CÊ NUM TÁ SE CLITICIZANDO? PROCESSOS DE CLITICIZAÇÃO E MUDANÇA LINGÜÍSTICA NO PB

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Transcrição:

1911 CÊ NUM TÁ SE CLITICIZANDO? PROCESSOS DE CLITICIZAÇÃO E MUDANÇA LINGÜÍSTICA NO PB Ivanete Belém do Nascimento USP 0 Introdução No presente artigo, analisamos alguns casos de contração de formas no Português Brasileiro (doravante PB) que vêm sendo analisados na literatura como decorrentes de processos de gramaticalização. Mais especificamente, tratamos de cinco fenômenos de variação envolvendo formas foneticamente plenas e suas variantes reduzidas. No quadro dos pronomes pessoais, investigamos os pronomes você(s) > ocê(s) > cê(s) ; ele(s) > ei(s) e a gente > a ente. Além desses, são discutidos também o advérbio de negação não em posição pré-verbal (não sei > num sei) e o auxiliar estar em perífrases com o gerúndio (está fazendo < tá fazendo) 1. Os pesquisadores que investigaram essas variáveis (Ramos, 1997; Vitral, 1996, 2006; Corrêa & Ramos, 2006; Zilles, 2002, 2005; Mendes, 1999, 2008) têm argumentado que as variantes reduzidas estariam passando por um processo de cliticização, que constitui uma fase no processo de gramaticalização (Hopper & Traugott, 1993). É sobre essa última hipótese que repousa o interesse desse estudo. Em outras palavras, perguntamo-nos: cê(s), num, tá, a ente e ei(s) estão se cliticizando? Qual a correlação entre esses distintos fenômenos? Seriam eles reflexos de outras mudanças por que vem passando o PB? Com vistas a responder às questões acima, analisamos dois grupos de fatores: (i) a presença de constituintes entre o item em cliticização e o verbo e (ii) a faixa etária do informante, traçando um paralelo entre diferentes estudos. O primeiro desses grupos de fatores tem por objetivo investigar a hipótese de cliticização propriamente dita: se os itens reduzidos estiverem se cliticizando, pode-se esperar que o seu emprego tenda a ser evitado quando houver outro(s) constituinte(s) entre ele e o verbo. O estudo da faixa etária, por sua vez, permite detectar se os processos de variação em análise constituem casos de mudança em progresso ou de variação estável (Labov, 1994). Todos os estudos aos quais nos reportamos adotam a metodologia da sociolingüística variacionista (Labov, 1972, 1994) e baseiam-se nos pressupostos teóricos da literatura sobre gramaticalização. Isso torna possível a comparação entre eles, ainda que seus corpora sejam provenientes de comunidades de fala distintas 2. No que se segue, demonstramos como os fatos lingüísticos em análise se ligam não só entre si, mas também a uma série de outras mudanças pela quais passou (ou vem passando) o PB (tópico 1). Em seguida, traçamos um paralelo entre os processos de gramaticalização de você (Nascimento, 2008; Ramos, 1997), a gente (Zilles, 2002, 2005; Menon, 1996), eles (Corrêa & Ramos, 2006), 1 É importante a ressalva de que nem toda redução fonética corresponde necessariamente a um processo de gramaticalização ou de cliticização. Como destacam Gonçalves, et. al. (2007), em alguns processos de gramaticalização não se verifica qualquer alteração no corpo fonético do item (como se dá com o verbo ter ). Além disso, há casos de redução ou apagamento fonético que não apresentam quaisquer relações com processos de gramaticalização a monotongação dos ditongos /ei/ e /ou/, o apagamento do morfema de infinitivo {-r} (andar > andá) são exemplos disso. Cabe destacar, porém, que em ambos os tipos de redução (decorrentes ou não de processos de gramaticalização), o uso variável de formas plenas e formas foneticamente reduzidas não é aleatório, mas correlacionado a fatores de natureza lingüística e social (Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1972). 2 Mendes (1999, 2008), Zilles (2002, 2005) e Nascimento (2008) fundamentam-se nos pressupostos teóricometodológicos da Sociolingüística Variacionista Quantitativa (Labov, 1972, 1994) e em alguns pressupostos da teoria sobre Gramaticalização (Hopper & Traugott, 1993, dentre outros). Ramos (1997), Corrêa & Ramos (2006) e Vitral (1996, 2006), por sua vez, embora empreguem a metodologia da Sociolingüística Variacionista, focalizam o processo de gramaticalização de uma perspectiva formal, seguindo os pressupostos teóricos da Teoria Gerativa.

1912 não (Ramos, 2006 ) e da perífrase estar + gerúndio (Mendes, 1999, 2008). Ao comparar os resultados, procuramos observar quão próximos de clíticos prototípicos (tais como se, me, lhe) estariam cê(s), ei(s), a ente, num e tá nessas diferentes variedades do PB. Finalmente, discutimos se os fatos de variação em estudo podem ser tomados como indícios de uma mudança mais abrangente no PB, que poderia levar essa língua a apresentar uma flexão à esquerda do verbo. 1. Gramaticalização e mudanças inter-relacionadas Todos os fenômenos em foco têm por característica não somente a redução fonética, mas o fato da gramaticalização aqui concebida como um processo em que itens lexicais ou menos gramaticais tornam-se gramaticais ou mais gramaticais (Kurylowicz, 1965; apud. Moura Neves, 2001: 52). Tal processo implica um conjunto de mudanças que afetam diferentes níveis da língua (Hopper & Traugott, 1993). No plano semântico-pragmático, a forma gramaticalizada tende a sofrer alterações ou perdas semânticas (bleaching) 3. De um ponto de vista fonético, o item tende a reduzir seu corpo fonético. Morfossintaticamente, o constituinte gramaticalizado pode ter seu emprego restrito a determinados contextos, tornando-se mais dependente de um ponto de vista sintático. Para os propósitos desse estudo, investigamos essas duas últimas tendências. Outra característica importante atestada em vários processos de gramaticalização é a sua unidirecionalidade 4, ilustrada pelo esquema a seguir: ITEM LEXICAL > PALAVRA GRAMATICAL > CLÍTICO > AFIXO FLEXIONAL 5 (Hopper & Traugott, 1993: 07) Podemos seguramente entender os processos de gramaticalização de você, a gente, eles, não e estar + gerúndio como fatos independentes entre si. No entanto, para uma melhor compreensão dos processos de variação e mudança, é necessário considerá-los também em sua interrelação com a estrutura social e a estrutura lingüística de que fazem parte. Com relação a esta última, Meillet (1906; apud Weinreich, Labov & Herzog, 1968: 76) considera que: As mudanças lingüísticas ganham significado apenas se se considerar o todo do desenvolvimento de que são parte; a mesma mudança tem uma importância absolutamente diferente, dependendo do processo que ela manifesta, e nunca é legítimo tentar explicar um detalhe fora de uma consideração do sistema geral da língua em que ele pertence. Diewald (2002; apud. Zilles, 2005) adota uma perspectiva semelhante a respeito dos fatos de gramaticalização. Para esse autor: the decisive factors for the triggering and continuation of a grammaticalization process are not be found exclusively in the grammatical itens themselves, but also in changes in related linguistic categories and subsystems. (Diewald, 2002:117; apud. Zilles, 2005:22). Seguindo o ponto de vista de Meillet e Diewald, fazemos um breve percurso por várias mudanças que ocorreram no PB, a fim de melhor compreender os fatos sob investigação. Como apontam vários autores, a entrada de você, vocês e a gente no quadro dos pronomes pessoais do português desencadeou uma série de mudanças nessa língua. Primeiramente, o emprego desses pronomes em lugar de tu, vós e nós, respectivamente, levou a uma redução do paradigma de conjugações verbais. Ao contrário de tu, vós e nós que apresenta(va)m distintas terminações verbais, sendo o uso pronominal uma marca redundante de pessoa e número ( tu falas, 3 Alguns autores argumentam que haveria um desbotamento ou uma perda de traços semânticos (Heine & Reh, 1984; apud. Hopper & Traugott, 1993:87), enquanto outros preferem falar apenas em alterações semânticas (Castilho, 1997). Essa questão, porém, não será objeto desse estudo. 4 Estudos recentes têm apresentado críticas a essa hipótese. No entanto, como coloca Heine (2002; apud. Zilles, 2005), os contra-exemplos apresentados são geralmente muito restritos em comparação ao amplo número de casos que confirmaram esse princípio em diferentes línguas. 5 Além dessas etapas, muitos autores postulam ainda um estágio ZERO, que resultaria no desaparecimento do item gramaticalizado.

1913 vós falais, nós falamos ), todos os novos pronomes levam o verbo para a terceira pessoa ( você fala, vocês fala(m), a gente fala ). Considerando que em determinados dialetos do PB, tende-se a não estabelecer concordância entre sujeito e verbo (cf. Guy, 1981; apud. Zilles, 2005), vemos que, com exceção da primeira pessoa do singular, a distinção de pessoa e número via flexão verbal foi neutralizada: eu falo, você fala, ele fala, a gente fala 6, vocês fala, eles fala daí Luz (apud. Zilles, 2005: 27) denominar esse processo de revolução da terceira pessoa. Essa redução no paradigma de terminações verbais (de seis para três ou duas), por sua vez, teria levado a uma tendência ao preenchimento do sujeito, a fim de se evitar ambigüidades (Duarte, 1996 e Galves, 1996, dentre outros) 7. Além disso, dando continuidade ao processo de gramaticalização, cê pode ser interpretado como um clítico em alguns contextos cf. Vitral (1996), Ramos (1997), Nascimento (2008). Alguns dialetos do PB também exibem formas reduzidas 8 para os pronomes a gente (a ente, ente, te) (Zilles, 2002; Menos, 1996) 9 e eles (es/eis) (Ramos & Corrêa, 2006). A esses casos de variação, ligam-se ainda o uso reduzido da negação pré-verbal (num sei) (Ramos, 2006) e a redução do auxiliar estar em perífrases com o gerúndio 10 (tá chovendo) (Mendes, 1999, 2008). Todos esses fenômenos envolvem a redução do primeiro elemento do complexo X + verbo, em que X compartilha diversas propriedades de um clítico prototípico, podendo ser um candidato a futuro afixo. Os tópicos seguintes direcionam-se à busca da sistematicidade desses casos de variação e/ou mudança lingüística e de suas implemententações no PB. 2. Cliticização: questões categóricas e variáveis De uma maneira bastante ampla, podemos dizer que os clíticos são formas átonas, intermediárias entre palavras autônomas e afixos (formas presas) (cf. Hopper & Traugott, 1993), que necessitam se apoiar em outro elemento sintático 11. Sendo assim, a etapa de cliticização prevê, dentre outras coisas: uma perda de autonomia do item que está se cliticizando, uma redução fonética e uma perda de proeminência acentual. Detectar o grau de cliticização de itens, entretanto, não é uma tarefa simples. Em um primeiro momento, podemos nos questionar se existiriam diferenças categóricas com relação ao uso das variantes reduzidas e das variantes plenas. De fato, como o quadro 1 a seguir demonstra, há diversos contextos em que o emprego das variantes reduzidas não parece ser possível. Contexto Formas reduzidas Exemplos 12 CÊ(s) (1) cê comprou um carro novo. Sujeito A ENTE (2) a ente quase não sai agora, né? ES / EIS (3) ês acham que todas as mulheres... CÊ(s) (4)??? Encontrei cê. Objeto direto A ENTE (5)? Nossa mãe ama a ente. 6 Lembramos, porém, que a variante a gente não suplantou nós no PB. 7 Para um estudo da tendência ao preenchimento do sujeito no PB, v. Duarte (1996) e Galves (1996). Zilles (2005, 2008) também retoma essa questão, apresentando um paralelo entre a gramaticalização de você e de a gente, dando ênfase a esta última. 8 Podemos nos inquirir se a maior freqüência de sujeitos preenchidos poderia ter acelerado (ou acelerar ainda mais) esses processos de redução fonética. 9 Menon (1996) e Zilles (2002, 2005, 2008) trazem evidências de que a gente resulta de um processo de gramaticalização pelo qual passou o sintagma nominal a gente ( = as pessoas ). Zilles (2002:305) agrupa as variantes encontradas em Porto Alegre em dois conjuntos: (i) com o segmento fricativo pronunciado (a gente, gente, a gen, gen, ahente), variante que denomina indistintamente de a gente ; e (ii) com esse segmento apagado (a ente, ente, te), agrupados sob o rótulo de a ente. 10 Detemo-nos apenas no uso variável do auxiliar estar em perífrases com o gerúndio, embora outras reduções de estar sejam possíveis: tá frio, tá sozinho, tá cedo, etc. 11 A palavra clítico vem do grego e significa apoiar-se, encostar-se (Hopper & Traugott, 1993; Gerlach, 2002). 12 O exemplo (2) foi extraído de Zilles (2002: 305). Os exemplos (3), (6), (10) e (13) são de Corrêa & Ramos (2006: 72-73).

1914 EIS (6)??? Nós vimos es. (7)??? Gosto muito de cê. CÊ(s) Complemento de (8)??? Dei um presente pra cê. 13 preposição A ENTE (9)? Ele gosta da ente. EIS (10) Eu falei pra ês. CÊ(s) (11) A: Quem vai ficar de plantão aqui? / B:?? Cê. A ENTE (12) A: Quem vai sair? / B:? A ente. Isolado EIS (13) A: Quem vai sair? / B:??? es. NUM (14) A: Você pode ir ao bando agora? / B:?? Num. TÁ (15) A: O Carlos tá trabalhando? / B: Tá. Quadro 1: Restrições ao emprego de cê, a ente, eis/es, num e tá no PB De uma maneira geral, podemos observar que a redução dos pronomes tende a ocorrer majoritariamente (quase categoricamente) com a função sintática de sujeito. Vitral (1996), por exemplo, argumenta que as restrições ao uso de cê devem-se ao fato desta forma estar se tornando um clítico, daí cê não ser empregado como complemento de preposição, ocorrer proclítico ao verbo e nunca vir em contexto isolado (por exemplo, em resposta a uma pergunta). Corrêa (1998; apud. Corrêa & Ramos, 2006) chega a conclusões semelhantes a respeito de eis/es. Os resultados quantitativos de Zilles (2002) para a gente também indicam que as variantes reduzidas desse pronome tendem a ocorrer principalmente na posição do sujeito (em 10 ocorrências de a gente como objeto, todas foram com a variante plena; e apenas dois dados de a ente foram registrados como objeto de preposição). O não, por sua vez, também não ocorre isolado, nem em outros contextos que não a posição pré-verbal: *Num que ele não saiba; * Ele num sabia disso num. Uma exceção parece ser a do verbo/auxiliar estar que apresenta variantes reduzidas em diferentes contextos, inclusive em resposta a uma pergunta, como em (15) acima. Outra questão que distancia cê, a ente, eis/es, num e tá de clíticos prototípicos do PB é o fato de que permitem a inserção de outros constituintes entre eles e o verbo, como os exemplos abaixo evidenciam: ADJACENTE AO VERBO NÃO ADJACENTE AO VERBO (16) Sempre cê trabalhou lá? (16 ) Cê sempre trabalhou lá? (17) Geralmente a(h)ente sai aos domingos. (17 ) A(h)ente geralmente sai aos domingos. (18) Em geral, eis gostam de MPB. (18 ) Eis em geral gostam de MPB. (19) Ele num vive sem você. (19 ) Num se vive bem nesse lugar. (20) O Carlos tá fazendo a lição no quarto. (20 ) O Carlos tá no quarto fazendo a lição. Quadro 2: Inserção de outros constituintes entre o item reduzido e o verbo Com exceção do não pré-verbal, que permite apenas a inserção de outros clíticos entre ele o verbo ( num//não se sabe, num/não me disse, *num/não realmente sei ) 14, cê, a ente, eis/es e tá permitem que diferentes constituintes sintáticos ocupem essa posição intermediária, desde clíticos e advérbios, até sintagmas nominais (SNs) mais complexos (cê naquele dia foi pra escola?). Temos assim, um caso de variação na ordem desses elementos ( X+ verbo e X+ + verbo). Para Vitral (2006b) o fato da adjacência de cê + V poder ser quebrada por outros constituintes ou seja, a interpolação (Vitral, 2006b), demonstra que esse processo de cliticização ainda se encontra em curso 13 No entanto, as formas p cê e d cê parecem ser possíveis, ainda que não tenhamos encontrado nenhum caso semelhante no corpus analisado na cidade de São Paulo (Nascimento, 2008). 14 Note-se, entretanto, que essa restrição aplica-se tanto à variante reduzida num quanto à plena não.

1915 atualmente. Segundo Martins (1994; apud. Vitral, 2006b), a interpolação não só era admitida com clíticos mais antigos do português (como o se), como também era a construção mais freqüente no português arcaico. Numa tentativa de distinguir fases de um processo de cliticização, Cardinaletti & Starke (1999; apud. Vitral & Ramos, 2006) propõem considerar as categorias clíticos, formas fracas e pronomes fortes. No entanto, para classificar os itens em análise nessas categorias, seria necessária uma análise conjunta de questões morfossintáticas, prosódicas, etc., que ultrapassam os objetivos desse estudo. Além disso, a distinção entre essas fases ou etapas de cliticização não é clara na literatura. Vitral (2006a), por exemplo, observa que o processo de cliticização pode envolver mais etapas do que as três anteriores, e considera que: os termos clítico e forma fraca (...) não têm nenhum estatuto teórico explicativo. (Vitral, 2006a:69). O objetivo do presente estudo, portanto, não é distinguir etapas de cliticização dos itens em foco, nem explorar todos os contextos em que o emprego de cê, a ente (e suas variantes: ente, en, te), eis / es, num e tá podem ou não ser empregados, mas antes procurar depreender padrões de variação no que diz respeito à possibilidade de interpolação de constituintes entre os elementos em processo de clitização e o verbo. 2.1. Correlações entre os fenômenos A tabela a seguir sintetiza os resultados para os diferentes fenômenos reportados ao longo desse artigo: Fenômenos Variáveis Referência Local Nº Formas Reduzidas % Formas Plenas % Ramos (1997) BH (MG) 342 55 45 15 VOCÊ Nascimento (2008) SP 656 34 66 ELES Corrêa (1998) 16 BH (MG) 1359 30 70 A GENTE Zilles (2002) Porto Alegre 1288 15 85 NÃO Ramos (2006) BH (MG) 769 45 55 Estudo atual 17 SP 1476 70 30 ESTAR Mendes (1999) 18 SP (déc. 70) 184 69 31 (+ ger.) Mendes (2008) SP (anos 2000) 817 77,5 22,5 Tabela 1: Distribuição geral- Formas Plenas vs. Formas Reduzidas Comparando as freqüências de emprego das formas plenas e reduzidas, observamos que: cê mostrou-se menos freqüente na comunidade de fala paulistana (34%) do que no dialeto mineiro (55%). No caso do não pré-verbal, os resultados percentuais para as duas comunidades se invertem: num é mais freqüente do que não em São Paulo (70%), ao passo que, em Minas Gerais, parece haver um equilíbrio entre o emprego de não e num (55% e 45%, respectivamente). Esses resultados podem ser tomados como indícios de que um mesmo processo de gramaticalização pode trilhar diferentes percursos a depender de questões históricas e sociais de cada comunidade de fala. No entanto, devido 15 33% de você e 12% de ocê. 16 Apud. Corrêa & Ramos (2006). 17 Para os estudos do você (Nascimento, 2008) e do não em São Paulo, utilizamos uma amostra composta por 12 entrevistas sociolingüísticas (seis no formato de diálogo entre informante e documentador; e seis no formato de aulas universitárias). Os informantes são paulistanos com terceiro grau de escolaridade (concluído ou em curso). Essa amostra foi coletada em 2003 por alunos do curso de Sociolingüística do Departamento de Lingüística da FFLCH / USP. Nesses dois estudos, foram controlados grupos de fatores lingüísticos e extralingüísticos. Os dados foram analisados com o pacote estatístico VARBRUL (versão Goldvarb X). 18 Corpus NURC SP (década de 1970).

1916 à quantidade distinta de dados em cada um desses estudos, as considerações aqui esboçadas carecem de estudos posteriores. Contrariando a falta de restrições categóricas a seu emprego (como discutimos acima), a variante reduzida do auxiliar estar em perífrases com o gerúndio mostrou-se mais freqüente do que estar tanto em um estudo de uma amostra dos anos 1970 (Mendes, 1999), quanto em uma amostra mais recente (Mendes, 2008); nesta última, atinge uma freqüência de uso de 77,5%, indicando uma mudança na comunidade de fala. Considerando esses resultados percentuais, e apesar das distinções entre as quantidades de ocorrências em cada amostra, podemos aventar as seguintes hipóteses: (i) no dialeto paulistano, tá + gerúndio se encontraria em um estágio de gramaticalização mais avançado, seguido pelo num préverbal e pelo pronome cê ; (ii) por outro lado, eles e a gente parecem estar em um processo de cliticização mais recente, uma vez que apresentam uma freqüência de uso inferior a 50% (30 e 15% respectivamente). Com vistas a aprofundar as considerações acima, comparamos os resultados para dois grupos de fatores: a faixa etária e a adjacência do item ao verbo 19. A tabela abaixo traz a distribuição dos itens reduzidos conforme a idade do falante. Fenômenos Variáveis VOCÊ Referência Local Idade Formas % p.r. Reduzidas Nº 1ª (15-29 ) 49 54 - - Ramos (1997) BH (MG) 2ª (30-49) 64 50 - - Nascimento (2008) 3ª (+ de 50) 76 61 - - 1ª (25-32 ) 89 38,9.55 2ª (35-45) 78 35,8.52 SP 3ª (50 ou +) 56 26,8.42 ELES Corrêa (1998) 20 BH (MG) - - - - - - - - A GENTE Zilles (2002) Porto Alegre NÃO Ramos (2006) Nascimento BH (MG) SP < 50 anos 103/605 17.54 > 50 anos 95/684 14.46 1ª (15-29) 139/165 84,2.70 2ª (30-49) 120/237 50,6.48 3ª (+ de 50) 85/225 37,7.32 1ª (25-32) 392/496 79.58 2ª (35-45) 323/539 60.41 3ª (50 ou +) 326/441 74.53 1ª (25-32) 85 98 - - ESTAR Mendes (1999) 21 SP (déc. 70) 2ª (35-45) 48 50 - - 3ª (50 ou +) 51 24 - - Tabela 2: Emprego de formas reduzidas segundo a Faixa Etária do informante Comparando as comunidades de fala mineira e paulistana relativamente ao não/num préverbal, notamos uma tendência oposta àquela aludida pelos percentuais da tabela 1 acima, que apontavam para um estágio de cliticização mais avançado na comunidade paulistana. Como o estudo de Ramos (2006) demonstra, há uma forte tendência ao emprego da variante reduzida num (p.r. 19 Nem todos os trabalhos aqui citados investigaram ambos os grupos de fatores. Além disso, há distinções quanto à faixa etária dos informantes nas diferentes amostras. 20 V. nota 16. 21 Corpus NURC SP (década de 1970).

1917.70) 22 entre os falantes mais jovens. Essa mesma variante é desfavorecida entre falantes mais velhos (p.r..48 e.32) o que indica uma mudança em progresso na comunidade de fala mineira. Em São Paulo, também há uma tendência dos falantes mais jovens empregarem a variante num (p.r. 58). Entretanto, os índices para os falantes mais velhos estão próximos do ponto neutro (.41 e.53). No caso de a gente e você (este último, em São Paulo), há uma tímida tendência de emprego das formas reduzidas entre os informantes mais jovens (p.r..54 e.55, respectivamente). Os resultados de Mendes (1999) também são bastante significativos, na medida em que há uma alta freqüência de uso de tá+gerúndio entre os falantes da primeira faixa etária (98%), diferentemente do que ocorre entre os falantes da segunda e terceira faixas etárias (50% e 24%, respectivamente). Os resultados percentuais para a variável você em MG não se mostram explanatórios. A tabela abaixo organiza os resultados para o grupo de fatores adjacência do item ao verbo : Fenômenos Variáveis Referência Local Adjacência Formas % p.r. ao Verbo Reduzidas Nº SIM 163 84.71 Ramos (1997) BH (MG) NÃO 26 16.32 VOCÊ Nascimento (2008) SP SIM 181 33,5.51 Clíticos/não 22 35,5.43 outros 17 43,6.43 ELES Corrêa (1998) BH (MG) (Grupo de fatores não investigado) SIM A GENTE Zilles (2002) Porto Alegre NÃO Ramos (2006) BH (MG) Não foi selecionado como estatisticamente relevante. (Grupo de fatores não investigado) NÃO Nascimento SP SIM 1013/1407 71.51 NÃO 24/69 34.36 SIM 554 78,1.612 ESTAR Mendes (2008) SP Clíticos 33 86,8.509 (anos 2000) Outros 46 65,7.352 Tabela 3: Emprego de formas reduzidas segundo sua adjacência ou não ao verbo Comparando os resultados para você (em São Paulo e Minas Gerais) e não e estar+gerúndio (em São Paulo), vemos que esse grupo de fatores atua de maneira semelhante: na presença de elementos entre o complexo X + V, X tende a ser pronunciado em sua forma plena. Mendes (2008), por exemplo, verifica que o emprego da variante reduzida do verbo estar em perífrases com o gerúndio tende a ser evitado quando há elementos que não são clíticos entre o auxiliar e o verbo. Comparando esse grupo de fatores com a faixa etária dos informantes de duas amostras separadas por aproximadamente trinta anos, o autor verifica uma possível mudança em progresso: os falantes mais jovens evitam mais freqüentemente o emprego do auxiliar reduzido no complexo auxiliar + + verbo, tanto em um corpus dos anos 1970 (NURC / SP) quanto em um corpus recente (2005-2007), mas, sobretudo, neste último. 22 A maior tendência de emprego de num entre os falantes mineiros comparativamente aos paulistanos talvez se deva ao foto do primeiro estudo incluir falantes mais jovens.

1918 Zilles (2002) também analisou esse grupo de fatores para a a gente vs. a ente, mas ele não se mostrou estatisticamente relevante o que pode ser atribuído ao estágio mais recente de cliticização de a ente, como indica sua baixa freqüência de uso (Zilles, 2002). No que diz respeito à cliticização de eles, embora não tenhamos nenhum resultado para os dois grupos de fatores acima, Corrêa (1994; apud. Corrêa & Ramos, 2006) observa que há uma correlação entre a redução do pronome eles e a não-concordância entre sujeito e verbo. Em outras palavras, na ausência de concordância verbal, os falantes tendem a empregar eis (p.r..74), como em eis encontrou o menino. Podemos questionar, assim, se isso não indicaria uma substituição da morfologia verbal à direita por uma marcação número-pessoal à esquerda verbal. Esse fato parece similar a outro caso de mudança: o uso quase categórico de ir + verbo (vou comprar) para indicar o futuro no PB, em detrimento da variante simples com flexão à direita (comprarei), que se restringe praticamente aos gêneros mais formais e à escrita. Considerações Finais A grande questão a que chegamos após a comparação dos fenômenos anteriores leva à questão da possibilidade de uma mudança do PB em direção a uma flexão à esquerda do item verbal. Os resultados anteriores indicam que cê, num e tá tendem a ser evitados quando há fenômenos de interpolação, indicando que estas formas estão se cliticizando, de maneira similar ao que ocorreu na história de outros clíticos do PB, como se (Vitral, 2006b). Retomando a escala de gramaticalização de Hopper & Traugott (1993), exposta mais acima, vemos que o passo seguinte nesse processo seria a afixação desses elementos ao verbo. Essa predição é atestada pelo fato de que muitos desses fenômenos variáveis revelam uma mudança em progresso. Adicionalmente, como vimos no tópico1, esses processos de variação se ligam a outras mudanças que vêm ocorrendo na língua: entrada de novos pronomes, redução do paradigma flexional, etc. A hipótese da unidirecionalidade dos processos de gramaticalização vem ao encontro dessa hipótese do desenvolvimento de uma morfologia flexional à esquerda em PB. Por outro lado, condicionamentos históricos e sociais poderão vir de encontro ao curso dessas mudanças, pois, como lembra Zilles (2008: 23): The direction is possible, but not compulsory. Zilles também destaca a dificuldade em se conciliar a unidirecionalidade do processo de gramaticalização com condicionamentos da estrutura social. Em outras palavras, o desenvolvimento de um mesmo fenômeno de gramaticalização poderá ser acelerado, retardado ou mesmo freado, a depender da comunidade de fala em que se desenvolve, de questões históricas e sociais. A fim de melhor compreender os encaixamentos sociais e lingüísticos de diferentes fenômenos de variação e mudança (Weinreich, Labov & Herzog, 1968), é necessário compará-los, além de estudá-los separadamente. Um estudo comparativo mais apurado de itens como os que foram discutidos nesse artigo, em que se analise a atuação de outros grupos de fatores, em corpora de diferentes comunidades de fala pode revelar resultados importantes para o entendimento do PB. Referências CASTILHO, Ataliba T. de. A Gramaticalização. In.: Revista de Estudos Lingüísticos e Literários (nº. 19), 1997. CORRÊA, L. & RAMOS, J. (2006) Mais um pronome em processo de cliticização: o par eles / es. In.: VITRAL, L. & RAMOS, J. (orgs.) Gramaticalização: uma abordagem Formal. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Belo Horizonte, MG: Faculdade de Letras FALE / UFMG. DUARTE, M. E.L. (1996) Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português do Brasil. In.: KATO, M. A. & ROBERTS, I. (orgs.) Português Brasileiro Uma viagem diacrônica. Campinas, SP: Editora da UNICAM. GALVES, Charlotte C. (1996) O enfraquecimento da concordância no português brasileiro. In.: KATO, M. A. & ROBERTS, I. (orgs.) Português Brasileiro Uma viagem diacrônica. Campinas, SP: Editora da UNICAM.

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