Dos crimes antecedentes à lavagem de dinheiro



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Transcrição:

Dos crimes antecedentes à lavagem de dinheiro Bárbara Carolina de Almeida Mendes Lima Advogada, graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduanda em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Sumário: 1. Introdução; 2. As etapas da lavagem de dinheiro; 3. Os crimes antecedentes à lavagem de dinheiro na lei 9.613/98; 4. Tendências internacionais quanto à definição dos crimes antecedentes; 5. Conclusão; Referências. 1. Introdução A lavagem de dinheiro é um delito que ao longo do século XX despertou a atenção de diversos estudiosos, dentre os quais juristas, economistas e cientistas políticos, em razão de sua vertiginosa incidência ao redor do mundo e do grande aperfeiçoamento das técnicas empregadas na lavagem. A necessidade de discussão, controle e tipificação de condutas relacionadas à lavagem de dinheiro começou a ser tratada no âmbito internacional com a Convenção de Viena de 1988 [01], seguida de outras convenções e encontros regionais [02]. Se o impulso inicial da preocupação dos organismos internacionais era o tráfico internacional de drogas e a atuação de organizações criminosas, não tardou para que enxergassem que esses e outros delitos não afetavam apenas os respectivos bens jurídicos por eles tutelados, mas também tinham em potencial o condão de comprometer o sistema econômico-financeiro e o comércio mundial. No Brasil, a Lei 9.613/98 surgiu como resposta à questão, tratando não apenas dos aspectos penais e processuais penais, mas também administrativos, cuidando, pois, da prevenção, controle e repressão da lavagem de dinheiro no país. Decorridos treze anos de sua promulgação, são muitas as críticas endereçadas à lei, podendo-se destacar a não inclusão expressa dos crimes contra a ordem tributária entre os crimes antecedentes à lavagem de dinheiro, e o rol exaustivo destes, expressos nos incisos que compõem o caput do art. 1.

Em que pesem as críticas, num momento em que já foi possível o amadurecimento teórico e jurisprudencial acerca dos crimes que antecedem a lavagem de dinheiro, oportuno passar em revista os apontamentos doutrinários em relação aos mesmos e confrontá-los com as tendências internacionais, a fim de se perquirir quanto à satisfatoriedade e adequação do aludido rol de crimes primários. 2. As etapas da lavagem de dinheiro Segundo o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) [03], a lavagem de dinheiro: (...) caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com freqüência, ocorrem simultaneamente. A conversão, dissimulação e integração constituem as três referidas fases comumente identificadas na lavagem de dinheiro. A conversão, também conhecida como ocultação, colocação ou placement, visa camuflar a origem ilícita dos ativos provenientes de crimes, através da inserção dos mesmos no sistema financeiro ou na economia formal. Nesta etapa normalmente há uma desvinculação entre o agente do delito primário, ou antecedente, e o produto economicamente valorado do crime. Na fase de dissimulação, ou difusão, cobertura, estratificação, camuflagem, layering ou empilage, promovese a pulverização e circulação do dinheiro, ou bens de modo geral, pelos mercados financeiros, nacional e estrangeiro, através da realização de negócios e operações que dificultam a identificação de sua origem. Os mecanismos utilizados nessa etapa são sofisticados, envolvem transações por vezes vultosas a paraísos fiscais, movimentações por meio eletrônico, podendo ser identificada como a fase que maior vulnerabilidade confere aos sistemas financeiros nacionais. Por fim, na integração, ou integration, os ativos são investidos na economia formal, no sistema produtivo, na prestação de serviços, no mercado de capitais, etc. É a fase cuja investigação e possibilidade de descoberta da origem ilícita dos ativos é remota, pois os negócios revestem-se de legalidade e, por vezes, os lucros gerados são (re)direcionados à prática de atividades criminosas. Segundo MAIA [04], na integração é potencializada a possibilidade de lesão à ordem econômica, quer na faceta da livre concorrência, quer na vertente da economia popular. 3. Os crimes antecedentes à lavagem de dinheiro O artigo 1 da Lei 9.613/98 traz um rol exaustivo de crimes associados às principais formas de lavagem de dinheiro. Em comum, as atividades ilícitas previstas nos incisos I a VIII disponibilizam, direta ou indiretamente, bens, direitos e valores que serão lavados até que se lhes confiram ares de licitude. No inciso I o crime antecedente previsto é o de "tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins", cujas condutas dizem respeito àquelas dispostas na Lei 11.343/06, especialmente nos arts. 33 a 37.

O terrorismo e seu financiamento aparecem no inciso seguinte, todavia inexiste no ordenamento pátrio tipo penal que corresponda seja ao terrorismo, seja ao seu financiamento. A fim de suprir essa lacuna, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 3443/2008, cuja proposição está sujeita à apreciação do plenário, em regime prioritário, mas sem qualquer movimentação desde 09 de dezembro de 2008 [05]. De toda sorte, existem referências legislativas quanto ao tema, podendo-se citar o art. 5, XLIII, da Constituição da República, o art. 2 da Lei 8.072/90, e o art. 20 da lei 7.170/83. O contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção, encontram-se previstos no inciso III e a referência normativa remonta à Lei 10.826/03, especificamente nos arts. 17 e 18; bem como na Lei 7.170/83, em seu art. 12. O delito previsto no inciso IV é a extorsão mediante seqüestro, figura do art. 159 do CP. Os crimes "contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos" englobam todos os crimes contidos no título XI do CP, ou seja, dos arts. 312 a 359-H. No inciso VI, os crimes contra o sistema financeiro nacional aludem aos dispostos na Lei 7.492/86. Quanto aos delitos praticados por organização criminosa, as orientações normativas possíveis referem-se à recepção da Convenção de Palermo no ordenamento jurídico brasileiro, através do Decreto 5.015/04, trazendo no artigo 2 o conceito de grupo criminoso organizado, e a Lei 9.034/95, que trata da utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Por fim, no inciso VIII, à referência aos crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira segue-se a especificação dos tipos penais correlatos, quais sejam, os arts. 337-B, 337-C e 337-D do CP. Vale frisar que, embora seja necessária a ocorrência de um desses crimes antecedentes à lavagem de dinheiro, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime, ao tipo do art. 1º da Lei 9.613/98. Isso porque os parágrafos 1º e 2º, do referido art. 1º, definem condutas secundárias ou paralelas à ocorrência daqueles delitos antecedentes, igualmente voltadas à lavagem de dinheiro. 4. Tendências internacionais quanto à definição dos crimes antecedentes A partir da Convenção de Viena de 1988 tornou-se comum nas legislações ao redor do mundo a tipificação do crime de lavagem de dinheiro atrelando-o ao tráfico de drogas.

Todavia, essa concepção foi sobremaneira ampliada com a Convenção de Palermo, ao entender-se por bem que a gama de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro deveria ser vasta: Artigo 6. Criminalização da lavagem do produto do crime 1. Cada Estado Parte adotará, em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticada intencionalmente: a) i) A conversão ou transferência de bens, quando quem o faz tem conhecimento de que esses bens são produto do crime, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou ajudar qualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-se às conseqüências jurídicas dos seus atos; ii) A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os ditos bens são produto do crime; b) e, sob reserva dos conceitos fundamentais do seu ordenamento jurídico: i) A aquisição, posse ou utilização de bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza, no momento da recepção, que são produto do crime; ii) A participação na prática de uma das infrações enunciadas no presente Artigo, assim como qualquer forma de associação, acordo, tentativa ou cumplicidade, pela prestação de assistência, ajuda ou aconselhamento no sentido da sua prática. 2. Para efeitos da aplicação do parágrafo 1 do presente Artigo: a) Cada Estado Parte procurará aplicar o parágrafo 1 do presente Artigo à mais ampla gama possível de infrações principais; b) Cada Estado Parte considerará como infrações principais todas as infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção, e as infrações enunciadas nos seus Artigos 5, 8 e 23. Os Estados Partes cuja legislação estabeleça uma lista de infrações principais específicas incluirá entre estas, pelo menos, uma gama completa de infrações relacionadas com grupos criminosos organizados (...). G.N. Assim, considerando que restou definido na Convenção que infrações graves seriam aquelas puníveis com pena privativa de liberdade iguais ou superiores a quatro anos, percebe-se que a intenção é a de estender o rol de crimes antecedentes. Compreendendo isso, países como Colômbia, México, Estados Unidos, França e Itália admitem que todo tipo penal se preste, segundo a limitação fornecida pela Convenção, a caracterizar-se como crime antecedente à lavagem de dinheiro.

Recrudescendo a idéia, o Grupo de Ação Financeira GAFI [06], em suas recomendações [07] em matéria de prevenção de repressão à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, orienta que os países ampliem o leque dos crimes tidos como antecedentes e dediquem atenção aos processos de criminalização, primária e secundária, do terrorismo. 5. Conclusão Embora as recomendações do GAFI não tenham caráter vinculante, mantêm estreita ligação às disposições contidas nas Convenções de Viena, Palermo e Mérida, todas ratificadas pelo Brasil e inseridas no ordenamento jurídico, respectivamente, através dos Decretos n. 154/91, 5.015/04 e 5.687/06. Não obstante isso, a Lei 9.613/98 elenca uma pequena variedade de crimes antecedentes e a legislação penal apresenta deficiências na criminalização do terrorismo e seu financiamento, sendo vexatória a paralisação de tramitação do projeto de Lei n.º 3443/2008 por um período superior a dois anos. Não raro, diversas condutas ilícitas que se prestam à lavagem de dinheiro somente são consideradas crimes antecedentes se cometidas por uma organização criminosa, o que fragiliza a efetiva prevenção, combate e repressão à lavagem de dinheiro. Essas, e outras deficiências foram apontadas no Relatório de Avaliação Mútua do Brasil pelo GAFI [08] em 2010. Mais do que o eventual descrédito internacional do país, esses problemas causam prejuízos ao sistema financeiro e à economia nacional, motivos suficientes para ensejar maiores reflexões e debates quanto ao tema. Referências 31 fev. 1940. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União. Brasília,. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 05 out. 1988.. Decreto n. 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Diário Oficial da União. Brasília, 27 jun. 1991.. Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Diário Oficial da União. Brasília, 15 mar. 2004.. Decreto n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União. Brasília, 01 fev. 2006.. Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o

Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 04 mar. 1998. GALUPPO, Marcelo Campos. Da idéia à defesa: monografias e teses jurídicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (Lavagem de ativos provenientes de crime). Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/80. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. PINTO, Edson. Lavagem de capitais e paraísos fiscais. São Paulo: Atlas, 2007. Notas 1. Também chamada Convenção da ONU Contra o Tráfico Ilícito de entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas assim dispõe no Artigo 3: "1 - Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente: (omissis) b) i) a conversão ou a transferência de bens, com conhecimento de que tais bens são procedentes de algum ou alguns dos delitos estabelecidos no inciso a) deste parágrafo, ou da prática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do delito ou delitos em questão, para fugir das conseqüências jurídicas de seus atos; ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou de participação no delito ou delitos em questão; jurídico; c) de acordo com seus princípios constitucionais e com os conceitos fundamentais de seu ordenamento iii)a aquisição, posse ou utilização de bens, tendo conhecimento, no momento em que os recebe, de que tais bens procedem de algum ou alguns delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou de ato de participação no delito ou delitos em questão; (...)." 2. Exemplificativamente, cite-se a XXI Assembléia Geral das Organizações dos Estados Americanos de 1992 e a Conferência Ministerial sobre a Lavagem de Dinheiro e Instrumento do Crime de 1995. 3. Brasil. Ministério da Fazenda. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Unidade de Inteligência Financeira no Brasil. Sobre a Lavagem de Dinheiro. Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/sobre-lavagemde-dinheiro-1. Acesso em: 20/07/2011. 4. MAIA, 2007. p 40. 5. Brasil. Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/fichadetramitacao?idproposicao=395834. Acesso em: 21/07/2011.

6. Em inglês, FATF - Financial Action Task Force, o GAFI é uma organização intergovernamental, com sede em Paris, criada em 1989 por iniciativa do G-7 com o objetivo de desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. 7. Para maiores informações quanto às recomendações do GAFI, vide http://www.fatf-gafi.org. 8. Disponível em https://www.coaf.fazenda.gov.br/downloads/relatorios-coaf/relatorioatividades2010.pdf/view