AMAR PENICHE completa uma trilogia de publicações que Ida Guilherme iniciou em 2004 com PIQUES e RENDAS de PENICHE memórias de uma vida à qual se seguiu, em 2008, POESIA RENDILHADA. Todas elas se inserem num percurso de vida marcado pela estreitíssima ligação afectiva a Peniche e à Berlenga. Peniche, sítio que a viu nascer. Berlenga, ilha que a viu cresceu. Aqui, hesito. Não sei se foi a Berlenga que assistiu ao despontar da criança que se fez mulher ou se foi ela quem bem observou a ilha, guardando a no seu olhar e representando a ainda hoje nas rendas, na poesia e na pintura. Conhece, como as palmas da mão, os meandros das entradas que o mar faz pelas rochas, os obscuros locais de nidificação, os picos de onde melhor se observa o nascer do sol e aqueles onde se colocava para o ver desaparecer e dar lugar ao encantamento do anoitecer. Conhece o canto das pardelas e dos airinhos e o mergulhar das galhetas, negras, elegantes, como diz num dos seus poemas. E lá,já cogitava os poemas que viriam a ter forma: Se eu fosse rendilheira Meu lar seria um barco E Em tarde de acalmia Quando os bilros já cansados tecem o fim do dia, o meu barco sulcaria, alegre, a rebentação renda fetiche num mar de eternidades, mas sempre de Peniche. E ao entardecer, Quando o mar segreda ao sol, baixinho, na hora do seu esconder, que não existe a dor, o lastro do meu barco seria um alfobre de rendas,
minha almofada, meus bilros, meus piques, meus sonhos, meu ninho, meu Amor. 1 Ida conhece o murmúrio do mar que batendo na ilha lhe marcava o ritmo do tilintar dos bilros que aprendeu a manusear desde muito menina. Não com a mãe, curiosamente, como acontecia com muitas crianças de Peniche, filhas de pescadores, filhas de conserveiras ou de vendedores de peixe que, segundo a história desta terra e segundo a história das rendas de bilros, tanto contribuíram para equilibrar o orçamento doméstico. Aprendeu na escola. Frequentou o Curso de Costura e Bordados e a Oficina de rendas de Bilros, desde os 11 anos, mas foi nos verões que passava na Berlenga que se afeiçoou, naturalmente, à vida na ilha, ao mar, ao barco a remos, aos mergulhos, à almofada e aos bilros. Era frente à almofada que, baloiçando os bilros nas palmas das mãos, se entrecortava por entre pensamentos de adolescente, o som das gaivotas e o murmúrio do mar: Empresta me as tuas asas ó gaivota aventureira pois foi a ver te voar que aprendi com a rendilheira a arte de rendilhar. ( ) Empresta me as tuas asas quando o luar te beijar e vem comigo gaivota aprender a rendilhar 2. Ao longo da sua vida de professora divulgou, ensinou e acarinhou esta actividade que veio a tornar se num elemento identitário da cidade e da região que Peniche abraça. Foi também defensora intransigente deste património, quando, em 1956, se deslocou a Lisboa, pedindo, exigindo, junto do Ministério da Educação que não avançasse com a decisão de suprimir a disciplina de Rendas na Escola Industrial, reivindicação que viu satisfeita, pois o ensino das rendas foi prolongado por mais 4 anos. 1 In Ida Guilherme, Poesia Rendilhada, 1ª Edição, da Autora, p. 17, 2008. 2 In Ida Guilherme, Poesia Rendilhada, 1ª Edição, da Autora, p. 39, 2008.
Por tudo o que fica dito, não nos surpreende que Ida Guilherme continue a dedicar o seu tempo à divulgação das rendas, dando continuidade às suas publicações. Se o primeiro volume Piques e rendas de Peniche aborda essencialmente as rendas numa perspectiva pedagógica, divulgando os piques e oferecendo generosamente a qualquer rendilheira a possibilidade de os usar; o segundo associa criteriosamente a renda à poesia, valorizando sempre a importância do conhecimento e do saber fazer, como testemunha um dos seus poemas: O tempo passa a correr mas o passado faz história, (guardem piques, Guardem rendas, guardem bilros, na gaveta e na memória). E quando O tempo acabar, Desgostosa, Para sempre irei ficar, Se a morte, na outra vida, Não me deixar Rendilhar. 3 AMAR PENICHE faz jus ao reconhecimento que Ida Guilherme tem pela sua ilha. Abre e fecha com as flores que a caracterizam as armérias pintadas pela autora. Na Primavera é a Arméria o teu maior enlevo; selvagem e linda, sem precisar jardineiro, é de rosa a sua cor, tu, Berlenga, o seu canteiro. 4 3 Ida Guilherme, Poesia Rendilhada, 1ª Edição, da Autora, p. 21, 2008. 4 Ida Guilherme, Amar Peniche, 1ªEdição, da Autora, pg.45, 2010
E é à sua irmã, Graciete, que dedica o livro, de parceria com a sua terra: À minha terra Peniche fazendo a ligação afectiva entre os pontos que norteiam a sua vida a família e o berço. Em seguida dá a palavra às rendas, tornando as gente que clama pelo direito de existir e que o poema S.O.S Rendas reforça, numa perspectiva de futuro: A criança aprende a ler Como quem vive a brincar Se lhe derem quatro bilros Ela aprende a rendilhar 5 Exalta as rendilheiras de Peniche, em poema; faz um hino à Berlenga, como Maravilha da Natureza, dá a ver as paisagens de Peniche e da Berlenga através dos seus quadros. Homenageia as rendilheiras mais antigas e mais conceituadas, aquelas cujos nomes ficariam eventualmente no anonimato. Mostra nos como tem aplicado a renda a novas funcionalidades, sobretudo no campo da moda na aplicação a vestidos e à bijuteria. E mostra nos como tem dado asas à sua imaginação. Destaco a árvore vida, objecto de uma menção honrosa atribuída em 2009 pelo IEFP e a onda, inspirada no encontro de surfistas, em Peniche, em Outubro de 2009. Esta obra, à qual a autora dedicou tanto amor e que é, ela própria, reflexo desse amor, tocame particularmente por prosseguir os objectivos de Ida Guilherme no que diz respeito à necessidade de continuar a ensinar, dando possibilidade, a quem deseje, de se documentar. (Cf. Iniciação, p.16 19) Mostra uma quantidade de desenhos e piques, todos da sua autoria (p.35 41; 60 85). É Pedagógico! Mostra a quantidade de bilros existentes no mundo (p.15). É informativo! Mostra nos fotografias que fazem a história das rendas e do ensino, em Peniche (13, 46, 87. É um documento! É um documento do que se faz, de como se faz e quem faz rendas. É um documento de alguns recantos de Peniche já desaparecidos, alimentando nos a saudade. E é bonito! A capa, ilustrada com a Árvore da vida, é a representação simbólica do trabalho da sua autora raízes profundas, estendendo se terra fora e os ramos elevando se para o infinito. 5 Ida Guilherme, Amar Peniche, 1ªEdição, da Autora, pg.11, 2010.
Parabéns, pois, à Professora Helena Gil, autora do grafismo e a Ida Guilherme, nome que figurará em todos os estudos que se fizerem sobre as rendas de Peniche. Teresa Perdigão Julho 2010