Colóquio anual sobre Direito do Trabalho Outubro/2009 Despedimento para a Reestruturação (da empresa) Intervenção em mesa redonda Quero começar por agradecer ao Supremo Tribunal de Justiça, por intermédio do Exmo. Sr. Conselheiro Dr. Pinto Hespanhol, a amabilidade que teve de convidar, mais uma vez, o Tribunal da Relação de Lisboa, mais propriamente a sua Secção Social, para participar nestes colóquios anuais de debate de temas ligados ao Direito do Trabalho. Quero também cumprimentar os ilustres intervenientes bem como todos os ilustres presentes neste colóquio. Após breve estudo sobre o tema proposto para esta mesa redonda e na sequência das brilhantes intervenções que precederam, gostaria de suscitar algumas questões, que reputo de importantes, na análise e ponderação que o juiz é chamado a efectuar no âmbito do controlo jurisdicional do despedimento colectivo ou, então, por extinção de postos de trabalho, levado a cabo pelo empregador por razões objectivas, sejam elas de mercado, estruturais ou tecnológicas, num quadro de reestruturação de empresa de que seja titular, controlo que deve ser exercido sempre que esse despedimento não é aceite pelos trabalhadores por ele abrangidos e os mesmos optem pela respectiva impugnação judicial. Antes, porém, importa reter que esse controlo deve incidir, quer sobre os fundamentos invocados pelo empregador como justificativos do despedimento podendo o juiz socorrer-se, se necessário, de assessoria técnica, como decorre do disposto no art. 157º do Cod. Proc. Trabalho quer sobre o procedimento desenvolvido pelo empregador na concretização de dessa forma de cessação do contrato de trabalho. 1
Por outro lado, importa ter presente que a justificação para a existência de um tal controlo jurisdicional, reside, sobretudo, na tutela dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento e que reclamem a intervenção dos tribunais. Na verdade, através desse controlo, procura garantir-se a esses trabalhadores, não só a legalidade dos fundamentos invocados pelo empregador como motivadores do despedimento que sobre eles recaiu, mas, sobretudo, que esses fundamentos correspondam a verdadeiras razões objectivas capazes de justificar o sacrifício de interesses fundamentais dos trabalhadores visados, como seja o respectivo emprego e, consequentemente, o correspondente estatuto socioprofissional no meio em que vivem e laboram. Para além disso, procura garantir-se aos trabalhadores alvo de despedimento colectivo ou, então, por extinção de postos de trabalho, a legalidade do procedimento desenvolvido pelo empregador na respectiva concretização. Decorre, pois, do que acabamos de referir, que esse controlo jurisdicional deverá exercer-se de forma a serem levados em consideração e a serem objecto de ponderação todos os interesses em presença. De um lado, os interesses do empregador quando, no âmbito do princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica privada e no quadro de gestão da sua empresa, decide optar pela reestruturação desta através da concretização do despedimento de trabalhadores baseado em qualquer das mencionadas razões objectivas. De outro lado, os interesses dos trabalhadores envolvidos no despedimento, mormente aqueles a que fizemos referência, sendo certo que, dessa maneira, se estará a observar e a acautelar, de algum modo, o princípio constitucional de segurança no emprego. Ora, é, precisamente, no campo da ponderação destes interesses, que suscito à consideração de V. Ex.ªs as seguintes questões: - Com excepção de critérios de pura gestão empresarial querendo, com isto, significar os que se consubstanciam, designadamente, na decisão de avançar ou não para uma reestruturação da empresa e em que moldes a mesma se deva operar, já que, a meu ver, constituem critérios inseridos no 2
âmbito do mencionado princípio constitucional de liberdade de iniciativa económica privada e, nessa medida reservados ao empregador e, portanto, insindicáveis pelos tribunais e com excepção de critérios discriminatórios que são legalmente proibidos, será que no despedimento colectivo que pretenda concretizar ao invés do que sucede em relação ao despedimento por extinção de postos de trabalho em que se verifica uma consagração legal de critérios de escolha dos trabalhadores a despedir o empregador é, plenamente, livre quanto à fixação dos critérios de selecção dos trabalhadores alvo desse tipo de despedimento? - Por outro lado, deve o tribunal atender aos interesses dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento, designadamente o interesse maior que é o da manutenção dos respectivos empregos, sobretudo quando esses interesses, porventura submetidos a apreciação na fase processual de informações e negociação, não foram, depois, levados em devida conta pelo empregador nessa fase processual nem na decisão de despedimento? - Será que, nestas circunstâncias, o tribunal poderá fundar o reconhecimento de ilicitude de despedimento com base nos aludidos critérios de escolha ou na falta de uma ponderação séria destes interesses pelo empregador no âmbito do procedimento levado a cabo para alcançar aquele objectivo? A colocação destas questões, surge, por um lado, na sequência de uma posição doutrinal observada aquando do breve estudo a que procedemos como preparação para esta curta intervenção, referindo-se nela que, embora devendo proceder de boa fé, no despedimento colectivo o empregador é livre na fixação dos critérios que vai seguir para selecção dos trabalhadores a despedir, embora tenha que indicar tais critérios na comunicação enviada à comissão de trabalhadores ou outra estrutura representativa dos trabalhadores 1 e, por outro lado, na sequência de algumas criticas doutrinais que vimos serem feitas a jurisprudência que vem sendo produzida pelos nossos tribunais e que vão no sentido de se não compreender que a ponderação jurisdicional dos fundamentos invocados pelo empregador como justificativos do despedimento colectivo de 1 Prof. Júlio Gomes em Direito do Trabalho Vol. I Relações Individuais de Trabalho, pagª 983 3
trabalhadores, seja efectuada numa perspectiva meramente economicista, encarando esses fundamentos e, consequentemente os despedimentos que eles suportam, como actos de gestão do empregador a exigir, quando muito, um controlo mínimo pelos tribunais, a que acresce a circunstância destes, por via de regra, não atenderem a que, a par dos interesses do empregador concorrem direitos fundamentais dos trabalhadores, desde logo o direito ao emprego, impondo-se-lhes um juízo de proporcionalidade necessário em ordem a serem conciliados, em concreto, esses interesses. Ora, quanto a tais aspectos e se me é permitido emitir uma opinião, afigura-se-me ser de difícil admissibilidade que o empregador, em processo de despedimento colectivo e ressalvados quaisquer critérios discriminatórios, de si, legalmente inadmissíveis, possa usar de plena liberdade quanto aos critérios de selecção de trabalhadores a despedir. Na verdade, não se compreende muito bem que possam constituir critérios de selecção de trabalhadores alvo de despedimento colectivo, designadamente e a título de meros exemplos, o maior ou menor absentismo tout court, sem se olhar, portanto, às razões que, porventura, possam estar na base e justificar, de alguma forma, esse o maior ou menor absentismo, ou, então, o perfil mais ou menos adequado dos trabalhadores ao exercício da função, ou, ainda, a maior ou menor polivalência dos trabalhadores em causa, com toda a subjectividade que critérios deste tipo, sobretudo destes últimos, podem encerrar. Impõe-se, portanto e a meu ver, ao empregador, para além da observância de alguns limites, em termos de razoabilidade, quanto aos fundamentos invocados como susceptíveis de justificar a opção pelo despedimento enquanto via de reestruturação da sua empresa, a exigência quanto à adopção de critérios congruentes em termos de selecção dos trabalhadores a despedir. Com efeito, afigura-se-nos que os critérios avançados pelo empregador com esta finalidade e dados a conhecer aquando das comunicações que deve efectuar no âmbito do procedimento para despedimento colectivo, devem, pelo menos, ter a virtualidade de afastar qualquer ideia de arbitrariedade, sob pena de, em posterior controlo jurisdicional, poderem ser 4
considerados como constituindo violação do princípio constitucional de segurança no emprego ou, porventura, como expressão de eventual exercício abusivo de um direito por parte do empregador e, nessa medida, não lograrem ultrapassar o crivo de apreciação em termos de licitude. Por outro lado, considerando a existência de uma fase de informações e negociação no âmbito do procedimento para despedimento colectivo e considerando o manifesto propósito do legislador numa crescente participação dos trabalhadores no âmbito da gestão das empresas e nos respectivos processos de reestruturação como decorre do disposto nos artigos 426º a 429º do actual Código do Trabalho afigura-se-me que naquela fase processual devem ser colocados e discutidos, franca e honestamente, ou seja, segundo princípios de boa fé, os interesses de parte a parte entre o empregador e os representantes dos trabalhadores a despedir, sem esquecer a participação moderadora mas, essencialmente, conciliadora do representante do ministério responsável pela área laboral em causa, cabendo, depois, ao juiz, numa ulterior fase de impugnação de despedimento ponderar os diversos interesses em presença, descortinando, se necessário com assessoria técnica, da viabilidade ou não das medidas alternativas ao despedimento que, porventura, tenham sido propostas e discutidas, concluindo pela licitude ou ilicitude do despedimento decidido pela entidade empregadora. Estamos em crer, porém, que, grande parte das vezes, na prática, não é isto que sucede. Com efeito, não raro, verificamos que os empregadores, naquela fase procedimental de informações e negociação, se limitam a tomar nota das propostas apresentadas pelos representantes dos trabalhadores em termos da adopção de medidas alternativas ao despedimento e, depois, numa postura de afirmação como donos das empresas, pouco entusiasmados com qualquer perspectiva negocial, se limitam a comunicar que persistem na intenção de despedimento. Ora, perante isto, será legítimo ao tribunal, numa fase de impugnação de despedimento, decidir pela ilicitude deste com fundamento em não terem sido 5
devidamente ponderados os interesses de parte a parte naquela fase de informações e negociação? Afigura-se-me que sim, já que, nessas circunstâncias, nem sequer se poderá concluir que o empregador haja promovido a negociação a que se alude no n.º 1 do art. 361º do actual Código do Trabalho, sendo certo que é a ele que cabe essa missão, a qual passa, normalmente, por um contraponto de propostas e subsequente discussão dos correspondentes fundamentos, ou, no mínimo, que a proposta apresentada pelo mesmo se estribe em fundamentos de algum modo convincentes quanto as opções por ele tomadas. Termino, pois, deixando aqui estas questões, bem como as considerações que as mesmas, modestamente, me suscitaram, na esperança de que contribuam, de algum modo, para o debate destas matérias. José António Santos Feteira 14 de Outubro de 2009 6