a, üga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH), Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE), Mulher e Lei na África



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Transcrição:

SUA EXCEL~NCIA PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE Maputo, 6 de Agosto de 2014 Assunto: Código Penal aprovado pela Assembleia da República Excelência Em primeiro lugar queira por favor aceitar os nossos respeitosos cumprimentos e desde já agradecemos pela disponibilidade de tempo que nos concede ao ler esta missiva. No dia 11 de Julho de 2014, a Assembleia da República aprovou de forma definitiva e por consenso o novo Código Penal, em substituição do que vigorava no país há mais de um século, depois de vários debates e alguma polémica em torno de alguns artigos do novo Código, que, no entendimento da sociedade no geral e das organizações nacionais da sociedade civil, em particular, violavam flagrantemente os direitos humanos das mulheres e das crianças. Na última versão, que Vossa Excelência tem presentemente em mãos para promulgação, a Assembleia da República retirou definitivamente alguns dos artigos ofensivos contra os direitos da \. mulher e da rapariga. Com efeito, o novo Código Penal introduziu alterações significativas ao paradigma criminológico que orienta os "crimes contra a liberdade sexual". Aliás, esta nova concepção do bem jurídico que se pretende tutelar com as incriminações referentes àqueles tipos legais de crime, superam a visão do legislador penal de 1886, que concebia as condutas sexuais ilícitas como ofensivas da 'moralidade e dos bons costumes, não tendo em vista a tutela de um bem jurídico individual, a liberdade sexual, nem a protecção da vítima, que é, na maior parte dos casos, a mulher. Esta era tratada num quadro de moralidade e pudor que vigorava numa dada conjuntura histórica. O novo código Penal tem, pois, mérito, de estabelecer que o bem jurídico em causa nos crimes sexuais é o da liberdade sexual e a integridade física, reconhecendo-se deste modo a autonomia no desenvolvimento da sexualidade e na preservação da dignidade da pessoa humana. Entretanto, quando analisados concretamente os tipos criminais previstos no novo Código Penal, o desiderato almejado, em alguns casos, fica aquém de ser efectivado. Nós, associações da sociedade civil, organizadas numa coligação informal, denominada "Plataforma de Luta Pelos Direitos Humanos no Código Penai'? apesar de reconhecermos os esforços que foram feitos, lamentamos que persistam lacunas e violações dos direitos humanos, por nós apontadas durante o processo de revisão, e que contrariam não só a Constituição da República mas também as Convençõesregionais e internacionais de que o Estado moçambicano é parte. 1 Da qual fazem parte as seguintes associações: ActionAid Moçambique, Associação Moçambicana dos Juízes(AMJ), Associação das Mulheres Moçambicanas de Carreira Jurídica (AMMCJ), CECAGE,Centro Terra Viva, Fórum Mulher, Fórum das Rádios Comunitárias (FORCOM), Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC),Fórum da Terceira Idade, /~.---,... " a, üga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH), Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE), Mulher e Lei na África lílíp... ''.u."...,.~ Ó<i~;.)'Pathfinder, Rede HOPEM, Rede CAME. 1. ~ [!f ~~ \~\~.. 1' \1A~"~ I, ~ 'Oç M l.jlv

É exactamente por entender que essas normas violam os direitos fundamentais elementares sobretudo das mulheres e crianças moçambicanas que vimos por este meio solicitar a Vossa Excelência, como Presidente da República, e o mais Alto Magistrado da Nação, que no âmbito das competências que lhe são conferidas pela Constituição da República, não promulgue ainda o Código Penal e o devolva ao Parlamento, para proceder à sua revisão, com vista à alteração das normas que violem a Constituição da República e as Convenções regionais e internacionais de que o Estado moçambicano é parte. Esta nossa solicitação tem como fundamento as disposições da Constituição da República que nos parecem frontalmente violadas, como passamos a apresentar: 1. Violação do princípio da igualdade - artigo 3S!! da Constituição o artigo 35 da Constituição que estabelece o princípio da igualdade institui que todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política. No entanto, existem no Código Penal aprovado algumas disposições que violam este princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, sendo de apontar as seguintes: Artigo 243 (crime de discriminação) Esta disposição teve em vista materializar o princípio da igualdade, transformando num comportamento criminoso certas situações em que este princípio é violado. Com efeito, o artigo estabelece que será punido com a pena de prisão até um ano quem injuriar outrem com recurso a expressões ou considerações que traduzam preconceito quanto à raça ou cor, sexo, religião, idade, deficiência, doença, condição social, etnia ou nacionalidade e que visem ofender a vítima na sua honra e consideração. No entanto, nesta enumeração das situações que podem constituir discriminação ficou de fora uma discriminação que é muito comum na nossa sociedade, a discriminação em função da orientação sexual. Esta discriminação contra pessoas de orientação sexual diferente é agravada pelo facto de ser muitas vezes consentida 'e até promovida por certos sectores da sociedade e também por, frequentemente, se traduzir em situações de violência. A violência recentemente vivida em alguns países de África como consequência deste tipo de discriminação baseada na orientação sexual, levou inclusive a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) a adoptarxrecentemente, durante a sua 5Si Sessão Ordinária realizada em Luanda - Angola de 28 de Abril' a 12 de Maio do corrente ano, para a promoção e proteção dos Direitos Humanos das pessoas LGBTem África, uma Resolução condenando a contínua e crescente violência e violação de direitos humanos incluindo assassinatos, violações sexuais, condenação e prisão das pessoas por conta da sua imputada ou real orientação sexual e identidade de género e insta veementemente aos Estados e outros actores sociais para que parem 2

imediatamente com os ataques e abusos contra os cidadãos lgbt e que tomem as devidas diligências contra os perpetradores.2 Uma forma de procurar desencorajar esta forma de discriminação, que tantos danos tem causado à integridade moral, psicológica, emocional e, algumas vezes, física das pessoas ofendidas, através de atentados à honra e consideração, é a sua criminalização, tal como as outras formas de discriminação que ofendam a honra das pessoas, previstas no artigo 243. A não criminalização da discriminação em função da orientação sexual constitui de per se uma situação de discriminação contra as minorias sexuais, pois transmite a mensagem de que este grupo não carece de protecção legal tal como outras situações de vulnerabilidade que traduzam preconceito e que mereceram a protecção da lei (nomeadamente, quanto à raça ou cor, sexo, religião, idade, deficiência, doença, condição social, etnia ou nacionalidade). E a consequência desta omissão legislativa inconstitucional será a de agravar a violência a que este grupo de cidadãos se encontra exposto face à não criminalização desta base de discriminação. Artigo 223 (Denúncia prévial Este artigo prevê que nos crimes de atentado ao pudor e violação (com excepção da violação de menor de 16 anos), os procedimentos criminais tenham lugar após denúncia prévia do ofendido, salvo nalgumas circunstâncias. A gravidade dos crimes contemplados nesta secção justifica que o Estado intervenha para garantir a punição do agressor, tendo em conta o bem jurídico a proteger (a dignidade e integridade física e moral do ofendido), daí que se justifique que este crime seja passível de denúncia por qualquer pessoa (crime público) e não apenas por algumas pessoas (crime semi-público). Pensamos que esta disposição é discriminatória não só em função do género (homem e mulher), mas também discriminatória em termos de direitos das crianças, ou seja, protege apenas uma parte deste grupo vulnerável deixando de fora outras crianças. Ao declarar a natureza pública do crime apenas para as crianças menores de 16 anos, este artigo discrimina de forma flagrante as crianças maiores de 16 anos e menores de 18 anos, ao referir que a denúncia neste caso apenas poderá ser efectuada pelas pessoas indicadas na lei (veja-se a lei n2 8/2008, de 15 de Julho, lei da Organização Tutelar de Menores; lei n2 7/2008, de 9 de Julho, lei de Promoção e Protecção dos Direitos das Crianças). É que as pessoas indicadas na lei, ou seja, os pais, tutores e outros responsáveis pelos menores nem sempre têm em conta o superior interesse da criança, pelo que o ónus da denúncia não pode ficar somente a seu cargo, uma vez que se verifica, não poucas vezes, que essas pessoas quando não sejam elas próprias perpetradoras destes crimes de violência sexual, são muitas vezes coniventes, 2 Resolution on Violence and Human Rights Violation against Persons on the Basis of their Imputed or Real Sexual Orientation and Gender Identity ln Africa. Disponfvel em http://www.pgactlon.org/pdf/media/sogi-based-violence- Resolution ACHPR Final-l.pdf. Embora esta declaração se enquadre naquilo que juridicamente se classifica de soft low, a mesma não deixa de ser uma mensagem forte aos estados membros. Afinal, as Resoluções da Comissão Africana têm sido um importante meio de promover os direitos humanos em África e a mesma não tem hesitado em adoptar resoluções condenando acções governamentais e apontando ao que deve ser para melhorar a situação. 3

tendo em conta uma situação de dependência económica ou até emocional em relação ao perpetrador. Em alguns outros casos, as pessoas que a lei indica como tendo legitimidade para denunciar não existem ou então não vivem com a vítima. Consideramos esta disposição discriminatória em função do género, pois, apesar de em termos formais ela não fazer qualquer distinção entre mulheres e homens, verificamos que, em termos substantivos e de igualdade de resultados, as mulheres é que serão as maiores afectadas por esta disposição. Com efeito, uma disposição não se considera apenas discriminatória se, em termos formais, estabelece uma distinção entre homens e mulheres, mas também se em termos de resultado da sua aplicação provocará um impacto diferente e mais prejudicial para um sexo, relativamente a outro. Em termos estatísticos, as mulheres são maiores vítimas de violência sexual do que os homens. Também, relativamente à denúncia destes crimes, verifica-se que as mulheres sofrem maiores constrangimentos para efectuar a denúncia, por causa da vergonha pela experiência por elas vivenviada, por medo do perpetrador ou até pelo estigma social. Em termos de tratamento dado pelas autoridades à violência sexual envolvendo mulheres, na prática verifica-se que estas situações são minimizadas pelos agentes que, à luz da lei, são \ responsáveis pela sua punição. Deste modo, deixar à responsabilidade das mulheres vítimas de violência e as pessoas a elas próximas a responsabilidade de denunciar as situações de violência sexual, apenas irá agravar as situações de desigualdade de acesso à justiça pelas mulheres. 2. Violação do direito à privacidade - artigo 41!! da Constituição o artigo 41 da Constituição da República estabelece o direito dos cidadãos à reserva da sua vida privada. o no2 do artigo 258 do Código Penal parece estar em violação a este artigo. Artigo 258 - Abertura Fraudulenta de Cartas o n? 1 deste artigo estabelece que aquele que maliciosamente abrir alguma carta, papel fechado ou meios electrónicos de outra pessoa, será condenado a prisão até um ano e multa até três meses, se tomar conhecimento dos seus segredos e os revelar, a prisão até seis meses, se os não revelar, e a prisão até três meses se nem os revelar, nem deles tomar conhecimento, tudo sem prejuízo das penas de furto, se houverem lugar. o n 2 deste artigo preceitua, no entanto, que a disposição do n" 1 não é aplicável aos cônjuges, pais e tutores, quanto às cartas ou papéis de seus cônjuges, filhos ou menores que se acharem debaixo,'}" da sua autoridade.. 4

Embora possamos compreender a aplicabilidade de tal disposição relativamente aos pais, no que diz respeito aos seus filhos, parece-nos, no entanto, inaceitável e violador dos direitos individuais dos cônjuges que esta disposição seja a eles aplicável. o que torna mais grave esta situação é o facto de o artigo reconhecer que a abertura da correspondência é feita "maliciosamente" e, mesmo assim, isentar da condenação quando tal acto é praticado entre cônjuges. Esta disposição viola entretanto não só a Constituição da República, mas também a lei de Família que estabelece como um dos principais suportes do casamento o respeito mútuo entre os cônjuges. 3. Violação dos direitos das crianças - Artigo 472 da Constituição o n!! 1 deste artigo estabelece que as crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. O n!! 3 do mesmo artigo acrescenta que todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas ou privadas, devem ter em conta o superior interesse da criança. É nosso entender que isso se estenda aos actos legislativos. Por outro lado, a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar das Crianças, ambas ratificadas por Moçambique, bem como a legislação \ nacional, definem como crianças todas as pessoas menores de 18 anos. Para além disso, o artigo 18 da Constituição da República, estabelece que os tratados e convenções internaclonals, uma vez aprovados, vigoram na ordem jurídica nacional. Tal é o caso da Convenção lnternadonal dos Direitos das Crianças e a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar das Crianças. Assim sendo, é inaceitável que o Código Penal não respeite a idade dos 18 anos, na protecção que deveria dar aos menores, não respeitando o princípio do "interesse superior da criança". São exemplos disso: Artigo 219 (Violação de menor de doze anos) - Esta disposição que procurou qualificar o crime de violação de menores, estabeleceu uma moldura penal mais pesada, por considerar mais gravoso este crime quando praticado contra crianças. No entanto, peca por considerar crianças apenas os menores de 12 anos, em violação às disposições da Constituição da República e das Convenções acima referidas. Artigo 220 (Actos sexuais com menores) - Na mesma linha do artigo anterior, este novo artigo deu importância a outras formas de violência sexual contra menores, embora só proteja as crianças até aos 16 anos. Artigo 223 (~enúncia prévia) - Tal como referido acima, este artigo é discriminatório e desprotege as crianças entre os 16 e os 18 anos de idade. Artigo 24 (Encobridores).. O novo Código Penal falha em proteger os menores que sofrem de violência sexual no entorno familiar. 5

Com efeito, este artigo isenta dos crimes de encobrimento os cônjuges e familiares, permitindo-ihes alterar ou desfazer os vestígios do crime com o propósito de impedir ou prejudicar a formação do corpo de delito, ocultar ou inutilizar as provas, os instrumentos ou os objectos do crime com o intuito de concorrer para a impunidade. Ora, este artigo terá impacto negativo na investigação dos crimes de violência sexual contra menores, que as estatísticas demonstram que a maioria das vezes ocorrem num entorno familiar. Isentar de punição as pessoas que encobrem estes crimes, só por serem familiares, é uma forma de o legislador ser cúmplice da violação dos direitos das crianças e do menosprezo do princípio do superior interesse da criança. 4. Direito à vida - Artigo 402 da Constituição A Constituição garante o direito à vida e à integridade física e moral. Alguns artigos no novo Código Penal falham em responder a este requisito, desprotegendo as cidadãs e os cidadãos. Vejamos: Artigo 218 (Violação) Há insuficiência de elementos tipificadores do crime de violação, pois o legislador apenas considerou a relação sexual por via de coacção moral ou física, deixando de lado a violação por' penetração oral e por introdução de objectos, cada vez mais comuns nas denúncias deste tipo de crimes. Ora, a exigibilidade de que o acto sexual relevante para ocorrência da violação pressuponha a penetração vaginal coloca de fora outras condutas, que ocorrem até com alguma frequência, como seja a penetração por via oral ou anaf com a introdução de objectos e partes do corpo ou mesmo a cópula vestibular. Seria preferível que o legislador optasse por uma noção mais abrangente de acto sexual, de modo a incluir a panóplia de actos que colocam em causa a liberdade sexual, como a previsão da figura de "acto sexual de relevo" (como no Código Penal Português) ou como "acto libidinoso dirigido a satisfação sexual" (como no Código Penal Brasileiro). Deste modo, a densificação das condutas passíveis de censura constituiriam "todo aquele que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica". 4 O regime de sanção previsto para certas condutas sexuais afigura-se brando, tendo em conta a repercussão negativa na esfera da vítima. Veja-se: a) Os actos imorais (actos impúdicos ou indecentes) que ofendam a uma pessoa determinada são puníveis com a pena de prisão (art. 221); 5 b) Se os actos imorais forem contra o pudor público são puníveis com a pena de prisão até seis meses e multa até um mês (art. 225); 3 Eventualmente, o legislador optou por substituir a expressão "cópula" por "coito" para abarcar actos de natureza sexual para.além da penetração vaginal, mas olhando rigorosamente para o conceito de "coito" este aplica-se a situações de relação heterossexual de conjunção carnal entre órgãos sexl;!\lismasculinos e feminino. 4 Assim, Jorge de Figuei[edo Dias, citado por Ana Rita Alfaif'é,A Relevância Penal da Sexualidade dos Menores, Coimbra Editora, 2009, p. 28. 5 A exigência da "violência" como elemento do tipo do crime de atentado ao pudor, nos casos em que a vitima é maior de 16 anos, faz com que haja uma linha tênue de distinção em relação ao crime de violação. Parece-nos que o elemento. determinante para destrinçar um e outro tipo, será a verificação do "coito". Vai daí que todos aqueles actos que não se enquadrem no conceito de "coito", como penetração anal ou oral, sejam considerados como atentado ao pudor. 6

c) Os actos de importunação ou constrangimento com vista à obtenção de favores de natureza sexual são puníveis com pena de multa até dez salários mínimos, e podendo ser de multa até vinte salários mínimos ou de vinte a quarenta salários mínimos, se o agente abusar da autoridade da sua função ou for superior hierárquico da vítima (art. 224); d) O constrangimento à prostituição é punível, em regra, com pena de prisão de um a dois anos (art. 227, nº 1); e) Os actos de favorecimento e de estímulo à prática de actos de natureza sexual por menores são puníveis com pena de prisão de três meses a um ano e multa correspondente (art. 228). Os crimes de natureza sexual possuem uma carga significativa de hediondez, tal é a sua incidência na desvalorização da dignidade da pessoa humana. Daí justificar-se-ia um regime sancionatório mais severo, de modo a alcançar as finalidades retributivas e de prevenção das penas. Aliás, o facto de proibir-se até a aplicação do regime de penas alternativas aos crimes de violação sexual e cometidos contra crianças (art. 103), sinaliza em certa medida a gravidade destes comportamentos que merece repugnância ao nível da penalização. Há uma tolerância sancionatória injustificada quando se sabe que os crimes sexuais estão umbilicalmente ligados a práticas sociais nocivas, como os casamentos prematuros ou mutilações vaginais (alongamentos dos lábios vaginais), ou mesmo a outros crimes, como o de rapto e o de tráfico de pessoas, cujos autores têm à disposição recursos económicos que lhes permitem com certa facilidade pagar as multas. Estas características mereciam melhor ponderação por parte do legislador, e justificariam um regime de penas mais oneroso. Artigo 222 (Agravação especial) Apesar do novo Código Penal trazer alterações significativas ao regime de circunstâncias qualificativas dos crimes e consequente agravação das penas, há uma injustificável lacuna em relação aos crimes contra a liberdade sexual cometidos por duas ou mais pessoas. A comparticipação de duas ou mais pessoas na acção com vista a violar a dignidade sexual, facilita sem dúvida a subjugação da vítima, ou seja, facilita o emprego dos meios de execução do crime. Relegar este facto a circunstância agravante de carácter geral não se mostra suficiente em termos tutela dos direitos da vítima, daí que a sua referência como elemento determinante do aumento da pena deveria merecer uma qualificação especial, em nome da protecção integral da liberdade sexual. 5. Princípio da Igualdade de Género - Artigo 362 da Constituição.. Relativamente ao Crime de Violência Doméstica, que desde 2009 é tratado numa lei (Lei n.º 29/2009, de 29 de Setembro), especialmente aprovada para coibir esse tipo, a Comissão decidiu à última hora criar no novo Código um Capítulo IX sob a epígrafe Violência Doméstica, de onde constam 'os art.º 245 a 257 e nele incorporou os tipos legais de crime de violência doméstica que constavam da referida Lei, dando-ihes ali umalflefinição superficialmente nova. É o caso da violência física simples, física grave, psicológica, rnoral.icópula com transmissão de doenças, patrimonial e social. 7

A incorporação da lei da Violência Doméstica no Código Penal é precipitada e prematura e, por isso, de desaconselhar. Senão vejamos: A lei da Violência Doméstica foi criada e aprovada pelo Estado moçambicano com o objectivo especial de promover os direitos humanos, mais especificamente os das mulheres como sujeitos de direito (não obstante a mesma ser aplicada indistintamente também aos indivíduos do sexo masculino), como forma de acabar com a situação de desigualdade existente entre esta e o homem em todos os campos. Ou seja, com a aprovação da lei da Violência Doméstica o Estado reafirmou por meio de medidas legais o objectivo de minimizar as desigualdades de facto historicamente construídas em torno do homem e da mulher e com isso promover a igualdade de direitos entre o homem e a mulher. O tempo de vigência desta lei é relativamente curto para se aquilatar com profundidade da sua aplicação prática e dos problemas que nesse âmbito se levantam, pois são quase nulos os estudos e registos sobre a problemática. Contudo, e ainda assim, é possível apontarem-se os vários constrangimentos que minam a efectividade da lei, pelo que seria preferível, por parte do legislador ordinário, proceder a uma reformulação da mesma, para que alcance eficazmente os objectivos traçados com a sua aprovação. De entre estes constrangimentos poderíamos, no nosso entender, apontar os seguintes: A incompreensão do fenómeno da violência contra a mulher por parte não só das próprias mulheres, da sociedade no geral, mas sobretudo dos operadores do judiciário (juízes, procuradores, advogados e polícia), no que se refere ao procedimento judiciário tendente ao enfrentamento do fenómeno. Obstáculos conceptuais e hermenêuticos da lei da Violência Doméstica que impossibilitam a sua aplicação no caso concreto, causando a banalização e ineficácia da lei. A deficiente configuração por parte destes operadores jurídicos quanto à interpretação sistemática do ordenamento jurídico de forma a considerar os mandamentos constantes igualmente dos instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos das mulheres e da rapariga (CEDAW e outros), ratificados pelo Estado Moçambicano e que fazem parte do nosso ordenamento jurídico. Imprecisões técnicas e de procedimentos que precarizam a aplicação prática da lei e que reclamam reforma legal urgente. Banalização do crime em causa e consequente ineficácia provocada pela falta da previsão legislativa da necessidade de estabelecimento de instância especiais competentes para julgar o tipo de crime em causa. Portanto, estes são os problemas que se apresentam e sobretudo são criados pela lei da Violência Doméstica vigente, tendo em conta a sua aplicação prática. O legislador decidiu entretanto, incorporar esta lei no Capitulo IX do novo Código Penal e aqui, suprimiu o substantivo mulher, deixando claro que o objectivo primário daquele Capítulo é combater a violência doméstica independentemente de quem seja a vítima ou o~gressor. Portanto, trata de forma igual situações desiguais... Ou seja, ao se incorporar a lei da Violência Doméstica tal e qual se encontra actualmente no Código Penal aprovado, a ser este promulgado, concluímos que a violência da qual vem sendo vítima a 8

mulher moçambicana será com este instrumento agravada e não combatida eficazmente. Isto, a nosso ver, torna o referido Código materialmente inconstitucional, na medida em que com a promulgação se viola em termos materiais o princípio constitucional e universal da igualdade, já que está provado que a maior parte dos casos de violência doméstica levados a tribunal têm como vítimas o sujeito do sexo feminino. o Estado Moçambicano obrigou-se perante instrumentos internacionais e regionais de protecção dos direitos humanos das mulheres, como a CEDAW e o Protocolo à Carta Africana relativa aos Direitos das Mulheres em África, através de acções positivas alcançar a igualdade material entre o homem e a mulher. Portanto, o conteúdo do novo Código Penal no que se refere ao Capítulo IX - Violência Doméstica, i contraria o princípio da igualdade material subsumido nos art.2 35 e 36.2 da CRM. Ou seja, em última análise, sempre se poderá dizer que as incongruências criadas com a aprovação da Lei da Violência Doméstica, ao terem sido transpostas tal como se encontram, sem nenhuma reformulação para dentro do Código Penal, as mesmas irão permitir e perpetuar a situação de ineficácia das normas existentes no ordenamento jurídico-penal moçambicano tendentes a coibir e a mitigar as desigualdades entre homem e mulher, criadas pelo fenómeno da violência doméstica que entretanto não será por via judicial, como se pretendia, eficazmente combatido ou eliminado. Essaé a conclusão evidente se entendermos que a incorporação da Lei da Violência Doméstica no Código Penal, pelo menos na parte referente às normas incriminadoras do tipo em questão, implica necessariamente uma revogação implícita no que diz respeito às normas constantes nos artigos em causa na LVD, pois, como veremos a seguir, as mesmas não podem vigorar em simultâneo. Vejamos em síntese a nossa argumentação: 1. Incerteza no seio dos aplicadores da lei acerca da vigência in tatu ou não dos dispositivos inseridos na Lei da Violência Doméstica, sobretudo os que se referem à tipificação das modalidades do crime e consequente ineficácia no enfrentamento do fenómeno que, em última instância, poria em causa o princípio constitucional 36.2). do direito à igualdade (art.s 35 e 2. Agravamento da incompreensão do fenómeno da violência contra a mulher por parte não só das próprias mulheres e da sociedade no geral, mas sobretudo dos operadores do judiciário Ouízes, procuradores, advogados e polícia), que se reflectirá no procedimento judiciário tendente ao enfrentamento do fenómeno. 3. Agravamento dos obstáculos conceptuais e hermenêuticos da Lei da Violência Doméstica, que impossibilitarão ineficácia da lei. a sua aplicação no caso concreto, causando a banalização do crime e a.. 4. A ser o Código Penal promulgado, no que se refere ao Capítulo IX - Violência Doméstica - o. ~ mesmo será materialmente inconstitucional, na medida em que, ao tratar o legislador da violência praticada contra a mulher da mesma forma que trata da violência praticada contra o homem, viola o princípio da igualdade material subsumido nos art.2 35 e 36.2 da CRM. Já está provado que a maior parte dos casos de violência doméstica levados a tribunal têm 9

como vítima o sujeito do sexo feminino e como causa as relações seculares de dominação do homem em relação às mulheres, tanto de ordem física como económica, social ou cultural e que impossibilitam a erradicação das desigualdades de forma a aproximar a igualdade formal à igualdade material, mandamentos estes da CEDAWe do Protocolo de Maputo. 5. A violência doméstica ou familiar necessita de ser tratada em lei especial. Existem grupos de pessoas, tais como crianças, idosos, adolescentes e as mulheres vítimas de violência doméstica que precisam de um tratamento legal diferenciado, se entendermos que no âmbito doméstico são comuns os desequilíbrios de poder e, por via de regra, são as mulheres que resultam subjugadas até mesmo com o emprego da força física. A precipitação na codificação deste direito penal especial sem antes se proceder a uma reformulação da actual Lei da Violência Doméstica, agravará a situação de precariedade no tratamento judicial do crime de violência doméstica," e consequentemente aumentará a sensação de impunidade e o problema da minimização do fenómeno no seio da sociedade em geral e, em particular, dos operadores judiciários Uuízes, procuradores, advogados e polícia), perpetuando a violência sofrida pelas mulheres e raparigas em Moçambique. Conclusões Face às lacunas e soluções legais contidas no novo Código Penal acima apontadas, emergem questões de conformidade com a Constituição da República. De facto, tal é a sua importância que tem foro constitucional o direito à integridade física e moral e a proibição de tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos (art. 40, n2 1 da Constituição) que se traduz na inviolabilidade da pessoa no sentido de estarem proibidas todas as condutas que visem afectar o bem-estar moral, emocional ou físico da pessoa. Por outro lado, e face à cláusula prevista no art. 43 da Constituição, importa igualmente considerar o direito à dignidade da pessoa humana (vide art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 5 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos), que se traduz no respeito pelo núcleo essência do ser humano. E daqui resulta a necessidade de garantir o respeito da dignidade sexual? A tutela da dignidade sexual pressupõe a existência de um sistema jurídico-penal sólido com vista a proteger as vítimas e sancionar os autores das condutas sexuais. A superação da ideologia baseada nos paradigmas da dominação masculina ou em concepções morais é um caminho necessário, e pode-se admitir que o legislador do novo Código Penal o tentou seguir. Todavia, persistem diversos aspectos, entre os quais os acima apontados, que colocam em crise a dimensão jurídica e social da dignidade sexual e a merecida protecção requerida. Ainda convivem com a ultrapassada concepção de que a sexualidad~ deve ser controlada por uma pauta moral de comportamento, segundo os padrões ditados pela ideologia patriarcal, como sucede com a criminalização do atentado ao pudor e ultraje público ao pudor. A sexualidade deve ser reconhecida como um atributo da pessoa humana e como expressão da sua dignidade e liberdade, e não como.. 6 Que inclusivamente já foi devidamente declarado pela OMS, como sendo uma questão de saúde pública que reclama politicas progressivas por parte dos Estados tendentes à sua erradicação. 7 Não é também despiciendo, sublinhar a consagração do direito à protecção e cuidados necessários ao bem-estar da criança (art. 47 da Constituição da República). 10

~~ um bem comunitário. Por outro lado, a benevolência das penas não confere um quadro de protecção eficaz e que tenha idoneidade para inibir condutas sexuais abusivas. Neste âmbito, é de concluir que o novo Código Penal não garante eficazmente o direito à liberdade sexual, na medida em que persistem diversos obstáculos para efectivação da desejada e necessária protecção deste valor jurídico. Em representação da Plataforma de Luta Pelos Direitos Humanos no Código Penal ActionAidMoçambique: ~_"" ~~;;:.._~; ;:;;:.._~_.._~~._"'I _ Associação Moçambicana dos Juízes (AMJ):--=~mw~~;;cb~~~(~:::s-----f\----- Associação das Mulheres Moçambicanas de::eira Jurldica (AMMCJ): ~~ Fórum das Rádios Comunitárias (FORCOM):-=TB~r--:::::;.~--=.;;...~_,._--,NI..,;...~="""k-..:~~ OL;::;'-- _ Fórum da Sociedade Civilpara os Direitos da Criança (ROSC):-f---:::O ~r-t-t---r--------- bf1i;/ lambda: ~"L~.. 11