Artigo: O instituto do habeas corpus e os direitos humanos



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Transcrição:

Maria Bueno Barbosa Artigo: O instituto do habeas corpus e os direitos humanos Trabalho apresentado à disciplina de Metodologia do Trabalho Científico da Faculdade Mineira de Direito, PUC Minas Coração Eucarístico. Orientadora: Lusia Ribeiro Pereira Belo Horizonte 2005

1 1. INTRODUÇÃO A discussão sobre os direitos humanos é tema recorrente da agenda internacional e interna de muitos Estados, pois é através de sua proteção e garantia que se terá a construção de um mundo mais justo. Muito já se tem feito em nome dos direitos humanos, mas não o suficiente, e apesar de toda a evolução do pensamento, da consciência e da ética da sociedade humana, ainda se presencia, em tempos e espaços diversos, o quanto os direitos humanos ainda são desrespeitados. Considerando o conjunto de direitos humanos, destaca-se, pela sua importância, o direito de ir e vir e atrelado a esse direito encontra-se o instituto do habeas corpus, que será devidamente estudado neste artigo. 2. DIREITOS HUMANOS Direitos humanos é uma expressão do século XX para o que foi tradicionalmente conhecido como Direitos Naturais ou Direitos dos Homens. Ferreira Filho (1999) defende que direitos humanos e direitos fundamentais seriam sinônimos, o que possibilitaria um novo termo uma abreviação politicamente correta Direitos Humanos Fundamentais. Resultado das lutas travadas ao longo dos tempos, os direitos humanos chegam ao final do século XX como uma imposição da comunidade dos homens, traduzida em tratados e convenções internacionais, ingressando por fim na legislação ordinária dos Estados. A reação de colonos ingleses na América do Norte e a insurreição do Terceiro Estado na França tiveram a mesma motivação: o descontentamento da população com um poder Estatal ilimitado e incontrolável, que era caracterizado como o poder despótico, por Montesquieu: um governo de leis e não de homens. O Estado de direito é aquele em que o poder político está preso e subordinado a um poder objetivo, que exprime o justo. Sendo que tal direito não é fruto da vontade de um legislador humano, mas sim da própria natureza das coisas. O registro de direitos num documento escrito é prática que se difunde a partir da segunda metade da Idade Média: em toda a Europa, encontram-se exemplos, não do registro de direitos do homem, mas de direitos de comunidades locais, ou de corporações por meio de forais ou de cartas de franquia onde os senhores feudais, normalmente os reis, outorgavam e inscreviam direitos próprios e peculiares aos membros do grupo. Destaque especial deve ser dado à Magna Carta de 21 de junho de 1215. Esta é a peçachave da Constituição Inglesa e, portanto, de todo o constitucionalismo. Representa um dos pactos da História constitucional da Inglaterra, pois consiste no resultado efetivo de um

2 acordo entre o monarca inglês e os barões revoltados, apoiados pelos burgueses. Este documento garante direitos fundamentais como o direito de ir e vir: em seu item 39 há a seguinte disposição: Sem julgamento leal dos seus pares, de conformidade com a lei da terra (law of the land), nenhum homem livre será detido ou preso ou despojado de seus bens, exilado ou prejudicado de qualquer maneira que seja. A Magna Carta foi confirmada e reforçada pelos monarcas ingleses, como prova de sua relevância: o que ocorreu, por exemplo, no Petition of Rights, de 7 de junho de 1628 e no Bill of Rights de 13 de fevereiro de 1689. Na Inglaterra surgiram o common law, rule of law, due process, equal protection of the laws, cujos conteúdos foram levados pelos ingleses à América do Norte, herança que os tribunais americanos, sobretudo a Suprema Corte, souberam aproveitar de modo a flexibilizar as decisões, contribuindo de forma relevante ao desenvolvimento da doutrina dos direitos fundamentais dos séculos XIX e XX. O século XVIII presenciou uma incorporação dos direitos fundamentais ao liberalismo, que defendia as liberdades individuais e o direito dos cidadãos contra o autoritarismo e o abuso do poder. Houve a edição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França do ano de 1789 e a expressão foi repetida em 1793, assim como as constituições de 1946 e 1958 já citavam os direitos do homem em seu preâmbulo. Atualmente, grande parte das constituições contém declarações de direitos e garantias humanas fundamentais. Mas a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi promulgada em 1948 pela Organização das Nações Unidas. A doutrina dos direitos humanos se universalizou transportada pela chamada civilização cristã-ocidental, no entanto culturas como a chinesa, a hindu e a árabe não valorizam direitos mas obrigações, virtudes e comportamentos socialmente aceitos. Assim, antes da influência européia não possuíam concepção equivalente à de direitos fundamentais. Na verdade o que aparece no final do século XVII não constitui senão a primeira geração dos direitos fundamentais: as liberdades públicas, enfrentando o problema do arbítrio governamental. Alguns anos depois surge a segunda geração dos direitos fundamentais: os direitos econômicos e sociais, na tentativa de reduzir os desníveis sociais. Hoje, se luta pela terceira geração, contra a deterioração da qualidade da vida humana e outras mazelas: os direitos de solidariedade.

3 Queremos observar que, apesar da existência desta Declaração Universal dos Direitos Humanos, que já é parte integrante da constituição de vários países, seus princípios ainda não passam de uma utopia. Estes podem até ser realidade em alguns poucos países, como no caso da Europa, ou quase totalmente em outros países (como no caso dos EUA onde ainda se defende a pena de morte), mas na maioria dos países do mundo ainda falta muito para que todos os direitos propostos nessa declaração possam ser respeitados, se é que um dia serão, pois não se pode dizer universal algo que é demasiadamente contestado. Porém os direitos humanos muitas vezes têm sido usados como fundamento para legitimar a interferência do Ocidente em outras regiões: quando lhes convém, por razões políticas ou econômicas, o Ocidente intervêm em casos de violações dos direitos humanos no mundo, mas quando não os convém, eles assistem calados, como no caso da guerra civil em Angola ou na China. 3. O HABEAS CORPUS: 3.1. HISTÓRIA : O direito de ir e vir consiste em um direito de extrema importância. Para garantir este direito surge o habeas corpus. Segundo o Dicionário Aurélio, habeas corpus é, nada mais, nada menos que a garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer coação ou violência na sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. A expressão habeas corpus procede de dois vocábulos do latim: habeas e corpus. No sentido literal, tome o corpo, porque habeas, subjuntivo de habeo (es, habitum, habere) significa ter, possuir, manter, tomar posse e corpus (corporis), corpo. O habeas corpus nasceu como necessidade de limitação do poder e do arbítrio estatal e destaca-se nos períodos do início do liberalismo e na acentuação das tendências neoliberais. É adotado como norma nos países civilizados, pois sua ordem significa uma contenção ao autoritarismo. Surge na Inglaterra, mas há registros de raízes no antigo direito romano. Nasce na Magna Carta de 1215, no artigo 29, que reconhecia injusta qualquer prisão não estabelecida de direito ou decretada arbitrariamente. Os ingleses sempre defenderam a liberdade física porque entendem que até atentados à vida e à propriedade são menos sérios para o homem que a menor violência ou coação à liberdade física do indivíduo.

4 Apesar da origem antiga, o habeas corpus só se firmou no século XVII. Em 1679, o habeas corpus act estendeu o seu alcance para que abrangesse as prisões determinadas pelo próprio monarca. Em 1816 é que passou a abranger todos os casos de constrangimento, mas restritos apenas à liberdade de ir e vir, o jus manedi, ambulandi, eundi ultro citroque. Do direito inglês, o habeas corpus passou naturalmente para as colônias da América do Norte e assim para a ordem jurídica dos Estados Unidos da América. A Constituição de 1787 a ele se refere no artigo 1º, seção 9, contudo, ganhou uma extensão maior, tutelando não apenas liberdades de ir e vir, mas também outros aspectos da liberdade pessoal. Segundo Pontes de Miranda, em seu História e prática do habeas corpus (2.ed. Rio de Janeiro, 1951, p. 23): Habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o tribunal competente concedia endereçado a quantos tivessem em seu poder, ou guarda, o corpo detido. Quer dizer, era para tomar o corpo do indivíduo e levar ao tribunal o homem e o caso, para que a justiça pudesse estatuir sobre a questão, velando por ele (pelo indivíduo). A finalidade era proteger o indivíduo de tratamentos injustos antes do julgamento, bem como proteger sua liberdade de locomoção. Sendo a liberdade um direito fundamental da pessoa, o habeas corpus se faz uma medida importante para sua defesa. Porém, o habeas corpus se limita à proteção da liberdade física de locomoção, não buscando proteger outras liberdades, que são tuteladas por mandados de segurança, amparo, ação popular, etc. Outros métodos processuais diferentes como os writs e o mandado de segurança são usados para proteger outros direitos. A restrição da liberdade da pessoa pode ser legal ou ilegal. É considerada legal quando houver auto de prisão em flagrante; decreto de prisão administrativa; decisão referente à prisão administrativa; ordem de autoridade competente, durante investigações policiais, nos crimes militares ou nos casos de crimes contra a segurança nacional; sentença de pronúncia, sentença condenatória; e em outros casos que as leis civis e comerciais admitem, como o depositário infiel, o devedor de pensão alimentícia, que devem sempre advir de ordens escritas de autoridades competentes. O habeas corpus faz parte das democracias e tem ampla validade no estado de direito. Sua aceitação foi tanto pelas constituições como pelo common law.

5 3.2. HISTÓRIA DO HABEAS CORPUS NO BRASIL: No Brasil, sua adoção veio ainda no império. O Código criminal de 1830 já o sugeriu, mas somente o Código de Processo Penal de 1832 (artigo 340) o instituiu. Não era válido senão contra prisão ou constrangimento ilegais e apenas podia ser usado em favor de brasileiros. Em 1871, todavia, a lei o estendeu a estrangeiros. A constituição de 1891foi a primeira a adotá-la. Em face desses termos amplos, juristas como Rui Barbosa sustentaram que o habeas corpus tinha, no direito brasileiro, amplitude maior que no direito inglês. Esta extensão seria necessária, uma vez que somente assim se atenderia ao princípio ubi jus ibi remedium. Do contrário, a maioria dos direitos fundamentais não teria proteção suficiente e adequada. Tal orientação foi, numa certa medida, acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Este, por volta de 1909, firmou jurisprudência no sentido em que deveria conceder-se habeas corpus para o restabelecimento de qualquer direito que tivesse como pressuposto à liberdade de locomoção: caberia para garantir a liberdade física e para garantir a liberdade de movimentos necessária ao exercício de qualquer direito, desde certo e incontestável. A reforma constitucional de 1926 restringiu o habeas corpus e na de 1934, a instituição do mandato de segurança terminou com a discussão. Ficou definido que o habeas instituto protegeria apenas a liberdade de locomoção. 3.3. CONCEITOS E ESPÉCIES DE HABEAS CORPUS VIGENTES NO BRASIL: Depois de contestar todas as Constituições Brasileiras, o pedido de habeas corpus é previsto na carta constitucional de 1988, no artigo 5º, LXVIII: Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coerção em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder E regulado nos artigos 647 a 667 do Código. É uma garantia individual, ou seja, um remédio jurídico destinado a tutelar as liberdades físicas do indivíduo, a liberdade de ir, ficar e vir. Previsto na lei como recurso, o habeas corpus é tido como recurso ordinário, recurso extraordinário, recurso de caráter especial ou misto, ou instituição sui generis, mas a opinião doutrinária mais aceitável é de que se trata de verdadeira ação penal popular e constitucional, embora por vezes possa servir de recurso. Quando se destina a afastar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção já existente, o habeas corpus é chamado de liberatório ou repressivo; quando existe apenas uma ameaça a essa liberdade, recebe o nome de habeas

6 corpus preventivo, expedindo-se um salvo conduto, assinado pela autoridade competente quando se comprovou um perigo iminente à liberdade de locomoção. Os juizes e tribunais podem conceder a ordem habeas corpus de ofício nos autos que oficiarem, quando competentes. Em si, o habeas corpus é uma ordem judicial para que se deixe de cercear e para que não ameace cercear a liberdade de ir e vir de determinado indivíduo. Ordem que pode ser dirigida a quem quer que restrinja ilegalmente a locomoção alheia. Em geral, dirige-se ela contra o poder público, mas pode, segundo a jurisprudência, dirigir-se contra particular. Por exemplo: um hospital que não permita que uma pessoa se retire dele sem pagar a conta. 4. CONCLUSÃO Ainda há muito o que percorrer no sentido de se garantir os direitos humanos em sua completude, tanto no que se trata dos países de uma forma geral, quanto especificamente no caso do Brasil. No entanto, a segurança do instituto do habeas corpus garante, em casos extremos, a liberdade de ir e vir: direito fundamental e inerente à pessoa humana. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BICUDO, Hélio. Direitos humanos e sua proteção. São Paulo: FTD,1997. BRASIL. Código Penal. GOMES, Luiz Flávio (Org.). 7ª ed. São Paulo: RT, 2005. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988, 168p. COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm, acessado em 30/09/2005. CRANSTON, Maurice. O que são Direitos Humanos?. Londres: The Bodley Head,1979. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Habeas corpus. In: HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio Século XXI: ed. eletrônica. 3ª versão: Lexicon Informática, Ltda. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais, São Paulo: Saraiva, 1999. MIRANDA, Pontes de. História e prática do habeas corpus. 2.ed. Rio de Janeiro, 1951. SEMENOW, Laura Brina et BARBOSA, Maria Bueno. Direitos Humanos e o Habeas Corpus. 1999. 16f. Trabalho acadêmico apresentado à Disciplina de Sistemas de Direito Contemporâneo Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Curso de Relações Internacionais, Belo Horizonte.