CASA VAZIA FREDERICO NERCESSIAN
PRODUÇÃO EDITORIAL Autor: Frederico Nercessian Título: Casa Vazia ISBN:978-85-917913-0-9 Prefixo Editorial: 917913 Edição: Daniel Joppert Capa e ilustrações: Walker Ramon Diagramação: Walker Ramon Impressão: Promo Press Gráfica Off-Set e Digital São Paulo, 2014 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor.
PREFÁCIO Surgiu inesperado e gradual o convite para editar este livro. Eu lia esparsamente alguns textos do meu amigo e autor Frederico Nercessian. Aos poucos me envolvi e notei então a força das poesias aqui publicadas. Elas haviam sido escritas em um período curto e intenso: alguns baques, algumas noitadas, outros descaminhos. Fiquei orgulhoso, por assim dizer, que meu amigo estava escrevendo e arriscando uma publicação independente. Deixando-se em livro aberto, fazendo permanecer um momento importante pelo qual passou. Assim começou o trabalho de edição, eu reli as poesias para enxergar seu ritmo, sentido, características. Sugeri palavras, quebra de versos, corte de trechos. Após a edição inicial, começamos a reler juntos para consolidar a versão final e definir os poemas selecionados. Diversos foram cortados para dar mais coesão ao conjunto, ou porque poderiam ser desenvolvidos de novas maneiras, ou por pura birra mesmo. Ao final temos aqui 31 poemas cuja linha condutora é a vivência do autor em um determinado período. Não há um padrão em termos de métrica de versos, rimas ou mesmo se se inicia com letra maiúscula ou minúscula. Buscamos entender cada poema e formatá-lo dentro das suas características. Esse livro é o resultado desse esforço. Daniel Joppert - Editor - 5 -
AGRADECIMENTOS Histórias não podem ser contadas sem personagens. De que valeria todo o conteúdo se a obra fosse conduzida apenas pelos olhos singulares dos autores? A vida não é diferente. O processo criativo começou há muito tempo, antes mesmo de poder imaginar que a caneta e o papel pudessem ser tão essenciais no meu dia a dia. As pessoas ao meu lado, algumas hoje distantes, outras ainda de braços dados foram, e continuam sendo, essenciais. Sendo assim, agradeço à minha família, e principalmente ao meu avô, inspiração maior desta empreitada, o senhor Ernesto. Aos amigos: Daniel (o editor da obra), Walker (ilustrador e diagramador), Michel (gráfica), Perroni, Andrew, Eduardo, Mec, Du Rito, Liminha, Cauê, Guilherme Hilsdorf, Viola, Dinho, Rodrigo, Annie, Cuca, Karla, Leonor e Paula. Aos demais, e não poucos, vou agradecer pessoalmente. Espero que gostem. Obrigado, Frederico Nercessian
Casa vazia, grito pelo nome do meu avô. Não me assusta ouvir sua voz, mas sim o silêncio dessa dor. - 9 -
PARTE 1
I Reflexo numa poça Foco desconexo Não reconheço a sua face - afinal, tudo não passa de forma - Ondas se mexem, dispersando alguma certeza Pingos O conteúdo é perdido a cada gota remexendo a imagem desfocada de alguém que você imaginou reconhecer Porém nunca irá compreender. - 13 -
II Gosto doce refresco pela boca percepção tênue de alívio, lidando com a amargura do peito Tornando-se desprezível como aquele garoto admirado porém nunca encarado, por medo de provar a própria angústia tentando escondê-la com uma mordida num morango com açúcar. Muito açúcar. - 14 -
III Foi desejado ao tropeçar nas velhas desculpas de outrora, similar a deparar-se com o calor imperioso em pleno inverno não sabendo lidar com o desafio de encarar a timidez, a covardia, a fraqueza - 15 -
IV Aqueles surrados, maltratados pelo solo desgastado, respondidos pelos pedregulhos encontrados que você, ao tentar correr, acabou por encontrar cada vez mais; e cada pisada em falso contribuía para a corrosão do seu eterno zelador mas que você não soube dar valor, dançando contigo quando estava só despencando junto quando tropeçou. - 16 -
V E o tapa recebido na cara quase passa despercebido perto da dor de guardar suas histórias na gaveta da sala, perdendo as chaves que serviriam para reviver os momentos de sorriso deixados sozinhos junto ao pó. Susto e arrepio ao levar a bofetada Sabendo agora, o quanto pôde estar perdida. Recordar dos tempos de brincadeiras polícia e ladrão em volta dos muros, asfalto queimando as solas dos pés, a briga quando o cansaço superava a coragem, não admitindo sequer a derrota. E eis que surge a mangueira da velha senhora fazendo chover sem nem o céu estar nublado. O cenário fazia os rivais pararem a discussão e xingar a decrépita até se esgoelarem, mal sabendo estar sendo coroado o que mais podiam esbanjar: Sua liberdade. - 17 -
VI Famílias abrigadas em suas casas buscando viver e poder passar aos filhos os seus aprendizados, não percebendo a ausência de um empurrão para largarem as paredes limitadoras criando receios naqueles que contariam aos próximos aprendizes que o fato não é dizer, mas sim ir em busca de algo, sorrir. Alcançar no abrigo o conforto sem deixar permanecer a fadiga de estar encostado na poltrona dizendo: controle, preguiça. - 18 -
VII Houve pranto por sentir-se incomodado com o café, agora gelado, incapaz de fornecer o combustível após a perfeita madrugada vivida, no sonho mais maluco existido, desejando dormir para sempre, e assim fantasiar a felicidade. - 19 -
VIII Um coração congelado sem sentimentos revelados um calor infernal e seu desejo abismal descongelar o peito frio abandonar a solidão mas nem todo o verão derreterá minha ilusão. - 20 -
IX escreve e escreve e escreve, e percebe não saber nada. mas não apaga, porque a vida é isso aí, você quem traça seu caminho, descobre não entender nada e segue da forma mais intensa, escrevendo cada página da sua história, com vontade de amassar todo o caderno, mas sem nunca desistir. escreve e escreve e escreve, porque o rabisco, a rasura e os três pontos definem você. - 21 -
ENCERRAMENTO 1 com ilustração
PARTE 2
X Metrô lotado vazio, indiferença. Só pretendo me segurar. A rapidez maquinal ainda assusta, segurança abaixo do solo nunca foi vista, por mais tentadora e charmosa que possa ser. Lá abrigam aquele inquisidor, você morre de medo de tê-lo ao seu lado, mas almeja sobretudo a sua coragem, inexistente ao lidar com a vida, sabendo, no fundo, ser a nobre tentação somente um fruto proibido. - 25 -
XI Desejo ser instigado. Vida quero para conhecer, decepcionar, admirar, amar, chorar. Indago o olhar de dúvidas, perdido perto de toda escuridão. Encontro conforto, comoção e lágrimas. Encarar quem sou é alívio. Interrogações sempre existirão. Respostas? Quem sabe. - 26 -
XII Belos de se ver complexos no preparar ricos por natureza ocultando a necessidade das mãos no preparo. O feito e o fato são admiráveis? Completos? Árduos no preparo, como a vida nos coloca, capazes porém confusos, esbeltos, mas também incertos. Mãos lapidando descartam o todo desnecessário separando relevância do inútil assim como escolhemos tudo o que nos encanta. Eternos. Assim são. - 27 -
XIII A decisão tomada junto ao café Lembranças de um passado [da manhã mais fortes que o café carregada de ímpeto e desejo na xícara prometendo a si mesmo deixado. mudar o seu rumo Retomando o plano dizendo também de início Cansei de não lutar. traçado e o quanto pensou: Levantou-se Estava eu tão errado?. correu escada acima olhou-se no espelho Um lampejo, cortando toda a barba um minuto, pouco se importando a vida é lembrada com sua opinião já formada dando-lhe conta posta de lado Da cama devia ter levantado. pelo sonho da noite, um vislumbre ao céu inteiro nublado. - 28 -
XIV Parabéns, demonstrou conhecimento seguiu todos os passos conseguiu enunciar Um roteiro bem escrito passou a reprisar mostrando o quanto sabe antes mesmo de ingerir E seguir os mesmos passos, aceitar uma saída mesmo essa não sendo uma autêntica medida dita por cronistas ficando a admirar Quem foi, quem fez, quem viu, apenas estando a observar. - 29 -
XV O garoto franzino calado incerto recebeu um pedido deixando-o inquieto. Solicitaram mudez, surdez, desolfato, em troca de gente, beleza e bom papo. Corou e pensou rapidamente De que vale isso tudo, na minha frente? Aceitou a oferta e passou a andar buscando outro tolo para, agora, enganar. - 30 -
XVI Pediu-me fogo para acender seu vício Eu, na clara certeza, encontrei o que queria Uma troca de favores, pensei oferecer: Colaboro com o seu, mas preencha, ao menos, o meu. - 31 -
XVII Iniciou-se uma conversa, sem firmeza no olhar afinal, queria eu, apenas saciar aquilo que corrói o meu âmago aflito aplacar minhas vontades, feito um animal faminto Quero, preciso! Vomito. Não é possível satisfazer. Como pude, logo eu, botar tudo a perder ataquei meu alimento, sem me importar ela queria simplesmente poder se libertar. Eu apenas um motivo, para ela me tragar. - 32 -
XVIII Quero ser agarrado Amordaçado Gritar por socorro sem esperança ou salvação Nada de redenção Muito menos ilusão De ser livre sem ação - 33 -
ENCERRAMENTO 2 com ilustração
PARTE 3
XIX Cortei as asas de um anjo. Caído Na calçada Aguardando ser levantado Pensei como ele era fraco Entregue Incapaz de me manter alegre Ele ansiava por alguém A quem pudesse socorrer Não aguentou o peso Começou a debater-se Arranquei a sua vida ao vê-lo chorar De que adiantam as asas Se já não pode voar? - 37 -
XX Traído Jogado na sarjeta Chutado Escarrado Por histórias criadas pela solidão Suposição Perda Abandono e Amargura - 38 -
XXI Uma volta pela cidade Noite Brisa e liberdade Livre de problemas Vento frio No peito Gelando o coração já congelado Deixando o contato criar fumaça Capaz de queimar A mão ao tentar aliviar A solidão ao ar livre é melhor que o calor do verão capaz de derreter a alma sem solução. - 39 -
XXII Pelo Vale das Sombras caminhei por você esbarrando na tentação de arder em suas chamas com seu corpo ao meu lado, quem sabe, dançando, sentindo o olhar repulsivo dos demais, para na luxúria cativar, aliciar - 40 -
XXIII Você se apresentou e demonstrou confiança para alcançar a cintura magra, porém farta, da garota de cabelos vermelhos. Palavras ditas, ao atravessar pelos olhos da cor do mar, em nada representavam o medo do oceano sem estar com suas boias, tão importantes, para criar algo seguro, porém, sem futuro. - 41 -
XXIV Grite, lute, chore pelo que não fiz espere, pense um pouco Sussurre, enfraqueça, sorria pelo que falei ao pé do seu ouvido, a mais bela mentira Deite, p ense, chore por quão tola foi ao saber que estava certa Levante, vá, há mais mentiras para ouvir mais lágrimas para derramar - 42 -
XXV Mãos dadas Entrelaçadas Troca de forças Segurança Jogadas ao vento Ao menor vestígio de dependência Semelhante à fraqueza De um belo cristal Suspenso ao teto Por um barbante Demonstrando beleza Imponência Ousadia em arriscar-se Mostrar-se Perdendo-se na certeza das vontades Sem se perguntar: É certo? Vendo ruir ao chão Ao desfio do barbante Por preocupar-se mais em observar [o reflexo Do que o tempo suspenso Longe da gravidade, Instabilidade dada, outrora [ocasionando O sutil toque quente das mãos [trêmulas Estamos seguros? - 43 -
XXVI olhos que não dizem nada gestos que indicam desconforto bocas que só dizem palavras mãos que demonstram insegurança cacos na avenida quando está descalço corpo sem forças para um abraço rodeado de pessoas inócuas vontades reprimidas tornam-se lamentos descobrir a ausência no velho espelho desgastado mas sentir num piscar algo caloroso e numa ofensa a antiga paixão. - 44 -
XXVII converso comigo esta é a questão vivo pelo encontro de alguma solidão perco manhãs pelo cansaço da noite, esta não me abandona pelo contrário me encontra. rejeição mesmo conheci em você de que adianta convívio em meio a tanto desconforto. - 45 -
XXVIII Prédios e concreto vida nas alturas. Dúvidas, solo, pés no chão. Caminho ao topo, subo, desço. E o todo não satisfaz, o nada pouco importa, a certeza é dúvida, insignificante. Meta, direta! O meio-termo esfria qualquer decisão tomada. A vida regada de charme e luta e desapego, obsessão! Acima e abaixo, mas sem encontrar consolo, percebendo que o que vale é percorrer, cair, subir, viver, sem saber para quê. - 46 -
XIX Conquistar é finalizar. Não há mais o que ser feito, é acostumar-se com o resultado, mesmo quando tudo está perfeito. O jogo é a aventura, a busca do encontro mútuo, como um pássaro encontra o infinito, e o infinito nunca o luto. - 47 -
XXX Penso analisando fatos razão ao lado paixão no encalço Laços e sangue te obrigam a aceitar ninguém respeita quando passa a questionar O Senhor carrega aspereza na fala Já os homens a velha e falsa sutileza É fácil sorrir mas não quero pensar se penso entristeço com um pio da verdade O cálculo é feito de acordo com vontades A ética aparece sumindo igual fumaça Ilusão vale a pena assim vou me enganando não existem respostas nas manias humanas - 48 -
XXXI caneta que corre e discorre soletrando histórias do passado querendo atirar-se, mas encontrando o pecado buscando consolo no que está por vir tinta que derrama e lambuza colore o branco do nada declama vontades na busca do prazer junto das lágrimas enxugando o vazio amargura suja o que a tinta deixou vivendo do ócio e encontrando lirismo riscando tudo sem conseguir se opor nada que cria se apaga, mas risca da vida, com um pouco de dor. - 49 -