHEIRAS Havia um grupo especializado que trabalhava na Bacia de Campos, o Gecam. Olha como é que a vida vai cruzando. Eu entrei em 77 e trabalhava na Divisão de Engenharia. Em 78, a Petrobras resolveu admitir mulher no seu quadro de Engenharia. Quando fiz a prova em 74, eu tinha guardado as questões que tinha feito na cabeça e anotei no meu cartão o que tinha caído na prova. A Cibele, minha esposa, estava estudando, se formando em Engenharia Química, na UFRJ. E eu falei o seguinte: Cibele, vai abrir um concurso pra mulher. Ela: Puxa, eu vou tentar. Eu falei: Eu lembro da prova que fiz. Vai cair questão sobre isso.... Nós estudamos juntos. Ela tinha um grupo de colegas, e a gente ia estudando, estudando. Ela fez a prova e passou de primeira. Eu tinha sido o terceiro suplente. Eram 30 vagas e ela passou direto em 20º lugar. Quer dizer, ela passou no concurso da primeira turma de engenheiras mulheres, quando foi permitido o ingresso, em 1979. CIBELE ESPOSA E COLEGA DE TRABALHO O que aconteceu? Ela foi fazer o curso de especialização. Ela fez processamento pra refinaria. Eu fiz o curso de Engenharia de Equipamentos. O curso dela era bem difícil. E no meio do curso aconteceu o inesperado, que a gente não tinha planejado. Ela ficou grávida da minha filha Elaine. E aí? Jamais a gente podia pensar em não ter a criança. Isso nem passava na nossa cabeça. E ela fez um

sacrifício muito grande, porque estava fazendo um curso altamente competitivo. Era extremamente importante ela se classificar bem pra poder ficar no Rio e não ter que ir para fora, pra não nos separarmos. Ela estava grávida e não tinha jeito. Ela fez o curso assim mesmo. E conseguiu passar, pegou a última vaga do Rio de Janeiro, na Reduc. Então, em 79, ela foi trabalhar na Reduc, grávida de sete meses. E, assim que ela teve o neném, depois que passou o tempo que ela tinha direito para amamentar, depois do período de licença, eu dei um jeito dela sair de lá e vir pra cidade. Pra onde? Pro grupo da Bacia de Campos. Então eu trabalhava pras plataformas do Nordeste e ela veio transferida pra trabalhar no Gecam no grupo de plataformas da Bacia de Campos. Saiu da Reduc e mudou completamente de ramo. Ela tinha feito um curso de Química pra refinaria e foi trabalhar na área de produção forçada pela necessidade de ficar perto da neném e longe da Reduc, porque ali era terrível. Ela foi a primeira mulher que teve na refinaria, mas era tudo muito distante. Era engraçado porque a gente morava na Morada do Sol aqui em Botafogo e ela saia às cinco e meia da manhã. Ela ia trabalhar e eu ficava dormindo. Eu pegava às oito horas. Ela ia às cinco e meia da manhã pra Reduc, pegava o ônibus. Era uma viagem enorme até a refinaria. E eu só entrava às oito horas aqui no Edise. Era moleza. Tranqüilo. Eu vivia na maré mansa e ela carregava a barra pesada. Mas a sua transferência não foi muito boa, porque lá na Reduc ela era a Cibele. Quando ela veio pra cá e foi pro Gecam, não era mais a Cibele, era a esposa do Assayag. E isso não é uma coisa legal. A pessoa tem que ter a sua vida independente, não misturar uma coisa com a outra. Então, ela perdeu a identidade dela. Quem é essa? Essa é a esposa, não era mais uma pessoa com sua individualidade. GECAM Nesse período, existia o Gecam, que era o grupo especial só pra construir as sete primeiras plataformas da Bacia de Campos. O que era esse grupo? A Petrobras não tinha nenhuma experiência nessa área. Em todos os projetos, a tecnologia era importada. Então os projetos vinham ou da Inglaterra, os projetos do Mar do Norte,

ou dos Estados Unidos. Eram os dois modelos: o americano e o inglês. O modelo americano tinha a sua atuação no Golfo do México. O Golfo do México tem 6500 plataformas, é um paliteiro. Ou o modelo do Mar do Norte que tinha aquele tipo de plataforma, adequado para as condições climáticas daquela região. Então, a Petrobras comprava a tecnologia dos ingleses ou dos americanos. A Cibele tinha ido trabalhar no GECAM, nos projetos das plataformas da Bacia de Campos. Quando esse grupo acabou de construir essas primeiras plataformas, tudo se consolidou na Divisão de Engenharia. Quer dizer, as pessoas do GECAM foram distribuídas na Petrobras e as pessoas de projeto voltaram pra Divisão de Engenharia. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / DIVISÃO DE ENGENHARIA Eu já era chefe do setor de projetos da Divisão de Engenharia que atuava pro Nordeste. Aí a Cibele veio trabalhar comigo, passei a ser chefe dela. Olha só que coisa interessante. Não tinha nada a ver o trabalho de um com o outro e a coisa se cruzou. A atividade dela tinha acabado e ela veio pra cá trabalhar em Engenharia e eu virei o seu chefe, o que foi muito ruim. Eu era muito rigoroso, porque não queria que dissessem: Ah, é primeira dama. Tinha essas brincadeirinhas chatas, mas não tem jeito. É inevitável, e a vida é assim mesmo. Isso não vai mudar. Mas não era agradável para a Cibele conviver com aquelas brincadeiras. Ela ficou muito tempo trabalhando comigo. E o que aconteceu? Até então, no Cenpes, só existia atividade de pesquisa e engenharia da área de refino. Em 83, a Petrobras resolveu criar no Centro de Pesquisa a atividade de Engenharia Básica da área de produção. Então, nós saímos da Engenharia, quer dizer, comecei trabalhando no Departamento de Exploração e Produção, fui pra área de Engenharia, na época era o Segen, e depois fui para o Cenpes. Em 83, criou-se esse grupo no Cenpes.

ENGENHARIA BÁSICA DO CENPES Resolveu-se então criar o núcleo de Engenharia Básica da área de produção no Cenpes em 1983. Antes existia um grupo que cuidava da área de Refino, que nasceu em 76. Para o Cenpes, nós viemos por um processo de livre escolha. Quer dizer, quem quisesse podia ir para a Engenharia Básica no Cenpes. O novo núcleo ficaria encarregado de criar a tecnologia e projetar as plataformas. Quem quisesse ficar na Engenharia ficaria na Edise. E assim foi: dois terços do grupo foi pro Cenpes e um terço ficou na Engenharia. BACIA DE CAMPOS CAMPOS VERMELHO, PARGO e CARAPEBA Quando nós chegamos no Cenpes, nosso primeiro desafio foi projetar o primeiro conjunto de plataformas fixas do Pólo Nordeste da Bacia de Campos. Então, em 83, a gente começou a fazer o primeiro projeto 100% nacional da Bacia de Campos. Até então os projetos eram importados. A tecnologia vinha de fora. O Pólo Nordeste da Bacia de Campos era um complexo de seis plataformas: três plataformas no campo de Vermelho, uma no campo de Pargo e duas no campo de Carapeba. E a Cibele veio trabalhar comigo nesses projetos. Eu era chefe do setor de Facilidades e Produção. Era uma chefia de uma área pequena. E nós começamos a criar esse núcleo que trabalhava sempre na área de projetos de plataformas. Já não existia mais o Gecam, aquele núcleo executivo que foi feito pras primeiras plataformas da Bacia de Campos. Eu fiquei de 1983 até 1989, trabalhando nessa área que a gente chamava de Diprex, Divisão de Projetos de Exploração. E a Cibele trabalhando junto comigo nesse período. Em 1989, o Guilherme Estrella, atual Diretor da Petrobras, era o superintendente do Cenpes. Ele tinha sido recém-empossado no Cenpes. Antes era o José Paulo Silveira.