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Nosso objetivo é publicar obras com qualidade editorial e gráfi ca. Para expressar suas sugestões, dúvidas, críticas e eventuais reclamações entre em contato conosco. CENTRAL DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR Rua Pedroso Alvarenga, 1046 9 o andar 04531-004 São Paulo SP Fone: (11) 3706-1466 Fax: (11) 3706-1462 www.marcozero.com.br E-mail: atendimento@marcozero.com.br É PROIBIDA A REPRODUÇÃO Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, sem a permissão, por escrito, do editor. Os infratores serão punidos de acordo com a Lei n o 9.610/98. Este livro é fruto do trabalho do autor e de toda uma equipe editorial. Por favor, respeite nosso trabalho: não faça cópias.

Texto Gillus Boccattus Ilustrações Kikkus Gozzus

2008 Maurício Rodrigues Direitos desta edição reservados a Nobel Franquias S.A. Todos os direitos reservados. (Marco Zero é um selo editorial da Nobel Franquias S.A.) Publicado em 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Boccattus, Gillus A era patética / texto Maurício Rodrigues (Gillus Boccattus; ilustrações Kikkus Gozzus. São Paulo : Marco Zero, 2008. ISBN 978-85-279-0457-5 1. Crônicas brasileiras I. Gozzus, Kikkus II. Título 08-04718 CDD-869.93 Índice para catálogo sistemático: 1. Crônicas : Literatura brasileira 869.93

AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Helio Mauricio (in memorian) e Marina, à minha mulher, Rita, aos meus filhos André, Luiza, Silvia e Ligia. Graças a eles, a Era Patética em que estamos vivendo fica bem mais suave para mim.

SUMÁRIO A CAMPANHA PUBLICITÁRIA 9 A DIVERTIDA VIDA DE UM CONTRIBUINTE 12 A EMBROMÁTICA DA PROBLEMÁTICA 15 A ERA PATÉTICA 18 A NOVA MANIA DO JORGE 20 A ORIGEM DAS EXPRESSÕES 23 ACUADO PELO MAU GOSTO 26 ALEC E SAMIRA II A CONSAGRAÇÃO 29 ALMOÇO EXECUTIVO 32 ANA CAROLINA E MATTINHOS 34 BACANAL FEDERAL 36 BASTA? 39 BROCHURA NÃO É A MORTE 41 CANSOU? 43 CARNAVAL NO GUARUJÁ 46 COCHICHOS POLÍTICOS 49 DADINHO É DE MORTE 51 DEVIDO AO REPOSICIONAMENTO 54 FERNANDES DESBUNDOU 57 FIM DE SEMANA ABENÇOADO 60 FOTOS DA SOCIEDADE 64 GUERREIROS WEB 66 HOMENS REPRESSORES 69 HORÁRIO DE TERROR OBRIGATÓRIO 72 INJUSTIÇA PRISIONAL 74 LAURINDA 76 LAURINDA VAI À FEIRA 79 MACCHUS, O ATOR ERÓTICO 81 MAMANDO NA DITADURA 84 MERITÍSSIMO GATO 87 MISTÉRIO NO CORINTHIANS 90 MY LORD 93 O BEBEDOR DE CERVEJA 96 O EU FUI 99 O IRRESISTÍVEL MÔ 102 O PIEDOSO DOUTOR MARCONDES 105 O SEGREDO DE BROKEBACK CLOISTER 108 O TEMPO NÃO PÁRA 111 OI, AMIGA! 113

ONÉ QUI TU FOI, MANÉ? 116 PERIGOSAS PALAVRAS 118 PINTO ALEGRE 120 PIRÂMIDE SENSUAL 122 PONTE AÉREA 123 PREVISÕES ASTROLÓGICAS 126 RESTAURANTE FINO 129 SEM IDENTIDADE 132 TECNOLOGIA DE PONTA 135 VOCÊ É BRAHMEIRO? 137 VOVÓ BOCCATTUS 140

A CAMPANHA PUBLICITÁRIA NELSON RISOTO É UM PUBLICITÁRIO badalado, sócio da Genious Five, uma estrelada agência de publicidade. Contando com uma assessoria de imprensa bastante eficiente, Risoto consegue se manter presente quase diariamente na mídia, seja porque criou uma nova campanha, seja porque recebeu um prêmio, ou simplesmente porque almoçava num restaurante descolado. Em todas as notícias, seu talento é sempre destacado. A cam panha era genial, o prêmio era genial e o prato que ele degustava era genial. Calças e paletós desestruturados, camisas customizadas, gravatas exuberantes, Risoto exala modernidade, é a personificação da vanguarda. Ontem, com um jantar no A Figueira Rubaiyat, ele comemorava a conquista de um novo e importante cliente com toda a sua equipe: Também, com uma campanha desbundante como a que apresentei, o diretor de marketing tinha mais é que escolher a Genious repetia, sem falsa modéstia, o brilhante criativo. Na verdade, existiram certos pormenores que Risoto preferiu omitir, atribuindo o êxito apenas à própria competência e criatividade. Mas esses detalhes foram importantes para que a Genious Five alcançasse a vitória, como poderemos ler a seguir. *** Eram quinze horas de uma quarta-feira nublada quando Risoto adentrou a imponente sala de Demóstenes Pirotto, 9

o diretor de marketing da gigantesca corporação, carregando debaixo do braço duas enormes pastas e um laptop. Após os cumprimentos de praxe, o publicitário iniciou a apresentação da campanha: De acordo com o briefi ng, focamos nosso target na faixa etária entre 29 e 39 anos, classes A/B. Como você vai observar nas peças a seguir, estabelecemos uma linguagem cool, de forma a escapar do óbvio e procurar dialogar com o inconsciente de nosso exigente consumidor. Com essas imagens e o apoio de textos curtos, buscamos estabelecer uma conexão com os anseios subliminares do homem 10

ainda jovem e pós-moderno, percebe? É um approach impactante, sem ser agressivo, direto, mas sem apelar para a explicitude vulgar. A emoção sofisticada é o link que permeia todas as peças, a campanha segue num crescendo, estimulando gradativamente o desejo do possuir, de se tornar parte integrante da tribo diferenciada, percebe? Pirotto estava percebendo, embora não estivesse achando nada demais na campanha. Também não a considerava ruim. A apresentação durou noventa minutos. Ao terminar, certo de ter dado um show, Risoto, com ar blasé, perguntou ao marqueteiro: E aí, o que achou? O diretor cofiou o cavanhaque, passou os olhos sobre as peças expostas, meditou por um bom tempo, olhou para Risoto e, por fim, se manifestou: Tem um capilé aí? Cinco por cento, respondeu de bate-pronto Risoto. Belíssima campanha! aprovou Pirotto. 11

A DIVERTIDA VIDA DE UM CONTRIBUINTE O COTIDIANO DE LUPERCIO é mais ou menos igual ao de milhares de cidadãos que, como ele, destinam grande parte de seus rendimentos ao pagamento de impostos. De casa para o trabalho, pausa para o almoço, do trabalho para casa, jantar, televisão e, de vez em quando, cinema ou, no máximo, um teatro. Nos finais de semana a pedida é pizza ou, em dia de luxo, jantar num restaurante mais caprichado. As aventuras desse pacato contribuinte iniciam-se às segundas-feiras cedo, guiando seu automóvel em direção à labuta. No primeiro sinal vermelho é obrigado a parar e dizer não, várias vezes, ao rapaz mal encarado que ameaça esguichar água com detergente no vidro dianteiro. Em seguida, Lupercio informa ser diabético à moça que pendura, sem cerimônia, um saco de balas no espelho lateral e, por fim, recusa o oferecimento insistente do sujeito com um monte de carregadores de celular pendurados no corpo. O sinal abre, consegue escapar ileso e uma hora e meia depois, dirigindo o carro em velocidade de cágado devido ao trânsito infernal, consegue chegar ao escritório. Lá, ocupa lugar numa sala com mais seis colegas, sendo que a Leninha senta-se na mesa ao lado da sua, fato que seria agradável se não fosse desesperante. Ex-atendente de telemarketing e, atualmente, assistente administrativa, Leninha só se expressa no gerúndio. Além disso, cada vez que Lupercio lhe responde alguma questão, ela se manifesta invariavelmente: Obrigada, por enquanto. Deve dizer essa frase umas trinta vezes ao dia. Ora, rumina ele em pensamentos, por que esse negócio de obrigada, por enquanto?. Será que ela acha isso 12

uma forma charmosa de se expressar? Algum dia merecerei um obrigado definitivo?. Fim de expediente, Lupercio acomoda-se em frente ao volante, pronto para as mesmas aporrinhações do trajeto da vinda. Ainda bem que hoje é sexta-feira, dia de assistir a um filminho, depois traçar uma meia pizza de marguerita, meia portuguesa, regada a chope gelado e, por fim, dormir sem hora pra acordar no sábado, pensou. Para não pagar estacionamento em shopping, resolveu ir com Terezinha, sua cara-metade, ao cinema Lumière, no Itaim. Parou na rua, num local onde não havia viva alma. Assim que trancou o carro, surgiu do nada, como uma aparição fantasmagórica de flanela na mão, um sujeito avisando cheio de autoridade: pode deixar que eu olho o veículo, doutor. Lupercio pensou em esganar o cara, triturá-lo, colocar os pedacinhos num saco plástico e ficar pulando em cima, gargalhando alucinadamente. Conseguiu se conter, mesmo quando o camarada lhe pediu para deixar pago. Com as mãos nos bolsos e ódio no coração, Lupercio controlou-se e respondeu que preferia pagar na volta, e deixou o homem resmungando revoltado. Como a sessão do cinema demorou três horas, o guardador, irritado com a demora, foi-se embora não sem antes, vingativo, esvaziar um pneu do seu carro. Quarenta minutos depois, Lupercio conseguiu terminar a troca do pneu pelo estepe mas, suado e sujo de graxa, desistiu da pizzaria, retornando resignado para o aconchego do lar, com a sua Terezinha. 13

Ao chegar, depararam-se com carros de polícia e um pequeno tumulto em frente ao prédio. Deu-se que o bairro ficou algumas horas sem energia elétrica e bandidos fortemente armados aproveitaram para render o porteiro e promover um arrastão geral, levando tudo em duas caminhonetes. No apartamento de Lupercio e Terezinha só restaram os móveis. Aquele foi, realmente, um final de semana de lascar, que culminou com a chegada do carteiro na segunda-feira. No meio da correspondência do casal, havia uma multa de trânsito, uma conta de luz e a cobrança do IPTU. 14

A EMBROMÁTICA DA PROBLEMÁTICA NOS DIAS COMPETITIVOS DE HOJE, você precisa inventar moda para vender o seu peixe. Comercializar um sabonete, pura e simplesmente, dá menos lucro do que comercializar o mesmo sabonete em versão mistificada. Para facilitar o raciocínio, Gillus selecionou dois exemplos abaixo: Case 1 (impressiona mais falar case do que caso) A agência GAD Branding & Design, especializada em programação visual, criou para a Siemens um logotipo alusivo aos cem anos da empresa no Brasil. O logotipo seria como centenas de logotipos existentes por aí, se não fosse a explicação de um dos sócios da agência sobre a concepção do mesmo: O desenho, que representa o movimento constante e contínuo, foi baseado na teoria do matemático renascentista Fibonacci, que trata sobre a simetria e proporção de todos os elementos da natureza a partir de uma seqüência numérica. Ou seja, quando você comprar um produto Siemens e se deparar com esse logotipo na embalagem, deve se lembrar dessa definição para poder compreender melhor a genialidade do desenho. E, certamente, graças a esse conceito a GAD deve ter cobrado uma fortuna pelo trabalho. Case 2 O artista plástico brasileiro Tunga inaugura uma exposição com novidades na galeria Luhring Augustine em Nova York e faz performance com moscas no Espaço PS1. 15

E, do alto de sua divindade, diz o seguinte em entrevista à Folha de S.Paulo: A noção de performance deve ser um pouco mais alargada do que aquela que se usa no meio da arte. Ou seja, o olhar de cada pessoa diante de uma pintura de Paolo Ucello, por exemplo, é uma performance. Evidente que os nossos hábitos culturais nos levaram a um olhar mais ativo, a uma percepção que envolve multiplicidades muito mais amplas de sentido, e essa observação contemporânea implica uma transformação na obra. Assim como um olhar se impregna numa pintura, o testemunho de alguém diante de uma obra termina fazendo parte dessa obra. Ou seja, uma obra é aquilo que o artista apresenta, mais a consciência daquele fato na memória de cada um que a vê. Logo, essas pessoas são performances. 16

No Espaço PS1 eu vou agenciar uma multidão que vai participar de uma performance. Essa multidão, à diferença dos hominídeos, não raciocina tanto, pois é formada de moscas. Mas será uma performance. Não com humanos dentro da obra, mas com as moscas. Curiosamente, essas moscas que estão dentro da obra vão migrar e passar a viver na memória daqueles que estão fora da obra. Comentário de Gillus: Esse tal de Tunga se superou. Depois desse papo prá lá de enrolado, as moscas dele vão valer uma grana preta. 17

A ERA PATÉTICA NÃO HÁ DÚVIDA DE QUE ESTAMOS em plena Era Patética. Os jornais ampliam essa percepção. As pessoas lêem e já não sentem. As autoridades lêem, não vêem e muito menos sentem. Os sentimentos mais simples das relações humanas estão em fase de extinção, enquanto, por outro lado, a tecnologia está bombando. Hardwares e softwares de última geração, cada vez mais sofisticados, fazem determinada camada social sentir-se poderosa, pau a pau com o divino. A Era Patética é caracterizada pela auto-adoração do umbigo e a cegueira em relação ao entorno. Cordialidade, generosidade e solidariedade não fazem parte dessa Era. Hoje cedo, sábado de sol, Gillus lia seu jornalzinho no parque Burle Marx e, mais uma vez, o sentimento de perplexidade se fez presente: a foto de Edna Ezequiel desesperada ao ver o corpo do irmão, o office-boy Helio José, morto por bala perdida no morro dos Macacos, no Rio. Há um mês ela perdeu a filha pelo mesmo motivo. À Edna, trabalhadora, empregada doméstica, só resta curtir a dor do desespero calada, solitária. Recorrer a quem? Em outra página do jornal, viu o presidente, cercado de puxa-sacos, gargalhando por mais uma de suas geniais metáforas ou um elogio àqueles a quem outrora chamava de canalhas. Há poucos dias, entre o assassinato de uma criança arrastada presa a um carro e uma família queimada viva dentro de um veículo, pudemos apreciar, na mídia, governadores se esbaldando sorridentes, curtindo a alegria do reinado 18

de Momo, com a blindagem e o deslumbramento que seus cargos lhes proporcionam. Todos os governantes e políticos deveriam ter vergonha de sorrir enquanto perdurarem essas barbaridades. E no gramado, pertinho de Gillus, um cara de short, sem camisa, saradão, cabeça raspada e reluzente, óculos Ray- Ban, pose de replicante, perdidamente apaixonado por si mesmo, Van Diesel tupiniquim representava outra das faces da alienação e do egocentrismo vigentes. Foi quando dois meninos passaram de bicicleta, perceberam o careca bombado se exibindo e um deles berrou: Pára de fazer tipo, ô piroca de óculos!. Gillus não pode conter a gargalhada diante de tão adequada e demolidora definição. 19

A NOVA MANIA DO JORGE TEM CERTAS COISAS QUE, SE NÃO HOUVER testemunhas, o pessoal vai pensar que é mentira. Na estória relatada adiante, se Osório não estivesse presente, ia achar que era invenção. Deu-se que o Venâncio convidou vários amigos para o seu churrasco de aniversário, regado a chope e batida de limão. A festa transcorria tranqüila, quando, lá pelas tantas, o Tanaka, sem mais nem menos, virou-se para a turma em torno da churrasqueira e disparou: Eu tenho um grande amigo, também japonês, o Jorge, que já comeu mais de trezentas mulheres. E de cada uma tem uma peça íntima de recordação. Agora, em busca de novas emoções, ele resolveu dar o rabo. Disse isso assim, na lata, sem qualquer preâmbulo ou pelo menos nexo. O pessoal, espantado, nem teve tempo de demonstrar sua perplexidade diante do assunto tão esquisito e fora de hora, porque o Tanaka continuou na maior naturalidade, como se estivesse falando sobre futebol: O interessante é que o Jorge me assegurou que se ele soubesse que era tão bom, já estava dando há muito mais tempo. Os amigos não sabiam o que fazer diante de uma situação tão inusitada. E logo o Tanaka, um senhor sempre tão discreto e reservado. Por via das dúvidas, a maioria coçou o saco e cuspiu pro lado, pra marcar diferença em relação ao Jorge. 20