Memórias do papai MEMÓRIAS DO PAPAI



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Transcrição:

MEMÓRIAS DO PAPAI 1

2

PREFÁCIO 1 - O PESADELO 2 - A MAMADEIRA 3 - O SHORTS 4 - O IMPROVISO 5 - SOLITÁRIO 6 - A TURMA A 7 - PRIMEIRAS IMPRESSÕES 8 - A TABUADA 9 - O MAU JOGADOR 10 - ARREMESSO DE DANONE 11 - OS ANIMAIS 12 - REFRI NO CHAO 13 - PASTEL DE FEIRA 14 - MENINAS, MENINAS 15 - DEVER CUMPRIDO 16 - O MELHOR 17 - O PIOR 18 - CARRINHO DE MÃO 19 - A INFLUÊNCIA 20 - POBREZA E NEGATIVIDADE 21 - POBREZA E DIGNIDADE 22 - DEFINIÇÕES 23 - O VULTO 24 - MONTAGEM 25 - PERDA DE CRIANÇA 26 - INTERCÂMBIOS DE FILHOS 27 - MARANATA 28 - INTERCÂMBIOS 3

29 - OS DOIS LUGARES 30 - A DESCOMIDA 31 - NÃO MÃE 32 - GULOSEIMAS 33 - CASA DO VÔ 34 - O PIPOQUEIRO 35 - MACACOS ME MORDAM 36 - AMIGOS DE BRINCADEIRAS 37 - DOIS AMIGOS 38 - VISITAS RECEBIDAS 39 - PASTÉIS E PASTÉIS 40 - TIO FILIPINHO 41 - MARIAN E MARTIN 42 - DE OUTRA TERRA 43 - LINGUIÇA DEFUMADA 44 - O NOME DA CIÊNCIA 45 - REAL IN RIO 46 - EM CONSTRUÇÃO 47 - CAMPOS DO JORDÃO 48- AGUIAPADZINTUPIUFUGU 49 - E O VÔ JOÃO 50 - CARAGUÁ DAS BARATAS 51 - CAVALEIRO DA ESTRANHA FIGURA 52 - ZORO 53 - ZORO COM EMOÇÃO 54 - FUTEBOL DE BOTÃO 55 - FIAT 147 POSFÁCIO 4

MEMÓRIAS DO PAPAI 5

Dedico este volume de lembranças primeiramente a minha mãe, que me incentivou a escrever. A meu pai, patrocinador-mor de uma infância tão variada quanto ele pôde patrocinar. As minhas irmãs, Evelin e Denise, que podem se divertir relembrando alguns destes episódios em suas próprias ópticas. A Milena minha filha, que poderá conhecer um pouquinho mais do papai e do estranho mundo de onde veio, quando quiser. A minha esposa Paula, que poderá acessar cômodos não explorados do seu por demais silencioso marido. 6

8

Por quê eu começo este volume de memórias pessoais com um pesadelo? A resposta é simples, quase trivial: porque esta lembrança é muito marcante. Quando penso em lembranças da infância, é a primeira coisa que vem na cabeça. E provavelmente a mais antiga também. 1 - O PESADELO No fim do meu sonho (não me lembro do começo), estávamos voltando (a minha família) para casa pela Rua Álvares Azevedo, o que quer dizer que voltávamos da igreja (o único lugar de onde voltávamos por esta rua era a igreja). Neste trecho, um quiosque em chamas desabou sobre a minha família. Só eu escapei. Quando virei o quiosque ao contrário, não havia ninguém lá. Deduzi que todos morreram. O que quer dizer? Medo da solidão? Não sei. 9

2 - A MAMADEIRA Memórias do papai Um dia eu vi a Denise, minha irmãzinha bebendo na mamadeira e eu quis beber também. Parecia estar tão bom! Mas mamãe me disse que mamadeira era para crianças menores. Pensando bem, esta é a minha primeira referência acerca de crescimento. Acho que não ganhei nada de beber naquela hora, mas isso não me incomodou (muito). Voltei a brincar, e tudo ficou por isso mesmo. 10

3 - O SHORTS Eu fiz todo o meu ensino fundamental em escola pública, o João Cursino, em São José dos Campos. No pré-primário (que chamavam prezinho) eu tinha aulas de educação física. Brincávamos de passa-anel, entre outras coisas. O uniforme era um shorts muito justo e muito curto. Azul para meninos, vermelho para meninas. Por que era assim? Não sei. 11

4 - O IMPROVISO Memórias do papai Em um certo dia, estávamos brincando de pega-pega. Quem estava na vez de pegar era um garoto da série anterior, irmão do Dommingus (esqueci seu nome, mas não era Sábados, ou outro dia da semana). Como ele estava me alcançando, decidi me abaixar, o que foi péssima idéia. Virei uma armadilha, e ele virou uma cambalhota, caindo de cabeça. No dia seguinte ele estava com aquela parte da cabeça raspada, e um galo como testemunha do mal feito. Ele devia ter me espancado, mas era gente boa demais. Outros também deviam, em outras oportunidades, e outros bem que tentaram. Acho que levei sorte. A gente pode improvisar, mas dentro das regras. 12

5 - SOLITÁRIO No primeiro ano, eu gostava de ler os livrinhos que ficavam disponíveis quando a gente terminava as tarefas. Para falar a verdade, eram poucos e bobinhos. Mas havia um de que eu gostava, e pegava sempre para ler. Sempre gostei mais das letras que dos números. Por esta época fiquei amigo do Gustaf Cather, um vizinho que eu ainda não conhecia. Ele era legal, e tinha uma irmã e um irmão. Acho que vou contar mais histórias dele. Quando adulto, ele parou logo de estudar e deixou o cabelo crescer. Ele era mais revoltado que eu acho. No dia que eu o conheci, estávamos voltando da escola, eu e a Evelin - a tia Evelin. Ele nos encontrou no caminho, voltando sozinho. Seus pais eram separados, e ele era o irmão mais velho. Talvez por isso fosse revoltado. Assumindo a responsabilidade de cuidar dos irmãos muito cedo, sem um dos pais perto, logo a vida foi lhe mostrando que havia pouca diversão, e as coisas às vezes dão errado. Seja como for, quando ele me perguntou onde eu morava, fui logo mostrando. A 13

Evelin ficou brava comigo, pois sabendo disso, ele iria bater no portão, e nossa mamãe não gostava de ficar atendendo os outros. Não deu outra. De tarde, ele já estava lá. Ele passou alguns anos indo para lá, confirmando talvez os piores presságios da Evelin. Hoje imagino o que nossa casa representava para ele; um refúgio onde seus fantasmas pareciam não entrar. Minha mãe nunca reclamou; talvez pensasse "quem cuida de três, cuida de quatro. Para mim foi ótimo; ele era um menino legal de brincar, um irmão. Às vezes a vida traz irmãos até nós, que não são da nossa família. Em outro volume, mais posterior, terei que falar de outro irmão. 14

6 - A TURMA A Indo para o segundo ano escolar, que hoje seria o terceiro, alguém da escola nos sugeriu que eu fosse para a turma da manhã, a turma A. Muitos anos depois eu descobri que o Estado promovia a divisão entre os alunos melhores e os piores, e colocava os melhores na turma A. Ainda me pego pensando se isto no final de contas era bom ou ruim; talvez seja ambos. A sociedade produziria então indivíduos com alta capacidade intelectual, capazes de conduzir a sociedade em caminhos importantes, porém incapazes de compreender a fraqueza do próximo. No final não fez a menor diferença; no ginásio, a qualidade foi por água abaixo e todos fomos nivelados pelo pior. Seja como for, eu fui para a turma A. Mais tarde me arrependi disso, pois meu amigo Gustaf não poderia ir. Mas havia gente legal lá também, e me adaptei sem problemas. 15