ANUÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA 9 PROCESSO N 2.692. (Embargos) ACÓRDÃO



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Transcrição:

ANUÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA 9 PROCESSO N 2.692 (Embargos) ACÓRDÃO Embargos infringentes. Tidos como improcedentes, ao revolverem matéria dos votos vencidos. Presunção das vistorias e prevalência da diligência ordinária. A inavegabilidadc ligada ao conceito de culpa. A vetustez, risco latente e admitido, capaz de tomar o caráter de vício oculto, segundo as circunstâncias. Vistos e discutidos os presentes embargos infringentes, em que sáo embargantes a American International Underwriters Representações S. A. e a Firemen s Insurance Co. of Newark, N. J. Por decisão de 3 de setembro de 1957, êste Tribunal, contra os votos dos juizes Carlos de Miranda e Gerson Cruz, julgou como resultante de vicio oculto o naufrágio, em 24 de janeiro de 1954, do vapor "Pirineus, do Lóíde Brasileiro, P.N., ocorrido em virtude de água aberta, em sua viagem de Salvador para o Rio de Janeiro. Nos presentes embargos, que tiveram curso regular, figuram como impugnantes o Lóide Brasileiro e o capitão, ouvida a Procuradoria, que se pronunciou a fls. 1 foi o recurso interposto no prazo e admitido por não ser unânime a decisão e por se basear nas razões dos votos vencidos. No entanto, em sua impugnação, o Lóide Brasileiro levantou a preliminar de falta de qualidade das embargantes, uma vez que não juntaram prova de serem seguradoras da carga ou da sub- -rogação, com o pagamento da indenização. Ora. na espécie, pareceu ao relator que, admitindo o recurso para prosseguimento, a presidência se louvou na presunção aceitável da sub-rogação, tratando-se de emprêsas de tôda idoneidade que. como é de crer, não viriam a juízo por simples diletantismo, não tivessem um legítimo interêsse econômico. I)e forma que é de se reconhecer aquela legitimidade, como no caso vertente, tratando-se de sociedade de seguro que. assim, pela sua natureza e finalidade merecem a priori, o reconhecimento daquele direito. Aliás, essa presunção já era do Dec. 24.585 que considerava as Companhias de Seguros como partes interessadas, preceito êsse que se mantém no nosso atuai Regimento Interno. Em nada se opôs a Procuradoria e, destarte, é de se ter como improcedente a preliminar.

10 TRIBUNAL MARÍTIMO 2 De mentis, O acórdão embargado foi sucinto em suas considerações. Analisou as circunstâncias, e inclusive como se processou a invasão (causa do naufrágio): por bombordo, no fundo, próximo à antepara de ré da praça da máquina, onde esta situada uma bomba; local de difícil acesso, exame e reparo; possivelmente ruptura numa junta de chapas, num navio já velho (opinião do chefe-de-máquinas) e, ao ser batida uma das cunhas, o esforço do choque provocou um rombo maior. Levou em conta as vistorias porque passou o vapor: as oficiais, em séco e flutuando, dentro dos prazos, e a do Bureau Veritas, feita quatro meses antes do sinistro. E ainda às obras realizadas, com exame e substituições de chapas. E concluiu admitindo o vicio oculto, certamente porque escapava ao armador, como escapou aos peritos, a sua descoberta, isto é a de um possível ponto vulnerável naquela superfície enorme, em condições que permitissem aos técnicos ver nêle a eclosão eventual. O recurso, por sua vez. depois de estranhar que um navio abrisse água sem um fator externo (como colidir, abalroar, encalhar ou uma ação extraordinária do mar), apega-se. para alegar a culpa, às condições ruinosas do casco, o que significa más condições de navegabilidade, ou melhor, com fundamento no> votos vencidos, má conservação. Alude ao ocorrido, na viagem de ida, em Ilhéus, (na qual o vapor sofreu, quando atracado, a ação de algum pontalete do cais ou do fundo). E acrescenta que, em virtude dêsse fato, deveria ter passado por nova vistoria e não por simples inspeção ou exame, como foi feito. E. em assim sendo, caducara a anterior, regulamentar, o que quer dizer que a embarcação não estava com sua vistoria em dia. Passam, em seguida, as embargantes a abordar a presunção que geram as vistorias; o que constitui as condições de navegabilidade e terminam com a lição de Vaiin. em comentários à Ordenança de 1681, quando proclama a responsabilidade do armador, mesmo se vistoriado o seu navio e desde que. pelos acontecimentos, venha a se verificar, em razão de vícios ainda que ocultos, não estar êle de fato navegável, tudo porque está obrigado a fornecer um navio capaz de fazer a viagem". A impugnação do armador e do capitão, além da preliminar já referida, se funda nas vistorias e nas obras realizadas; repele o se pretender exigir dos responsáveis dons divinatórios do que, por natureza, é oculto à humana diligência. Mostra como os casos citados pelas recorrentes, e já julgados por êste Tribunal, não lhes aproveitam, porque nenhum dêles se apresenta nas condições do ora em julgamento. Cita. por fim. em abono, os dos vapores Buarque de Macedo, Itapuí (nêste admitido o bom estado de navegabilidade, apesar da vetustez) e Campinas, que consagram a verdadeira jurisprudência dêste órgão, consoante, aliás, a u niversal. Êste o relatório do que contêm o recurso e sua impugnação. 3 A questão do prazo da vistoria parece ser falha de razão. A argumentação seria digna de maior exame, não fôsse o absurdo que logo ressalta de. em vista de um j»equeno furo, logo reparado no local, dever o navio interromper a viagem, voltar ao Rio nara ser doeado e vistoriado, para os efeitos regulamentares. além do prejuízo com despesas e mais riscos para o carregamento. Ora, basta ler o art. 271 do R.C.P., para ^e constatar a improcedência do alegado. Êsse artigo só exiee nova vistoria para as avarias graves, o que positivamente não é o caso Bastou, é lógico, o exame

ANUÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA 11 oficial realizado, do reparo e demais condições do vapor, lanto que nele mais se verificou (a invasão, como o naufrágio, se deu em outro ponio do casco). Seria, portanto, o caso de uma vistoria determinada, que não substitui nem anula a periódica, em sêco, que deu o navio como bom para navegar. 4 A presunção que gera a i istoria Na realidade, o que mais uma vez surge nestes autos é a insistente questão em tòrno da mera presunção que geram as vistorias, quanto ao estado de navegabilidade do navio. É pacífico que es&a presunção tem um valor juris tantum. Assim também é entre nós, há mais de cem anos. Pode ser ilidida por prova em contrário, que deverá versar sóbre displicência ou êrro grosseiro dos peritos, ou sòbre uma alteração posterior conhecida, que afete a segurança do navio. Nesta última hipótese é óbvio que cumpre ao dono repará-lo, para mantê-lo sempre apto, capaz de realizar a viagem; do contrário, ter-se-ia um navio dentro dos regulamentos, ma.> i navegável técnicamente. A doutrina, os julgados e as leis não reconheceram, por isso, na formalidade, uma capa ou absolvição para. com sua simples observância, desonerar o transportador de tudo o que então adviesse. Assim é que, cumprido o dever de vistoriar o seu navio no tempo e nos prazos da lei, surge, então, para o armador, aquêle outro, permanente e inalienável, de mantê-lo em bom estado. Mas nem por isso se pode deixar de reconhecer certos princípios que, também no direito marítimo presidem a matéria da culpa, quando se tratar daquele dever de conservar a aptidão e segurança do navio, o que. afinal, constitui a prestação do fretador no contrato de transporte. 5 a diligência ordinária Se o armador observa as exigências preventivas dos regulamentos, no que concerne às vistorias do navio, sua utilização e manejo, o que se exige mais para mantê-lo capaz de navegar com segurança? Que passe a usar dos cuidados ininterruptos à vigilância, e à diligência ordinária, isto é, o que se pode pretender, razoàvelmente. do homem, no trato de seus negócios. É a due diligence. de definição difícil para fugir ao casuismo; aos tribunais competia apreciá-la soberanamente. Por motivos que adiante se verão, as leis se limitaram àquela exigência: basta o transportador wsar de tôda diligência esperada, para isentar-se de culoa p^r atos que escapariam, quando procede como o bom pater familias. Isso significa que. cumprida essa obrigação, não responderá por fatos que aconteçam, apesar de seus cuidados, e que não lhe era possível evitar, nem êle nem seus prepostos. por escaparem às suas possibilidades, quer por ocultos, quer porque não eram precursores de um sinistro imediato, nem beiravam à temeridade. A prova da culpa cabe. assim, àquele que alegue a falta de vistoria ou dos cuidados esoerados na conservação do bom estado do navio. A simples due diligence e a vantagem da prova negativa criaram uma situacào que não é um privilégio, mas um amparo ao armador: justificam-se por motivos ponderáveis de eqüidadf» como se passará a ver. 6 a boa doutrina A evolução oue sofreu a matéria da responsabilidade contratual do transportador com o conceito legal dr» due dilinmce. positivada no Harter Act de 1893. deoois nas Regras de Haia. oue serviram de paradigma a tôda a legislação posterior anglo-americana e. em seguida à Convenção de Bruxelas d<» 1021. nara f1*nirar agora em tôdas as leis modernas está fundada em imperativos da razão: justa proteção ao armamento, aceita pelos demais interessados, carregadores e seguradores, nos conclaves em que se juntaram.

12 TRIBUNAL MARÍTIMO Realmente, seria exigir muito de uma atividade, na qual o instrumento (navio) de complexa aparelhagem e construção, é susceptível de surpresas desconcertantes, que poderão chegar à destruição fulminante de vultosos capitais e à ruína do transportador através das indenizações a que fõsse obrigado. Assim foi que o primeiro reflexo daquela proteção apareceu na distinção entre as culpas náuticas e comerciais, isentando o armador de responder pelas primeiras e igualmente pelos últimos se provar a due diligence a que já se aludiu. Eis o que, enfim, reza o art. IV da Convenção: O transportador, ou o navio, nõo será responsável por perda ou araria causada ou resultante do estado de navegabilidade, a menos que seja imputável à falta de diligencia ordinária para ter o navio em bom estadi) e convenientemente aparelhado etc.. Colocando-se a meio têrmo, a legislação obrou com justiça, reconhecendo os riscos que assaltam a armação, por causas impossíveis de serem evitadas. Assim é, como vimos, em todo o mundo, com exceção de alguns países que vivem ainda em sonhos de mais de cem anos. De tal forma, que nem êsses sonhos souberam espancar, quando há tempos criaram uma lei especial, mal redigida, omissa e trapalhona. Lei magnânima que faz o estrangeiro preferir pleitear, por exemplo, no Brasil, como é o nosso caso. a fazê-lo em outras jurisdições. Felizmente que uma reação já aparece em alguns projetos, como o apresentado â C.M.M. e em outro estudo na Câmara dos Deputados e da autoria do dr. João Vicente Campos. Em resumo, e.-^ta rápida mas necessária divagação. mostra-nos como a indústria da navegação teve seus riscos comparados, nésse particular, de tal forma que as leis e as convenções em certos casos permitem até a exclusão da garantia de navegabilidade. E para reforçar o remédio que tem o armador, não há muito um julgado da justiça americana dizia: Se homens competentes deram o navio como navegável apos um exame, com completa ciência dos reparos realizados, isso significa que foi observada a diligência devida quanto ao que se exige para a viagem; assim o armador tem motivos para crer no bom estado do navio". Sentença no caso do Manton, em Knaught, The American L av of Ocean Hill of Lading, pág. 142. Não vale, pois, hoje em dia, argumentar com Valin, de quase três séculos, que. como a nossa lei. só visou a entrega da carga. Valin dos bons tempos dos reduzidos veleiros, de carenas com gusanos à vista. Hoje o insigne juri<ta veria, com «n n r ^ a. c^^o em sua terra as leis e os tribunais derrotaram sua extrema opinião. 7 A vetustez Alguns autores, por excess» ue -*>ulos, temem equiparar à vetustez aqueles outros vícios chamados próprios ou internos. Ésse temor advem da idéia da culpa, que trazem desde logo êstes últimos, na leitura dos códigos. Na realidade. a vetustez se diferencia daqueles defeitos, que precipuamente podem e devem ser obviados como remediáveis que são. Ao passo que ésse desgaste ou uso, como vício, é inerente, é permanente, ta7 parte integrante do navio. É admitido como se apresenta no seu estado potencial, conhecido dos interessados, que preferem correr o risco; que o carregador não ignora e o segurador por êle fixa o seu prêmio, para o que basta consultar os registros, mananciais cuja finalidade é fornecer os elementos para avaliação das garantias. Nessa base estabelece mesmo o segurador sua retenção para os efeitos do resseguro. É assim no mundo inteiro.

ANUÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA 13 Risco agravado, considerado e medido, como agravados são os de percursos em navios de madeira, ou, nas viagens internacionais, nos de pequenos porte e em tantos outros casos. Imagine-se, então, têrmos nos a vetustez como um daqueles vícios propnos, que por si só condenam o navio. Seria a calamidade abrangendo 65% da nossa Marinha Mercante, vítima quase generalizada do desgaste natural, e que trafega ainda à custa de heroismo. Só nos restaria apelar para os barcos estrangeiros, para maior angústia dos técnicos nacionais. São navios que por aí trafegam, com o mal a èles inerente, que exige, não há dúvida, cuidadas maiores dos donos Quando nada acontece, eis o céu azul. Mas se, apesar dos cuidados e diligência, eclodir o que era possível, não obstante as apreensões, eis o navio em mau estado". Por fim, ainda sôbre a vetustez aqui está a opinião de um dos nossos mais abalizados especialistas: Vício oculto ou latente. Não se deve confundir o vício próprio com o vício oculto ou latente. Os navios, sobretudo aqueles de grande tonelagem, são estruturas extremamente complexas, verdadeiras cidades flutuantes, onde se congregam aparelhos, instalações e maquinismos os mais variados. Donde, apesar dos cuidados tomados, apesar dos controles feitos, ser sempre possível escapar aos construtores, como aos vistonadores (e muito mais ao armador e ao capitão) defeitos, cuja ação postericr cause um sinistro, impossível de prever, ou de evitar. São os vícios ocultos. O vício oculto é uma fortuna de mar a cargo do segurador (Danjon IV'. N. 1239). O Código italiano de Navegação, no seu art. 525, transformou em lei a doutrina dominante no seguinte preceito: "O segurador do navio responderá pelos prejuízos devidos ao vício oculto do navio, a menos que prove que êsse vício poderia ser descoberto por um armador que empregasse diligência normal. Vetustez Os princípios da nossa lei não toleram outra conclusão senão a de excluir a vetustez do conceito do vício próprio. O navio velho, cansado, por certo resiste menos ao mar que um novo. Mas o navio velho não é para condenar só porque é velho. A vida de um navio tem uma duração maior ou menor, dependendo do material com que foi construído, da conservação de que foi objeto, dos consêrtos que lhe fizeram. Para imputar-se vício próprio é preciso que apresente não só a idade, como também defeito. Não é de admitir que o segurador invoque a vetustez do navio para invalidar a apólice de vez que tem meios para investigá-la nas publicações do Lloyd s, A. Bureau, nos registros do Tribunal Marítimo e Capitanias Depende do segurador rejeitar o contrato, aumentar o prêmio, tomar suas precauções ao ajustar a apólice. Nâo autoriza a sua condenação, o navio só por ser velho, pois tudo depende do material com que é construído e sua conservação. Por isso. se exige que à idade se alie a um defeito, para que, então assim apareça o vício próprio, na acepção de alguns. O desgaste ou usura não é vício próprio igualmente, que aparecerão, porém, chegando o desgaste a ponto que tom e imprescindível a substi-

14 TRIBUNAL MARÍTIMO tuição. (J. V. Campos. Da avaria particular no direito nacional c internacional 16Ò/6). E prossegue: For isso, é de reconhecer que no nosso país, o conceito de navegabilidade deve se entender com o temperamento de ju>tiça, que pedem não só a situação da economia marítima, como os limites da capacidade humana. A maioria das unidades da nossa frota mercante está fora de classe e mal conservada. É de presumir que o segurador, que deve saber disso, considerou èsse risco suplementar no prêmio que colheu '. É um conforto, para quem julga, ter um amparo dessa ordem na concepção das coisas. Sentir-se robustecido nas suas afirmativas pela opinião ae um jurista que dedicou tòda sua vida ao estudo e à meditação no campo árido e empolgante do direito marítimo. Eis alguns dos julgados que se encontram em Hude (ob. cit. adiantei. 1. -4 insuficiência da conservação do navio, teve relação com sua idade. A vctustez não é um vicio do navio senão na medida em que seu estado é agravado por culpa do armador. 2. O sinistro devido sòmentc á vetustez fica a cargo do segurador, porque a idade e a classe do navio foram considerados por éle ao assinar a apólice. 3. Tratando-se de uma erosão impossível de constatar por ocasião da piengem, o navio sendo pintado e raspado sete meses antes do sinistro, e a lei exigindo a vistoria em sêco de 18 em 18 meses, nenhuma negligencia pode ser imputada aos armadores. Por aí vai o autor citando numerosas outras decisões. 8 A inavegabilidade ligada à noção de responsabilidade Tòdas essas considerações mostram como é difícil estabelecer o que se chamaria um padrão de navegabilidade. Da noção material, técnica ou objetiva, deveu a boa doutrina, desde os fins do século, ater-se. principalmente nos casos de vícios ocultos, à da responsabilidade. confirmando assim o conceito de Bonnecase: Todo processo de direito marítimo é, em princípio, um processo de responsabilidade..lá conhecemos os motivos que levavam a doutrina a não se descurar diante de fatos e problemas que assoberbam o armamento. O princípio gerador da inavegabilidade não se encontra em nosso código. nem no francês. Daí o recurso à teoria da culpa, que as contingência> exigiram. Uma obra interessante existe na nossa biblioteca (Essai sur l innavigabilité du navire en droit français E. Hude) no qual o autor nos mostra como a ingerência do Estado na fiscalização (visita e controle) dos navios só apareceu na França com a ordenança de 1681, com uma organização inspirada na de Felipe II. de 1565; em seguida, refere-se à Declaração Real de 1770, às leis do seculo X IX e às francesas dêste século. Abordando as duas nações, navegabilidade objetiva e subjetiva, reconhece não ser possível abstrair-se da culpa, segundo a lei civil. Esclarece como a vistoria gera mera presunção, que pode ser ilidida por prova em contrário, mas prova material e não simples alegações ou presunções; cita um julgado da Côrte de Ruão de 1923, que declara que a simples alegação do bom tempo pode fazer presumir o vício próprio do navio que se avaria, mas não o prova, porque não estabelece a materialidade. Enfim, como é difícil destruir a prova negativa da presunção. Tratando do vício oculto, alude aos defeitos não descobertos pela vistoria. que são assim admitidos com aquela natureza, se não lmputáveis ao armador, e à jurisprudência moderna que cobre a responsabilidade do transportador que submeteu seu navio a tôdas as exigências regulamentares. Finaliza reconhecendo que o problema da responsabilidade, que se identifica com a inavegabilidade, está

ANU ARI O DE JURISPRUDÊNCIA 13 resolvido pela aplicação do art. 1382 do Código Civil francês: a noção da inavegabilidade se liga diretamente à da culpa, base da responsabilidade. 9 Não tem sido senão nesse sentido a nossa jurisprudência. No caso do vapor Buarque de Macedo as questões da vetustez e a do vicio oculto foram abordadas exaustivamente. Tratava-se de um navio velho, de madeira, com os riscos que lhe eram inerentes, conhecidos e palpáveis e que nessa situação devia navegar: sujeito apenas aos cuidados que se lhe podiam dispensar e às vistorias da autoridade, que não o condenou. Seu casco abriu água em um ponto imprevisível, diga-se em local que não apresentava indícios de maior vetustez, que não aquela que envolvia tóda a carena. O acórdão respectivo consigna as considerações que agora são feitas. Em várias outras decisões o mesmo critério foi observado. Não é preciso repetir agora seus fundamentos: basta consultar os XI volumes de nossa jurisprudência, já publicados graças aos esforços do nosso diretor e do chefe e demais pessoal da seção respectiva, dignos de elogios. A decisão ora embargada veio reforçar essa jurisprudência: consulta a nossa realidade e de outra forma não pode nem deve ser 3 proceder déste Tribunal, sob pena de colocar a nossa Marinha Mercante no dilema entristecedor de se privar de substancial percentagem de navios ou se submeter à falência sob o pêso das indenizações. Sem que isso signifique que seja tolerada qualquer negligência nas medidas à relativa segurança do material, ao juízo da técnica e da ordinária prudência. 10 Era o Pirineus um navio velho, mas não nesta ou naquela particularidade. Era-o no seu todo. máquinas, outros acessórios e carena. Seria absurdo que. para evitar a possibilidade de sucumbir, o chape^mento fôsse substituido todo êle. Aí então não seria mais o mesmo veterano Pirineus, digno pelos serviços que prestou até o último alento, ao sepultar-se naquelas mesmas águas que singrou por mais de 50 anos. Oferecia o armador êsse navio tal qual era: nenhum elemento existe nos autos que autorize inculpá-lo de negligente: foi vistoriado há tempo curto, fraqueza maior em chapas foi afastada com as obras referidas e provadas a fls. e fls. Assim trafegara continuamente, em condições relativas de segurança, segundo os técnicos. E a ruptura causa do sinistro, se deu nas condições e local já aludidos: no fundo, possivelmente na junção de duas chapas, em local que não permitia um exame diário ou pelo menos contínuo, fora de um dique, exame aliás que nem seria eventualmente capaz de descobrir um ponto mais frágil com possível corruição. Assim sendo, provada a diligência esperada do armador, o sinistro se deu apesar dela. E a ruptura se verificou em local enfraquecido como de quase todo o chapeamento. Daí admitir o acórdão o vício oculto. Êsse mesmo vício no qual abalizado autor reconhece o poderio subre-humano quando diz: Os navios modernos são estruturas complexas onde se congregam aparelhos, instalações e maquinismos os mais variados. Donde, apesar dos cuidados tomados, apesar dos controles feitos, ser sempre possível escapar aos construtores, como p o s vistoriadores (e muito mais ao armador e ao capitão) defeitos cuja ação posterior causa um sinistro impossível de prever ou evitar: são os vícios ocultos (João Vicente Campos Da avaria particular no direito nacional e internacional 83).

16 TRIBUNAL MA R í T I M O 11 Não foi ilidida a presunção aue nasce da vistoria, pois nada provou a negligência do armador quanto à diligência a que estava obrigado, para manter o navio em estado de navegabilidade, não obstante a sua robustez e constante uso. É admissível, embora não provado que para a ruptura numa chapa, causa do naufrágio, tenha concorrido o desgaste. Mas nada indica que o ponto frágil pudesse ser conhecido dos responsáveis pela segurança do <iavio que, ao contrário, tinham razões para confiar nos exame* feitos pelos peritos, uns oficiais e outros de reconhecidas autoridades. 12 Dignas de elogios são as argumentações das embargantes e dos impugnantes. Seus patronos drs..toão Vicente Campos e José Joaquim da Gama e Silva, mais uma vez vieram ilustrar os nossos anais. Seus esforços e erudição serviram para que a matéria fôsse apreciada em têrmos de justiça. E, certo, os seguradores recorrentes se convencerão de como não é possível ao julga<k>r fugir à realidade das coisas, num país onde 6 precário o material empregado no transporte por água e com uma Marinha Mercante que ainda existe graças à abnegação de alguns homens. De tudo isso advêm os maus riscos, que a todos incumba suportar, o armador redobrrndo seus cuidados, os carregadores recorrendo ao seguro e os seguradores enfrentando a vicissitude com o recurso à técnica, à observação e às precauções, que para tudo há o remédio na confecção de suas tarifas de prêmios. 13 Destarte e por tudo o que acima se expõe, são os presentes embargos recebidos, mas para serem julgados improcedentes, mantida, assim, a decisão embargada. Decisão do Trihuna! Marítimo, preliminarmente: rejeitar a preliminar suscitada pelo Loide Brasileiro, quanto a inadmissibilidade dos embargos. Foram vencidos os votos dos juizes Gerson Cruz e Francisco Rocha: no mérito, por maioria, conhecer dos embargos para negar-lhes provimento, mantendo a decisão recorrida. Foi vencido o voto do juiz Gerson Cruz. que deu provimento aos embargos, julgando culpado- os representados. P.C R. Rio de Janeiro. 23 de dezembro de 1958. Carlos Lafayette Bezerra de Miranda, no exercício da presidência João Stoll Gonçalves prolator dos embargos Francisco José da Rocha, vencido, na preliminar Gerson Rocha da Cruz vencido Alberto Epaminondas das de Souza Antonio Mendes Braz da Silva. Fui presente: Eduardo Maya Ferreira, 1 adjunto-de-procurador.