FILTRO ANAERÓBIO: USO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO COMO MATERIAL SUPORTE



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Transcrição:

FILTRO ANAERÓBIO: USO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO COMO MATERIAL SUPORTE Luis Erasmo de F. Campos 1 Carlos Otávio Petter 2 Rubens Müller Kautzmann 3 RESUMO O trabalho avalia o desempenho de resíduos da construção civil como cerâmica vermelha e cimentícios (argamassa) para o enchimento de filtro anaeróbio. A pesquisa foi realizada em escala de laboratório utilizando filtros ascendentes com capacidade de 730 ml. Os materiais suporte testados foram os seguintes: brita (material padrão), resíduo de cerâmica vermelha, e este misturado com material cimentício. A água a ser tratada foi coletada na etapa intermediária de uma estação de tratamento. Os filtros foram alimentados de forma contínua e por gravidade, com a vazão de alimentação controlada através do gotejamento. Os materiais empregados foram caracterizados quanto à granulometria, absorção de água e detenção hidráulica. A eficiência de filtragem dos materiais foi avaliada mediante parâmetro de DQO (demanda química de oxigênio). Os resultados mostraram eficiências compatíveis e pouco superiores à da brita. A utilização desses resíduos justifica-se principalmente pela facilidade, disponibilidade e quantidade e valor em relação à brita. Palavras-chave: filtro anaeróbio, material suporte, resíduo de construção. ABSTRACT Anaerobic treatment: use with filter of recycle material from construction. The work, proposes to evaluate the accomplishment of residues generated by civil construction, such as: ceramics and cement, as a support material of biofilm in the anaerobe filtration. The research is utilizing models of anaerobe filters with a 1 Companhia Riograndense de Saneamento CORSAN. Rua Caldas Junior, 120 CEP90010-260 - Porto Alegre RS Brasil. Telefone: 0xx5132155600 r.4544; e-mail: luis.campos@corsan.com.br 2 Laboratório de Processamento Mineral UFRGS. Av. Bento Gonçalves, 9500, CEP 91501-970 Brasil. Telefone: 0xx5133167072; e-mail: cpetter@ufrgs.br 3 Centro Universitário La Salle Unilasalle. Av. Victor Barreto, 2288, Canoas, RS, CEP: 92010-000. Telefone: 0xx5132264718; e-mail: rubensmk@terra.com.br

6 CAMPOS, L. E. de F.; PETTER, C. O.; KAUTZMANN, R. M. capacity of 730ml. In one of the filters will be used a pattern material (mineral rock crunching) that will serve as a comparative element on the efficiency of the other filters. The filters are fed in a continuous way and by gravity. The materials used were characterized: size and water absorption and hydraulic detention. The efficiency of the materials will be measured through the variability of the parameters: CDO (Chemical demand of oxygen). The utilization of these residuals is supported mostly by the easiness, availability, quantity and quality related to the aggregate of rock. Key words: anaerobe filters, support material of biofilm, civil construction residues. INTRODUÇÃO A filtragem anaeróbia é classificada como um processo biológico de tratamento de efluentes domésticos ou águas residuais. São considerados como processos biológicos de tratamento de esgotos aqueles que utilizam a ação de microorganismos presentes nos esgotos para a transformação dos compostos orgânicos complexos em compostos simples, tais como sais minerais, gás carbônico e outros (JORDÃO e PESSOA, 1995). O filtro anaeróbio é constituído de um tanque contendo material de enchimento (material suporte), denominado leito fixo. Na superfície do material de enchimento, ocorre a fixação e o desenvolvimento de microorganismos na forma de biofilme ou flocos. Os compostos orgânicos solúveis contidos no esgoto (afluente) entram em contato com o leito fixo do filtro. Esse contato faz com que a matéria orgânica do afluente sofra a ação microbiana do biofilme ou do lodo granular, resultando produtos orgânicos intermediários e finais, especificamente metano e gás carbônico (GONÇALVES et al., 2001). A eficiência dos filtros na remoção da carga orgânica está associada à atividade biológica (fortemente influenciada pela temperatura) e, principalmente, a duas variáveis de projeto: 1º.) tempo de detenção celular (TDC) ou tempo de retenção de sólidos biológicos no interior do filtro, e 2º.) tempo de detenção hidráulica (TDH) que é o tempo médio de permanência do líquido no interior do filtro, em contato com o meio suporte. Ocorre que o TDC depende do tipo de meio filtrante (capacidade de aderência do material biológico) e do TDH, influenciado pelo arranjo do material filtrante. Como o último é de mais fácil determinação, é utilizado como principal parâmetro de projeto (ANDRADE NETO, 1997).

FILTRO ANAERÓBIO: USO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO COMO MATERIAL SUPORTE 7 A brita (constituída de agregados de rocha) tem sido amplamente empregada como leito fixo de filtros, para tratamento de esgotos. No entanto, desde 1953, também os módulos de PVC (polivinil clorado) vêm sendo gradativamente aplicados (JORDÃO e PESSOA, 1995). No Brasil tem-se utilizado como material suporte a pedra britada, geralmente N 4 (50mm-76mm) ou N 5 (76mm-100mm), mas também podem ser utilizados outros materiais, tais como: anéis de plásticos, elementos cerâmicos, módulos de plásticos, elementos de madeiras, cilindros de plásticos perfurados, esferas perfuradas ou gomos de bambu (GONÇALVES et al., 2001). O material de enchimento além de ser responsável pela maior parcela dos custos estabelece a dimensão volumétrica do sistema. Apesar da busca por melhorias tecnológicas dos materiais de enchimento nos processo de filtragem anaeróbia, a aplicação de agregados de rocha, resulta em ótimos resultados (GONÇALVES et al., 2001). É uma tecnologia compacta e de baixo custo, apresenta elevada segurança operacional, além de operação e monitoramento mais simples. Geralmente são mais indicados para o tratamento de esgotos predominantemente solúveis, visto que os riscos de entupimento no material de enchimento aumentam proporcionalmente com a concentração de sólidos em suspensão. Produz um efluente razoável, ou seja, não tem grande eficiência na remoção de patogênicos, mas permite um pré-tratamento (desbaste) com grande vantagem ao tratamento secundário (ANDRADE NETO, 1997). MATERIAL E MÉTODOS Os experimentos foram feitos em filtros anaeróbios ascendentes com capacidade em torno de 800 ml cada (figura 1). Os materiais de enchimento foram os seguintes: 1º.) resíduo cerâmico (tijolos) com granulometria média de 5,2 mm; 2º.) resíduo cimentício (argamassa) com granulometria média de 4,5 mm, ambos provenientes de entulhos da construção civil; e 3º.) brita granítica com granulometria média de 5,6 mm. Os experimentos foram realizados em ambiente interno em que a temperatura se manteve em aproximadamente 25 o C.

8 CAMPOS, L. E. de F.; PETTER, C. O.; KAUTZMANN, R. M. Figura 1. Montagem do experimento. Os filtros foram alimentados de forma contínua e por gravidade, por meio de um reservatório de dois litros, para cada filtro (alimentação diária), e a vazão de alimentação controlada realizou-se através da macrogotas (equipamento utilizado para administrar soro fisiológico). Nos experimentos, utilizou-se vazão de 0,85 l/ h. Empregou-se fluxo ascendente para minimizar a variação na vazão, comum de ocorrer em escala real, possibilitando assim a formação de um fecho hídrico no interior do filtro, que permite às bactérias estarem sempre em contato com o efluente. Nos filtros, com fluxo ascendente, a fração significativa de sólidos biológicos responsáveis pela estabilização da matéria orgânica pode encontrar-se retida nos interstícios do meio suporte na forma de grânulos e flocos. Geralmente, nesse sistema, não há necessidade de recirculação do efluente e há uma menor perda de sólidos biológicos por arraste. A água residuária utilizada nos ensaios foi o efluente proveniente da estação de tratamento secundária de Cachoeira do Sul RS, operada pela CORSAN (Companhia Riogradense de Saneamento). Para evitar o efeito de entupimento dos filtros, o efluente foi utilizado até eliminar todos os materiais grosseiros. Durante a coleta de efluentes dos filtros foram tomados cuidados para não ocorrer descaracterização das amostras, que foram colocadas em recipientes higienizados e refrigerados e rapidamente transportadas ao laboratório de análise,

FILTRO ANAERÓBIO: USO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO COMO MATERIAL SUPORTE 9 conforme sugere Carvalho e Povinelli (1996), com período de uma hora aproximadamente, entre o tempo de coleta e análise. A eficiência dos materiais foi medida através da variabilidade da DQO (demanda química de oxigênio) ao longo do experimento. As análises foram feitas pelo LAQIA (Laboratório de Análises Industriais e Ambientais da UFSM). Foram realizadas duas jornadas experimentais com períodos de tempo de 19 dias e 24 dias. Os resultados apresentados a seguir mostram uma tendência de equilíbrio do sistema, que possivelmente deve ser mantido para períodos maiores de ensaio. RESULTADOS E DISCUSSÃO A tabela 1 apresenta os valores de eficiência calculados para cada etapa de amostragem ao longo do período de 19 dias. Deve-se salientar que as amostras de água residuária utilizadas apresentaram OD (oxigênio dissolvido) igual a zero. Como comparativo com a DQO medida, sabe-se que as águas residuais apresentam valor médio de DBO 5 de 155 mg O 2 /l, sendo a relação média da DQO/DBO de 1,7, segundo informações da Estação da CORSAN de Cachoeira do Sul, RS. Tabela 1. Parâmetros e eficiência de biodegradação na filtragem anaeróbia para o período de 19 dias de ensaio. Dia Amostragem ph DQO (mg/l) Eficiência (%) Alimentação 7,1 304,4 5 Saída F. Cerâmico 7,3 212,2 30,3 Saída F. Cerâmico e Cimentício 8,3 202,6 33,4 F. Brita 7,3 207,4 31,9 Alimentação 7,1 261,8 8 Saída F. Cerâmico 7,3 213,7 18,4 Saída F. Cerâmico e Cimentício 8,4 211,7 19,1 Efluente F. Brita 7,5 234,8 10,3 Alimentação 7,1 238,8 Saída F. Cerâmico 7,3 158,0 33,8 12 Saída F. Cerâmico e Cimentício 8,3 167,0 30,1 Efluente F. Brita 7,3 142,3 40,4 Alimentação 7,0 208,0 19 Saída F. Cerâmico 7,4 146,5 29,6 Saída F. Cerâmico e Cimentício 8,3 140,6 32,4 Efluente F. Brita 7,3 154,3 25,8

10 CAMPOS, L. E. de F.; PETTER, C. O.; KAUTZMANN, R. M. Na Figura 2, também pode ser observado o comportamento do valor da DQO na saída dos filtros em comparação com o valor da DQO da água residual de alimentação. DQO 350 300 250 200 150 100 50 0 0 5 10 15 20 tempo (dias) alimentação cerâmica cerâmica cimento brita Figura 2. Comportamento da redução de DQO para os três tipos de material suporte em relação ao DQO da alimentação. Os resultados mostram que todos os materiais utilizados nos filtros promoveram a redução da carga orgânica, indicada pela redução da DQO. O comportamento variável de eficiência, observado na figura 2, indica uma mesma tendência para os três filtros, não podendo ser explicado, através dos parâmetros controlados em termos de ph, temperatura e fluxo de alimentação. Houve uma sutil vantagem de eficiência para o filtro, contendo a mistura de resíduos cerâmico e cimentício. Nesses experimentos, ocorreu nos filtros contendo brita e material cerâmico o desenvolvimento de organismos fototrópicos (algas verdes), pois durante o controle e a reposição do efluente nos filtros houve a incidência de luminosidade. No filtro contendo material cerâmico e cimentício operando com ph em torno de 8,3, não houve a ocorrência desses organismos. Segundo Von Sperling (1996), as algas verdes não se desenvolvem em phs com valores superiores a 8. A segunda jornada experimental compreendeu um período de 24 dias, com DQO de alimentação mais elevada, em 437,0 mg/l. Utilizaram-se somente os filtros de material cerâmico e cerâmico/cimentício, buscando entender melhor o efeito do material cimentício. A temperatura média ambiental manteve-se em 25,6ºC e a

FILTRO ANAERÓBIO: USO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO COMO MATERIAL SUPORTE 11 temperatura média da alimentação (água residuária) nos filtros foi de 27,0 ºC. Para evitar o surgimento de organismos fototrópicos, melhorou-se a proteção dos filtros com papel alumínio. Foram avaliados os seguintes parâmetros: DQO, SS (sólidos suspensos), ferro e alcalinidade. A tabela 2 apresenta os parâmetros de controle após 20 dias de operação dos filtros. Nota-se que a eficiência de redução da DQO no filtro com material cerâmico foi de 47,1%, ocorrendo um significativo aumento da eficiência para o filtro com material cerâmico e cimentício de 83,3% da redução da DQO. Tabela 2. Filtragem no período de 20 dias. Parâmetros de controle: SS (sólidos suspensos), ph, Fe (total), alcalinidade (CO 3 2- ) e DQO. Amostragem SS (mg/l) ph Fe (mg/l) Alcalinidade CO 2-3 (mg/l) DQO (mg/l) Alimentação 20,0 7,1 0,5 ND 437,0 Filtro Cerâmico 20,0 7,1 <0,1 ND 231,0 Filtro Cerâmico-cimentício 24,0 8,4 <0,1 48,4 73,0 O ph maior no filtro, contendo material cimentício pode ser explicado pela dissolução dos óxidos e hidróxidos de cálcio presentes, conforme expressa a reação a seguir: além de aumentar a presença de sólidos precipitados, a presença de cálcio, acima de 4g/L, pode ser inibidora (tóxicos) da atividade das bactérias metanogênicas (Barrenetxea et al., 2002). CaO (s) + H2 = Ca 2 + + 2OH [1] (aq) (aq) A expressiva alcalinidade (CO 3 2- ) no efluente tratado no filtro com material cerâmico-cimentício pode ser explicada através da produção de gás carbônico no processo de decomposição anaeróbio e a precipitação do cátion de cálcio (ou magnésio) como carbonato, o que pode explicar também o nível maior de sólidos suspensos em razão da precipitação de carbonatos (equação 4). As reações a seguir indicam este mecanismo. CO2 (g) + H2O = CO 2 + 2H + [2] 3 (aq) (aq) CO 2 + H2O = OH + HCO [3] 3 (aq) (aq) 3 (aq) Ca + 2 (aq) + CO 2 = CaCO3 3 (aq) (s) [4]

12 CAMPOS, L. E. de F.; PETTER, C. O.; KAUTZMANN, R. M. As reações [2], [3] e [4] mostram uma relação de equilíbrio entre o gás carbônico dissolvido, a alcalinidade e a presença de cátion de cálcio em solução. Para conhecer melhor o efeito do material cimentício, é preciso estudar os parâmetros de controle do processo de dissolução de cátions presentes na matriz do cimento e sobre a eficiência de biodegradação (geração de gás carbônico). A redução do ferro no efluente dos filtros pode indicar ter havido sua retenção pelo material suporte, sendo encontrado com freqüência em águas residuárias como sólidos dissolvidos e em substância orgânica e inorgânica em estado coloidal (preferencialmente na forma de óxidos). CONSIDERAÇÕES FINAIS A filtragem anaeróbia utilizando resíduos de construção civil constituídos por material cerâmico (cerâmica vermelha) ou material misto (cerâmico e ciméntico argamassa) demonstra potencialidade para utilização em tratamento de águas residuárias em filtros anaeróbios como substituto dos agregados de rocha (brita). O estudo dos efeitos do material cimentício sobre a eficiência da degradação da matéria orgânica em processos anaeróbios deve ser aprofundado, principalmente para compreender qual a seletividade e eficiência maior sobre as colônias de bactéria em função do ph e presença de carbonatos. Como produto do estudo é proposto um filtro anaeróbio domiciliar ou para pequenas comunidades com as características mostradas no croqui da figura 3. Figura 3. Sistema de tratamento para pequenos núcleos habitacionais.

FILTRO ANAERÓBIO: USO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO COMO MATERIAL SUPORTE 13 O sistema sugere um filtro anaeróbio ascendente, construído em alvenaria ou concreto. Para não ocorrerem entupimentos no material filtrante, o sistema deve ser precedido de uma fossa séptica. As dimensões mínimas a serem ocupadas pelo material filtrante no filtro são de 60 cm de altura e 60 cm de diâmetro. REFERÊNCIAS ANDRADE NETO, C. O. 1997. Sistema Simples para Tratamento de Esgotos Sanitários. Rio de Janeiro: ABES, 300 p. BARRENETXEA, C..O. et al. 2002. Contaminación Ambiental: Una visión desde la química. Madrid: Thonson, 678 p. CARVALHO, E. H.; POVINELLI, J. 1996. Filtros Biológicos Anaeróbios. Rio de Janeiro: AIDIS, p, vol.1. GONÇALVES, R. F. et al. 2001. Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios por reatores com biofilme. In: Pós - Tratamento de Efluentes de Reatores Anaeróbios, PROSAB, 2001, Belo Horizonte. p.171-271. JORDÃO, E.; PESSOA, C. A. P. 1995. Tratamento de Esgotos Domésticos. 3. ed. Rio de Janeiro: ABES, p. VON SPERLING, M. 1996. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 2. ed. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental: Universidade Federal de Minas Gerais, 243 p.