DO DIREITO FINANCEIRO E O PANORANA NORMATIVO BRASILEIRO VIGENTE À ÉPOCA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL



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Transcrição:

DO DIREITO FINANCEIRO E O PANORANA NORMATIVO BRASILEIRO VIGENTE À ÉPOCA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL GENEVIEVE ALINE ZAFFANI GRABLAUSKAS GOMES 1 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo explicitar, de um modo geral, o direito financeiro e seus conceitos basilares, bem como a situação do ordenamento jurídico pátrio quando do advento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Em primeiro momento serão abordados os temas essenciais do direito financeiro, como receitas e despesas públicas, além dos princípios que devem ser observados na elaboração das leis orçamentárias, indicando os dispositivos legais e constitucionais afetos às finanças públicas. Em seguida, será examinado o panorama normativo brasileiro vigente no momento da edição da Lei Complementar nº 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal. Palavras-chaves: Direito Financeiro; Lei Complementar nº 101/2000; Lei de Responsabilidade Fiscal; Lei nº 4320/1964; Orçamento Público; Despesa Pública. 1 Procuradora Nível III do Município de Diadema, Especialista em Direito Municipal e Políticas Públicas. 1

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...03 1. DO DIREITO FINANCEIRO...04 2. O PANORAMA NORMATIVO BRASILEIRO VIGENTE À ÉPOCA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL...08 CONCLUSÃO...11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...12 2

INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo abordar tema de direito público, especialmente voltado às Finanças Públicas, com enfoque nos aspectos basilares do direito financeiro. Nesse contexto, serão abordados os dispositivos constitucionais e legais que disciplinam a matéria, qual a competência para legislar sobre normas de direito financeiro, os conceitos de entrada, despesas, receitas, orçamento, os princípios vetores que orientam a elaboração de leis orçamentárias, as espécies de leis orçamentárias e suas respectivas especificidades. Objetiva-se explanar, dentre outras questões, os aspectos perfunctórios e iniciais dessa vertente jurídica, realizando um cotejo com os reflexos do advento da Lei de Responsabilidade Fiscal no tocante às mudanças e acréscimos introduzidos pela norma mais atual, cujo teor não retirou, por completo, a vigência da norma mais antiga, convivendo ambas em perfeita sinergia. De um modo geral, esse assunto, em que pese bem sedimentado pela doutrina, ainda é passível de discussão, tendo em vista as inúmeras situações diferenciadas em que se sujeitam os entes públicos na condução e administração de suas receitas e despesas. Em primeiro plano, será realizada uma explanação do direito financeiro e das normas insertas notadamente na Constituição Federal e legislação aplicada à espécie, observando-se o posicionamento doutrinário brasileiro. Em última proposição, será apresentado um breve contexto histórico e o panorama normativo pátrio no momento da entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo teor envolve questões de direito financeiro, bem como norteia a conduta das autoridades da Administração Pública. Pretende-se, diante do exposto, promover uma breve intelecção dos temas abordados, visando a uma elucidação geral e preliminar do direito financeiro, sob o enfoque do ordenamento jurídico em vigor. 3

1. DO DIREITO FINANCEIRO O Direito Financeiro é o estudo e a aplicação da atividade financeira do Estado dentro das normas jurídicas em vigor. A Constituição Federal de 1988, em seu Título VI, Capítulo II, trata das finanças públicas, assim disciplinando: Art. 163. Lei complementar disporá sobre: I - finanças públicas; II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; III - concessão de garantias pelas entidades públicas; IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública; V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional. A Lei nº 4320/64, recepcionada pela Constituição, regulamenta o Direito Financeiro, o qual consiste em ramo do direito público que preceitua o regramento jurídico da atividade financeira do Estado. Nos termos lecionados por Geraldo Ataliba, a ciência das finanças é um conjunto enciclopédico de conhecimentos e meditações sociológicos, políticos, econômicos, administrativos, psicológicos, que servem de instrumentação política para o legislador. 2 Configura incumbência do Estado regular a atividade econômica, consoante estatui o artigo 170 da Carta Magna. A competência para legislar sobre direito tributário, 2 Apontamentos da Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: RT, 1969, p.50. 4

financeiro e sobre o orçamento é concorrente da União, Estados e Distrito Federal, nos termos insculpidos pelo artigo 24, I, da Carta Magna. 3 assim estabelece: Complementando a questão acerca da competência, o artigo 48 da CF/88 Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado; Nesse lume, compete à União legislar sobre normas gerais, mas os Estados mantêm competência suplementar. Na hipótese de não existir lei federal, ao Estado resta a competência legislativa plena. Todavia, sobrevindo lei federal, somente serão válidas as disposições estaduais que não contrariem as federais ulteriormente editadas. Há vários conceitos peculiares ao direito financeiro. Observe-se abaixo os mais relevantes. Entrada corresponde a todo e qualquer importe finaceiro que ingressa para os cofres públicos. Entretanto, importa ressaltar que nem todo ingresso se constitui em receita. As entradas provisórias (por exemplo: caução em licitação, fiança, empréstimos compulsórios etc), ou seja, aquelas que não são destinadas em definitivo aos cofres públicos, não são consideradas receitas. As entradas definitivas, por sua vez, são oriundas do poder constritivo do Estado sobre o particular (impostos, taxas, contribuições de melhoria, multas) e constituem as receitas. As receitas podem ser classificadas, em relação a sua periodicidade, em extraordinárias (decorrentes de situações de anormalidade, como nos impostos extraordinários autorizados pela Constituição, ou de receitas aprovadas e arrecadadas no curso do exercício do orçamento) ou ordinárias (que possuem entrada regular, periódica, já previstas no orçamento). 3 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...) 5

No que tange a sua origem, podem ser divididas em originárias ( cuja origem decorre da exploração do patrimônio próprio do Estado), derivadas (denominadas compulsórias, pois advêm do constrangimento do patrimônio ou renda particulares - os tributos) ou transferidas (são arrecadadas por outro ente da Federação e repassadas por força de disposição constitucional ou de forma voluntária). Despesa pública é o conjunto de dispêndios do Poder Público para a viabilidade da consecução dos serviços públicos. O administrador público decidirá de forma motivada quais são as prioridades para atendimento do interesse público e, mediante autorização legislativa, operar-se-á a despesa. Enfatize-se, por oportuno, que nenhuma despesa poderá ser efetivada sem a prévia autorização do Poder Legislativo. As despesas podem ser correntes (de custeio - pessoal, material de consumo - e transferência correntes - subvenções sociais, inativos, pensionistas) ou de capital (investimentos - obras, material permanente - ; inversões financeiras - aquisição de imóveis, concessão de empréstimos - ; e transferências de capital - amortização da dívida pública, contribuições). Existem três fases das despesas, o empenho, a liquidação e o pagamento. No empenho, a autoridade competente emana um ato que cria para a Administração Pública a obrigação de pagamento. O empenho aperfeiçoa-se com a emissão da nota de empenho, ressaltando que não poderá exceder o crédito concedido. Não pode haver despesa sem prévio empenho. Na fase da liquidação, verifica-se o direito do credor ao respectivo crédito, tendo como base a documentação emitida para tanto (recebimento da mercadoria, correição da documentação fiscal). Nesta fase, emite-se uma ordem de pagamento e encerra-se a fase orçamentária/contábil da despesa. O pagamento da despesa é a mera entrega de numerário, atividade puramente financeira. A Lei de Responsabilidade Fiscal, destinada a controlar as finanças públicas de todos os entes da Federação, trata em seu capítulo VI a respeito da despesa pública, estabelecendo limites a determinados gastos do Poder Público em todas as suas esferas. Orçamento pode ser conceituado como uma peça que contém a previsão das receitas e a autorização das despesas, por meio do qual o Estado fixa os objetivos a serem atingidos e assume funções reais de intervenção no domínio econômico. É, na verdade, 6

instrumento de ação do Poder Público. 4 É regulamentado pela Lei nº 4.320/64 (Normas Gerais de Direito Financeiro) e a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual estabelece regramento para elaboração da lei orçamentária. Há princípios que regem a edição de leis orçamentárias, dentre os quais se destacam aqueles insculpidos no artigo 2º da Lei nº 4.320/64: o princípio da universalidade (todas as despesas e receitas devem vir previstas na lei orçamentária); o da anualidade (cada ano deve ter um orçamento), e o da unidade (a peça orçamentária deve ser única). Merecem evidência, outrossim, o princípio da exclusividade - previsto literalmente na Carta Magna, segundo o qual não poderá a lei orçamentária conter dispositivo estranho à previsão de receita e à fixação de despesa, salvo alguns determinados créditos 5 - e o princípio da não afetação - cujo significado abarca a teoria de que não pode haver mutilação das verbas públicas, engessando os recursos do Poder Público. 6 A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre três espécies de leis orçamentárias: a lei do plano plurianual, para o planejamento, por região, dos programas de duração continuada, quando há previsão de realizações do governo a médio prazo; a lei de diretrizes orçamentárias, cujo teor servirá de suporte e orientação à confecção da lei orçamentária anual, dispondo também acerca da limitação de empenho e contendo como Anexos as Metas Fiscais e os Riscos Fiscais; e a lei orçamentária anual. Todas as três espécies mencionadas têm iniciativa do Poder Executivo, sendo apreciado o projeto de lei pelas duas Casas do Congresso Nacional, incumbindo a uma comissão mista emitir parecer. Há possibilidade de apresentação de emendas, as quais deverão também passar pelo crivo da comissão mista. Prossegue-se o processo legislativo comum, todavia, se o projeto a final restar rejeitado integralmente, cada despesa daquele exercício deverá ser precedida de autorização legislativa específica, que abra o respectivo crédito especial, nos termos disciplinados pelo artigo 166, 8º da Constituição Federal de 1988. 4 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. São Paulo, RT, 5ª Edição, 2002, pp. 88/89. 5 Art. 165, 8º, CF/88. 6 Art. 167, IV, CF/88. 7

2. O PANORAMA NORMATIVO BRASILEIRO VIGENTE À ÉPOCA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL A Constituição Federal de 1988 instituiu um Estado Democrático, destinado a assegurar, dentre outras garantias, o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana, consoante se depreende do preâmbulo transcrito a seguir: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (destacou-se). O Texto Constitucional de 1988 propiciou maior controle do dinheiro público, ao disciplinar em seu Título VI, Capítulo II, normas atinentes às finanças públicas, traçando uma orientação geral a respeito dos orçamentos públicos, tema ao qual se insere o presente trabalho. A sequência dos artigos 163 a 169 da Constituição Federal foi considerada, desde sua elaboração, um encadeamento de dispositivos voltados para a inovação e a mudança das esclerosadas rotinas financeiras dos órgãos públicos. (MOTTA, FERNANDES, 2001, p. 24). Ao tratar dos orçamentos públicos, a Lei Maior incluiu, como competência do Poder Executivo, a edição de leis que veiculassem o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais afetos a sua administração. Muito embora existisse essa obrigatoriedade constitucional, não havia, à época da promulgação, uma fiel correlação das leis já existentes e recepcionadas pela Constituição Federal com a realidade de planejamento do órgão público. Não se observava a vontade popular para a definição das prioridades do governo. A atuação dos legisladores, em matéria orçamentária, não carregava a devida aderência ao interesse público. Foi nesse cenário que surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal, como uma homenagem ao planejamento governamental, demonstrando o firme propósito de modificar as práticas orçamentárias dos entes da Federação. (FIGUEIREDO, 2001, p. 28). Verifica-se que a Constituição Federal de 1988, nos artigos 165 a 169, demonstra, inquestionavelmente, a preocupação do Constituinte em excluir do orçamento a 8

ficção representada por um poder político efêmero, cujos critérios de dispêndio se caracterizam pelo interesse em marcar a todo custo seu período de gestão, com propósitos eleitoreiros ou de privilégio. A leitura da realidade brasileira expõe, desde os tempos do Brasil Colônia, essa característica do exercício do poder que onerou historicamente o tesouro nacional, empobreceu o povo e endividou o país. Essa expressão política se faz com alternância de poder no regime democrático pelo processo eleitoral e se concretiza na lei, inclusive a lei orçamentária. (MOTTA, FERNANDES, 2001, p. 39) Segundo o entendimento de Márcio Novaes Cavalcanti, vigorava no Brasil, à época da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Federalismo Fiscal, consistente nas transferências fiscais consignadas na Constituição Federal de 1988. Configura esse federalismo fiscal, na verdade, em distribuição automática de receitas fiscais, a qual carregava consigo distúrbios econômicos, sem preocupação com uma forma de controle orçamentário dos entes da Federação. Em razão da ineficiência do sistema brasileiro em lidar com disparidades econômicas, foi utilizado como mecanismo de neutralização a idealização da Lei de Responsabilidade Fiscal. Salienta o autor que é fundamentalmente por esses motivos que o Brasil necessitava tomar a atitude histórica necessária, impondo regras de controle orçamentário, limitação do uso abusivo e indevido de políticas fiscais, além de vedações e limitações ao endividamento excessivo dos entes da Federação. Foi por esses motivos que se fez necessária a adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil. (CAVALCANTI, 2001, p. 66). Além das normas estatuídas na Constituição Federal, as quais serviram de base à edição dessa lei complementar regulamentadora, não se pode olvidar de uma importante normatização, a qual está em vigor desde 1964, e que guarda conteúdo relevante a diversas situações no ramo das finanças públicas. A Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e encontra-se atualmente em pleno vigor, estatuindo normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Constitui importante instrumento para explicitação didática de conceitos técnicos fundamentais ao tema em estudo, consoante declinado no tópico acima. De se ressaltar que esse ato normativo federal, quando de sua alteração no ano de 1976, já determinava algumas vedações atualmente contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, muito embora em texto distinto, como é a situação, por exemplo, da proibição aos municípios de assumir, em dado período próximo ao término do mandato de seu governante, compromissos financeiros para execução após o término do mandato, registrando à época, 9

proibições e consequências atinentes à responsabilidade do Chefe do Executivo em relação às contas na transição do mandato. Observe-se o texto legal: Art. 59 - O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos concedidos. 1º Ressalvado o disposto no Art. 67 da Constituição Federal, é vedado aos Municípios empenhar, no último mês do mandato do Prefeito, mais do que o duodécimo da despesa prevista no orçamento vigente. 2º Fica, também, vedado aos Municípios, no mesmo período, assumir, por qualquer forma, compromissos financeiros para execução depois do término do mandato do Prefeito. 3º As disposições dos parágrafos anteriores não se aplicam nos casos comprovados de calamidade pública. 4º Reputam-se nulos e de nenhum efeito os empenhos e atos praticados em desacordo com o disposto nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, sem prejuízo da responsabilidade do Prefeito nos termos do Art. 1º, inciso V, do Decreto-lei n.º 201, de 27 de fevereiro de 1967. Como se pode observar, a Lei 4.320 aborda também assunto ulteriormente tratado na Lei de Responsabilidade Fiscal. Porém, em que pese as diferentes normas guardarem semelhança em alguns pontos, ainda assim há notável acréscimo de vedações por força do advento da Lei Complementar nº 101/2000. 10

CONCLUSÃO No presente estudo foram observados os conceitos insertos na lei federal que rege a matéria geral de direito financeiro, assim como o momento histório que clamou pela edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual trouxe inovações importantes ao panorama normativo brasileiro afeto às finanças públicas. Diante do exposto, pode-se afirmar que, muito embora a Lei nº 4320/64 - recepcionada pela Carta Magna de 1988 - ainda esteja em vigor, com todas as suas necessárias conceituações a respeito das peculiaridades do direito financeiro, a Lei de Responsabilidade Fiscal, criada em um momento crucial para o país, acrescenta vedações e orientações rigorosas e fundamentais para a escorreita consecução de medidas financeiras públicas. Conclui-se que, os objetivos das normas que regem o direito financeiro, em especial a Lei nº 4320/64 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, conduzem a um escopo comum, qual seja, conservar o orçamento público equilibrado, no intuito de viabilizar a melhor gestão do erário e a otimização dos serviços públicos, contemplando, acima de tudo, o interesse público. 11

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