DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO AUDIOVISUAL NA ERA DIGITAL Illana de Brito Mascarenhas Oliveira 1 Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva 2 Resumo: Apresenta os resultados das leituras realizadas para o plano de trabalho Acesso remoto a acervos audiovisuais em intuições públicas, no âmbito do projeto Desafios e alternativas digitais para a salvaguarda e difusão do patrimônio público documental arquivístico audiovisual. Em um primeiro momento, aborda as mudanças que ocorreram em relação ao acesso a informações e perfil do usuário, e, numa segunda parte, apresenta como a internet afetou a área do audiovisual, melhorando a questão do acesso, mas criando outros desafios. Por fim, aborda a importância da internet para o desenvolvimento da democratização do acesso a informações. Palavras-Chave: democratização, informação, audiovisual, acesso. 1 INTRODUÇÃO Com o advento da internet, surge um novo universo e, com ele, inúmeras mudanças. A maneira de se comunicar alterou-se, pois tudo passou a acontecer mais rapidamente. Desta maneira, passou a ser importante que as pessoas também mudassem a sua postura diante do acesso a informações, afinal, quando temos acesso a uma gama de informações de maneira quase que instantânea, são exigidas competências para saber selecionar os conteúdos informacionais mais úteis. Pensando na adaptação das pessoas ao novo cenário tecnológico que surgia, buscando o aperfeiçoamento do usuário que já tinha contato com os suportes e a inserção dos que nunca contataram com esse tipo de tecnologia, o Governo Federal passou a criar programas voltados para a inclusão digital. Um deles é o Programa Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão (GESAC), que foi pesquisado e analisado por Medeiros Neto e Miranda (2010) e que, mesmo sendo um programa funcional, não teve a manutenção que deveria ter. Com todas essas mudanças, é possível perceber que se alterou também a maneira como as pessoas consomem conteúdos audiovisuais, buscando agora alternativas gratuitas e que possam ser consumidas instantaneamente. Podemos afirmar que um dos mais notáveis foi 1 Graduada em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades. Estudante do Curso de Graduação em Direito; bolsista PIBIC- FAPESB (2013-2014) e PIBIC-CNPq (2014-2015). <illanabmo@gmail.com>. 2 Professor Titular; bolsista de produtividade pelo Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq); Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI), Instituto de Ciência da Informação (ICI), Universidade Federal da Bahia (UFBA). <rubensri@ufba.br>.
2 o processo de digitalização, cujos resultados facilitam o provimento do acesso ao acervo muito embora não seja o que sempre acontece; por outro lado, a digitalização também traz uma série de problemas, pois muitas vezes acaba sendo confundida como uma forma de preservação e, além disso, muitas pessoas acreditam que o acervo que existe é o que está digitalizado, mas a verdade é que muitas vezes nem todo o acervo pode ser digitalizado. 2 OS AVANÇOS DO ACESSO À INFORMAÇÃO COM A INTERNET Atualmente a informação está à disposição da maioria das pessoas, pois o desenvolvimento da internet nos deu a possibilidade de portar e criar novos espaços de interação. Isso, entretanto, não faz com que o debate acerca da democratização da informação seja deixado de lado, afinal, nem tudo que está disponível na rede é informação ; e também é preciso enfatizar que a democratização do acesso na era da informação não está assegurada e deve ser discutida e avaliada. (BALBONI, 2007; REIS, 2007 apud MEDEIROS NETO; MIRANDA, 2010, p. 82). Segundo Rodríguez Mateos (2011, p. 87), a internet trouxe mudanças notáveis que acabaram aumentando la cantidad de produtos audiovisuales de tal manera que resulta a veces difícil sortear el ruido documental, es decir, el exceso de información inútil. Ou seja, a internet nos trouxe e ainda nos traz uma série de novos produtos audiovisuais, novos perfis de públicos e também uma infinidade de novos desafios. Um dos maiores desafios promovidos pelo avanço dessa tecnologia está diretamente ligado aos usuários: seriam eles meros consumidores do produto ou consumidores críticos? O ideal é que esses usuários tenham a competência de dominar a tecnologia que utilizam para o seu próprio bem. Rosa (2007, p. 3) acredita que o ato de dominar essas tecnologias é uma necessidade dos usuários (...) integrando-as às suas práticas cotidianas. Mais que isso, demanda a necessidade de aquisição de competências tanto para o uso devido de conteúdos quanto para transformar as informações disponíveis em conhecimento.. Medeiros Neto e Miranda (2010, p. 83), ao se referirem a Albagli e Maciel (2007) e Freire (2007), afirmam que: (...) apropriação social está além da inclusão digital e... o simples uso das tecnologias de acesso à informação sem um senso crítico não levam à transformação necessária para o cidadão participar da sociedade da informação. Foi pensando em enfrentar esse desafio que, logo no início da inserção da internet no Brasil, o Governo Federal iniciou o projeto GESAC, estudado e avaliado por Medeiros Neto e Miranda (2010) que discorrem sobre o atraso do Brasil em relação à inserção do indivíduo no
3 meio digital, destacando também as ações do Estado com relação à democratização do acesso, como, por exemplo, implantação de projetos e programas de inclusão digital, e a formulação de políticas educacionais e ações de inclusão digital em todas as suas esferas ou mesmo a preocupação com o desenvolvimento de procedimentos e metodologias para a prática da inclusão digital (iniciativas, projetos e programas), levantamentos das iniciativas e ações, coordenação nacional de projetos. No entanto, os autores criticam a manutenção das iniciativas e afirmam que uma pequena atenção tem sido dada para a avaliação de todo esse processo (MEDEIROS NETO; MIRANDA, 2010, p. 82). Podemos afirmar que, hoje, algumas coisas mudaram em relação ao perfil do usuário da informação. As pessoas mesmo recebendo informações a todo instante parecem estar mais conscientes do que lhes é ou não útil, o que é perfeitamente normal, afinal a tecnologia tornou-se um instrumento mais acessível, rompendo fronteiras econômicas e aproximando universos sociais. Rodríguez Mateos (2011, p. 89) ainda ressalta que: Este cambio resulta a priori positivo y democratizador: nunca como hasta ahora, la creación y el intercambio de contenidos audiovisuales ha sido tan enorme. Hasta la llegada de Internet, la producción de contenidos audiovisuales para grandes públicos era muy costosa. Com o grande número de produções audiovisuais, é possível afirmar até que o perfil do usuário da informação pode se alterar, se confundindo com o perfil de um produtor da informação. 3 A INTERNET E O AUDIOVISUAL Se, por um lado, a internet é vista como um instrumento que contribui para a democratização do acesso à informação, por outro, ela é vista como uma ameaça. Isso, obviamente, depende do interesse de quem a explora. Afinal, por muito tempo, os produtos audiovisuais foram vistos apenas sob a ótica do interesse financeiro. Hernández Pérez (2011, p. 21) nos mostra que isso veio a acontecer quando: el cine descubrió la magia de transformar el tiempo y el espacio real en tiempo y espacio de pantalla. Y comenzó así el triunfo del cine comercial cuyo objetivo, más que documentar la actualidad y la vida real, era entretener y atraer al público para beneficio de los productores, los distribuidores, los presentadores y otros actores de la época. Não é difícil perceber que a visão do cinema como una dimensión cultural del mundo audiovisual, una dimensión que sirve como testimonio de la herancia común. (HERNÁNDEZ PÉREZ, 2011, p. 24) era e ainda é muitas vezes deixada de lado em nome
4 de um cinema comercial, que tem como principal objetivo o lucro em troca de entretenimento e diversão; por isso, ainda precisamos buscar maneiras de amadurecer a nossa relação com os produtos audiovisuais, entendendo que, bem mais que um produto de entretenimento, ele possui uma dimensão que dá testimónio sobre el desarollo económico, político y social, la evolución de la educación, el conocimiento científico, la diversidad de culturas de naciones y comunidades diferentes, y sobre la evolución de la naturaleza y otros fenómenos. (HERNÁNDEZ PÉREZ, 2011, p. 25) Izquierdo-Castillo (2012) afirma que as principais empresas envolvidas na tradicional cadeia de distribuição da produção audiovisual começaram a perceber que seus modelos tradicionais já estavam sendo ultrapassados devido a fatores como: o desenvolvimento da internet (melhoria da banda larga/menor custo), a atualização dos suportes tecnológicos (como tablets, smartphones e notebooks), a evolução de seus produtos audiovisuais de maneira irregular pela própria rede e da própria mudança de perfil do usuário. Toda essa mudança fez com que as empresas passassem a temer o processo de digitalização dos seus acervos, porém a autora alerta que a tecnologia não é e nem deve ser considerada - o fim dessas empresas tradicionais, mas é importante saber como aproveitá-la em prol de uma nova maneira de aproximação com o público e de inserção em um novo universo tecnológico. Essa abertura nas formas de distribuição de conteúdo audiovisual também acaba promovendo uma reforma no perfil dos usuários, que agora estão associados a plataformas gratuitas e que possibilitem o acesso instantâneo. La Red permite estimular la creación y venta de productos dirigidos a públicos minoritarios, que, considerados de forma agregada, constituyen una demanda importante. De esta forma, Internet contribuye a aumentar la oferta y variedad de títulos, así como a flexibilizar la encontrada [sic] de contenidos alternativos y de nuevos agentes intermediarios (CASERO- RIPOLLÉS, 2008 apud, IZQUIERDO-CASTILLO, 2012, p. 386-387) Nessa questão, Hernández Pérez (2011, p. 33) afirma que os usuários mudaram também as necessidades, pois apenas ter acesso ao documento completo já não era o suficiente, eles querem poder manipularlo, cortar, pegar, modificar sus colores, tamaños, sonidos, adjuntar sus propios subtítulos. Passam, assim, a exigir uma interação com os documentos aos quais têm acesso. Essas transformações acabavam simbolizando uma grande problemática para os que estavam envolvidos no negócio de distribuição de conteúdo audiovisual, pois era preciso que
5 buscassem um modelo de cultura de consumo que fosse compatível com esse novo perfil de espectador, e com os perfis que poderiam emergir. Para Izquierdo-Castillo (2012, p. 387) a partir dessas inquietações surgiram três modelos de distribuição de conteúdo audiovisual: o sob demanda 3 (onde o indivíduo paga pela unidade que consome, tendo o consumo direto do conteúdo no momento em que é solicitado); o de tarifa mensal (o consumidor paga uma quantia por mês para consumo ilimitado de conteúdos disponíveis na plataforma); e o que é gratuito, mas dependente de publicidade (ou seja, a plataforma é gratuita, mas é sustentada por anunciantes). Tratar da digitalização do acervo audiovisual é uma questão delicada quando se requer procedimentos orientados à preservação, pois mesmo que saibamos que a digitalização por si só não constitua preservação (ARAÚJO; COSTA E LIMA, 2008, p. 160) também não podemos deixar de assumir que ela é importante, mesmo quando orienta apenas ao acesso para o público que deseja acessar o acervo que lhe interessa. Hernández Peréz (2011, p. 32) define essa situação como la maior amenaza que pesa hoy sobre los archivos audiovisuales, pois induz as pessoas que só têm acesso aos arquivos em formatos digitalizados a pensar que el único património audiovisual es aquel que está digitalizado. A digitalização é, na verdade, uma parte do processo de seleção para a preservação digital (ARAÚJO; COSTA E LIMA, 2008, p. 160) e, por isso, não deve ser confundida com o objetivo dos procedimentos de preservação digital, é um processo complexo que consiste em uma série de etapas, além de ser de fundamental importância a existência de um projeto com estratégias que venham a contribuir cada vez mais para a conservação 4 e para a manutenção do acervo audiovisual ao longo do tempo. 4 CONCLUSÕES A internet trouxe inúmeras mudanças para as nossas vidas. Pode-se afirmar que foi graças a sua chegada que a maioria das pessoas se tornou capacitada para lidar com a tecnologia e a (re)conhecer quais informações no meio do turbilhão de informações que recebemos diariamente nos são úteis e quais não o são. Além disso, foi com esse avanço não só da internet, mas também no perfil do usuário que houve uma mudança na maneira de se disponibilizar os arquivos audiovisuais, 3 Entende-se por modelo sob demanda, o modelo conhecido como micropago. 4 Segundo a preservadora de filmes, Débora Butruce (2009, s/p), o processo de conservação é visto como a atividade de proteção do artefato fílmico original de manipulação desnecessária, estabelecendo seu armazenando sob determinadas condições que retardem sua deterioração física.
6 rompendo com o mercado tradicional de distribuição do conteúdo audiovisual, criando assim novas formas de distribuição online (através do modelo sob demanda, por tarifa mensal ou o gratuito, mas dependente de propaganda). A digitalização do acervo também é de grande importância para esse processo de democratização do acesso, afinal é através dela que os acervos tornam-se disponíveis para o público. Mas é importante sempre lembrar que a digitalização não é a mesma coisa que preservação; a preservação consiste em algo mais complexo e a digitalização é uma de suas etapas. Além disso, não podemos nos esquecer de que, muitas vezes, o acervo não se resume aos arquivos que estão digitalizados; eles fazem parte de um todo que muitas vezes é invisível aos olhos do usuário. Assim, podemos afirmar que, mesmo com os percalços que possam ser encontrados, a internet é, sim, uma ferramenta de grande valia para a democratização do acesso a informações, mas não por si só! É preciso que o indivíduo saiba usá-la corretamente e com sabedoria para que, assim, possa não só preservar, mas também disseminar para futuras gerações os frutos do que foi plantado no passado. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Arnaldo de Albuquerque; COSTA E LIMA, Clarissa. Facilidades de digitalização e a necessidade de preservação. In: NEGREIROS, L. R.; NEVES, M. E. M. (Org.). Documentos eletrônicos: fundamentos arquivísticos para a pesquisa em gestão e preservação. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Arquivo Público Mineiro, 2008, p. 148-165 BUTRUCE, Débora. A implicação das ações de preservação no processo de restauração fílmica. CTAV, Ministério da Cultura. Disponível em: http://www.ctav.gov.br/planogeral/?p=243. Acesso em: 04 ago. 2009 COELHO, Barbara. Computação em nuvem e a educação. Bahia Diário. 15 de jun. 2011. Disponível em: <http://www.bahiadiario.com/colunas/tecnologia-e-informacao/> HERNÁNDEZ PÉREZ, Tony. Lá documentación audiovisual. In: In: SEBASTIÁN, M. C.; PÉREZ, T. H.; MATEOS, D. R.; LORENZON, B. P. Documentación audiovisual: Nuevastendencias em el entorno digital. Madrid: Sínteses, 2011. p. 19-43.
7 IZQUIERDO-CASTILLO, Jessica. Distribución online de contenidos audiovisuales: análisis de 3 modelos de negocio. El profesional de lainformación, 2012, julio-agosto, v. 21, n. 4. ISSN: 1386-6710 MEDEIROS NETO, Benedito; MIRANDA, Antonio Lisboa Carvalho de. Uso da tecnologia e acesso à informação pelos usuários do programa Gesac e de ações de inclusão digital do governo brasileiro. Inc. Soc., Brasilia, DF, v. 3, n. 2, p.81-96, jan./jun., 2010 RODRÍGUEZ MATEOS, David. Internet y su influencia sobre ladocumeentación audiovisual. In: SEBASTIÁN, M. C.; PÉREZ, T. H.; MATEOS, D. R.; LORENZON, B. P. Documentación audiovisual: Nuevastendencias em el entorno digital. Madrid: Sínteses, 2011. p. 87-110. ROSA, F. G. M. G. Acesso e democratização da informação. Anais do VII CINFORM, Salvador: EDUFBA, 2007.