Abelhas Solitárias e Flores: Especialistas são Polinizadores Efetivos?



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Transcrição:

1 Abelhas Solitárias e Flores: Especialistas são Polinizadores Efetivos? Clemens Schlindwein Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Av. Prof. Moraes Rêgo s/n, Cidade Universitária, 50670-901 Recife, PE, Brasil. e-mail: schlindw@ufpe.br Introdução Existem numerosos motivos para abelhas visitarem flores e diversas maneiras pelas quais as flores atraem abelhas, o que resulta numa diversidade de interações entre ambas. Flores oferecem alimento, produzem substâncias utilizadas pelas abelhas na construção do ninho ou necessárias para sua reprodução, escondem recursos florais, enganam os visitantes florais ou servem como local de acasalamento (Simpson & Neff 1981, 1983, Vogel 1983, Roubik 1989). Algumas abelhas evoluiram uma morfologia ou um comportamento especializado para coletar recursos florais de difícil acesso ou para explorar recursos florais específicos (Schlindwein 2000). Estas guildas de abelhas são formadas quase exclusivamente por espécies solitárias onde não há contato entre as gerações (Michener 1974). Visitantes florais não são necessariamente polinizadores. Polinizadores efetivos depositam grãos de pólen de plantas co-específicas nos estigmas; para isto devem mostrar fidelidade floral, transportar grãos de pólen, tocar os estigmas e voar entre indivíduos da mesma espécie. Muitas vezes, interações entre abelhas especializadas e plantas são interações obrigatórias para ambos os lados. Aqui é apresentado um resumo sobre abelhas especializadas e sua efetividade de polinização. Especializações em abelhas Abelhas coletoras de óleos florais. No final dos anos 60, Stefan Vogel descobriu na região neotropical um complexo de interações entre abelhas especializadas e plantas: plantas com glândulas florais que oferecem óleos em vez de néctar, associadas à abelhas especializadas na coleta deste recurso. Numa monografia ampla sobre estas interações ele apresenta detalhes sobre as adaptações das abelhas e plantas envolvidas (Vogel 1974). Desde então foram descobertas mais algumas espécies de plantas com óleos florais e realizados numerosos estudos sobre a polinização de plantas com elaióforos e especializações morfológicas e comportamentais das abelhas (veja referências em Machado 2004). Na região neotropical são exclusivamente abelhas das tribos Centridini, Tapinotaspidini e Tetrapediini (Tabela 1) que apresentam pentes especiais nas pernas para coletar e transportar os óleos produzidos em flores de Malpighiaceae, Scrophulariaceae, Krameriaceae, Solanaceae, Iridaceae e Orchidaceae (Vogel 1974, 1988, 1990, Buchmann 1987, Cocucci 1991, Vogel & Machado 1991, Cocucci & Vogel 2001). As fêmeas coletam os óleos para alimentar as larvas e/ou revestir e impermeabilizar as células de cria. As abelhas da tribo Centridini (Centris e Epicharis) têm um papel importante como polinizadores de numerosas espécies de plantas nas florestas neotropicais e no Cerrado (Frankie et al. 1983, Schlindwein 2000) e são os polinizadores efetivos de plantas de interesse comercial, como a aceroleira (Malpighia emarginata) (Freitas et al. 1999, Oliveira & Schlindwein 2003).

2 Tabela 1. Famílias, subfamílias e tribos de abelhas ocorrentes no Brasil com espécies apresentando especializações. Coleta de Coleta de Coleta de pólen Coleta de Oligoletia óleos florais perfumes florais por vibração resinas florais ANDRENIDAE Oxaeinae Panurginae Calliopsini Protandrenini Protomeliturgini APIDAE Apinae Anthophorini Apini Bombini Euglossini Meliponini (1) Centridini (1) Emphorini Ericrocidini Eucerini Exomalopsini Isepeolini Osirini Protepeolini Rhathymini Tapinotaspidini (1) Tetrapediini? Nomadinae Bachynomadini Caenoprosopidini Epeolini Nomadini ylocopinae Ceratinini ylocopini COLLETIDAE Colletinae Colletini? Paracolletini Diphaglossinae Caupolicanini Dissoglottini?? Hylaeinae? eromelissinae Chilicolini? HALICTIDAE Halictinae Augochlorini? Halictini (1) Rophitinae MEGACHILIDAE Anthidini (1) Lithurgini Megachilini (1) somente algumas espécies Abelhas coletoras de perfumes florais. Centenas de espécies de Orchidaceae (Catasetinae, Stanhopeinae, entre outros), algumas Araceae (Spathiphyllum), Euphorbiaceae (Dalechampia), Gesneriaceae (Gloxinia) e Solanaceae (Cyphomandra)

3 produzem perfumes em osmóforos florais que são coletados por machos de Euglossini (Apidae) (Dodson 1962, 1966, Vogel 1963, 1966, Dressler 1968, 1982, Sazima et al. 1993). Estas flores nunca apresentam nectários e na maioria dos casos, lipídios voláteis são os únicos recursos oferecidos aos visitantes florais. As interações especializadas são resultado de um processo de co-evolução difusa (Feinsinger 1983). Para as orquídeas com osmóforos, machos de várias espécies de Euglossini são os polinizadores obrigatórios, porém as Euglossini parecem não depender das orquídeas (Feinsinger 1983, Roubik & Ackerman 1987) apresentando relações mais ou menos especializadas, dependendo da espécie de abelha (Roubik 2004). Os machos de todas as cerca de 175 espécies de Euglossini (Eufriesea, Euglossa, Eulaema, Exaerete, Aglae) coletam perfumes florais e apresentam adaptações morfológicas como a tíbia posterior dilatada com superfície interna grande para estocar e transportar os perfumes florais (Vogel 1966, Moure 1967, Michener 2000, Silveira et al. 2002). Das cerca de 25 espécies de Euglossini amostradas na Mata Atlântica de Pernambuco (Darrault & Schlindwein não publ.) apenas Euglossa (Euglossa) cordata e a recentemente descrita E. (Euglossella) perpulchra (Moure & Schlindwein 2002) foram encontradas como polinizadores efetivos de Gongora quniquenervis (Orchidaceae) (Martini et al. 2003). Machos de Eulaema flavescens foram atraídos pelos voláteis, contudo, não pousaram nas flores. Enquanto os machos de E. cordata visitaram também flores de outras espécies de orquídeas com osmóforos no local de estudo, aqueles de E. perpulchra apresentaram uma relação mais restrita às flores de G. quinquenervis. Os mecanismos de polinização nestas orquídeas são altamente especializados, envolvendo uma morfologia floral única que faz com que os polinários sejam depositados em locais específicos das abelhas. Em G. quinquevervis, por exemplo, os polinários sempre foram encontrados aderidos à margem posterior do escutelo dos machos de Euglossa (Fig. 1). Apesar do alto sucesso masculino (retirada de polinários >90 %) em G. quinquenervis, o sucesso feminino (deposição de polinários no estigma) e a formação de frutos foram quase nulos (0-1%). O baixo sucesso reprodutivo, contudo, não resultou de uma baixa efetividade de polinização dos machos de Euglossa, mas da baixa densidade populacional dessa espécie de orquídea no local de estudo. Na Mata Atlântica altamente fragmentada de Pernambuco com populações de Gongora em declínio, a falta de sincronização de floração dos poucos exemplares restantes da orquídea impede uma taxa de frutificação viável, apesar da presença dos polinizadores efetivos (Martini et al. 2003). Fig. 1. Macho de Euglossa (Euglossella) perpulchra. Polinários de Gongora quinquenervis (Orchidaceae) aderidos ao margem posterior do escutelo.

4 Abelhas que vibram flores para coletar pólen. A coleta de pólen por vibração foi descrita por Michener (1962). Mais do que 20.000 espécies de angiospermas escondem o pólen em anteras poricidas (Buchmann 1983). Este pólen está apenas acessível para abelhas que agitam as flores através de vibrações provocadas por contrações da musculatura alar. O pólen cai para o lado ventral do mesossoma e é transferido para a escopa. Flores com anteras poricidas são comuns, por exemplo, em Cassia, Senna, Chamaecrista (Caesalpiniaceae, Cassiinae), Solanum (Solanaceae), Tibouchina (Melastomataceae) e Ouratea (Ochnaceae) e geralmente não possuem nectários (Buchmann 1983). Coleta de pólen por vibração ocorre em várias tribos de abelhas (Tabela 1), mas parece que nunca é relacionada com oligoletia. Abelhas comuns no Brasil como Centris, Epicharis (Centridini), Euglossini, Bombus (Bombini), Augochlorini e Melipona (Meliponini, mas não Trigonini sensu Moure) vibram flores e geralmente são polinizadores efetivos. A abelha doméstica Apis mellifera não coleta pólen por vibração. Por isso, abelhas do gênero Bombus tem sido utilizadas para polinização de tomateiros em estufa (veja referências em Velthuis & van Doorn 2004). Em flores de Senna e Chamaecrista onde ocorrem diferentes tipos de estamens com anteras poricidas existe uma separação do pólen utilizado para polinização daquele coletado pelas fêmeas para aprovisionamento larval (Westerkamp 2004). Abelhas coletoras de resinas florais. Algumas espécies de abelhas coletam resinas vegetais e utilizam-as puras ou misturadas a barro, areia, substâncias glandulares ou tricomas vegetais na construção do ninho (Michener 1974, 2000, Roubik 1989). Geralmente, as resinas são coletadas em ferimentos no tronco de árvores. Flores de Dalechampia (Euphorbiaceae) e Clusia (Clusiaceae), no entanto, possuem glândulas florais que fornecem resinas empregadas por fêmeas de Euglossini, Meliponini e Anthidinae como material de construção de ninho (Arbmbruster & Herzig 1984, Roubik 1989, Armbruster 1996, Lopes & Machado 1998). Abelhas oligoléticas. Apesar de um espectro amplo de fontes de pólen disponível, várias espécies de abelhas restringem a dieta da cria no armazenamento larval ao pólen de apenas poucas espécies de plantas do mesmo gênero ou da mesma família de planta. Este fenômeno ocorre em pelo menos 12 tribos de abelhas (Tabela 1), exclusivamente de espécies solitárias (Fig. 2). Oligoletia é comum nas tribos Calliopsini, Protandrenini, Emphorini, Eucerini, Paracolletini, Rophitini e Lithurgini. Levantamentos regionais da apifauna indicam que o número de espécies oligoléticas diminui do Sul do Brasil em direção norte (Schlindwein 2004). Não existem ainda referências sobre abelhas oligoléticas na Floresta Amazônica. Muitas vezes, abelhas oligoléticas apresentam adaptações morfológicas e/ou comportamentais para explorar o pólen das plantas relacionadas mais eficientemente do que abelhas poliléticas (Schlindwein & Wittmann 1997a, 1997b, Pinheiro & Schlindwein 1998, Alves-dos-Santos & Wittmann 1999, 2000, Schlindwein & Martins 2000, Alves-dos- Santos 2003). Esta vantagem competitiva é muitas vezes mencionada para explicar oligoletia (Feinsinger 1983, Westrich 1989, Neff & Simpson 1992, Wcislo & Cane 1996). Plantas relacionadas às espécies oligoléticas são quase exclusivamente ervas ou pequenos arbustos, os quais, além de pólen, fornecem néctar às abelhas. No Brasil, relações entre abelhas oligoléticas e plantas foram demonstradas apenas em 19 famílias de plantas (Onagraceae 10- espécies de abelhas oligoléticas, Cactaceae- 8, Malvaceae- 8, Pontederiaceae- 7, Asteraceae- 7, Convolvulaceae- 5, Apiaceae- 5, Iridaceae- 3, Loasaceae- 3, Oxalidaceae- 3, Solanaceae- 3, Lythraceae- 2, Alismataceae- 1, Bignoniaceae- 1, Boraginaceae- 1, Calyceraceae- 1, Cucurbitaceae- 1, Turneraceae- 1, Vochysiaceae- 1) (veja referências em Schlindwein 2004). As relações da maioria das espécies de abelhas solitárias com plantas, no entanto, ainda não são conhecidas e as

5 informações disponíveis muitas vezes restringem-se a visitas florais registradas em levantamentos da apifauna. a b c d Fig. 2. Abelhas oligoléticas em suas flores. a) Macho de Ancyloscelis gigas (Emphorini) numa flor de Eichhornia azurea (Pontederiaceae). b) Fêmea de Hexantheda eneomera (Paracolletini) numa flor de Petunia integrifolia (Solanaceae). Nota o pólen azulado de Petunia nos pêlos da escopa ventral do metassoma e das pernas posteriores da abelha. c) Fêmea de Cephalocolletes rugata (Paracolletini) numa flor de Opuntia brunneogemmia (Cactaceae). d) Fêmea de Albinapis gracilis (Paracolletini) numa flor de Oxalis sellowiana (Oxalidaceae). O papel de abelhas especializadas como polinizadores. Os poucos estudos de caso que avaliam o papel das abelhas especializadas como polinizadores mostram, que as abelhas envolvidas, em geral, são polinizadores efetivos, não subsituíveis por abelhas generalistas. Desta maneira, estas abelhas especializadas, geralmente solitárias, possuem um papel importante na manutenção das espécies vegetais. Alguns grupos, como abelhas das tribos Centridini e Euglossini podem ser considerados polinizadores chaves nas florestas neotropicais (Schlindwein 2000) por pertencerem a diferentes guildas de visitantes florais (Fig. 2) e intricadas redes de interações animal-planta. Perfumes (machos) (orquídeas etc.) Pólen (fêmeas) (vibração) Centridini Pólen (vibração) fêmeas Euglossini Resinas (fêmeas) (construção do ninho) Néctar (tubos florais compridos) (fêmeas e machos) Óleos florais fêmeas Néctar (tubos florais compridos) fêmeas e machos Fig. 3. Recursos florais relacionados às Euglossini e Centridini.

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