Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p.61-65, abr./jun. 2009. Disponível em www.cbra.org.br



Documentos relacionados
INTERAÇÃO ENTRE NUTRIÇÃO E REPRODUÇÃO EM VACAS DE CORTES

Aspectos da Sincronização de Estro em Bovinos de Acordo com a Fase do Ciclo Estral

Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) Em Bovinos Leiteiros

RELAÇÃO ENTRE NUTRIÇÃO E REPRODUÇÃO EM REBANHOS MESTIÇOS LEITEIROS

Anatomia e Fisiologia Humana

CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA DA DIVERGÊNCIA FOLICULAR EM VACAS DA RAÇA TABAPUÃ (Bos taurus indicus) TRATADAS COM SOMATOTROFINA BOVINA BIANCA ARNONE

CONTROLE E INTEGRAÇÂO

Curso: Integração Metabólica

Neuroendocrinologia. Sistemas neuroendócrinos no cérebro dos peixes. Eixo hipotálamo - hipófise - glândulas-alvo

Manejo reprodutivo de vacas de leite criadas a pasto. José Luiz Moraes Vasconcelos

UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC DEPARTAMENTO DE FARMÁCIA DISCIPLINA DE FISIOLOGIA GERAL HORMÔNIOS MASCULINOS

Aula 23 Sistema endócrino

Bases Moleculares da Obesidade e Diabetes. IGF- I System. Carlos Cas(lho de Barros

ALINE CARVALHO MARTINS DINÂMICA FOLICULAR EM BOVINOS

DESAFIOS DA INTERAÇÃO ENTRE ASPECTOS NUTRITIVOS E REPRODUTIVOS DO GADO DE CORTE

Interação dos mecanismos fisiológicos que influenciam a fertilidade em vacas leiteiras

CONTROLE NEUROENDOCRINO DA FUNÇÃO REPRODUTIVA EM FÊMEAS

Sistema neuro-hormonal

EFICIÊNCIA REPRODUTIVA EMPRENHAR A VACA O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL APÓS O PARTO

Ciclo Sexual ou Estral dos Animais Domésticos Prof. Dr. Wellerson Rodrigo Scarano Departamento de Morfologia Instituto de Biociências de Botucatu

Existem três tipos de glândulas: endócrinas (tireóide, suprarrenal), exócrinas (lacrimais, mamárias) e anfícrinas ou mistas (pâncreas)

Quais hormônios regulam a ovogênese?

RELAÇÃO ENTRE DISTÚRBIOS METABÓLICOS E REPRODUTIVOS EM VACAS LEITEIRAS

CONCENTRAÇÕES SÉRICAS DE INSULINA NO PÓS-PARTO RECENTE DE VACAS DE CORTE DE DIFERENTES GENÓTIPOS CRIADAS NO SUL DO BRASIL

Exercícios de Coordenação Endócrina

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS CURSO DE BACHARELADO EM MEDICINA VETERINÁRIA

ANESTRO PÓS-PARTO EM BOVINOS: A SUPLEMENTAÇÃO COM ÓLEOS VEGETAIS PODE SER ÚTIL PARA ENCURTÁ-LO?

Profª Leticia Pedroso

Sistema Endócrino. Introdução. Glândulas e suas secreções. 1. Hipotálamo: 2. Hipófise anterior (adeno-hipófise):

Associação Entre Capsaicina e Isoflavonas é Eficaz na Alopecia

INTER-RELAÇÕES ENTRE NUTRIÇÃO E REPRODUÇÃO EM FÊMEAS BOVINAS DE CORTE

FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA. Bases Fisiológicas da Sede, Fome e Saciedade Fisiologia Humana

SUPEROVULAÇÃO EM BOVINOS

DIFERENTES MECANISMOS PELOS QUAIS A NUTRIÇÃO INTERFERE NA EFICIÊNCIA REPRODUTIVA DE VACAS DE LEITE E DE CORTE

3) (UFABC/2009) Leia a tirinha:

Hipófise (ou glândula Pituitária)

PRINCIPAIS LIMITAÇÕES REPRODUTIVAS NO PERÍODO PÓS PARTO EM VACAS DE CORTE

INFLUÊNCIA DOS NÍVEIS DE INSULINA E ß-HIDROXIBUTIRATO NO MOMENTO DA PRIMEIRA OVULAÇÃO PÓS-PARTO EM VACAS DE CORTE 1. INTRODUÇÃO


Influência da ingestão alimentar na fisiologia reprodutiva da fêmea bovina 1 Influence of feed intake on the reproductive physiology of the cow

SISTEMA ENDÓCRINO. Jatin Das VISÃO GERAL GLÂNDULAS ENDÓCRINAS

JOSÉ ROGÉRIO MOURA DE ALMEIDA NETO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA FACULDADE DE VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Dinâmica folicular em éguas: aspectos intrafoliculares Follicular dynamics in mares: role of intrafollicular factors

PROGRAMA DE SUPLEMENTAÇÃO DE LUZ ARTIFICIAL PARA BEZERROS EM ALEITAMENTO

Dinâmica folicular em cabras da raça Toggenburg em lactação tratadas ou não com somatotropina bovina recombinante

Raniê Ralph GO. 24 de Setembro de Professor Sobral. Ciclo Menstrual

GLICOCORTICÓIDES PRINCIPAIS USOS DOS FÁRMACOS INIBIDORES DOS ESTERÓIDES ADRENOCORTICAIS

Programa Analítico de Disciplina VET381 Fisiologia da Reprodução

A SEDE. Conselho Científico do Instituto de Hidratação e Saúde

Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.33, n.4, p , Oct./Dez Disponível em

NUPEEC. Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Pecuária

EFEITO DO TAMANHO DO FOLÍCULO DOMINANTE NO MOMENTO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL EM TEMPO FIXO NA TAXA DE GESTAÇÃO EM VACAS NELORE

Tópicos da Aula. Classificação CHO. Processo de Digestão 24/09/2012. Locais de estoque de CHO. Nível de concentração de glicose no sangue

AVANÇOS NOS PROTOCOLOS DE SUPEROVULAÇÃO DE BOVINOS

Rev Bras Reprod Anim Supl, Belo Horizonte, n.6, p , dez Disponível em

COMUNICAÇÃO CELULAR. Bioquímica Básica Ciências Biológicas 3º período Cátia Capeletto

Linha completa de suplementos minerais e proteinados da Guabi.

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

DINÂMICA FOLICULAR OVARIANA NA ÉGUA

Nestlé EM CAMPO. Período de transição. Eficiência e qualidade na produção leiteira

10/06/2013 GLÂNDULAS ENDÓCRINAS GLÂNDULAS ENDÓCRINAS (NAV) Tireóide Paratireóide Hipófise Pineal Adrenal Ilhotas pancreáticas Timo

NUPEEC. Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Pecuária

PUBERDADE EM NOVILHAS ZEBUÍNAS: MANEJO E MECANISMOS PARA A ANTECIPAÇÃO

AÇÕES RESPONSÁVEIS PELA QUEDA DA QUALIDADE DE LEITE NO CAMPO. Cristiane de Sousa Lima 1, Alessandra Sayegh Arreguy Silva 2, Dayana de Jesus Lodi 3

PlanetaBio Resolução de Vestibulares FUVEST ª fase - específicas

INFLUÊNCIA DO BEZERRO NA DURAÇÃO DO ANESTRO EM VACAS DE CORTE INFLUENCE OF THE YEAR-OLD CALF IN THE DURATION OF THE ANAESTRO IN BEEF CATTLE COWS

Como estimar peso vivo de novilhas quando a balança não está disponível? Métodos indiretos: fita torácica e hipômetro

Precocidade Sexual e a Inseminação Artificial em Tempo Fixo

MIGUEL PIZZOLANTE BOTTINO. ADIÇÃO DE GONADOTROFINAS EM PROTOCOLOS DE IATF E FERTILIDADE DE VACAS Bos indicus

29/03/2012. Biologia. Principais glândulas endócrinas humanas

factos e mitos ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DAS BEBIDAS REFRESCANTES NÃO ALCOÓLICAS

Processo de envelhecimento

ORGANIZAÇÃO MORFOLÓGICA E FUNCIONAL DO SISTEMA HIPOTALÂMICO HIPOFISÁRIO

Expressão de estro aumenta a fertilidade e reduz perdas de gestação em protocolos de IATF e TETF. Marcos Henrique Colombo Pereira

Parâmetros Genéticos

RESPOSTAS REPRODUTIVAS DE OVELHAS SUBMETIDAS A PROTOCOLOS DE INDUÇÃO DE ESTRO DE CURTA E LONGA DURAÇÃO

NECESSIDADES NUTRICIONAIS DO EXERCÍCIO

Diferenças metabólicas e endócrinas entre femêas Bos taurus e Bos indicus e o impacto da interação da nutrição com a reprodução

Fisiologia reprodutiva de fêmeas taurinas e zebuínas Reproductive physiology of Bos taurus and Bos indicus females

Excreção. Manutenção do equilíbrio de sal, água e remoção de excretas nitrogenadas.

sistemas automatizados para alimentação: futuro na nutrição de precisão

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM. Fisiologia Endócrina. Introdução ao Sistema Endócrino

Cuidados essenciais para maior produtividade na criação de bovinos

3ºano-lista de exercícios-introdução à fisiologia animal

AVALIAÇÃO DOS ÍNDICES ZOOTÉCNICOS DE MÉDIAS PROPRIEDADES LEITEIRAS

ÍNDICE MITSUISAL A SUA NOVA OPÇÃO COM QUALIDADE

Diferimento de pastagens para animais desmamados

Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p , abr./jun Disponível em Correspondência:

Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.31, n.1, p.27-31, jan./mar Disponível em

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Módulo 9 A Avaliação de Desempenho faz parte do subsistema de aplicação de recursos humanos.

Coffea arábica (Coffee) seed oil and Vegetable steryl esters. Modificador mecanobiológico da celulite e gordura localizada.

SISTEMA ENDÓCRINO SISTEMA HORMONAL

Comportamento sexual está intimamente relacionado ao comportamento reprodutivo; Influenciado por vários fatores fisiológicos e comportamentais;

Transcrição:

Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p.61-65, abr./jun. 2009. Disponível em www.cbra.org.br Restrição alimentar e os mecanismos endócrinos associados ao desenvolvimento folicular ovariano em vacas Feeding restriction and the endocrine mechanisms involved in ovarian follicular development in cows F.A. Souza 1,5, I.F. Canisso 2, A.M. Borges 1, V.R. Vale Filho 1, A.L. Lima 3, E.C. Silva 4 1 Escola de Veterinária da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. 2 College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY, USA. 3 Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba, SP, Brasil. 4 Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil. 5 Correspondência: femedvet@yahoo.com.br Recebido: 25 de agosto de 2008 Aceito: 1 de março de 2010 Resumo Em ruminantes, a nutrição afeta as concentrações circulantes e as reservas hipofisárias de gonadotrofinas, as quais são importantes para o desenvolvimento final de folículos dominantes. Assim, qualquer fator que interfira na sua secreção será limitante ao desempenho reprodutivo. A nutrição pode influenciar a função ovariana por modular a secreção dos hormônios luteinizante (LH) e folículo estimulante (FSH) tanto em condições de alta quanto de baixa ingestão alimentar. O desenvolvimento dos folículos ovarianos também está relacionado com as mudanças na concentração dos hormônios metabólicos periféricos, como: insulina, hormônio do crescimento (GH), leptina, fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I) e neuropeptídeo-y (NPY), cujas concentrações podem ser afetadas pelo estado metabólico do animal. Palavras-chave: nutrição, balanço energético, dinâmica folicular, leptina. Abstract In ruminants, the nutrition effect on the blood and pituitary gonadotropins which are important to the final maturation of dominant follicles. Thus, any factor that interferes in their secretion will limit animal reproductive performance. Nutrition may influence the ovarian function by modulating luteinizing hormone (LH) secretion and follicle stimulating hormone (FSH) secretion, either in high or low feed intake condition. Development of ovarian follicles is also related to changes in peripheral metabolites hormones concentrations like: insulin, growth hormone (GH), leptin, insulin-like growth factor-i (IGF-I) and neuropeptide-y (NPY), whose concentrations may be affected by animal metabolic status. Keywords: nutrition, negative energy balance, follicular dynamic, leptin. Introdução Não há nutrientes específicos requeridos para a reprodução que não sejam necessários para atender as outras funções fisiológicas corporais e, por isso, é difícil determinar as funções específicas e os mecanismos pelos quais a nutrição, ou determinado nutriente, pode afetar a função ovariana (Borges, 2006). Entre os efeitos da nutrição na reprodução, o balanço energético negativo pode ser considerado um fator importante relacionado à baixa função reprodutiva da vaca (Butler, 2005). Short e Adams (1988) descreveram a seguinte escala de prioridades do uso da energia disponível para espécies ruminantes: 1) metabolismo basal; 2) atividades físicas; 3) crescimento; 4) reservas de energia; 5) gestação; 6) lactação; 7) reservas adicionais de energia; 8) ciclos estrais e início de gestação; e 9) reservas excedentes de energia. Considerando que a atividade cíclica das matrizes localiza-se no final da escala de prioridades para o uso da energia disponível, ressalta-se o quanto a má nutrição pode diminuir a resposta reprodutiva do rebanho. Possivelmente, a ação da nutrição sobre a reprodução inclui efeitos sistêmicos: 1) no hipotálamo, via síntese e liberação de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH); 2) na adeno-hipófise, pela síntese e liberação de FSH, LH e hormônio do crescimento (GH); e 3) nos ovários, por meio da regulação do crescimento folicular e da síntese de esteroides (estradiol e progesterona; Diskin et al., 2003). Isso interfere nos eventos da dinâmica folicular ovariana, tendo como consequência principal o prolongamento do intervalo do parto à concepção devido ao longo período de anestro tanto em vacas de leite como de corte (Dawuda et al., 2002; Tanaka et al., 2008). O objetivo desta revisão de literatura é ressaltar os principais pontos envolvidos no controle endócrino do desenvolvimento folicular ovariano de vacas associados à secreção das gonadotrofinas que podem ser

modulados pela nutrição, com ênfase na restrição alimentar. Efeito da restrição alimentar sobre a secreção de FSH e LH As gonadotrofinas, hormônio folículo estimulante e luteinizante (FSH e LH) são importantes hormônios adeno-hipofisários envolvidos no desenvolvimento dos folículos ovarianos em fase antral. Assim, qualquer fator que interfira em sua secreção será limitante para o desempenho reprodutivo (Rhodes et al., 1995; Carnevale, 2008). Tanto a restrição nutricional crônica (prolongada) quanto a aguda (curta duração) comprometem o desenvolvimento folicular, a qual interfere na taxa de crescimento e no tamanho do folículo dominante (FD) ovulatório (Diskin et al., 2003). A nutrição pode influenciar a função ovariana por modular principalmente a secreção do LH e, em menor intensidade, do FSH, tanto em condições de alta quanto de baixa ingestão alimentar. Em animais de boa condição corporal, as concentrações séricas de LH são mais elevadas que naqueles que apresentam perda de escore corporal (Gil, 2003). A alta ingestão proteica por um curto período de tempo promove o aumento da frequência dos pulsos de LH, elevando a taxa de ovulação, principalmente em ovinos (O Callaghan e Boland, 1999; Van Saun, 2008). Em animais superalimentados, o aumento da ingestão de matéria seca pode elevar a taxa de depuração do estradiol pelo fígado. Este decréscimo no estradiol pode estar associado com o aumento da concentração de FSH (Adams et al., 1997; Robinson et al., 2006). Todavia, as concentrações de FSH aumentam durante a restrição alimentar por curto período de tempo, possivelmente devido a efeitos sobre a hipófise anterior, mediados diretamente pelo eixo ativina-inibina-folistatina, dentro das células gonadotróficas (Diskin et al., 2003). No entanto, a restrição nutricional crônica (ingestão de matéria seca de 0,7% do peso vivo/dia durante 10 semanas) leva à redução gradual na taxa de crescimento, no diâmetro máximo e na persistência do folículo dominante, tanto de novilhas (Murphy et al., 1991; Alexander et al., 2007), quanto de vacas em lactação (Stagg, 2000), estando essas características ligadas, principalmente, ao padrão de secreção de LH (Diskin et al., 2003). O padrão de liberação de FSH próximo do surgimento das sucessivas ondas foliculares durante a restrição alimentar crônica, no anestro nutricional e na realimentação, são semelhantes, pois há manutenção da periodicidade das ondas foliculares, independentes da condição reprodutiva do animal, cíclico ou não (Stagg, 2000). Isto devido, diferentemente do LH, ao pouco estoque de FSH na hipófise. Pois, esse hormônio, uma vez sintetizado, é continuamente liberado (Farnworth, 1995; Grinberg et al., 2008). Contudo, o longo período de restrição alimentar promove também a redução da produção de FSH, por reduzir a transcrição de RNAm para a formação das suas subunidades α e β (Stagg et al., 1995; Grinberg et al., 2008). Quanto à secreção do LH pela hipófise, sua liberação é reduzida com a restrição alimentar prolongada, devido à supressão da liberação do GnRH (Denniston et al., 2003). A supressão deste hormônio é maior em bovinos submetidos à longa restrição alimentar e, em vacas acíclicas, devido à maior sensibilidade do eixo hipotalâmico à retroalimentação negativa do estradiol. Entretanto, a restrição alimentar prolongada só terá efeito significativo quando houver perda de 22-24% da massa corporal. Já a restrição aguda severa tem efeito supressivo imediato sobre a dinâmica folicular ovariana (Diskin et al., 2003). Ação do eixo insulina/gh/igf-i na reprodução É muito difícil diferenciar os efeitos dos vários hormônios metabólicos, pois as mudanças reprodutivas hormonais que comprometem a função ovariana ocorrem simultaneamente quando a nutrição é comprometida (Mihm e Bleach, 2003). Estudos sobre a relação do balanço energético negativo (BEN) e a função reprodutiva de bovinos de leite mostram que as variações metabólicas sistêmicas (glicose, ureia, ácidos graxos não esterificados, beta-hidroxibutirato), durante o BEN, podem modificar a composição dos fluidos folicular, tubárico e uterino e, a partir disso, ter impacto sobre o metabolismo e a capacidade de desenvolvimento do ovócito e do embrião (Leroy, 2005). Muitas são as evidências de que os hormônios metabólicos, como o hormônio do crescimento (GH), a insulina, o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I e II) e a leptina tenham importante papel no controle da função ovariana dos mamíferos, agindo como mediadores ou sinalizadores dos efeitos da ingestão de alimento e do balanço energético sobre a fertilidade (Gil, 2003). Dentre esses hormônios metabólicos, destaca-se a insulina, que atua na reprodução por regular a síntese de neurotransmissores de GnRH e, consequentemente, controlar a secreção das gonadotrofinas, principalmente na liberação de LH pela hipófise, juntamente aos fatores de crescimento semelhante à insulina do tipo I e II (IGF-I e IGF-II), cujos receptores estão presentes nas células foliculares (granulosa e teca; Webb e Armstrong, 1998; Kawauchi e Sower, 2006). A ligação da insulina ao seu receptor resulta em uma série de efeitos metabólicos, sendo o mais importante a estimulação do transporte de glicose para o interior das células, utilizada como a principal fonte energética para o ovário (Rabiee et al., 1997; Lawrence et al., 2007). Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p.61-65, abr./jun. 2009. Disponível em www.cbra.org.br 62

Estudos mostram que a insulina possui ação direta no ovário. A incapacidade do folículo em responder ao aumento na frequência de pulsos de LH pode ser devido à menor capacidade de reposta pelos receptores de LH nas células da granulosa, que são dependentes da ação combinada de FSH e de estradiol-17β. Por sua vez, o estradiol-17β folicular depende da produção de andrógenos nas células da teca, que é estimulada pelo LH, e cuja resposta parece ser aumentada pela insulina e pelo IGF-I (Stewart et al., 1995). Assim, as baixas concentrações plasmáticas de insulina, em animais submetidos à restrição alimentar crônica, podem reduzir a produção de andrógenos e estrógenos e, assim, comprometer a habilidade dos folículos em produzirem receptores para LH (Diskin et al., 2003). Além dessa ação direta, o efeito da insulina pode ser exercido indiretamente sobre o ovário pela elevação das concentrações de GH (Webb e Armstrong, 1998; Kawauchi e Sower, 2006). O hormônio metabólico GH atua sinergicamente com a insulina, influenciando a ação mitogênica e esteroidogênica do IGF-I sobre as células da teca interna e da granulosa. A alta ingestão proteica eleva a concentração sanguínea de GH e insulina, aumentando as concentrações plasmáticas de IGF-I, por meio do GH, e intrafolicular, pela ação da insulina (Fortune, 2003). A privação prolongada de proteínas ou jejum total pode estimular a secreção de GH, por reduzir a retroalimentação negativa proveniente dos produtos periféricos de sua ação, e pela redução da concentração de insulina, levando à queda dos valores das somatomedinas intrafoliculares (Fortune, 2003). A restrição alimentar prolongada de bovinos, além de causar o decréscimo na concentração circulante de insulina e IGF-I, também diminui a concentração das proteínas ligadoras de IGFs (IGFBPs). Como as IGFBPs transportam e elevam à meia-vida plasmática das IGFs, a baixa concentração sanguínea de IGFBPs, induzida por uma baixa ingestão alimentar, limitará a disponibilidade de IGFs nas células foliculares e, consequentemente, sua habilidade sinérgica com as gonadotrofinas hipofisárias na estimulação da proliferação celular e da esteroidogênese intrafolicular (Diskin et al., 2003). Desta forma, o eixo insulina/gh/igf-i responde por parte das mudanças da secreção de gonadotrofinas, do crescimento folicular e da taxa de ovulação induzida pela dieta alimentar (O Callaghan e Boland, 1999; Rhoads et al., 2008). Ação da leptina e do neuropeptídeo-y (NPY) como sinalizadores do estado nutricional A leptina, hormônio proteico secretado pelos adipócitos, está implicada na regulação da ingestão de alimentos, no balanço energético e no eixo neuroendócrino de bovinos e outras espécies animais (Barb e Kraeling, 2004). Os receptores de leptina foram identificados em muitas áreas do cérebro e em vários outros tecidos, incluindo os ovários. No cérebro, estão localizados, principalmente, no hipotálamo, e estão associados ao controle do apetite, da reprodução e do crescimento (O Callaghan e Boland, 1999; Robinson et al., 2006). Mudanças no peso corporal ou no estado nutricional são caracterizadas por alterações nas concentrações séricas de muitos hormônios, sendo que a insulina, o GH e o IGF-I são os principais responsáveis pela regulação da função e do desenvolvimento dos adipócitos. A restrição alimentar crônica em vacas resulta na redução acentuada na secreção de leptina, que é concomitante à redução de LH. Desta forma, a condição metabólica parece ser o fator primário determinante da capacidade de resposta do eixo hipotalâmico-hipofisário à leptina em ruminantes (Barb e Kraeling, 2004). Restrições alimentares, tanto agudas quanto crônicas, afetam a concentração plasmática de leptina em ovinos e bovinos, correlacionada positivamente com as concentrações de insulina e glicose e, negativamente, com as concentrações de GH e de ácidos graxos não esterificados (Voge et al., 2004). Amstalden et al. (2000) observaram que jejum de 48h em novilhas peripúberes (de peso médio de 315kg), reduziu a expressão do gene da leptina, e a redução da leptina circulante foi simultânea às reduções nas concentrações de insulina, IGF-I e na frequência de pulsos de LH. Os efeitos da leptina podem ser mediados, em parte, pelo neuropeptídeo Y (NPY), pois o RNAm para receptores de leptina tem sido encontrado no hipotálamo de ovelhas, colocalizado com os neurônios de NPY no núcleo arcuado, sendo este último hormônio abundante durante os períodos de desnutrição (Williams et al., 1999; Gautron et al., 2005). Nos bovinos, o núcleo arcuado também contém neurônios que secretam GnRH. A inervação nesta região permite ao NPY atuar diretamente nos neurônios desta área, influenciando o balanço energético, o comportamento sexual e a secreção de GnRH (Denniston et al., 2003), resultando no controle da secreção de LH por meio da inibição da secreção de GnRH (Amstalden et al., 2000). Outro possível mecanismo pelo qual a leptina controla os processos reprodutivos envolve sua ligação aos neurônios secretores de β-endorfina que, por sua vez, influenciam os neurônios produtores de GnRH. Os neurônios secretores de β-endorfina também influenciam os NPYs, que são envolvidos no controle da saciedade (O Callaghan e Boland, 1999; Israel et al., 2005). Assim, uma longa restrição alimentar levando à redução acentuada do escore corporal e, consequentemente, das concentrações de leptina, promovem a elevação dos valores séricos e hipotalâmicos do NPY e, desta forma, diminuem a secreção de GnRH hipotalâmico (Denniston et al., 2003), interferindo no desempenho reprodutivo (Schneider, 2004). Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p.61-65, abr./jun. 2009. Disponível em www.cbra.org.br 63

Considerações finais A função ovariana é controlada, primariamente, pela interação do eixo hipatalâmico-hipofisáriogonadal. Contudo, há hormônios envolvidos nos processos metabólicos, como o hormônio do crescimento (GH), a insulina e o fator de crescimento semelhante à insulina do tipo I (IGF-I) que regulam o desenvolvimento folicular. Estes hormônios metabólicos podem atuar diretamente no controle dos estádios de desenvolvimento folicular, independente das gonadotrofinas ou em sinergismo com as mesmas, para modularem o recrutamento, o desenvolvimento e a maturação folicular. Além disso, a leptina e o neuropeptídeo Y podem atuar como sinalizadores da condição corporal, favorecendo a liberação ou a inibição do GnRH hipotalâmico, respectivamente. Esses efeitos poderão representar a porção final dos mecanismos, hoje documentados, porém pobremente entendidos, da influência nutricional sobre a função reprodutiva em fêmeas bovinas. Futuras pesquisas, seja via biologia molecular ou técnicas histológicas, deveriam focar no estudo dos mediadores hormonais que influenciam o microambiente ovariano, e suas possíveis alterações em situações de restrição alimentar e conseqüente redução de fertilidade na vaca. Referências bibliográficas Adams NR, Briegel JR, Sanders, MR, Blackberry MA, Martin GB. Level of nutrition modulates the dynamics of oestradiol feedback on plasma FSH in ovariectomized ewes. Anim Reprod Sci, v.47, p.59-70, 1997. Alexander BM, Kiyma Z, Mcfarland M, Van Kirk EA, Hallford DM, Hawkins DE, Kane KK, Moss GE. Influence of short-term fasting during the luteal phase of the estrous cycle on ovarian follicular development during the ensuing proestrus of ewes. Anim Reprod Sci, v.97, p.356-363, 2007. Amstalden M, Garcia MA, Williams SW, Stanko AL, Nizielski SE, Keisler DH, Williams GL. Leptin gene expression, circulating leptin, and luteinizing hormone pulsatility are acutely responsible to short-term fasting in pre-pubertal heifers: relationships to circulating insulin and insulin-like growth factor I (Part 1). Biol Reprod, v.63, p.127-133, 2000. Barb CR, Kraeling RR. Role of leptin in the regulation of gonadotropin secretion in farm animals. Anim Reprod Sci, v.82/83, p.155-167, 2004. Borges AM. Inter-relações entre nutrição e reprodução em fêmeas bovinas de corte. In: Simpósio de Produção de Gado de Corte, 5, 2006, Viçosa, MG. Anais... Viçosa, MG: UFV, 2006. p.555-597. Butler WR. Inhibition of ovulation in the postpartum cow and the lactating sow. Livest Prod Sci, v.98, p.5-12, 2005. Carnevale EM. The mare model for follicular maturation and reproductive aging in the woman. Theriogenology, v.69, p.23-30, 2008. Dawuda PM, Scaife JR, Hutchinson JSM, Sinclair KD. Mechanisms linking under-nutrition and ovarian function in beef heifers. Anim Reprod Sci, v.74, p.11-26, 2002. Denniston DJ, Thomas MG, Kane KK, Roybal CN, Canales L, Hallford DM, Remmenga MD, Hawkins DE. Effect of neuropeptide Y on GnRH-induced LH release from bovine anterior pituitary cell cultures derived from heifers in a follicular, luteal on ovariectomized state. Anim Reprod Sci, v.78, p.25-31, 2003. Diskin MG, Mackey DR, Roche JF, Sreenan, JM. Effects of nutrition and metabolic status on circulating hormones and ovarian follicle development in cattle. Anim Reprod Sci, v.78, p.345-370, 2003. Farnworth PG. Gonadotropin secretion revisited: how many ways can FSH leave a gonadotroph? J Endocrinol, v.145, p.387-395, 1995. Fortune JE. The early stages of follicular development: activation of primordial follicles and growth of preantral follicles. Anim Reprod Sci, v.78, p.135-163, 2003. Gautron L, Mingam R, Moranis A, Combe C, Layé S. Influence of feeding status on neuronal activity in the hypothalamus during lipopolysaccharide-induced anorexia in rats. Neuroscience, v.134, p.933-946, 2005. Gil CV. Effect of nutrition on follicle development and ovulation rate in the ewe. 2003. Thesis (Doctoral) - Swedish University of Agricultural Science, Uppsala. Grinberg M, Nakav S, Pen S, Dantes A, Braw-Tal R, Amsterdam A, Ben-Menahem D. The configuration of the alpha and beta subunit domains in single-chain bovine LH analogs influences the secretion and steroidogenic response. Mol Cell Endocrinol, v.283, p.83-95, 2008. Israel Y, Kandov Y, Khaimova E, Kest A, Lewis SR, Pasternak GW, Pan YX, Rossi GC, Bodnar RJ. NPY-induced feeding: pharmacological characterization using selective opioid antagonists and antisense probes in rats. Peptides, v.26, p.1167-1175, 2005. Kawauchi H, Sower SA. The dawn and evolution of hormones in the adenohypophysis. Gen Comp Endocrinol, v.148, p.3-14, 2006. Lawrence MC, Mckern NM, Ward CW. Insulin receptor structure and its implications for the IGF-1 receptor. Curr Opin Struct Biol, v.17, p.699-705, 2007. Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p.61-65, abr./jun. 2009. Disponível em www.cbra.org.br 64

Leroy JLMR. Metabolic changes in high producing dairy cows and the consequences on oocyte and embryo quality. 2005. Thesis (Doctoral) - Department of Reproduction, Obstetrics, and Herd Health, Faculty of Veterinary Medicine, Ghent University, Maandag. Mihm M, Bleach ECL. Endocrine regulation of ovarian antral follicle development in cattle. Anim Reprod Sci, v.78, p.217-237, 2003. Murphy MG, Enright WJ, Crowe MA, McConnell K, Spicer LJ, Boland MP, Roche JF. Effect of dietary intake on pattern of growth of dominant follicles during the oestrous cycle in beef heifers. J Reprod Fertil, v.92, p.333-338, 1991. O Callaghan PLD, Boland MP. Effect of nutrition on endocrine parameters, ovarian physiology, and oocyte and embryo development. Theriogenology, v.55, p.1323-1340, 1999. Rabiee AR, Lean IJ, Gooden JM, Miller BG. Short-term studies of ovarian metabolism in the ewe. Anim Reprod Sci, v.47, p.43-58, 1997. Rhoads ML, Meyer JP, Kolath SJ, Lamberson WR, Lucy MC. Growth hormone receptor, insulin-like growth factor (igf)-1, and igf-binding protein-2 expression in the reproductive tissues of early postpartum dairy cows. J Dairy Sc, v.91, p.1802-1813, 2008. Rhodes FM, Fitzpatric LA, Entwistle KW, De'Ath G. Sequential changes in ovarian follicular dynamics in Bos indicus heifers before and after nutritional anoestrus. J Reprod Fertil, v.104, p.41-49, 1995. Robinson JJ, Ashworth CJ, Rooke JA, Mitchell LM, Mcevo TG. Nutrition and fertility in ruminant livestock. Anim Feed Sci Technol, v.126, p.259-276, 2006. Schneider JE. Energy balance and reproduction. Physiol Behav, v.81, p.289-317, 2004. Short RE, Adams DC. Nutritional and hormonal interrelationships in beef cattle reproduction. Can J Anim Sci, v.68, p.29-39, 1988. Stagg K, Diskin MG, Roche JF, Sreenan JM. Association between FSH concentrations and follicle growth during normal oestrous cycles in heifers. J Reprod Fertil Ser, n.15. p.66, 1995. Stagg K. Anoestrous in the post-partum suckled beef cow and in the nutritionally restricted beef heifer. 2000. Dissertation (Ph.D) - The National University of Ireland, Dublin. Stewart RE, Spicer LJ, Hamilton TD, Keefer BE. Effects of insulin-like growth factor I and insulin on proliferation and on basal and luteinizing hormone-induced steroidogenesis of bovine thecal cells: involvement of glucose and receptors for insulin-like growth factor I and luteinizing hormone. J Anim Sci, v.73, p.3719-3731, 1995. Tanaka T, Arai M, Ohtani S, Uemura S, Kuroiwa T, Kim S, Kamomae H. Influence of parity on follicular dynamics and resumption of ovarian cycle in postpartum dairy cows. Anim Reprod Sci, v 108, p.134-143, 2008. Van Saun RJ. Effect of nutrition on reproduction in llamas and alpacas. Theriogenology, v.70, p.508-514, 2008. Voge JL, Aad PY, Santiago CAT, Goad DW, Malayer JR, Allen D, Spicer LJ. Effect of insulin-like growth factors (IGFs), FSH, and leptin on IGF-binding-protein mrna expression in bovine granulosa and theca cells: quantitative detection by real-time PCR. Peptides, v.25, p.2195-2203, 2004. Webb R, Armstrong DG. Control of ovarian function: effect of local interactions and environmental influences on follicular turnover in cattle: a review. Livest Prod Sci. v.53, p.95-112, 1998. Williams LM, Adam CL, Mercer JG, Moar KM, Slater D, Hunter L, Findlay PA, Hoggard N. Leptin receptor and neuropeptide Y gene expression in the sheep brain. J Neuroendocrinol, v.11, p.165-169, 1999. Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.33, n.2, p.61-65, abr./jun. 2009. Disponível em www.cbra.org.br 65