LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL: ASPECTOS JURÍDICOS. José Mauricio Conti 1. Noções gerais sobre a LRF A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei



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Transcrição:

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL: ASPECTOS JURÍDICOS. José Mauricio Conti 1. Noções gerais sobre a LRF A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n o 101, de 4 de maio de 2000, doravante designada simplesmente LRF) foi editada com a finalidade de estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal (art. 1 o, caput, da LRF), visando com isto obter "uma drástica e veloz redução do déficit público e a estabilização do montante da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto da Economia" (Exposição de Motivos da LRF, abril de 1999, p. 1). Cumpre determinação dos arts. 163 e 169 da Constituição Federal (CF), que prevêem a necessidade de lei complementar para dispor sobre finanças públicas e outros temas correlatos, como a limitação das despesas com pessoal. Suas diretrizes vêm estabelecidas no art. 1 o, parágrafo 1 o, da LRF, ao asseverar que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, de seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

A gestão fiscal responsável funda-se nos princípios do planejamento da ação governamental, da limitação dos gastos públicos e da transparência. Cabe destaque às normas que estabelecem limites para o administrador dos recursos públicos, especialmente no que se refere à contratação de operações de crédito e às despesas com pessoal. Outro pilar no qual se sustenta a gestão fiscal responsável é o princípio da transparência fiscal, que obriga o administrador a dar publicidade de seus atos. Fundamentais também são as regras de controle e fiscalização das contas públicas, bem como as punições institucionais e pessoais para as transgressões à lei. De início, a Lei de Responsabilidade Fiscal cuida do planejamento da ação governamental, especificando regras das já existentes leis orçamentárias, a saber: o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual. Estas três leis de natureza orçamentária, em seu conjunto, obrigam o Estado a manter uma política de gestão de recursos públicos planejada, haja vista que cada ação governamental é precedida de previsão nos respectivos diplomas legais, de modo a se ter um direcionamento previamente definido da política de governo. No que se refere à arrecadação, os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) terão de instituir e arrecadar todos os tributos de sua respectiva competência constitucional, sob pena de ficarem impedidos de receber transferências voluntárias. É norma que obriga os entes da federação a exercer plenamente sua competência tributária, evitando assim que o desajuste das contas públicas ocorra por falta de arrecadação decorrente do não exercício do poder de obter recursos com suas próprias fontes. É importante também para lhes conferir maior autonomia, pois passam a ter menor dependência das transferências obrigatórias ou voluntárias dos outros entes da Federação. A limitação da ação do administrador público no que se refere à geração e aumento das despesas é objeto de rigorosa regulamentação pela LRF, sendo estas, efetivamente, as normas de maior relevância deste diploma legal. Uma das regras fundamentais para a gestão fiscal responsável é a da limitação dos gastos, especialmente no que tange aos gastos com pessoal. O art. 19 fixa estes limites em 50% da receita corrente líquida para a União e 60% da receita corrente líquida para os Estados e Municípios. O art. 20 especifica os percentuais, em cada unidade da Federação, para os respectivos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Os limites são os seguintes: a) na esfera federal, 50% da receita corrente líquida, sendo 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União, 6% (seis por cento) para o Judiciário, 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, e 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União. 60% da receita corrente líquida, sendo 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado, 6% (seis por cento) para o Judiciário, 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo, e 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados. c) na esfera municipal, 60% da receita corrente líquida, sendo 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver, e 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo. Ponto crucial da Lei de Responsabilidade Fiscal é a limitação do endividamento público excessivo, verdadeira viga mestra da gestão fiscal responsável. Estes limites estão fixados na Resolução do Senado Federal n. 43, de 21 de dezembro de 2001. A regra fundamental é a que está prevista no art. 167, inciso III, da Constituição, que veda a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital. Esta restrição vem reproduzida no art. 12, parágrafo 2 o, da LRF ( O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária ). É a chamada regra de ouro da gestão fiscal responsável. Isto porque a violação deste dispositivo indica estarem sendo contraídos empréstimos destinados a financiar despesas correntes, indício claro de descontrole das contas públicas. Como já mencionado, a gestão fiscal responsável tem, como um de seus pilares, a transparência fiscal, instrumento fundamental para a manutenção da disciplina nos gastos públicos. O Princípio da Transparência Fiscal é diretriz que assegura o acesso público à informação sobre as atividades fiscais, que deve ser observada na gestão dos recursos públicos, estando em consonância com as mais modernas técnicas da Administração Pública. O "Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal", do Fundo Monetário Internacional, estabelece, como um de seus princípios, que o público deve ser plenamente informado sobre as atividades fiscais passadas, presentes e programadas do governo. A LRF consagra este princípio expressamente no art. 1 o, par. 1 o, e dedica todo o capítulo IX a este tópico (Da Transparência, Controle e Fiscalização - arts. 48 a 59). São instrumentos de transparência da gestão fiscal as leis orçamentárias (plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual), as prestações de contas e respectivo parecer prévio, o relatório

resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal. Estes os principais tópicos tratados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A seguir, far-se-á uma abordagem dos aspectos jurídicos da LRF, iniciando-se pela sua contextualização no ordenamento jurídico brasileiro. 2. A LRF e sua função como norma geral de Direito Financeiro. A LRF, como já mencionado, vem cumprir determinação do art. 163 da Constituição. O art. 163 exige lei complementar para dispor sobre finanças públicas, dívida pública, concessão de garantias, emissão e resgate de títulos da dívida pública, fiscalização de instituições financeiras, câmbio e instituições oficiais de crédito. A LRF veio regular estes assuntos, bem como estabelecer algumas normas de gestão financeira e patrimonial, nos termos previstos pelo inciso II do art. 165, 9 o, além de fixar os limites das despesas com pessoal, como previsto no art. 169, ambos da Constituição. A lei complementar é uma das espécies de norma jurídica, estando prevista no art. 59, II, e art. 69 (CF). As leis complementares tem por função complementar o texto da Constituição quando esta expressamente assim o determina, tornando eficazes normas não auto-executáveis, e sua principal característica é o quorum qualificado, devendo ser aprovada por maioria absoluta. A lei complementar, muitas vezes, como na presente hipótese, tem a função de editar as chamadas normas gerais. O art. 24 da CF prescreve o seguinte: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II orçamento; (...) 1 o No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. 2 o (...) 3 o Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades 4 o (...) Estabeleceu o texto constitucional que, em matéria de direito financeiro e tributário, haverá legislação concorrente, cabendo à União estabelecer, neste campo, as normas gerais. A existência e necessidade das referidas normas gerais deve-se à organização do Estado brasileiro, que tem a forma federativa, conforme previsto na Constituição Federal, art. 1 o. A existência do Estado Federal pressupõe alguns requisitos: a) descentralização política (que implica na rígida repartição de competências); b) capacidade de auto organização; c) capacidade de auto-legislação (estabelecer as próprias leis); d) auto-governo; e) auto-administração; f) autonomia financeira; g) participação das entidades subnacionais na formação da vontade nacional. Destes requisitos, cabe destaque à autonomia legislativa, ou seja, tanto o governo central quanto os governos locais terão poderes para editar suas próprias leis. Com isto, haverá, em um Estado Federal, a coexistência de várias categorias de leis: leis nacionais, leis federais, leis estaduais, leis municipais e uma série de outros tipos de diplomas normativos. Leis nacionais são aquelas destinadas a todos e a todo o território nacional (ex: Código Penal, no caso brasileiro), e tratam de matéria que se aplica tanto à União, quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios; já as leis federais, embora válidas em todo o território nacional, são aquelas que se destinam a atender os interesses da União enquanto pessoa jurídica de direito público interno (ex: Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União). Esta distinção tem relevância, na medida em que as normas gerais de direito financeiro configuram leis nacionais, não federais. É necessário que esta coexistência de leis e de poderes de editá-las seja harmônica, haja vista ser o princípio federativo fundamental no caso brasileiro, constituindo-se inclusive em cláusula pétrea (Constituição Federal, art. 60, 4 o ), inalterável por emenda constitucional. Daí surgirem as normas gerais, como instrumentos úteis e, no mais das vezes, necessários para dar coesão e harmonia a esse sistema jurídico do Estado Federal, pois terão de ser observadas por todas as esferas de governo, limitando a autonomia legislativa dos entes federados. As normas gerais, veiculadas por lei complementar, com caráter de leis nacionais, obrigando todos os entes da federação, são instrumentos fundamentais para dar coesão e harmonia no sistema federativo. O exato alcance e função das normas gerais é questão bastante controvertida, pois, se este alcance for diminuto, pouco ou nada resultará para sua finalidade, ou seja, estabelecer regras a serem cumpridas por todas as esferas de governo, conferindo maior coesão e harmonia ao ordenamento jurídico no Estado Federal; se o alcance for excessivo, pouco ou nada restará de autonomia legislativa para os entes que compõem a federação. Houve intenso debate entre juristas em razão de divergências ocorridas no campo do direito

tributário a respeito deste tema, sendo interessante mencionar as principais teses. Duas correntes se formaram. Uma, denominada de corrente tricotômica, defende a tese que a lei complementar em matéria tributária deve ter três funções: 1) dispor sobre conflitos de competência; 2) regular as limitações ao poder de tributar; e 3) estabelecer normas gerais em matéria tributária. Muitos são os estudiosos que partilham desta tese, como é o caso de Ives Gandra da Silva Martins. A outra corrente, denominada impropriamente de dicotômica, tem outra posição. Geraldo Ataliba explicita os argumentos desta corrente (Normas gerais de direito financeiro e tributário e autonomia dos Estados e Municípios. In Revista de Direito Público n. 10, São Paulo, ed. RT, p. 42 a 80). Diz o eminente jurista que a edição de normas gerais é excepcional, devendo restringir-se a princípios. Devem, pois, ser interpretadas restritivamente (p. 61). Cabe às normas gerais apenas dispor sobre assuntos relacionados à manutenção da harmonia entre os entes da federação, preservando o equilíbrio federativo, bem como sobre princípios, o que exclui a possibilidade de fazerem referência a detalhes que importariam em violar a autonomia legislativa dos entes federados. Assim, as normas gerais de direito tributário devem regular tão somente os conflitos de competência e as limitações ao poder de tributar. Havendo dois temas a serem objeto de regulação, deu-se o nome de corrente dicotômica. A denominação, no entanto, peca pela imprecisão, tendo em vista que a tese defende existir apenas uma função, qual seja: editar normas gerais de direito tributário. O conteúdo destas normas gerais é que abrange apenas as limitações ao poder de tributar e os conflitos de competência. Tornar preciso o conteúdo das normas gerais é tarefa árdua, a respeito da qual não há consenso entre os estudiosos. Rubens Gomes de Souza destaca que as normas gerais devem ter a finalidade de manter uniformidade da legislação na federação (Normas gerais de direito financeiro. In Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 155, p. 21 a 35). Assim, as normas que conceituam fato gerador devem somente preservar o sistema da discriminação de rendas, essencial à manutenção e existência do regime federativo (p. 27). O ex-governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto, em monografia dedicada ao assunto (Normas gerais de direito financeiro, edição da Prefeitura de São Paulo, 1949, p. 41), na tentativa de esclarecer o conteúdo das normas gerais, apresenta conclusão na qual explicita quais tipos de normas não seriam normas gerais. As conclusões são úteis para auxiliar na solução dos problemas, e vale mencioná-las. Diz o autor que: a) não são normas gerais as que tenham por objeto uma ou outra pessoa de direito público; b) não são normas gerais as que visem particularizadamente determinadas situações ou institutos, com exclusão de outros da mesma espécie; e c) não são normas gerais as que se afastem dos aspectos fundamentais básicos. Constata-se que estas considerações, se não dirimem por completo o problema, ao menos auxiliam o aplicador da lei a chegar a uma solução adequada em questões relacionadas à LRF, que é uma lei complementar destinada a estabelecer normas gerais de direito financeiro em matéria de finanças públicas. 3. As principais questões discutidas no Supremo Tribunal Federal com relação à LRF Após sua publicação, em 5 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi objeto de várias ações judiciais, tendo alguns de seus dispositivos questionados junto ao Supremo Tribunal Federal. A seguir, será feita uma síntese das principais teses que estão em discussão na referida Corte de Justiça. Dada a amplitude e complexidade dos temas envolvidos, não é adequado neste breve artigo aprofundar-se nos temas a ponto de permitir que se tome posição a respeito de cada um deles. Limitar-me-ei, portanto, a esclarecer os pontos objeto de controvérsia e as principais alegações que fundamentam o questionamento. 3.1. Art. 9, 3 º : limitação de gastos e independência dos Poderes O art. 9 o da LRF tem a seguinte redação: Art. 9 o. Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. 1 o No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas. 2 o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes

orçamentárias. 3 o No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. 4 o Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no 1 o do art. 166 da Constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais. 5 o No prazo de noventa dias após o encerramento de cada semestre, o Banco Central do Brasil apresentará, em reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial, evidenciando o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços. A ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) 2238 (estas ações, as ADIn, previstas nos arts. 102 e 103 da CF, são impetradas junto ao Supremo Tribunal Federal e tem por objetivo obter da Corte a decisão que declare inconstitucional determinado dispositivo legal que contrarie o texto da Constituição), movida pelos partidos PC do B, PSB e PT, questionou a constitucionalidade do parágrafo 3 o do art. 9 o da LRF, por entender, em síntese, haver violação do princípio da separação de poderes, que é uma das cláusulas pétreas da Constituição, sendo vedada sua modificação por emenda constitucional. Prevalecendo o dispositivo, os Poderes Executivo e Legislativo, bem como o Ministério Público, ficam em situação de inferioridade ao Poder Executivo, o que viola a autonomia e independência dos Poderes da República. O STF deferiu o pedido de liminar, estando atualmente suspensa a eficácia do referido dispositivo legal. Não houve decisão a respeito do mérito, estando a ação em tramitação. 3.2. Art. 12, 2 o : violação da regra de ouro O art. 12 da LRF estabelece: Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas. 1 o Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal. 2 o O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária. 3 o O Poder Executivo de cada ente colocará à disposição dos demais Poderes e do Ministério Público, no mínimo trinta dias antes do prazo final para encaminhamento de suas propostas orçamentárias, os estudos e as estimativas das receitas para o exercício subseqüente, inclusive da corrente líquida, e as respectivas memórias de cálculo. A ADIn 2238, já mencionada, argumenta ter o dispositivo da LRF excedido ao não contemplar, na redação do parágrafo 2 o do art. 12, as exceções previstas no art. 167, III, da Constituição (Art. 167. São vedados: III - a realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta). Assim, acabou por criar uma proibição mais ampla do que a prevista no texto constitucional, razão pela qual torna-se com ele incompatível e deve ter sua inconstitucionalidade reconhecida. O STF acolheu o pedido liminar, estando atualmente suspensos os efeitos do parágrafo 2 o do art. 12. No mérito, a ação ainda não foi julgada. 3.3. O art. 20: limitação de gastos com pessoal O art. 20 da LRF tem a seguinte redação: Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: I - na esfera federal: a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda Constitucional n o 19, repartidos de forma proporcional à média das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios

financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar; d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União; II - na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados; III - na esfera municipal: a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo. 1 o Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar. 2 o Para efeito deste artigo entende-se como órgão: I - o Ministério Público; II- no Poder Legislativo: a) Federal, as respectivas Casas e o Tribunal de Contas da União; b) Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas; c) do Distrito Federal, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal; d) Municipal, a Câmara de Vereadores e o Tribunal de Contas do Município, quando houver; III - no Poder Judiciário: a) Federal, os tribunais referidos no art. 92 da Constituição; b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver. 3 o Os limites para as despesas com pessoal do Poder Judiciário, a cargo da União por força do inciso XIII do art. 21 da Constituição, serão estabelecidos mediante aplicação da regra do 1 o. 4 o Nos Estados em que houver Tribunal de Contas dos Municípios, os percentuais definidos nas alíneas a e c do inciso II do caput serão, respectivamente, acrescidos e reduzidos em 0,4% (quatro décimos por cento). 5 o Para os fins previstos no art. 168 da Constituição, a entrega dos recursos financeiros correspondentes à despesa total com pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamentárias. 6 o (VETADO) Trata-se do artigo objeto do maior número de ações diretas de inconstitucionalidade. Os partidos políticos PC do B, PT e PSB ingressaram com a ADIn número 2238, a Mesa da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais ingressou com a ADIn 2241, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON) ingressou com a ADIn 2256, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ingressou com a ADIn 2261 e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) ingressou com a ADIn 2365. Basicamente, a tese defendida pelos autores das referidas ações é que os preceitos do art. 20 da LRF, veiculados por lei complementar, consubstanciam normas gerais de direito financeiro, e, como tal, devem respeitar os limites a que ficam sujeitas referidas normas gerais. Não cabe às normas gerais estabelecer detalhes, particularidades, minúcias, mas tão somente viabilizar a aplicação de princípios constitucionais, sem invadir a autonomia dos demais entes federados. O art. 20 da LRF, ao estabelecer o exato percentual que cada uma das esferas de governo tem como limite para gastar com cada um dos poderes constituídos, extrapola referidos limites, estando em desacordo com a Constituição, pois vai além do que havia sido determinado pelo art. 169, e colide com o princípio federativo, previsto no art. 1 o, ambos da Constituição. Foi indeferido, por maioria de votos, o pedido de medida liminar visando a suspender provisoriamente os efeitos do art. 20, estando atualmente o processo em tramitação, sem que tenha sido apreciado o mérito. 3.4. Art. 35: o endividamento recíproco O art. 35 da LRF tem a seguinte redação: Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. 1 o Excetuam-se da vedação a que se refere o caput as operações entre instituição financeira estatal e outro

ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se destinem a: I - financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes; II - refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente. 2 o O disposto no caput não impede Estados e Municípios de comprar títulos da dívida da União como aplicação de suas disponibilidades. A vedação que consta do art. 35 da LRF, acima transcrito, impede os entes da federação de contraírem dívidas entre si. Visa a preservar a harmonia e o equilíbrio na Federação, evitando que as dívidas recíprocas venham a provocar predomínio de uns sobre outros. A ADIn 2250, movida pelo Governador do Estado de Minas Gerais, Itamar Franco, pede a declaração de inconstitucionalidade do art. 35, tendo como fundamento, basicamente, o fato de estar sendo ferida a autonomia estadual. Argumenta esisitrem vários fundos públicos, constituídos com receitas de empréstimos obtidos junto a organismos financeiros internacionais, que são administrados pelo Governo Estadual. Estes fundos são utilizados para financiar obras de infra-estrutura, saneamento e desenvolvimento urbano em municípios carentes. Com a proibição do art. 35, não será mais possível utilizar este mecanismo, pois o Estado-membro da Federação fica impedido de realizar operações de crédito com os municípios que o integram. Isto é contrário ao princípio federativo, que tem como um de seus requisitos a autonomia política e administrativa, que confere ao Estado-membro o poder de gerir seus recursos da forma que entender mais adequada para atingir o bem comum de seus habitantes, sendo o mecanismo dos empréstimos por meio dos fundos existentes uma maneira eficiente pela qual isto vem sendo feito. A ação atualmente encontra-se em tramitação junto ao STF, sem que o mérito tenha sido julgado. 3.5. O art. 51: a prestação de contas e o princípio federativo O art. 51 da LRF tem a seguinte redação: Art. 51. O Poder Executivo da União promoverá, até o dia trinta de junho, a consolidação, nacional e por esfera de governo, das contas dos entes da Federação relativas ao exercício anterior, e a sua divulgação, inclusive por meio eletrônico de acesso público. 1 o Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder Executivo da União nos seguintes prazos: I - Municípios, com cópia para o Poder Executivo do respectivo Estado, até trinta de abril; II - Estados, até trinta e um de maio. 2 o O descumprimento dos prazos previstos neste artigo impedirá, até que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária. A ADIn 2250, movida pelo Governador do Estado de Minas Gerais, Itamar Franco, pede a declaração de inconstitucionalidade do art. 51, tendo como fundamento, basicamente, o fato de estar sendo ferido o princípio federativo. Argumenta que, da forma como está redigido o texto da lei, os Estados e municípios, entes federados que pela Constituição são autônomos e independentes, terão de prestar contas à União, que não tem qualquer superioridade hierárquica a justificar tal determinação. A prestação anual de contas deve ser feita, conforme previsto na Constituição, por todos os entes estatais, na forma estabelecida pela respectiva Constituição Estadual ou Lei Orgânica Municipal, respeitadas as diretrizes fixadas na Constituição Federal. Esta, por sua vez, não contém a determinação do art. 51 da LRF, que, portanto, extrapolou os limites de seu campo de atuação. O órgão responsável pela fiscalização e controle orçamentário e financeiro de cada ente da Federação é o respectivo Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas, conforme organização própria de cada unidade. Entende, por conseguinte, ser incabível referida norma, que deve ter reconhecida sua inconstitucionalidade. Como mencionado no item anterior, esta ação está em tramitação junto ao STF, sem que o mérito tenha sido julgado. 4. Considerações finais Pretendeu-se nesta breve manifestação acerca da LRF trazer informações que possam auxiliar a compreensão dos aspectos jurídicos a ela inerentes. Após um resumo sobre os principais pontos objeto de regulamentação por parte da Lei, fez-se uma contextualização da referida norma dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Com isto, é possível ter uma noção de sua função e dos limites a que fica sujeita. Por fim, foram mostrados os argumentos que fundamentam os pedidos de algumas das ações que questionam a constitucionalidade de vários de seus dispositivos, e estão sendo objeto de apreciação pela Corte de última

instância do País, o Supremo Tribunal Federal. Espera-se que seja útil para o fim a que se propôs. Professor Doutor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP. Mestre e Doutor em Direito Econômico-Financeiro da USP. Bacharel em Direito e em Economia pela USP. Juiz de Direito em São Paulo.