António Manuel Couto Viana



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Transcrição:

António Manuel Couto Viana Entrevistado por Maria Augusta Silva AGOSTO 2004 Nasceu (1923) em Viana do Castelo, filho de pai português e mãe espanhola. Inesgotável a aventura poética, pujante, de António Manuel Couto Viana, escritor da chamada geração de 50 que se estreou com O Avestruz Lírico (1948). Um poeta de expressão clássica, a ela coerentemente fiel, embora atento aos tempos, aos ciclos da história e da condição humana que por vezes o desencantam e o dividem entre «o coração e a espada», entre «idealismo e angústia» sem todavia lhe esmorecerem uma lira firme, culta na palavra afeiçoada ao sentido formal e moldada, também, por afetos e ideais que o autor de Relatório Secreto literariamente trabalha com mestria. Não esconde o seu pensamento messiânico e o culto do sebastianismo. Diz-se homem de esperança.

Que tem «escrito no sangue»? Estou a servir-me de um verso seu... Duas nacionalidades, a portuguesa e a espanhola. Sinto ambas no meu sangue. Do meu pai, português, é a pátria em forma de navio, a aventura, o sonho, a saudade; da minha mãe, espanhola, são as espadas arrogantes, um gosto pelo heroísmo. Mas o meu sangue está muito bem doseado. Ressalta da sua poesia um amor patriótico... Mas esse amor patriótico não é, habitualmente, dos portugueses. Não viu as manifestações no Euro 2004? Uma exceção. E que prazer me deu assistir a essa manifestação! É pena que a alegria sentida agora com o nosso futebol não aconteça em relação aos nossos descobridores, aos nossos heróis, aos nossos escritores, que não seja só o Figo ou o Ricardo. Nostalgia não será em si, enquanto poeta, mais forte do que a aventura? Talvez. Vejo sempre, porém, uma luz ao fundo do túnel. Na minha poesia não há desespero. Mesmo na mais amarga existe a esperança. Tem que ver com o seu culto pelo sebastianismo? Para os seus olhos, quem é D. Sebastião? O quinto império é o da alma, já dizia Fernando Pessoa. Acredito sempre em tempos melhores. Esses tempos melhores são D. Sebastião que chega. Na literatura, quem é o seu rei?

Muitos, a começar por D. Dinis. Toda a poesia portuguesa vem de D. Dinis e vai subindo com Camões, Bocage, Garrett, Régio. Somos herdeiros desse tesouro extraordinário mas precisamos de ter consciência dele. Tenho a sensação de que os jovens julgam que o mundo só começou hoje com eles e não há nada para trás ou o que há não vale a pena. Creio que uma dada moda na poesia é também por ignorância ou desprezo pelo passado. E os jovens não poderão sentir que as gerações anteriores julgam que o mundo acaba nelas? Também acontece. Em todas as gerações há os velhos do Restelo. Aliás, o velho do Restelo não está muito bem estudado. Diz-se que não aceitava a aventura, mas ele queria a aventura embora controlada; no fundo, aconselha D. Sebastião a ir para África e diz: «Então vocês vão lutar para tão longe quando temos África aqui ao lado para combater». Traçava uma diretiva. Diretivas para dominar outros povos. Concorda com esse domínio? Não. Nenhuma pessoa de bom senso pode hoje aceitar uma coisa dessas. Acredito, porém, na educação, no auxílio, num sentido de missão. De Portugal tem o sentimento de império? Volto a citar Pessoa: «A minha pátria é a língua portuguesa». Língua portuguesa mantém-se em todos os cantos por onde os portugueses andaram? Conheço-a através dos seus escritores, que são o expoente máximo de uma língua em cada país. Esses continuam a servir-se da língua portuguesa como instrumento de arte, de beleza e de comunicação.

Não posso duvidar que a língua portuguesa continue em todos os povos por onde andámos. Toda a sua obra poética acaba de ser reunida em dois volumes editados pela Imprensa Nacional e no álbum O Velho de Novo com inéditos. Estava a ser esquecido? Fui sempre esquecido. Agora, a minha obra está ao dispor de quem a quiser conhecer. São sessenta anos de poesia. Continuo a escrever. Descobri o conto e a poesia também aparece. Ainda gostaria de publicar, escrevemos para ser divulgados. Como na poesia, o conto permite-lhe a síntese? No aspeto de síntese, está muito próximo da poesia. A minha poesia, que começou interiorizada, passou a abrir-se. Fui-me conhecendo melhor, a mim e ao mundo. Os contos talvez deem melhor conta dessa maior abertura. No seu primeiro livro de poesia, O Avestruz Lírico (1948), essa interiorização é notória... Só mais tarde, nos anos sessenta, comecei a olhar para o mundo, a olhar para os outros. Anos sessenta personificaram a utopia. Fez parte dessa utopia? Não fiz. Mas admirei alguns nomes. E pode dizer-se que o sebastianismo é uma utopia. Entre o homem-poeta e o avestruz, que semelhanças? Tenho os pés assentes na terra embora o sonho exista. As asas do avestruz são curtas, não dão para voar...

Não chegam para o peso da ave. Teve, na sua arte poética, asas para o corpo voar? Tive. Jorge de Sena sentia em mim uma ironia devastadora. Penso, contudo, que me escrevi sempre pior do que suponho ser. Autoflagelação? E uma certa coquetterie. Que terá a ver com o homem de teatro que é? É possível. Esta minha atitude de humildade e modéstia é uma certa coqueterie. Não se acha verdadeiramente humilde? Acho que sou, no entanto não ao ponto de não ter prazer em que alguém me elogie ou me reconheça qualidades. Mas tenho pudor. Não gosto que me elogiem cara a cara, envergonho-me, não sei como hei-de estar. Fica corado? Agora já não, porém sou extremamente tímido. Foi o teatro que me salvou um pouco dessa timidez. Até porque, em cena, eu não era eu, era a personagem. No teatro tem sido fundamentalmente encenador... Mas fui muito ator, e sinto que sou ator. Está a ser ator nesta conversa comigo? Não estou. Foi o teatro, porém, que me deu a possibilidade de representar o à-vontade. Através das encenações vivia as várias personagens. Era-me agradável.

Continua ligado à ópera. Um espetáculo abrangente em termos de públicos? Só não gosta quem nunca viu ópera ou quem tenha preconceitos. Já este ano levei La Bohéme ao Porto e não imagina a multidão, de todas as idades, aquela gente comoveu-se, chorou no final. Onde vai buscar tanta energia para essas andanças? Gostava de saber. Mas deixe-me que lhe diga, a minha cabeça está como a conheci aos 14, 15, 16 anos. A memória não o atraiçoa? Pelo contrário. Qual a lembrança mais antiga? Lembro-me, por exemplo, do meu avô paterno, e morreu tinha eu cinco anos. Lembro-me de passear pela mão dele. Vai bem o teatro em Portugal? Despejam-se muitos papéis aos gritos. Isso não é representar. Nega a evolução? Em tudo, o que é bom é sempre bom. Depois são modas e a moda, como dizia Cocteau, «é tudo o que passa de moda». Apesar de tudo, e de uma maneira geral, dá-se bem com os jovens? Dou. Embora esta juventude já me diga pouco. Todas as gerações têm a sua juventude... No meu tempo, havia uma sede de saber e procuravam-se pessoas que nos ensinassem. Hoje nascem todos ensinados. Não pode,

contudo, generalizar-se pois estaria a ser ingrato para muitos jovens que não são assim. Não existe uma nova geração a revitalizar a cultura portuguesa? Sei que há, mas são muito poucos. Tenho lido muita coisa, todavia não falam a minha linguagem. E também tenho visto uma juventude que me agrada, jovens que descobrem maneiras de conviver com elevação, com espírito. Cada geração tem o seu registo cultural, a sua estética... É evidente. E eu tive a minha. Quando escreve «Prefiro pátria às rosas» está a glosar Ricardo Reis que diz Prefiro rosas, meu amor, à pátria... Ou será por causa dos espinhos? Sobretudo porque as rosas são efémeras, embora a rosa seja a flor de que mais gosto. A pátria tem uma outra eternidade que a rosa não tem. E, de certo modo, é uma glosa do verso de Ricardo Reis, que também criou aqueles indiferentes a jogarem xadrez enquanto o mundo se destruía. Já não sente uma rosa a florir-lhe na mão? Rosa enquanto sinónimo de coração, sim. Começa a publicar no pós-segunda Grande Guerra, conflito mundial de que Portugal se alheou. Esteve ligado à geração dos poetas de cinquenta. Mas, nesse quadro, não terá protagonizado mais a indiferença, independentemente de algum espírito de revolta?

Não é indiferença, é respeito pelas coisas, na medida em que, quando falo de mim, só falo daquilo que conheço. Não ia falar daquilo que desconhecia. Parece-me que seria um atrevimento.e, literariamente, tínhamos o marxismo-leninismo dos neo-realistas, o que é, para mim, uma forma de pressão também grande, uma ditadura feroz, a ditadura do proletariado. Interessava-lhes apenas o social. Alguma da sua poesia visita igualmente o realismo social, os problemas sociais... Mas a igreja também tratou do social. E eu sou católico. Não houve grandes criadores no neo-realismo, inclusive no nosso país? Estou a lembrar-me de Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira... Alves Redol é melhor no fim da vida, porque tudo está temperado de uma outra maneira, sem o panfletário. E não nego qualidades a Manuel da Fonseca ou a Carlos de Oliveira. Alguma da sua poesia mais exaltante, mais patriótica, não poderá ser também entendida como panfletária? Embora seja redutor situá-lo apenas nessa linha poética... Há uma confusão entre nacionalismo e patriotismo. As pessoas quando falam de nacionalismo pensam no Estado Novo. Não se considera um poeta do Estado Novo? Não. Na minha poesia não se vê senão patriotismo. Os meus livros Desesperadamente Vigilante ou Pátria Exausta são livros dentro do Estado Novo, no entanto renegam uma série de coisas, avisam e anunciam outras. Nem sempre a sua poesia foi bem entendida?

Não foi. Por preconceito. Dos poetas da Távola Redonda, a que pertenceu, nomeadamente com David Mourão-Ferreira, que lembranças tem? Escrevi sobre muitos. Vão ser agora publicadas cartas que Sebastião da Gama me dirigiu a mim e a outros. Num verso seu faz um apelo: «Poetas vamos dar as mãos». Seria necessário voltar a desencadear um movimento desses? É sempre necessário. Tem de lembrar-se a todos os povos a paz, o convívio, a fraternidade, a solidariedade. Essas mensagens são transmitidas mas fica-se com a impressão de que os homens só sabem viver em guerra... É preciso teimar. Se ajudarmos a salvar um, dois, três, quatro, é já uma missão cumprida. A sua poesia é uma missão? Acho que sim. Messiânico? Sem dúvida. Aí está o meu sebastianismo. Messiânico pelo lado de D. Sebastião ou por Cristo? Sou pecador como toda a gente, não sou santo, mesmo os santos foram pecadores. Sou mais pagão do que místico, mas também ergo essa bandeira, a da fé. Há um lado pagão, um lado apolíneo na minha poesia, menos flagelado, menos mão no peito, mais atraído pelo mundo do que pelo céu. Não deixa, no entanto, de ter sempre uma saudade do céu.

Acredita no céu? Gostava de acreditar. E faço tudo por acreditar. Que momento é este que Portugal vive? De política não falo. Já não tenho paciência para pensar politicamente. Ficou preso às caravelas? Uma vez, Armindo Rodrigues disse-me: «Você nasceu no século XIII». Realmente, sinto-me muito medievalista nesse aspeto. Um trovador? De certa maneira. Até porque sou minhoto, aproximo-me dessa raiz. Sou nortenho. O que me fala é o Cancioneiro, os trovadores lá de cima, as cantigas de amigo, o rimanceiro. «Escrevo para quem? E para quando?», interroga-se na sua poesia. Que horizontes são os seus? Não sei até que ponto tenho leitores e até quando os terei. Pedro Homem de Melo pedia que depois da sua morte ainda fossem dele ao menos 20 anos. Mas o País só se lembra das pessoas nos centenários delas, quando se lembra, e depois volta a esquecê-las. Podemos considerar a sua poesia memorialista? «Quem me salva da infância?», digo num poema. E falo de «poesia secreta infância mais feliz». Tudo quanto se vive em poesia, vive-se em plenitude. O Prof. João Bigotte Chorão sublinha-lhe uma «fidelidade aos valores estéticos e éticos». Esse o seu rumo? Não sei se é rumo, não há um propósito. Sou assim.

É-lhe difícil combinar a emoção e expressão estética? Não. Nasci com um ouvido prodigioso pelo menos para a poesia. E domino o verso com muita facilidade. Não há esforço nenhum em mim para dominar o verso. Tenho pena de que a minha poesia não seja mais estudada. Um sentido lírico ajuda-o a lidar melhor com a vida? Não tenho termo de comparação porque nunca deixei de ser isto. Nunca pactuei com certa linguagem, com temas de baixa sensibilidade, grosserias, calão, ralé. Em si, a ironia é uma arma de arremesso ou de defesa? Um dom espontâneo. Não tenho ironia como vingançazinha, como remoque. O meu pai era caricaturista, talvez tenha herdado isso de meu pai; de certa maneira, vejo a vida como uma caricatura mas não ridicularizo ninguém. Gosto da ironia com humanidade. Por que diz que «a doença deste velho / É estar só»? Cada poema tem o seu momento. Hoje não sinto solidão. MARIA AUGUSTA SILVA TAMBÉM NESTE SÍTIO: CRÓNICA DA HOMENAGEM A ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA NA SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES http://www.casaldasletras.com/maria_letra%20a%20letra.html