PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO 29ª Vara Federal do Rio de Janeiro JRJJIA 29ª Vara JUSTIÇA FEDERAL Fls. Seção Judiciária do Rio de Janeiro 681 Processo AÇÃO CIVIL PÚBLICA - nº 0072021-77.2015.4.02.5101 (2015.51.01.072021-3) Autor: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL. Réu: IPHAN-INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL e OUTROS. DECISÃO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública em face do IPHAN, do ESTADO DO RIO DE JANEIRO e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para que o IPHAN apresente cópia da análise técnica que concluiu pela necessidade de revisão da proposta de instalação da Arquibancada Flutuante para os Jogos Olímpicos de 2016, e que serão construídas no espelho d`água da Lagoa Rodrigues de Freitas, bem como todo processo administrativo que tenha sido instaurado visando àquela instalação; que o Município do Rio de Janeiro e o Estado do Rio de Janeiro se abstenham de conceder licenças ambientais e de obras sem autorização prévia do IPHAN, bem como para que, caso iniciadas as obras, sejam paralisadas imediatamente. Aduz, em síntese, que instaurou em novembro de 2014, inquérito civil para apurar possíveis danos ao patrimônio cultural e natural da Lagoa Rodrigo de Freitas, tendo em vista a existência de projeto para instalação de arquibancadas flutuantes sobre o espelho d água, visando os Jogos Olímpicos 2016; que, após oficiar o IPHAN requisitando cópia da análise que concluiu pela necessidade de revisão do projeto, expediu recomendações ao Município para que se abstivesse de emitir licença sem prévia consulta e autorização do IPHAN; que por diversas vezes diligenciou junto ao IPHAN para solicitar a cópia da análise técnica do referido projeto, sem sucesso; que, também, oficiou a Secretaria de Meio Ambiente do Município requisitando cópia da licença ambiental eventualmente concedida. Alega que aportou na procuradoria ofício do Comitê Organizador dos Jogos informando que em maio de 2015 foi concluído o projeto conceitual das arquibancadas flutuantes, não existindo, nenhum projeto básico. Justifica o pedido de tutela pela presença de possíveis danos ao patrimônio cultural e natural a serem perpetrados pelo início da obra sem que tenha havido qualquer estudo do impacto ambiental. Documentos acostados às fls.18/627. Foi atribuído à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
É o breve relatório. DECIDO. Postula o MPF, em suma, liminar para que o IPHAN apresente a cópia da análise técnica referente às instalações das Arquibancadas Flutuantes para os Jogos Olímpicos de 2016, a serem construídas no espelho d`água da Lagoa Rodrigo de Freitas e para que o Município do Rio de Janeiro e o Estado do Rio de Janeiro se abstenham de conceder licenças ambientais e de obras sem autorização prévia do IPHAN, além da paralisação imediata da obra eventualmente iniciada. Registre-se, inicialmente, que o instituto do Tombamento, como instrumento de intervenção na propriedade, é o meio utilizado pelo Poder Público para a preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro, conforme estabelecido no art. 226, da Constituição Federal. Dispõe o art. 17 do Decreto-lei nº. 25/37, verbis: Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado. Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa. (Grifei) Por sua vez, a Portaria IPHAN nº 420, estabelece os procedimentos a serem observados nas intervenções sobre bens tombados: Art. 1º Estabelecer as disposições gerais que regulam a aprovação de propostas e projetos intervenção nos bens integrantes do patrimônio cultural tombado pelo Iphan, incluídos os espaços públicos urbanos, e nas respectivas áreas de entorno. Art. 2º Os estudos, projetos, obras ou intervenções em bens culturais tombados devem obedecer aos seguintes princípios: I - prevenção, garantindo o caráter prévio e sistemático da apreciação, acompanhamento e ponderação das obras ou intervenções e atos suscetíveis de afetar a integridade de bens culturais de forma a impedir a sua fragmentação, desfiguração, degradação, perda física ou de autenticidade; II - planejamento, assegurando prévia, adequada e rigorosa programação, por técnicos qualificados, dos trabalhos a desenvolver em bens culturais, respectivas técnicas, metodologias e recursos a empregar na sua execução; III - proporcionalidade, fazendo corresponder ao nível de exigências e requisitos a complexidade das obras ou intervenções em bens culturais e à forma de proteção de que são objeto; 682
IV - fiscalização, promovendo o controle das obras ou intervenções em bens culturais de acordo com os estudos e projetos aprovados; V - informação, através da divulgação sistemática e padronizada de dados sobre as obras ou intervenções realizadas em bens culturais para fins histórico-documentais, de investigação e estatísticos. CAPÍTULO I DAS DEFINIÇÕES I Intervenção: toda alteração do aspecto físico, das condições de visibilidade, ou da ambiência de uma bem edificado tombado ou da sua área de entorno, tais como serviços de manutenção, reforma, demolição, construção,restauração, recuperação, ampliação, instalação, montagem, desmontagem,adaptação, escavação, arruamento, parcelamento e colocação de publicidade. ( ) X instalações provisórias: aquelas de caráter não permanente, passíveis de montagem e transporte, tais como stands, barracas para feiras, circos e parques de diversões, iluminação, decorativa para eventos, banheiros químicos, tapumes,palcos e palanques. (...) Art. 4º A realização de intervenção em bem tombado, individualmente ou em conjunto, ou na área de entorno do bem, deverão ser precedidas de autorização do Iphan. Art. 5º Para efeito de autorização, são consideradas as seguintes categorias de intervenção: (...) V - Instalações Provisórias. (Grifei) No caso da Lagoa Rodrigo de Freitas, não só o seu conjunto paisagístico foi tombado pelo IPHAN, no ano 2000, mas, também, o seu espelho d água e o entorno da Lagoa encontram-se protegidos em caráter definitivo através dos seguintes atos do Município do Rio de Janeiro: Decreto Municipal nº 9396/1990, Decreto nº 21.191/2002, e Decreto Municipal nº 18.415/2000. Até esse ponto, pode-se concluir que o intuito do Poder Público, federal e municipal, foi conferir especial proteção à Lagoa Rodrigo de Freitas, face ao inestimável e excepcional valor para a coletividade, preservando com isso a própria identidade nacional. Assim, qualquer intervenção no seu conjunto paisagístico, incluindo o espelho d água, não pode prescindir de prévia anuência do IPHAN. Sendo inconteste o fato de que a Lagoa Rodrigo de Freitas é bem tombado pelo INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (processo nº 0878-T-73, inscrito sob o nº 121 no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do IPHAN), constituindo sua proteção um direito difuso da coletividade, nos moldes dos artigos 17, 18 e 19 do Decreto nº 25/1937, a regulamentação da preservação do patrimônio histórico e cultural positivada pelo IPHAN determina a sua intervenção em qualquer projeto a ser desenvolvido no bem tombado. 683
Como bem demonstrado na peça vestibular e nos documentos que instrui o Inquérito Civil 1.30.001.004583/2014-57, o parquet federal notificou o IPHAN por diversas vezes, com vistas a esclarecer o motivo pelo qual aquele órgão, através do Ofício GAB/IPHAN-RJ nº 0084/15, de fevereiro de 2015, informou sobre a necessidade de revisão da proposta da arquibancada flutuante para a operação dos Jogos Olímpicos, sem, contudo, receber qualquer resposta. Por outro lado, verifica-se que o Município do Rio de Janeiro, informa, em fls. 229 - Pronunciamento MA/CGCA/CFA nº 013/2015, que a vistoria realizada em agosto de 2014 pela 1ªGerência Técnica Regional não constatou a realização de obras no corpo hídrico relacionadas aos Jogos de 2016, bem como informou que não existe projeto executivo em fase de licenciamento e/ou autorização ambiental pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Em que pese a competência comum entre os diversos entes da federação para legislar sobre proteção ao patrimônio histórico e cultural (art. 24, VII, c/c art. 30, ambos da CR/88), verifica-se, da redação do comando constitucional inserido no inciso IX do aludido art. 30 da CR/88, que os Municípios deverão respeitar a legislação e a ação fiscalizadora federal no que tange a proteção do patrimônio histórico-cultural local. Diante das provas carreadas aos autos, mormente ante o Ofício nº 00545/2015, do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016 (fls. 244/245), que indica já ter sido concluído o projeto conceitual das arquibancadas flutuantes que se pretende instalar na Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo, ainda, um projeto básico, afirmando que as licenças ambientais não foram concedidas, tendo em vista não terem sido, sequer, requeridas, em razão das fase em que o projeto se encontra, e, ainda, que o projeto conceitual será, nas próximas semanas, submetido à apreciação de diversos órgãos tais como: Secretaria Municipal de Meio Ambiente-SMAC, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico-IPHAN, Instituto Rio Patrimônio da Humanidade-IRPH, Capitania dos Portos Rio de Janeiro-Marinha do Brasil e Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro ; o Relatório Técnico nº 02/2015 do MPF/PRRJ/SEP (fls. 277/283), lavrado por Engenheiro Florestal, após a vistoria realizada em 29/06/2015, em que foi constatado canteiro de obra em área do entorno da Lagoa; e a Nota Técnica nº 03/2015 (fls. 293/296), lavrada por Engenheiros sanitário e florestal, de julho de 2015, que atestou não ter sido observada a realização de obras para a instalação da arquibancada flutuante, no entanto, indica a iminência de obra naquele local, entendo que a questão merece ser melhor esclarecida. Assim, diante das evidências de início de obras no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas e, considerando não haver notícia de pronunciamento definitivo do IPHAN a respeito do projeto de construção de arquibancada flutuante no espelho dágua da Lagoa, a fim de evitar danos irreversíveis ao meio ambiente e ao conjunto paisagístico da Lagoa Rodrigo de Freitas, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR para: 684
1) Que sejam suspensas as obras no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas destinadas à construção de arquibancadas flutuantes, até que o IPHAN apresente autorização para a realização das obras; 2) Que o IPHAN apresente a esse Juízo cópia da análise técnica que concluiu pela necessidade de revisão da proposta de instalação das arquibancadas flutuantes para os Jogos Olímpicos de 2016, que serão construídas no espelho d`água da Lagoa Rodrigues de Freitas, conforme requerido pelo MPF, no prazo de 10 (dez) dias ; Intime-se o MPF, dessa decisão. Intime-se e Notifiquem-se os réus, COM URGÊNCIA, inclusive para prestarem informações em 15 dias, a teor do art. 17, 7º da Lei 8.429/92. Intime-se a União Federal no prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre seu interesse em integrar a ação. Decorrido o prazo para manifestação dos réus, voltem imediatamente os autos à conclusão para exame do recebimento da inicial. 685 Rio de Janeiro, 08 de julho de 2015. MARIA CRISTINA RIBEIRO BOTELHO KANTO Juíza Federal