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Transcrição:

1 À imagem do Bom Pastor, o padre é o homem da Misericórdia e da Compaixão, próximo ao seu povo e servidor de todos Neste jubileu sacerdotal no ano da Misericórdia, uma imagem que deverá acompanhar os nossos presbíteros, como homens configurados a Cristo Bom Pastor, e que são chamados a serem expressão da misericórdia e da compaixão do Bom Pastor, é a imagem de Jesus como Bom Pastor do capítulo 10 do Evangelho de João. Diz a Pastores Dabo Vobis, 22: Em virtude da sua consagração, os presbíteros são configurados a Jesus Bom Pastor e são chamados a imitar e a reviver a sua própria caridade pastoral. Esta imagem é profundamente Cristológica e Eclesiológica: Cristológica, pois, fomos configurados a Cristo Bom Pastor, o seu amor, a sua doação é o grande referencial para nós e Eclesiológica, pois o sentido da vida do Bom Pastor não está em viver e dar a vida para si mesmo, mas pelas ovelhas, como foi todo o ministério de Jesus, que foi doação por. Assim o presbítero deve ser aquele homem que na Igreja através da sua doação se torna presença do Bom Pastor. Assim, proponho para nossa reflexão, nesta tarde, um ícone já bem conhecido de todos nós, mas que sempre nos relembra o centro do nosso ministério e por onde devemos caminhar, a imagem de Jo 10, 11-17. 1. Análise do texto de João 10, 11-17 Alguns elementos sobressaem neste texto: Jesus é o bom pastor, o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas, conhece as suas ovelhas e as ovelhas o conhecem; Ele conhece o Pai e o Pai o conhece, o Pai o ama porque Ele dá a vida por suas ovelhas. A imagem do pastor já esta presente no Antigo Testamento para expressar o comportamento de Deus com relação ao seu povo: Ez 34, 11-31; Sl 22. Em Ezequiel, o próprio Deus cumpre a tarefa de pastor num momento crítico do rebanho. Já no esquema clássico do Êxodo, Deus se apresenta como aquele que reúne, tira e leva o seu povo, Deus faz com seu povo aquilo que não fizeram os maus pastores. Israel, mesmo no exilio continua sendo chamado de minhas ovelhas. O tema do pastor aparece reservado ao novo Davi, então é elemento de esperança escatológica.

2 Ezequiel diz: Suscitarei para elas um pastor que as apascentará, a saber, o meu servo Davi: ele as apascentará, ele lhes servirá de pastor (Ez 34, 23). Este título tem, inegavelmente, uma ressonância messiânica. Jesus o aplica a si: Eu sou o bom Pastor (v. 11). O adjetivo kalós caracteriza Jesus do ponto de vista daquilo que ele trás para os homens, do ponto de vista dos bens que ele trás, os bens messiânicos. Jesus é o bom pastor por que dá a vida por suas ovelhas e estabelece com elas uma relação nova de conhecimento recíproco, de amor. A expressão bom pode ser traduzida também por belo. A beleza do pastor está no amor com que entrega a si mesmo até a morte por cada uma das suas ovelhas e estabelece com cada uma um relacionamento direto e pessoal de intenso amor 1. O Bom Pastor dá a vida por suas ovelhas. Esta fórmula vem repetida mais quatro vezes (vv. 15, 17 e 18). A ideia que João quer sublinhar é que Jesus dispõe livremente da sua vida, com absoluta liberdade. A mesma ideia esta presente na narrativa da paixão, onde Jesus entrega livremente a vida. Ele entrega a vida para poder retomá-la livremente. Jesus dá a vida pela salvação das ovelhas, por isso, em muitos textos a morte de Jesus vem apresentada como manifestação do amor do Pai ( e de Jesus mesmo): Nisto conhecemos o amor: ele seu a sua vida por nós. Tem-se aqui uma grandíssima riqueza teológica: Cristo, bom pastor, dá a vida livremente pelas suas ovelhas, cumpre um ato messiânico; manifesta ao mesmo tempo o amor do Pai por nos. Graças a esta morte os homens tem a vida 2. Aqui está o ápice da misericórdia, Pois a comunhão que une o Filho ao Pai é a do Amor. Deus é amor ( 1Jo 4, 8. 16), está é a grande definição de Deus. Deus que no seu mistério eterno é Amor, se comunica como amor e nos faz partícipe do seu amor. Amor é o nome d`aquele que é. Walter Kasper afirma: Deus, cuja essência é vida e amor e, por este motivo, pode ser também o Deus dos homens e o Deus da História. Esta concepção cristã da realidade significa uma mudança tão grande na interpretação do real que se torna difícil imaginar concepção maior 3. Este amor é a sua misericórdia, pois misericórdia é o amor que vem do mais profundo de Deus, que vem das suas entranhas. Assim, o amor 1 CARLO MARIA MARTINI, Quale bellezza Salverá il mondo?, 36. 2 IGNACE DE LA POTTERIE, Studi di Cristologia Giovannea, 99-100. 3 W. WASPER, 1974, 217.

3 é o sentido último de toda realidade. Por isso, papa Francisco afirma:... Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado. Nos versículos 12-13 aparece a imagem do mercenário. É um personagem que está em contraste com o Pastor. O trabalho do mercenário é do mesmo tipo do trabalho do Pastor, mas é de qualidade inferior, muito inferior. O texto insiste sobre o fato de que ele não é Pastor. Interessante ver o contraste entre o Pastor e o mercenário. O Pastor é bom, dá a vida pelas ovelhas, conhece as ovelhas pelo nome e as ovelhas o conhecem. O mercenário não é pastor, as ovelhas não lhe pertencem, quando o lobo se aproxima abandona as ovelhas e foge e o lobo as arrebata e dispersa, não se importa com as ovelhas. Nos vv. 14-15 mostra que Jesus conhece os seus, as suas ovelhas e os seus o conhecem e este conhecimento recíproco é a imagem daquele existente entre Jesus e o Pai. Conhecer aqui, não quer dizer um conhecimento teórico-racional, mas no sentido veterotestamentário semita, a união pessoal, um conhecimento que conduz à comunhão 4, conhecer alguém significa entrar em relação pessoal com ele. Orígenes diz quando a Sagrada Escritura fala daqueles que vivem em estreito relacionamento e em perfeita união com qualquer coisa, diz que conhecem esta coisa, por que estão totalmente em comunhão com ela. Este texto é o único no quarto Evangelho que diz que Jesus conhece os seus. Este conhecimento é um conhecimento de amor, pois o pastor convida os seus a segui-lo, que se exprime no dom que lhes faz, dá a própria vida pelas ovelhas. O conhecimento entre Jesus e as suas ovelhas não é um conhecimento simplesmente de natureza psicológica, intelectual, ou conhecimento entre mestre e aluno, etc. Ele encontra a sua fonte no conhecimento recíproco entre Jesus e o Pai. Vivendo em comunhão com Jesus, com aquilo que há de 4 R. SCHNACKENBURG, Il Vangelo di Gionvanni, Parte seconda, 495.

4 mais profundo Nele, os cristãos estão em comunhão com o Filho de Deus, por isso mesmo, entram naquela comunhão vital que une o Filho e o Pai, tornando-se filhos de Deus. A comunhão que une as ovelhas a Jesus é da mesma natureza daquela que o une ao Pai 5. Se o Pai ama o Filho, é porque este dá a vida para depois retomá-la levando a termo a obra da salvação. A missão do pastor é dar a vida. O Filho dá a vida e a reprende. A obra da salvação cumprida por Jesus Cristo Pastor se apresenta a nós como uma grande revelação do amor do Pai. É uma grande afirmação da teologia de São João: "Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados (1Jo 4, 10). A repetição de que Jesus dá a vida pelas suas ovelhas quer mostrar o cume da união de Jesus com os seus, por que lhes conhece e ama, ele lhes dá tudo 6. Aqui se manifesta o ápice da sua misericórdia. Aquilo que Jesus fez no decorrer do seu ministério, tem aqui o seu cume:... Agora este amor tornou-se visível e palpável em toda a vida de Jesus. A sua pessoa não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente. O seu relacionamento com as pessoas, que se abeiram d Ele, manifesta algo de único e irrepetível. Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, as pessoas pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, decorrem sob o signo da misericórdia. Tudo n Ele fala de misericórdia. N Ele, nada há que seja desprovido de compaixão. Vendo que a multidão de pessoas que O seguia estava cansada e abatida, Jesus sentiu, no fundo do coração, uma intensa compaixão por elas (cf. Mt 9, 36). Em virtude deste amor compassivo, curou os doentes que Lhe foram apresentados (cf. Mt 14, 14) e, com poucos pães e peixes, saciou grandes multidões (cf. Mt 15, 37). Em todas as circunstâncias, o que movia Jesus era apenas a misericórdia, com a qual lia no coração dos seus interlocutores e dava resposta às necessidades mais autênticas que tinham. Quando encontrou a viúva de Naim que levava o seu único filho a sepultar, sentiu grande compaixão pela dor imensa daquela mãe em lágrimas e entregou-lhe de novo o filho, ressuscitando-o da morte (cf. Lc 7, 15). Depois de ter libertado o endemoninhado de Gerasa, confia-lhe esta missão: «Conta tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti» (Mc 5, 19). A própria vocação de Mateus se insere no horizonte da misericórdia. Ao passar diante do posto de cobrança dos impostos, os olhos de Jesus fixaram-se nos de Mateus. Era um olhar cheio de misericórdia que perdoava os pecados daquele homem e, vencendo as resistências dos outros discípulos, escolheu-o, a ele pecador e 5 IGNACE DE LA POTTERIE, Studi di Cristologia Giovannea, 102-103. 6 R. SCHNACKENBURG, Il Vangelo di Gionvanni, Parte seconda, 496.

5 publicano, para se tornar um dos Doze. São Beda o Venerável, ao comentar esta cena do Evangelho, escreveu que Jesus olhou Mateus com amor misericordioso e escolheu-o: miserando atque elegendo. Sempre me causou impressão esta frase, a ponto de a tomar para meu lema 7. 2. Alguns elementos para o nosso Ministério Presbiteral Que elementos devem estar presentes no nosso de presbíteros para que a partir da imagem do Bom Pastor, possamos ser homens da Misericórdia e da Compaixão, próximo ao nosso povo e servidor de todos? 2.1 - O presbítero é chamado a prolongar a presença amorosa de Cristo, Pastor Bom e Belo. O ser pastor é sempre um ser com as ovelhas, e ser pastor no Pastor Jesus, no qual toda pastoralidade encontra o seu verdadeiro sentido, se mostra no dom da vida, para doar às ovelhas a verdadeira vida 8. Ele ama as ovelhas a ponto de dar a vida por elas. Não existe verdadeiro pastoreio sem amor, sem amor, nos tornamos mercenários. É muito triste um presbítero mercenário, amante do dinheiro. O nosso pastoreio se realiza no Bom Pastor, ser pastor no Pastor Jesus. A medida do nosso amor pelas ovelhas, da nossa doação no dia a dia, estará sempre ligada ao nosso amor para com Jesus, bom Pastor misericordioso. Seremos verdadeiramente presença do seu amor misericordioso na realidade concreta da vida das pessoas, nos seus sofrimentos, alegrias, etc., se tivermos verdadeiramente unidos a Cristo, Bom Pastor. Quanto mais estivermos unidos a Ele, mais seremos sua presença. Esta realidade parece estar acima de nossas forças, mas não se pode perder o referencial, Cristo Bom Pastor Misericordioso. Papa Francisco, na homilia do Jubileu da Cúria Romana disse: Portanto far-nos-á bem, também a nós, chamados a ser Pastores na Igreja, deixar que a face do Deus Bom Pastor nos ilumine, nos purifique, nos transforme e nos restitua plenamente renovados à nossa missão. Que também nos nossos ambientes de trabalho possamos sentir, cultivar e praticar um forte sentido pastoral, antes de tudo em relação às pessoas que encontramos todos os dias. Que ninguém se sinta ignorado nem maltratado, mas cada um possa experimentar, antes de tudo aqui, a atenção carinhosa do Bom Pastor. 7 Misericordiae Vultus, 8 8 R. SCHNACKENBURG, Il Vangelo di Gionvanni, Parte seconda, 492.

6 2.2 - Um segundo elemento importante é percebermos que o rebanho não é nosso, mas do Bom Pastor. Somos Pastores do rebanho de um Outro. O texto da primeira epistola de São Pedro 5, 1-4, nos dá algumas indicações de como devemos apascentar o rebanho que nos foi confiado. Diz o texto: recomendo aos presbíteros que estão entre vós, eu presbítero com o eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que se deve manifestar: apascentai o rebanho de Deus que vós foi confiado, cuidando dele, não como por coação, mas de boa vontade como Deus o quer, não por torpe ganância, mas por dedicação; não como dominadores sobre aqueles que vos foram confiados, antes como modelos do rebanho. E quando aparecer o supremo Pastor recebereis a coroa da gloria (1Pd 5, 1-4). Nós apascentamos o rebanho de um Outro, o rebanho de Deus. Pastorear o rebanho de Deus significa buscar ter as mesmas atitudes que Deus tem para com o seu povo, o seu rebanho. Não ser pastores segundo as nossas esquisitices, nossas neuroses, mas buscando ser presença misericordiosa do Bom Pastor. 2.3 Sermos pastores misericordiosos principalmente com a Ovelha perdida, que necessita do nosso amor, sermos pastores misericordiosos no sacramento da reconciliação. No n. 17 ele exorta os confessores a serem verdadeiros sinais da Misericórdia do Pai: Não me cansarei jamais de insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai. Ser confessor não se improvisa. Tornamo-nos tal quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão. Nunca esqueçamos que ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e salva. Cada um de nós recebeu o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados; disto somos responsáveis. Nenhum de nós é senhor do sacramento, mas apenas servo fiel do perdão de Deus. Cada confessor deverá acolher os fiéis como o pai na parábola do filho pródigo: um pai que corre ao encontro do filho, apesar de lhe ter dissipado os bens. 3. Alguns Elementos Fundamentais neste caminho Quero aqui, partir do texto dos discípulos de Emaús, vós sugerir uma metodologia que nos ajude a encontrar o Senhor, Bom Pastor, na nosso vida cotidiana de presbíteros. Quero sugerir elementos da nossa vida de presbíteros, elementos que são constitutivos do nosso ministério: Palavra e Eucaristia. Estes dois elementos nos ajudarão a manter o

7 coração aquecido pelo Bom Pastor, e a partir deste encontro, desta vivência com o Bom Pastor, sermos homens da Misericórdia e da Compaixão, próximo ao nosso povo e servidor de todos. Tenho consciência que tantos outros são necessários: a liturgia das Horas, a Oração pessoal, confissão, devoção mariana, etc. Mas me detenho nestes dois. 3.1 - Homem que se deixa plasmar pela palavra de Deus. A palavra de Deus quando ouvida e acolhida, forma homens livres e operantes. Ela realizou isto na vida dos grandes personagens bíblicos da história da salvação e continua hoje, a realizar esta mesma realidade na vida de tantos homens e mulheres. O relato dos discípulos de Emaús nos ajuda neste passo. O primeiro é a compreensão das Escrituras. Começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava-lhes as Escrituras. Essas contém o verdadeiro significado do messianismo misericordioso de Jesus e iluminam a necessidade da paixão e da morte para entrar na glória (vv. 25-27). É próprio o abrir das Escrituras a inflamar o coração dos discípulos ao longo do caminho (v. 32). Não é verdade que o nosso coração ardia, quando nos falava pelo caminho e nos abria as Escrituras? O texto grego tem um particípio presente: acaso o nosso coração não ia se aquecendo gradualmente enquanto ele nos falava e nos abria as Escrituras? O que é a ação de abrir as Escrituras? É colocar alguns acontecimentos de salvação- que os discípulos participaram sem compreender o seu significado- num contexto geral de história de salvação que faz aparecer claramente o seu sentido. A Escritura apresentanos o designo de Deus sobre o homem e sobre a história. Abrir a Escritura significa o progressivo desenvolver-se, no presbítero, esta clareza de Deus, sobre os acontecimentos da realidade da vida e da pastoral. Permite enquadrar a totalidade daquilo que o homem pensa e deseja, no plano do Espírito e da Verdade, e dar um significado. Somos homens da Palavra, é preciso vivermos da palavra, desvelarmos a palavra para podermos dar a sua riqueza para o nosso povo. Este abrir as Escrituras se dá através da Lectio Divina diária, habituarmos à Lectio Divina. Há tanto material saindo sobre isso no Brasil. 3.2. A Eucaristia: Quando Jesus se senta à mesa e parte o pão com os discípulos de Emaús, eles o reconhecem. Partir o pão e pronunciar a benção durante a refeição era um ato ordinário para qualquer judeu piedoso. Gesto, porém rico de significado, de simbolismo. A partilha do pão é mais do que hospitalidade, é a partilha da mesa que faz com que o hóspede se torne irmão. É como se fosse uma cerimônia de aliança, de amizade. Este gesto deve ser lido à luz daquilo que Jesus tinha feito na última ceia (Mt 26,26; Mc 14,12; Lc 22,19; 1Cor 11,24), à luz da Eucaristia. É Jesus, que ressuscitado, se

8 dá aos discípulos na caridade perfeita da Eucaristia. A Eucaristia plasma a existência sacerdotal. Santo Agostinho convidava os seus diocesanos a receberem o Corpo de Cristo e a serem aquilo que receberam, Corpo de Cristo. A Eucaristia, nas palavras de Santo Inácio de Antioquia deve nos Cristificar, deve ir nos tornando semelhante a Cristo, ir nos configurando ao seu amor misericordioso. Relembro as palavras que nos foram ditas no rito de nossa ordenação: Recebe a oferenda do povo santo para apresenta-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar, conformando a tua vida ao mistério da cruz do Senhor. Lucas expõe estes dois meios para chegar ao reconhecimento de Jesus: as Escrituras e o partir do pão e os apresenta coligados. Estes elementos nos transformam, enchem o nosso coração de alegria, nos dão força para vivermos o peso da vida do dia a dia. Somos presbíteros, estamos a caminho e precisamos de um significado forte nesta caminhada. Neste caminho, a Palavra de Deus nos revele o projeto de Deus a cada dia para nós. A Eucaristia, Ele mesmo se faz presente, nos alimenta, nos faz recuperar a alegria e a força na caminhada na história. Esta metodologia nos indica um caminho rico de humanidade, que transforma a situação existencial, que mediante o encontro com o ressuscitado conduz de volta para Jerusalém, onde está a comunidade reunida. Que o Espírito do ressuscitado nos ajude nos guie e nos conduza nesta nossa missão. São Lucas nos mostra onde encontrarmos o Senhor, Bom Pastor na vida diária, do dia a dia do nosso ministério. Estes elementos nos transformam, enchem o nosso coração de alegria, nos dão força para vivermos o peso da vida do dia a dia. Somos presbíteros, estamos a caminho e precisamos de um significado forte nesta caminhada. Neste caminho, a Palavra de Deus nos revele o projeto de Deus a cada dia, na Eucaristia, Ele mesmo se faz presente, nos alimenta, nos faz recuperar a alegria e a força na caminhada na história. Esta metodologia nos indica um caminho rico de humanidade, que transforma a situação existencial, que mediante o encontro com o ressuscitado conduz de volta para Jerusalém, onde está a comunidade reunida. Que o Espírito do ressuscitado nos ajude nos guie e nos conduza nesta nossa missão.

9 Conclusão Termino relembrando tantos padres que bem próximos ou longe de nós foram esta presença do Bom Pastor. Homens que desgastaram a vida no seguimento de Jesus Cristo, sendo a exemplo do Bom Pastor, homens da Misericórdia e da Compaixão, próximo ao nosso povo e servidor de todos. Lembro o Pe Vitor, agora beato, Pe Ibiapina e tantos outros. Façamos memória destes presbíteros e a partir do exemplo e da doação deles sintamo-nos renovados no nosso ministério e na nossa doação.