A REFORMA DA ACÇÃO EXECUTIVA E O REGISTO PREDIAL Armindo Ribeiro Mendes I INTRODUÇÃO 1. Entrou em vigor em 15 de Setembro do corrente ano um conjunto de diplomas que corporiza a chamada Reforma da Acção Executiva. Anunciada pelo anterior Governo, na sua concretização empenhou-se, em primeiro lugar, o anterior Ministro da Justiça ANTÓNIO COSTA. Apesar de ter conseguido aprovar a lei de autorização legislativa no final do ano de 2001, a demissão do Primeiro-Ministro e a convocação de eleições gerais impediram a publicação do decreto-lei da reforma. O novo Governo manteve o propósito de reformar a acção executiva, na linha dos projectos herdados do anterior Executivo, tendo a Ministra da Justiça CELESTE CARDONA conseguido levar a reforma até ao fim, vindo a publicar em 8 de Março de 2003 o Decreto-Lei n.º 38/2003 que procede a uma ampla remodelação do Título III do Livro III do Código de Processo Civil (CPC). 2. A Reforma da Acção Executiva consta, assim, do Decreto-Lei n.º 39/2003 e de diplomas legais e regulamentares subsequentes, em que avultam quatro decretos-leis publicados em 10 de Setembro: Decreto-Lei n.º 199/2003, que altera pontualmente o Decreto-Lei n.º 38/2003; o Decreto-Lei n.º 200/2003 que aprova o modelo de requerimento executivo; o Decreto-Lei n.º 201/2003 que regulamenta o registo informático das execuções instituído e disciplinado pelos novos arts. 806.º e 807.º CPC; por último, o Decreto-Lei n.º 202/2003 que
2 estabelece o regime das comunicações por meios telemáticos entre a secretaria judicial e o solicitador de execução, no âmbito das competências a exercer por este último como agente de execução em sede de processo executivo. Dever-se-á ainda acrescentar o Decreto-Lei n.º 204/2003, de 12 de Setembro, que estabelece o regime especial de custas judiciais nas acções executivas. 3. A figura do solicitador de execução aparece prevista no novo art. 808.º, n.º 2 CPC. Trata-se de um solicitador especializado, inscrito na Câmara dos Solicitadores, que se pretende que venha a intervir na maioria das execuções instauradas após 15 de Setembro de 2003, como agente de execução. Só está vedada a sua intervenção nas execuções por custas (art. 808.º, n.º 3, CPC). A regulamentação estatutária do solicitador de execução consta dos arts. 116.º a 131.º do novo Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril. 4. Não pode deixar de referir-se que esta reforma acabou por entrar em vigor sem que estejam instituídas as estruturas orgânicas especializadas pensadas como factor de êxito da mesma reforma. Faltam, assim, as alterações da legislação judiciária para a criação de juízos de execução e ainda não foram publicados os diplomas sobre criação de secretarias de execução nas comarcas de maior movimento. Apenas em 13 de Setembro de 2003, a Portaria n.º 969/2003 criou uma Secretaria de Execução das Varas Cíveis, Juízos Cíveis e Juízos de Pequena Instância Cível, cujo quadro de pessoal será futuramente fixado. Por outro lado, a circunstância de múltiplos diplomas complementares do Decreto-Lei n.º 38/2003 só terem sido publicados a escassos dias da data da entrada em vigor da Reforma tem contribuído para a instituição de um clima de confusão nos meios forenses, a par do atraso no recrutamento de solicitadores de execução (os primeiros profissionais prestaram juramento no Porto no dia 10 de Setembro do corrente ano).
3 5. Avizinha-se, por isso, um período de turbulência e de queixas generalizadas, sendo difícil prever quando estarão plenamente reunidas as condições institucionais pressupostas para garantir uma eficácia mínima dos novos instrumentos executivos. Em todo o caso, a existência de solicitadores de execução na maior parte das comarcas constituirá seguramente um factor de aceleração na execução da Reforma. II IMPLICAÇÕES DA REFORMA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL NO REGISTO PREDIAL A)A PENHORA DE IMÓVEIS AS SOLUÇÕES ANTERIORES À REFORMA 6. O art. 1.º do Código do Registo Predial (CRP) Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, sucessivamente alterado por diversos diplomas legais, o último dos quais é precisamente o Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março estatui que o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. No âmbito da acção executiva, a apreensão de bens efectivada através da penhora carece de publicidade quando estão em causa prédios rústicos ou urbanos, isto é, quando tal penhora incide sobre direitos reais que têm por objecto esses prédios. O mesmo se pode dizer em relação a outros bens registáveis em que a publicidade é assegurada através do registo automóvel, o registo de navios, o registo de aeronaves ou ainda o registo comercial. 7. De facto, no que respeita aos factos sujeitos a registo, pode ler-se no art. 2.º, n.º 1, CRP:
4 n) A penhora, o arresto, a apreensão em processo de falência e o arrolamento, bem como quaisquer outros actos ou providências que afectem a livre disposição de bens. Estão igualmente sujeitos a registo predial os factos jurídicos que importem a extinção de direitos, ónus ou encargos registados (art. 2.º, n.º 1, alínea x), do CRP). 8. No que toca à legitimidade para requerer actos de registo, o art. 36.º CRP estabelece que têm legitimidade para pedir o registo os sujeitos activos ou passivos, da respectiva relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nela tenham interesse. Por outro lado, o art. 41.º CRP, sob a epígrafe princípio da instância, estatui: O registo efectua-se a pedido dos interessados em impressos de modelo aprovado, salvo nos casos de oficiosidade previstos na lei. O art. 44.º, n.º 2, CRP impõe que os documentos comprovativos da descrição e do teor da inscrição matricial devem ter sido passados com antecedência não superior a seis meses e a um ano, respectivamente, em relação ao título. 9. Especificamente no que toca ao registo da penhora, a solução tradicional, desde o CPC 1939, era a de o exequente proceder a esse registo com base numa certidão em que se indiquem os nomes do exequente e do executado e a quantia por que se move a execução e se declara que foi ordenada a penhora de determinados prédios. Quando estes estiverem descritos, a identificação
5 consistirá na designação dos números respectivos (art. 838.º, 3.º inciso, CPC 1939). A solução passou para o CPC 1961 e manteve-se até à versão do CPC alterada em 1995-1996 (art. 838.º, n os. 3 a 5). 10. O art. 58.º CRP regula o cancelamento do registo de penhora, arresto e de outras providências cautelares, nos casos em que a acção já não esteja pendente, estabelecendo, no seu n.º 1, que tal cancelamento se faz com base na certidão passada pelo tribunal competente que comprova essa circunstância e a causa, ou ainda, nos processos de execução fiscal, a extinção ou não existência da dívida à Fazenda Pública. O n.º 2 do art. 58.º CRP prevê que, no caso de venda judicial de bens penhorados ou arrestados, só após o registo da venda é que se podem efectuar os cancelamentos referidos no n.º 1 desse artigo. 11. Deve-se notar-se que, em 1980, o Decreto-Lei 457/80, de 10 de Outubro, deu nova redacção ao art. 907.º CPC, estabelecendo que, após o pagamento do preço e da sisa, na venda executiva de imóveis, seriam oficiosamente mandados cancelar os registos dos direitos reais que caducam, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil. Embora parecesse que a nova redacção apontava para um caso de oficiosidade do registo de cancelamento, o entendimento prevalecente no registo predial foi o de que tal cancelamento tinha de ser requerido, nos termos gerais pelo interessado, devendo considerar-se que a oficiosidade referida nesse art. 907.º CPC tinha apenas a ver com o despacho de juiz, não alterando as regras gerais do princípio da instância no registo predial. Aliás, dado o disposto nos arts. 58.º e 101, n.º 5, do CRP dificilmente se poderia sustentar que a oficiosidade se referia ao conservador do registo predial (cfr. J. P. REMÉDIO MARQUES,
6 Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Coimbra, 2000, págs. 415-416). A reforma de 1995-1996 acolheu expressamente este entendimento, aditando à redacção a seguinte explicação:...entregando-se ao adquirente certidão do respectivo despacho (art. 888.º CPC). B) AS INOVAÇÕES DO DECRETO-LEI N.º 38/2003 SOBRE REGISTO DA PENHORA DE IMÓVEIS 12. A privatização do processo executivo, que inspira a intervenção dos agentes de execução, em especial dos profissionais liberais que são os solicitadores de execução, obrigou a reformular as soluções tradicionais que remontavam ao CPC 1939. Importa notar que a penhora passa a ser levada a cabo pelo agente de execução, desaparecendo o prévio despacho judicial ordenatório da penhora. Assim, o art. 838.º, n.º 1, CPC estabelece que, sem prejuízo de também poder ser feita nos termos gerais do registo predial, a penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente, a qual vale como apresentação para o efeito da inscrição no registo. Tal significa que o requerimento do registo pode ser feito como até aqui, através de preenchimento de requisição com base numa certidão do auto de penhora passada ou pela secretaria do tribunal, quando o agente de execução seja um funcionário judicial, ou pelo próprio solicitador de execução, ou então através de comunicação electrónica pelo agente de execução, comunicação que vale apresentação e que é anterior ao próprio auto de penhora.
7 O art. 838.º, n.º 5, CPC passa a estabelecer que o registo de penhora tem natureza urgente e importa a imediata feitura dos registos anteriormente requeridos sobre o bem penhorado. O n.º 6 deste artigo estabelece, por seu turno, que a apresentação perde eficácia se, no prazo de 15 dias, o exequente, que para o efeito é logo notificado pela conservatória, não pagar o respectivo preparo, ou não o fizer, no mesmo prazo, o agente de execução. O n.º 7 subsequente regula o modo de efectivação dessa notificação: ela é efectuada ao mandatário do exequente, quando este o tenha constituído na execução, sendo a respectiva identificação e domicílio profissional fornecidos à conservatória no acto de comunicação referido no n.º 1. Não é, assim, claro se este registo é lavrado logo, ou se, pelo contrário, se mantém pendente a apresentação com feitura do registo até se mostrar pago o preparo, tornando-se ineficaz a apresentação se o pagamento não for feito no prazo legal. Se o registo for lavrado logo, é questionável se é ou não lavrado como provisório por natureza (aplicação extensiva do art. 92.º, n.º 2, alínea, a)) 13. O Decreto-Lei n.º 38/2003 alterou igualmente a redacção do art. 48.º CRP. O n.º 1 deste artigo passa a estatuir o seguinte: O registo de penhora pode ser feito oficiosamente, com base em comunicação electrónica do agente de execução condicionada, sob pena de caducidade, ao pagamento do respectivo preparo, no prazo de 15 dias, após a notificação do exequente para o efeito; tem natureza urgente, importando a imediata feitura das inscrições pendentes Procurando interpretar conjuntamente o art. 838.º, n.º 1, CPC e o art. 48.º, n.º 1, CRP, parece resultar que há duas formas de proceder ao registo da penhora de imóveis:
8 - a forma tradicional que é a requisição do acto pelo exequente ou seu mandatário forense, com base em certidão do auto de penhora passada pelo tribunal (ao que parece, pela secretaria ou pelo próprio solicitador de execução quando esta exerça as funções de agente de execução), procedendo-se ao preparo emolumentar, nos termos gerais; - a forma alternativa que é a comunicação electrónica à conservatória feita oficiosamente pelo agente de execução. Tal comunicação vale apresentação, mas o registo feito na sequência dela, de forma urgente, é precário, ficando a sua vigência dependente do pagamento do preparo no prazo de 15 dias, após a notificação ao mandatário do exequente, quando constituído. 14. Parece que a forma alternativa só será possível quando seja tecnologicamente viável e esteja regulada a comunicação electrónica entre agentes de execução e conservatórias, à semelhança do que se passa com as comunicações entre solicitadores de execução e as próprias secretarias judiciais (cfr. Decreto-Lei n.º 202/2003). De facto, a noção de comunicação electrónica é uma inovação em relação aos anteprojectos elaborados pelo XIV Governo Constitucional (Ministro ANTÓNIO COSTA), visto que, então, a feitura do registo de penhora se baseava numa mera comunicação do solicitador de execução, não havendo então qualquer referência à feitura alternativa do registo nos termos gerais do registo predial (cfr. arts. 862.º, n.º 1, do articulado de 31 de Agosto de 2001 e 862.º, n.º 1 do articulado de Janeiro de 2002, publicado in Ministro de justiça Gabinete de Política Legislativa e Planeamento Reforma de Acção Executiva, pág. 52, e A Reforma da Acção Executiva Trabalhos Preparativos, vol. 3.º, pág. 164, respectivamente). Acrescente-se que a noção de comunicação electrónica parece ser sinónima de correio electrónico, não abrangendo a telecópia (vejam-se os arts. 150.º e 176.º do Código de Processo Civil, a Portaria n.º 1178-E/2000, de 15 de Dezembro, e o Decreto-Lei n.º
9 202/2003, de 10 de Setembro). A telecópia não oferece garantias de genuinidade do texto e identificação do emitente compararia com as do correio electrónico. Na forma alternativa de registo, parece preferível a solução técnica constante do art. 48.º, n.º 1, CRP: não é a apresentação que perde eficácia, mas o registo que caduca por não verificação da condição (não pagamento do preparo em certo prazo condição suspensiva de eficácia do registo). Nessa medida, crêse que o registo deverá até ser publicado o regime de comunicação electrónica ser requerido ou pela parte ou seu mandatário ou mesmo pelo solicitador de execução, sendo acompanhado a requisição do necessário documento matricial e do auto de penhora, se já estiver lavrado. C) O CANCELAMENTO DO REGISTO DA PENHORA SOBRE IMÓVEIS 15. O art. 888.º CPC passa a ter a seguinte redacção: Após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, o agente de execução promove o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam nos termos do n.º do artigo 824.º do Código Civil e não sejam de cancelamento oficioso pela conservatória. Diferentemente do que sucede com o registo da penhora, com duas formas alternativas de efectivação, o cancelamento agora, no caso de venda executiva, passa a ser diligenciado pelo agente de execução, sem prévio despacho judicial. O agente de execução não é obrigado a juntar ao requerimento o correspondente documento matricial, atento o disposto no n.º 3 do art. 48.º CRP agora aditado (o
10 documento matricial apresentado para o registo da penhora vale para o registo de venda e, ao que tudo indica, para o registo de cancelamento dos ónus e encargos). Se o levantamento da penhora decorrer da procedência da oposição à execução ou à própria penhora, o correspondente cancelamento de registo depende da necessária decisão judicial. O levantamento da penhora decorrente de paragem da execução por negligência do exequente durante o prazo de 6 meses pressupõe um despacho judicial (arts. 847.º CPC e 58.º CRP). Poderá ainda haver levantamento da penhora decorrente de decisão judicial (por exemplo, rejeição da execução art. 820.º, n.º 2, vários casos de substituição do objecto da penhora ou a substituição por caução - arts. 825, n.º 3, 828.º, n.º 4, 834.º, n.º 3, a), 834.º, n.º 5, CPC). Nestes casos, a requisição do registo de cancelamento deve ser instruída com a necessária certidão do despacho judicial que ordene o cancelamento. O art. 48.º, n.º 2, CRP, na nova redacção introduzida pelo DL 38/2003, estabelece que o registo provisório da aquisição por venda em processo judicial, quando a lei dispense o adquirente do depósito da totalidade do preço, é feito com base em certidão comprovativa da identificação do adquirente, do objecto e do depósito da parte do preço exigida. Parece que só com a conversão desse registo em definitivo é que pode proceder-se ao cancelamento de ónus e encargos (art. 58.º, n.º 2, CRP). 16. A norma do art. 888.º aparece nas disposições gerais sobre venda executiva. Quando o CPC regula a venda mediante propostas em carta fechada, trata de adjudicação do bem vendido e do seu registo no novo art. 900.º Importará ainda referir que o Decreto-Lei nº 38/203 passou a prever uma terceira modalidade de venda de imóveis, a venda em estabelecimento de leilões, mas afigura-se que tal modalidade não terá autonomia em termos de forma do
11 acto jurídico, pressupondo sempre a venda por escritura pública, após a escolha do adquirente através do processo de leilões (art. 906º, nº 3). No art. 900º do CPC diz-se que, mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados. E, depois, o n.º 2 do art. 900.º estatui o seguinte: Seguidamente, o agente de execução comunica a venda ao conservador do registo predial competente, o qual procede ao respectivo registo e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado com a venda, aplicando-se, com as necessárias adaptações, os n os 1, 2, 6 e 7 do artigo 838.º. Importa notar que, na venda executiva na modalidade de venda por proposta em carta fechada, o registo de aquisição é obrigatório e oficioso, a ele se procedendo mediante comunicação do agente de execução. Por força da remissão para o regime do art. 838.º CPC, tal registo de aquisição e restantes cancelamentos de inscrições são precários, caducando se não houver pagamento dos emolumentos devidos no prazo legal. Resta saber se é a apresentação que se torna definitivamente ineficaz (cfr. art. 838, n.º 6, após a rectificação deste número), se é o registo que caduca, como atrás se referiu. Como deixa de haver despacho judicial de cancelamento de ónus e encargos, é ao conservador que cabe proceder ao cancelamento oficioso de todas as inscrições que devam caducar nos termos do art. 824.º, n.º 2, por exemplo, hipotecas ou penhoras anteriores ou posteriores à penhora decretada na execução onde foi feita a referida venda.
12 17. Há, assim, dois regimes de venda executiva de imóveis que importa distinguir claramente para melhor compreender a regulamentação em matéria de registo predial: (a) o regime da venda por propostas em carta fechada; (b) o regime de venda por negociação particular (incluindo, a venda em estabelecimento de leilões art. 906.º, n.º 3 CPC). O primeiro é o sucedâneo da anterior venda judicial (por propostas em carta fechada, já que deixou de haver, em processo civil e a partir de 1997, a venda por arrematação em hasta pública). Neste caso, as propostas são abertas na presença do juiz (art. 893.º, n.º 1 CPC), mas a decisão sobre a aceitação das propostas não depende em regra da decisão do próprio juiz. É o agente de execução que lavra o auto de abertura e aceitação de propostas (art. 899.º). À maior solenidade da venda corresponde um regime oficioso de registo dessa venda e de cancelamento dos encargos (art. 900.º), após a emissão do título de transmissão. O agente de execução comunica a venda ao conservador, cabendo a este, oficiosamente, a cancelamento das inscrições. Deve notar-se que nos anteprojectos elaborados pelo Ministro ANTÓNIO COSTA, o conservador do registo predial era a entidade que presidia à venda executiva sendo lógico que lhe coubesse oficiosamente proceder oficiosamente ao cancelamento dos registos dos direitos que haviam caducado pela venda (art. 919.º do Anteprojecto de Janeiro de 2002). O segundo regime de venda por negociação particular decorre fora do tribunal (cfr. arts 904.º e 905.º), com designação de um mandatário para outorgar na venda notarial, podendo esse mandatário ser um mediador imobiliário ou até o solicitador de execução, neste último caso desde que haja acordo de todos os credores (incluindo, claro, o exequente) e sem oposição do executado. O preço tem de ser pago antes de venda. A venda do imóvel em que
13 tinha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana ou de fracção de prédio urbano pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa de licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação o notário fará consignar na escritura, constituindo ónus do adquirente a respectiva legalização (art. 905.º, n.º 6). Neste caso, para efeitos de registo do acto e de cancelamento dos ónus ou encargos rege o regime geral do art. 888.º - o cancelamento dos registos de direitos reais que caducam nos termos do n.º 2 do art. 824.º do Código Civil e não sejam de cancelamento oficioso pela Conservatória é diligenciado pelo agente de execução. 18. Não é clara a aparente diferenciação de regimes para as duas modalidades de venda executiva de imóveis. O art. 824.º, n.º 2, do Código Civil estatui, como se sabe, que os bens vendidos em execução são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente dos registo. Embora este artigo seja de difícil interpretação (cfr. nomeadamente LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2.ª ed., 1997, págs. 274-279; TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, 1998, págs. 385 e segs.), parece seguro que todas as garantias reais, anteriores ou posteriores à penhora, caducam, tal como as próprias penhoras registadas sobre o imóvel. Os problemas mais complicados podem surgir quanto aos direitos reais de gozo com registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, mas não vale a pena estar a dissecar as várias hipóteses que são algo académicas. Na prática, o solicitador de execução deverá promover o cancelamento dos direitos reais de gozo que devam caducar, devendo todas as garantias
14 (anteriores e posteriores) ser, oficiosamente canceladas pelo conservador por força da lei (art. 824.º, n.º 2, do Código Civil). Neste sentido, o Conselheiro AMÂNCIO FERREIRA sustenta que o agente de execução deve promover o cancelamento dos registos de actos posteriores à penhora feridos de ineficácia relativa, desde que documentados na execução, a fim de a situação do bem transmitido, em termos de inscrições registrais, corresponder à realidade jurídica (Curso de Processo de Execução, 4.ª ed., 2003, pág. 323). 19. Infelizmente, a dualidade de regimes deixa dúvidas ao intérprete, importando dilucidá-las à medida que a aplicação da reforma se for estabilizando. Parece-nos, em todo o caso, que não deve haver uma diferença acentuada de regimes, entendendo-se que o agente de execução tem legitimidade e tem obrigação de diligenciar pelo cancelamento dos direitos reais, de gozo ou de garantia, que devem caducar, nos termos do art. 824.º, n.º 2, do Código Civil, enumerado-os na sua comunicação e, eventualmente, fazendo constar essa enumeração do auto de abertura e aceitação de propostas previsto no art. 899.º do CPC. Seja como for e apesar de um entendimento contrário prevalecente no domínio dos cultores do registo predial parece que os conservadores deverão passar agora a proceder oficiosamente ao cancelamento de todos os direitos reais de garantia, quer constituídos anteriormente à penhora relevante no processo onde se fez a venda, quer posteriormente (incluindo as subsequentes penhoras noutros processos cfr. art. 871.º CPC), não podendo refugiar-se na ideia de que o cancelamento oficioso só deve abranger os ónus e encargos posteriores à penhora, invocando a eventualidade de anulação de venda em casos como os do art. 864.º, n.º 10, CPC (anteriormente a 2003, n.º 3 do mesmo artigo). Neste
15 sentido se pronunciam no direito anterior, por exemplo, TEIXEIRA DE SOUSA (ob cit, págs. 391-392) e J.P. REMÉDIOS MARQUES (ob cit, pág. 415), embora considerando indispensável, a luz da versão do CPC agora revogada, a emissão de certidão com o necessário despacho judicial (art. 888.º, antiga redacção). Maiores dificuldades se revestirá seguramente o cancelamento de inscrições de direitos reais de gozo que devam caducar. Pena foi que o legislador processual não tivesse sido mais preciso nesta matéria, tanto mais que não foi alterada a redacção do n.º 5 do art. 101.º CRP. D) O REGISTO DA PENHORA DE CRÉDITOS COM GARANTIA REAL SOBRE IMÓVEIS 20. Neste caso, tem de observar-se o disposto no art. 856.º CPC. A penhora pressupõe a notificação do devedor do crédito penhorado, devendo essa notificação fazer-se com as formalidades da citação pessoal. O averbamento ao registo de hipoteca ou consignação é feito a requerimento do exequente ou a solicitação do agente de execução, com base em certidão da notificação ao devedor (art. 856.º, n.º 6) E) CONCLUSÃO 21. Infelizmente, são mais as dúvidas do que as certezas em relação à concatenação entre as normas agora revistas do CPC e o disposto no CRP. Acreditamos que só através de uma alteração legislativa será possível eliminar muitas das dúvidas referidas.
16 Até lá, ter-se-á de proceder com bom senso, privilegiando, na medida do possível, os instrumentos próprios do registo predial, os quais não parecem ter sido totalmente levados em conta pelo legislador do Processo Civil.