CAPÍTULO II. Felix Guillermo Reyes Reyes



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Transcrição:

CAPÍTULO II Princípios Associados a Segurança Alimentar Felix Guillermo Reyes Reyes Departamento de Ciência de Alimentos - Faculdade de Engenharia de Alimentos Universidade Estadual de Campinas - E-mail: reyesfgr@fea.unicamp.br Resumo Segurança alimentar é a condição que garante que o alimento não causará dano ao consumidor quando preparado e/ou consumido de acordo com seu uso pretendido. Sempre que possível, a prioridade deve ser dada à prevenção de riscos em vez de simplesmente controlá-los. Países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, fortalecem seus sistemas de segurança alimentar em base, principalmente, nas orientações da Comissão do Codex Alimentarius (CCA), a qual adota a análise do risco como parte importante do sistema de segurança alimentar. A análise do risco é um processo que permite que as informações sobre os perigos nos alimentos possam ser diretamente relacionadas aos dados sobre o risco para a saúde humana. Esta análise constitui-se de três componentes: avaliação, gerenciamento e comunicação do risco, sendo que a avaliação do risco é o procedimento utilizado para avaliar a inocuidade (aceitabilidade) de substâncias químicas (por exemplo, aditivos, contaminantes e resíduos de fármacos veterinários e agrotóxicos) presentes em alimentos. Neste artigo são apresentados os principais tópicos considerados nas avaliações do risco, e que são adotados pela CCA. Palavras Chave: Segurança alimentar, análise do risco, avaliação do risco. Introdução A segurança alimentar é uma questão de saúde pública, sendo a contaminação microbiológica e química dos alimentos importantes causas de doenças. Além de melhorar a saúde pública, sistemas eficazes de segurança alimentar também são essenciais para manter a confiança do consumidor no sistema alimentar, assim como para fornecer uma base sólida para regulamentar o comércio nacional e internacional de alimentos, o qual serve de apoio ao desenvolvimento econômico (FAO/WHO, 1991). Cabe mencionar que a segurança alimentar é responsabilidade de todos os envolvidos com a cadeia alimentar. No entanto, os governos são responsáveis em prover um ambiente institucional e regulatório para o controle dos alimentos. Neste aspecto, os países ditos desenvolvidos têm bem definidos 19

os procedimentos para avaliação, gestão e comunicação dos riscos relacionados à segurança alimentar, a partir dos quais as melhores práticas podem ser derivadas visando a inocuidade alimentar (Barlow et al., 2002). Por outro lado, os países em desenvolvimento estão tomando medidas para melhorar e fortalecer seus sistemas de segurança alimentar, embasados, principalmente, nas diretrizes da Comissão do Codex Alimentarius/CCA (FAO/WHO, 2005a; FAO/WHO, 2006b; Hanak et al., 2000). A CCA tem como suporte de suas decisões os princípios de avaliação de risco (FAO, 2000; FAO/WHO (2008b). A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem desempenhado um papel de liderança no desenvolvimento da análise de risco na segurança alimentar, a qual tem demonstrado sua capacidade de melhorar os processos de tomada de decisões quanto à segurança alimentar e desenvolvimento de melhorias na saúde pública. No entanto, deve ser mencionado que o paradigma de análise de risco é apenas uma parte de um sistema eficaz de segurança alimentar (FAO/WHO, 2005b). A análise do risco, tal como definido pela CCA é um processo que consiste em três componentes (FAO/WHO, 1995; FAO/WHO, 2005b) (Figura 1). Figura 1. Componentes da análise do risco A avaliação do risco fornece a base científica para as decisões que poderão ser adotadas na etapa do gerenciamento do risco, necessárias para proteger a saúde humana, e leva em consideração todos os dados científicos relevantes, assim como identifica as incertezas inerentes da avaliação. É composta de quatro etapas, conforme apresentado na Figura 2 (FAO/WHO, 1995; FAO/WHO, 2005b). 20

Figura 2. Etapas da avaliação do risco. A avaliação do risco a saúde humana, consequente da exposição a substâncias químicas presentes nos alimentos, faz parte da atividade central realizada pelo Comitê Conjunto FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (JECFA) e da Reunião Conjunta FAO/OMS sobre Resíduos de Agrotóxicos (JMPR) (FAO/WHO, 1999). Com base nas recomendações desses dois Comitês são tomadas medidas de segurança alimentar na gestão do risco conduzida por países em âmbito nacional, e pela CCA em âmbito internacional. Na Figura 1 são apresentadas as atividades desenvolvidas pelos membros de cada uma das organizações (FAO ou OMS) participantes dos Comitês (JECFA ou JMPR) (IPCS, 2009a). Figura 3. Atividades realizadas pelos membros de cada uma das organizações (FAO ou OMS) participantes dos Comitês (JECFA ou JMPR) Neste artigo são apresentados os principais tópicos considerados pelo JECFA e pelo JMPR em suas avaliações do risco, e que são adotados pela CCA. 21

Métodos analíticos e o desenvolvimento de especificações Métodos analíticos validados são necessários para a determinação das concentrações de uma substância química, e de seus produtos de biotransformação, em estudos farmacocinéticos, toxicocinéticos, de depleção de resíduos, bem como para a determinação das concentrações de aditivos alimentares, de contaminantes e de resíduos de fármacos veterinários e de agrotóxicos nos alimentos. As especificações de identidade e pureza são informações relevantes e necessárias nas avaliações conduzidas pelo JECFA e pelo JMPR. Essas avaliações são realizadas com a substância química de identidade, pureza e características químicas e físico-químicas definidas. Devese assegurar que qualquer substância a ser avaliada esteja bem caracterizada quanto a presença de qualquer impureza relevante. Além disso, deverá ser descrito o processo de fabricação da substância objeto da avaliação. Cabe mencionar que a avaliação de segurança é válida somente para os produtos que não diferem significativamente no perfil de identidade e qualidade do material usado para gerar os dados utilizados na avaliação (IPCS, 1987; IPCS, 1990; IPCS, 2009a). Em relação aos fármacos veterinários, deverão ser determinadas a forma e a distribuição dos resíduos que resultam de cada modo de aplicação autorizado em cada espécie e deverá ser estudada a depleção dos resíduos em tecidos comestíveis ou em alimentos de origem animal (FAO/WHO, 1985; IPCS, 2009a). Quanto aos contaminantes os dados exigidos para a caracterização deverão incluir suas concentrações nos alimentos e na dieta total, no maior número possível de países. Identificação e caracterização do perigo Estudos toxicológicos em animais de experimentação e em humanos Os estudos toxicológicos podem são divididos em: in silico: usados para denotar simulações computacionais que modelam um processo natural ou de laboratório in vitro: uso de células ou organismos cultivados ou preparações de tecido de animais de laboratório ou de humanos in vivo: com animais de laboratório ou com humanos 22

Esses estudos servem a vários propósitos, incluindo a identificação de efeitos adversos em potencial (identificação do perigo), definição das condições de exposição necessárias para produzir esses efeitos e a avaliação das relações dose-resposta para os efeitos adversos (caracterização do perigo). Tanto o JECFA como o JMPR consideram os dados oriundos dos estudos in vitro e in vivo nas avaliações do risco. Todavia, embora tenham sido obtidos avanços no desenvolvimento de estudos in vitro, atualmente essas abordagens não permitem a substituição dos testes em animais para a maioria dos efeitos adversos de preocupação (endpoints). Embora nenhuma espécie experimental seja um modelo ideal, há evidências de que estudos em animais geralmente fornecem um meio eficaz para a avaliação da toxicidade em potencial das substâncias químicas, desde que os dados sejam interpretados de maneira crítica. Ainda, todos os estudos utilizados na avaliação do risco de uma substância presente em alimentos devem ser realizados de acordo com os princípios das Boas Práticas de Laboratório (IPCS, 2009a). Os estudos de farmacocinética (absorção, distribuição, biotransformação e excreção/adbe) de uma substância em um estágio inicial de avaliação são importantes na medida em que auxiliam na seleção das espécies a serem testadas e na escolha das doses dos estudos de toxicidade (IPCS, 1987). A extensão dos testes toxicológicos exigidos depende da natureza e do uso da substância que está sendo considerada. A avaliação não é um processo padronizado. Assim, nem todos os testes toxicológicos deverão, obrigatoriamente, ser conduzidos a fim de se chegar a uma conclusão sobre a avaliação do risco para uma substância em particular. Em geral, os testes a curto e longo prazos são realizados para avaliar a toxicidade sistêmica. Eles identificam órgãos-alvo para a toxicidade, e podem indicar a necessidade de testes adicionais ou mais específicos (por exemplo, de neurotoxicidade ou de imunotoxicidade). São avaliados os efeitos da substância teste em uma gama de parâmetros indicativos de toxicidade, incluindo parâmetros observacionais, funcionais, bioquímicos e patológicos. Geralmente, os estudos são conduzidos em duas espécies uma espécie roedora e outra não roedora, ou em duas roedoras e em ambos os gêneros, para maximizar a chance de se verificar qualquer efeito (identificação do perigo) (Renwick et al., 2003; IPCS, 2009a). Frequentemente, os testes em longo prazo também incluem testes de carcinogenicidade em duas espécies roedoras. O uso de métodos alternativos, no lugar do estudo em uma das espécies de roedores, poderá ser aceitável caso a caso; vários testes alternativos de carcinogenicidade têm sido introduzidos, nos quais as respostas tumorigênicas são melhoradas e a duração dos bioensaios é, consequentemente, reduzida, incluindo modelos de iniciação/ 23

promoção, modelo de camundongos neonatais e os modelos de camundongos transgênicos. Preferencialmente, os testes deverão ser conduzidos de maneira que melhor se relacione aos cenários de exposição humana (EFSA, 2008; WHO, 2000). A escolha da dose deverá levar em consideração a exposição humana antecipada, a frequência da exposição e a duração da exposição. Para as substâncias presentes nos alimentos, a sua administração em estudos de doses repetidas em animais de experimentação é geralmente realizada através da dieta, via gavagem, ou através de água potável. Procura-se que as doses sejam escolhidas de modo que os efeitos tóxicos a serem observados sejam produzidos na maior dose testada, com níveis de dose inferiores produzindo respostas graduadas, e nenhum efeito adverso no nível mais baixo. O estudo deverá ser adequado para permitir determinar um ponto de referência para a caracterização do perigo, também conhecido como Ponto de Partida (Point of Departure/POD), tal como um Nível sem Efeito Adverso Observado (NOAEL) ou uma Dose de Referência (Benchmark dose/bmd) a qual é uma dose que produz uma resposta adversa baixa, mas mensurável (IPCS, 1994; IPCS, 2009a). Figura 4. Pontos de partida (POD) em estudos toxicológicos Além dos testes de toxicidade sistêmica geral, a genotoxicidade em potencial de uma substância poderá, caso necessário, ser avaliada usando uma gama de testes in vitro e, se necessário, in vivo. Para uma cobertura abrangente do potencial de genotoxicidade de uma substância, serão necessárias informações sobre a capacidade de induzir mutações genéticas, aberrações cromossômicas estruturais e aneuploidias. As baterias de teste comumente usadas incluem o teste de mutação genética com bactérias (ou seja, o teste de AMES com Salmonella typhimurium) e um ou dois testes em células de mamíferos detectando mutações ou danos pontuais aos cromossomos (clastogenicidade/ aneugenicidade). 24

Os efeitos da substância sobre o desempenho reprodutivo em machos e fêmeas e sobre o desenvolvimento pré e pós-natal dos filhotes também são, geralmente, determinados. O propósito dos estudos para a reprodução e para o desenvolvimento é avaliar: 1. Possíveis efeitos que sejam expressos por meio da redução da fertilidade ou da fecundidade em ambos os pais, ou nos filhotes, como resultado de distúrbios morfológicos, bioquímicos, genéticos ou fisiológicos. 2. O crescimento e desenvolvimento normais dos filhotes. Também poderá ser considerada a necessidade de realização de testes de toxicidade aguda. Algumas substâncias (por exemplo, determinados metais, micotoxinas, fármacos veterinários e agrotóxicos) podem induzir efeitos tóxicos agudos, os quais ocorrem após períodos curtos de exposição. O JMPR estabelece a chamada Dose de Referência Aguda (Acute Reference Dose -ARfD) para todos os agrotóxicos que o Comitê avalia, que é uma estimativa da quantidade de uma substância no alimento e/ou na água potável, normalmente expressa com base no peso corpóreo, que pode ser ingerida em um período igual ou menor que 24 horas, sem risco apreciável à saúde do consumidor, embasada em todos os fatos conhecidos no momento da avaliação (Solecki et al., 2005; Vettorazzi, 2001). A avaliação crítica do delineamento do estudo e de seus resultados, assim como a interpretação dos dados obtidos, são etapas importantes na avaliação do risco. Os dados obtidos nos grupos de animais expostos são comparados com aqueles obtidos no grupo controle. No caso dos estudos de carcinogenicidade e de toxicidade para o desenvolvimento, a comparação dos dados obtidos no ensaio com os dados do histórico-controle, poderá ser necessária para compreender o significado de um determinado resultado. Resultados positivos em estudos de carcinogenicidade em roedores requerem uma interpretação cuidadosa em relação ao modo de ação, às possíveis diferenças interespécies, e à extrapolação de altas doses para baixas doses. Alguns mecanismos de ação de substâncias carcinogênicas em roedores já foram verificados como não sendo relevantes aos humanos, entre eles a nefropatia em ratos induzida pela microglobulina α-2u (USEPA, 1991) e a proliferação de peroxissomos (IARC, 1995). Estudos de genotoxicidade poderão fornecer informações sobre o modo de ação das substâncias que são cancerígenas, e influenciar a abordagem usada na caracterização do risco (Boobis et al., 2006; IPCS, 2009a). Os dados obtidos a partir de estudos em humanos são de grande importância na avaliação do risco de aditivos alimentares, contaminantes, e de 25

resíduos de fármacos veterinários e de agrotóxicos. As informações poderão ser obtidas de estudos epidemiológicos em populações com diferentes níveis de exposição, ou de estudos clínicos (FAO/WHO, 2000; WHO, 2000). Os pontos cruciais de um estudo experimental em humanos são a ética, os controles profissionais e legais básicos que regem a necessidade de um estudo em humanos e as circunstâncias nas quais o estudo deve ser adequadamente desenvolvido. Avaliação dose-resposta No paradigma da avaliação do risco, a avaliação dose-resposta é considerada parte importante da caracterização do perigo. É usada para derivar parâmetros para garantia da saúde humana, como a Ingestão Diária Aceitável (IDA) ou a Ingestão Diária Tolerável (IDT), os quais são níveis de exposição humana considerados como sem risco apreciável à saúde. O parâmetro IDT é usado para os contaminantes, enquanto a IDA é usada nos casos em que a exposição pode ser controlada, como ocorre com os aditivos alimentares e os resíduos de agrotóxicos e de fármacos veterinários nos alimentos. A interpretação dos dados dose-resposta geralmente requer conhecimento dos níveis de exposição que não produzem um efeito mensurável e da relação entre o aumento da incidência, da severidade ou da natureza do efeito, e o aumento da exposição (IPCS, 2009b). A extrapolação é uma parte necessária em todas as avaliações do risco. Na maioria dos casos, os dados da avaliação dose-resposta resultaram de experimentos com animais de laboratório aos quais são administradas doses que excedem significativamente a exposição humana (Dybing et al., 2002). Para essas análises dose-resposta, há dois aspectos na extrapolação: 1. Extrapolação dos animais de experimentação para o homem (extrapolação interespécie) 2. Extrapolação para permitir possíveis diferenças na resposta entre humanos (extrapolação intraespécie). Os métodos empregados nessas extrapolações envolvem desde o uso de fatores de incerteza até modelos baseados em diferenças na toxicocinética e na toxicodinâmica entre os humanos e os animais de experimentação, e na variabilidade entre diferentes indivíduos (IPCS, 1987; IPCS, 2009a). 26

Estabelecimento de parâmetros para garantia da saúde humana A definição de parâmetros para garantia da saúde humana fornece informações quantitativas a partir da avaliação do risco, permitindo que os gestores do risco tomem decisões referentes à proteção da saúde. Os valores dos parâmetros para garantia da saúde humana são derivados da avaliação dose-resposta para o endpoint mais relevante, na espécie de animal de experimentação mais relevante. Em geral, a primeira etapa é definir o NOAEL (maior concentração da substância encontrada experimentalmente, expressa em mg/kg peso corpóreo/ dia, que não provoca alteração detectável de morfologia, capacidade funcional, crescimento, desenvolvimento ou vida média do animal) ou, às vezes, o nível mais baixo de efeito adverso observado (LOAEL) como sendo o POD. Outras abordagens que têm sido usadas pelo JECFA e pelo JMPR são o uso do limite inferior do intervalo de confiança da dose benchmark (benchmark dose lower confidence limit- BMD) como o POD para a derivação de um valor de parâmetros para garantia da saúde humana ou para o cálculo de uma margem de exposição (Margin of Exposure - MOE). Ocasionalmente, a avaliação dose-resposta é usada para definir a dose associada a um aumento desprezível da resposta adversa (por exemplo, 1 em um milhão) em relação ao seu histórico (background) (IPCS, 2009a). A BMD é definida como o menor limite de confiança da dose calculada a estar associada com uma incidência dada (por exemplo, incidência de 5 ou 10%) de um efeito estimado a partir de todos os dados toxicológicos relativos ao efeito no estudo. A MOE é a relação do NOAEL com a dose ou concentração de exposição teórica ou estimada (EFSA, 2005; Vettorazzi, 2001). Na Figura 5 é apresentado exemplo do cálculo da MOE para substâncias que não apresentam limiar de exposição segura para o efeito adverso (exemplo, substâncias genotóxicas e carcinogênicas). Figura 5. Exemplo do cálculo da margem de exposição (MOE) para substâncias substâncias genotóxicas e carcinogênicas). Para os aditivos alimentares e para os agrotóxicos e fármacos veterinários utilizados na produção de alimentos, o valor de orientação baseado em saúde é denominado IDA (a quantidade de uma substância, expressa em mg/kg peso corpóreo, e como uma faixa de 0 a um limite superior, que pode ser ingerida diariamente na alimentação, mesmo por toda a vida, sem dano à saúde humana, com base em informações toxicológicas disponíveis na época da avaliação) (Vettorazzi, 2001). O JECFA geralmente estabelece as IDAs com 27

base no menor NOAEL relevante nas espécies mais sensíveis. Para os contaminantes alimentares que, em geral, são inevitáveis, o JECFA utiliza o termo tolerável para estabelecer os parâmetros para garantia da saúde humana, uma vez que isso significa uma permissibilidade para a ingestão de contaminantes associados ao consumo de alimentos de alguma forma nutritivos e benéficos à saúde. Os princípios para o estabelecimento de níveis toleráveis de ingestão são os mesmos adotados para as IDAs. Ambas as abordagens NOAEL e BMD podem ser usadas como o POD para definir os parâmetros para garantia da saúde humana dos contaminantes. Os contaminantes alimentares incluem metais pesados, contaminantes ambientais como dioxinas e micotoxinas, impurezas decorrentes de aditivos alimentares, solventes usados no processamento de alimentos, substâncias formadas durante o processamento de alimentos, substâncias que migram de materiais em contato com os alimentos e resíduos decorrentes do uso de aditivos na ração animal ou de componentes não ativos de fórmulas de medicamentos veterinários (IPCS, 2009a; Vettorazzi, 2001). Os valores de IDT são expressos como IDTMP (ingestão diária tolerável máxima provisória), ISTP (ingestão semanal tolerável provisória) ou IMTP (ingestão mensal tolerável provisória). O uso do termo provisório expressa a natureza tentativa da avaliação, devida a escassez de dados confiáveis sobre as consequências da exposição humana, em níveis próximos daquele objeto de preocupação. Valores de IDTMP são estabelecidos para os contaminantes alimentares que reconhecidamente não se acumulam no organismo. Para os contaminantes que podem se acumular após um período de exposição, o JECFA tem usado as expressões ISTP e IMTP. Ao se calcular o valor do parâmetro toxicológico para garantia da saúde humana é aplicado um fator de incerteza ao NOAEL, de forma a proporcionar uma margem de segurança conservadora devido a incertezas inerentes na extrapolação dos dados de toxicidade obtidos com animais de experimentação para os efeitos potenciais em humanos, bem como devido à variabilidade entre humanos. Os termos fator de segurança e fator de incerteza são, com frequência, usados indistintamente, sendo que fator de segurança tem sido historicamente usado, mas, atualmente, prefere-se o uso de fator de incerteza. O conceito de fatores de ajuste específicos a uma substância química tem sido introduzido para permitir o uso de dados específicos sobre diferenças entre espécies ou variabilidade humana em toxicocinética ou toxicodinâmica na derivação de fatores de incerteza baseados em dados, em vez do uso de fatores-padrão, quando possível (Renwick, 2003; IPCS, 2009a). A abordagem BMD foi introduzida como uma alternativa à abordagem NOAEL. Esse método define um nível de exposição que produz um efeito 28

ou nível de resposta baixo, mas mensurável, como o POD para a avaliação do risco. O método BMD apresenta muitas vantagens, incluindo o uso de dados completos sobre dose-resposta nas análises estatísticas, o que permite a quantificação da incerteza nos dados. Uma incerteza elevada nos dados por exemplo, devido a tamanhos pequenos de grupos ou a grandes variações em um grupo irá se refletir em parâmetros mais baixos para garantia da saúde humana. Há ocasiões em que o JECFA e o JMPR não consideram apropriado o estabelecimento de uma IDA em termos numéricos, como quando, por exemplo, se espera que o consumo estimado do aditivo fique bem abaixo de qualquer valor numérico que lhe possa ser normalmente atribuído. Nessas condições, utiliza-se a expressão IDA não especificada. Por esse motivo e por razões indicadas nas avaliações individuais, conclui-se que o uso do composto não representa perigo alimentar à saúde humana e que, portanto, não é necessário estabelecer um valor numérico de IDA (Vettorazzi, 2001). Poderá haver situações em que o conjunto dos dados disponíveis sobre uma substância é limitado em alguns aspectos, ou em que a segurança de uma substância química à qual o JECFA ou o JMPR tenha atribuído anteriormente uma IDA seja questionada por novos dados. Quando o JECFA ou o JMPR se sentem confiantes de que o uso da substância é seguro por um período de tempo relativamente curto exigido para a obtenção e avaliação de dados adicionais sobre segurança, mas não se sentem confiantes de que seu uso seja seguro por um período vitalício, os Comitês geralmente estabelecem uma IDA temporária, aguardando a submissão de dados apropriados para resolver o problema de segurança em um prazo definido (Vettorazzi, 2001). Com os medicamentos veterinários e os agrotóxicos, a IDA é usada para confirmar a segurança dos Limites Máximos de Resíduos (LMR) propostos, quando as substâncias são aplicadas de acordo com as boas práticas. Ao estabelecer a IDA para um fármaco veterinário ou para um agrotóxico, são consideradas as toxicidades do composto original e de seus principais produtos de biotransformação, e a IDA é baseada no endpoint do composto de maior preocupação (Vettorazzi, 2001). Se um fármaco veterinário afeta a microflora intestinal humana em exposições abaixo daquelas que causam efeitos toxicológicos, então esse efeito (endpoint) é usado como base para o estabelecimento da IDA. Se várias substâncias que produzem efeitos tóxicos similares ou que compartilham um metabólito tóxico comum forem consideradas para uso como aditivos alimentares, como agrotóxicos ou medicamentos veterinários, ou ocorrerem como contaminantes, ao se estabelecer um valor de IDA ou de IDT poderá ser adequado considerar as substâncias como um grupo, a fim de limitar seu consumo global. Para que esse procedimento seja praticável, 29

as substâncias deverão ter modo de ação e faixa de potencial tóxico similar (IPCS, 2009c). Avaliação da exposição a substâncias químicas presentes nos alimentos Na avaliação da exposição a substâncias químicas via dieta, os dados sobre consumo de alimentos são combinados com os dados da concentração das substâncias químicas nos alimentos. A estimativa da exposição resultante pode, então, ser comparada com o valor de IDA ou de IDT, ou com o POD toxicológico (NOAEL; BMDL) da substância química de preocupação presente no alimento, como parte da caracterização do risco (IPCS, 2009a). Podem ser conduzidas avaliações para exposições agudas ou crônicas. As avaliações da exposição via dieta devem cobrir a população em geral, bem como grupos críticos que são vulneráveis ou cuja exposição é esperada ser significativamente diferente daquela da população em geral (por exemplo, bebês, crianças, mulheres gestantes, idosos, vegetarianos) (FAO/WHO, 1997; FAO/WHO, 2008a). Fontes de informações sobre concentrações de substâncias químicas nos alimentos incluem os limites máximos (LM ou LMR) propostos, limites de uso sugeridos pelos fabricantes, dados da vigilância e de monitoramento, estudos de dieta total (EDT), o banco de dados GEMS/Food, estudos de depleção de resíduos de drogas veterinárias, resíduos máximos e médios de agrotóxicos obtidos a partir de ensaios supervisionados, e a literatura científica. Os dados mais exatos são obtidos pela determinação da concentração da substância química nos alimentos, conforme consumidos (WHO, 2000). Os programas para a geração de dados sobre concentrações de substâncias químicas requerem planos de amostragem e métodos analíticos validados. Existem duas abordagens principais para analisar os alimentos quando os dados analíticos são obtidos em pesquisas: 1) análise de combinações de grupos de alimentos e 2) análise de alimentos individuais (sejam eles como amostras únicas ou como combinações) (IPCS, 2000). As informações sobre o consumo de alimentos podem ser obtidas dos dados de tabelas de balanço nutricional, que incluem as quantidades de alimentos disponíveis para o consumo, derivadas de estatísticas nacionais sobre produção ou utilização de alimentos (IPCS, 2000). Podem ocorrer exposições a substâncias químicas em alimentos por outras vias e também podem ser encontradas exposições a substâncias químicas ou drogas que compartilham o mesmo mecanismo de ação (toxicidade). A consideração de exposições combinadas a uma única substância química por vias diversas (oral, dérmica, por inalação) e por diversos meios (alimento, água potável) é tida como uma exposição agregada. Também deve ser considerada 30

a avaliação do risco da exposição a diversos resíduos de praguicidas que apresentam um mecanismo comum de toxicidade; a estimativa de exposição nessa situação é denominada exposição cumulativa. Foram publicadas orientações para a estimativa de exposição agregada (WHO, 1997). Caracterização do risco A caracterização do risco é a quarta etapa do processo de avaliação do risco, integrando informações da caracterização do perigo e da avaliação da exposição para gerar recomendações científicas aos gestores do risco. Historicamente, diferentes abordagens têm sido usadas para a caracterização do risco de efeitos tóxicos considerados como tendo um limiar para o efeito adverso observado, e aqueles considerados como não tendo um limiar (Renwick, 2003). Os parâmetros para garantia da saúde humana (IDA e IDT) são estabelecidos para as substâncias que produzem efeitos que exibem um limiar de toxicidade. Na caracterização do risco para esses tipos de substâncias, os valores de IDA ou IDT são comparados com a exposição humana estimada ou determinada. Nos casos em que as exposições excedem os parâmetros para garantia da saúde humana, o fato por si só não fornece aos gerenciadores do risco orientação sobre a possível extensão do risco àqueles indivíduos expostos a essas quantidades mais elevadas. Uma primeira consideração é levar em conta o fato de que os valores de IDA e IDT incorporam fatores de incerteza. Uma exposição baixa, ou que ocasionalmente exceda o valor de IDA ou de IDT derivado de um estudo crônico ou subcrônico, não implica, necessariamente, que ocorrerão efeitos adversos à saúde em humanos (IPCS, 1987; IPCS, 2009a). Nas circunstâncias em que os dados são insuficientes para estabelecer um valor de IDA ou IDT para uma substância, ou não se possa assumir que o modo de ação tenha um limiar, poderão ser realizadas avaliações da MOE entre as doses nas quais os efeitos adversos são verificados nos animais de experimentação e a exposição via dieta estimada para humanos. A caracterização do risco deverá considerar e descrever a incerteza e a variabilidade. A incerteza refere-se às limitações das informações disponíveis para o avaliador do risco, sobre os dados e os modelos usados. A variabilidade reflete a heterogeneidade biológica inerente, seja na exposição ou na resposta. A incerteza e a variabilidade são conceitos diferentes. A incerteza pode ser diminuída na medida em que melhora a quantidade e/ou a qualidade das informações disponíveis. A caracterização da variabilidade da exposição via dieta na população pode, por exemplo, ser aperfeiçoada por melhores informações, mas a variabilidade não pode ser eliminada. A caracterização do 31

risco deverá incluir uma avaliação descritiva da incerteza para a exposição e para os efeitos à saúde. Para as substâncias que são genotóxicas e carcinogênicas, a hipótese tradicional é que não há uma dose limiar, e que algum grau de risco pode existir em qualquer nível de exposição. Assim, valores de IDA ou de IDT não são estabelecidos para esse tipo de compostos (Barlow et al, 2006). No entanto, algumas substâncias químicas induzem câncer em animais de experimentação por mecanismos não genotóxicos que apresentam um limiar e, para essas substâncias, parâmetros para garantia da saúde humana poderão ser estabelecidos. As substâncias que são tanto genotóxicas como carcinogênicas não são aceitas para uso como aditivos alimentares, agrotóxicos ou fármacos veterinários. O JECFA tem avaliado contaminantes que demonstraram ser tanto genotóxicos como carcinogênicos, assim como discutido possíveis abordagens para a formulação de recomendações que melhor orientem (ou informem) os gestores do risco sobre a possível magnitude dos danos à saúde em humanos, em diferentes níveis de ingestão. A avaliação da exposição (ingesta) para um composto que seja tanto genotóxico como carcinogênico não é diferente daquela feita para outros tipos de contaminantes. A caracterização do risco pode assumir diferentes formas: 1. Cálculo da MOE entre a dose que causa uma incidência baixa, mas definida, de câncer (geralmente em bioensaios com animais) e a exposição humana estimada; 2. Análise de dose-resposta fora da faixa de dose observada em bioensaios com animais para calcular a incidência de câncer que esteja teoricamente associada à exposição estimada para humanos ou a exposição associada a uma incidência predeterminada de câncer (por exemplo, o risco de câncer, durante toda a vida, de 1 em um milhão) 3. Extrapolação linear de baixas doses a partir de um POD, como o BMDL. Dessas três opções, a MOE e a extrapolação linear de baixas doses a partir de um POD são as mais pragmáticas e utilizáveis no momento (EFSA, 2005). Princípios relacionados a grupos específicos de substâncias Muitas das substâncias avaliadas pelo JECFA estão presentes nos alimentos em baixas concentrações. Os exemplos incluem substâncias aromatizantes, coadjuvantes de tecnologia, solventes de extração e enzimas 32

usadas na produção de alimentos. Nestes casos uma das abordagens que tem sido utilizada envolve o conceito de limiar de preocupação toxicológica (threshold of toxicological concern - TTC) (Kroes et al., 2004; ). O conhecimento de que toxicidade é uma função, tanto da estrutura da substância química como da extensão da exposição, é a base do conceito de TTC. Este permite que o avaliador do risco, tendo apenas como base a estrutura da substância química e uma baixa exposição via dieta, forneça orientação com base científica quando houver probabilidade insignificante de que um dano será induzido. Esse conceito não pretende substituir os procedimentos de avaliação do risco já estabelecidos e usados pelo JECFA e pelo JMPR para as substâncias sobre as quais estejam disponíveis dados completos sobre toxicidade. A abordagem de TTC utiliza valores limiares de exposição humana (valores de TTC) para três classes estruturais de substâncias químicas, abaixo dos quais há uma probabilidade muito pequena de qualquer risco apreciável à saúde humana. Esses valores de TTC são derivados dos dados existentes sobre toxicidade de substâncias químicas que foram classificadas em uma de três classes estruturais. Os valores de TTC para as classes estruturais I, II e III são, respectivamente, 1.800, 540 e 90 μg/pessoa por dia. Uma vez que os valores de limite de exposição humana são comparados com a exposição conhecida ou antecipada, a abordagem de TTC requer estimativas adequadas de exposição humana (Munro et al., 1999). Uma abordagem utilizando árvore decisória foi desenvolvida pelo JECFA para a aplicação do conceito de TTC a substâncias aromatizantes (IPCS, 2009a). A avaliação da segurança de substâncias que são consumidas em quantidades relativamente elevadas, como amidos modificados, nutrientes e substâncias relacionadas, bem como alimentos integrais não tradicionais, apresentam problemas específicos. Na avaliação da segurança dessas substâncias, constituintes secundários e/ou impurezas do processamento poderão assumir uma importância maior do que a usual. Considerações finais As normas Codex são estabelecidas a partir de critérios científicos embasados na análise do risco, como parte importante do sistema de segurança alimentar, sendo que o JECFA e JMPR, comitês assessores do Codex, tem desempenhado papel de liderança no desenvolvimento desse paradigma. A adoção das normas do Codex como base para os regulamentos nacionais ajuda a harmonizar a aplicação global de medidas de segurança alimentar. Assim, recomenda-se que o Brasil continue a harmonizar suas legislações com base nas normas do Codex e a adotar os critérios da análise do risco. Entretanto, existe uma necessidade de dados de exposição a substâncias 33

químicas presentes em alimentos (aditivos, contaminantes e resíduos de medicamentos veterinários e agrotóxicos) para poder caracterizar o risco que essas substâncias oferecem à saúde da população. Cabe resaltar que em muitas situações, o país carece de informações sobre a qualidade dos produtos alimentícios, seja por falta de métodos analíticos disponíveis, como de pessoas qualificadas para realizar as análises, o que resulta em deficiência ou falta de dados disponíveis, fundamentais na avaliação do risco. Referências bibliográficas Barlow S, Dybing E, Edler L, Eisenbrand G, Kroes R & Van den Brandt P (eds) (2002) Food safety in Europe (FOSIE): risk assessment of chemicals in food and diet. Food Chem Toxicol, 40(2/3): 237 427. Barlow S, Renwick AG, Kleiner J, Bridges JW, Busk L, Dybing E, Edler L, Eisenbrand G, Fink- Gremmels J, Knaap A, Kroes R, Liem D, Müller DJG, Page S, Rolland V, Schlatter J, Tritscher A, Tueting W & Würtzen G (2006) Risk assessment of substances that are both genotoxic and carcinogenic Report of an international conference organized by EFSA and WHO with support of ILSI Europe. Food Chem Toxicol, 44: 1636 1650. Boobis AR, Cohen SM, Dellarco V, McGregor D, Meek ME, Vickers C, Willcocks D & Farland W (2006) IPCS framework for analyzing the relevance of a cancer mode of action for humans. Crit Rev Toxicol, 36: 781 792. Dybing E, Doe J, Groten J, Kleiner J, O Brien J, Renwick AG, Schlatter J, Steinberg P, Tritscher A, Walker R & Younes M (2002) Hazard characterization of chemicals in food and diet: dose response, mechanisms and extrapolation issues. Food Chem Toxicol, 40: 237 282. EFSA (2005) Opinion of the Scientific Committee on a request from EFSA related to a harmonized approach for risk assessment of substances which are both genotoxic and carcinogenic (Request No. EFSA-Q-2004-020). Adopted on 18 October 2005. EFSA J, 282: 1 31. EFSA (2008) Concise European Food Consumption Database. Parma, European Food Safety Authority. Disponível em <http://www.efsa.europa.eu/en/datex/datexfooddb.htm>. Consulta em 03 de outubro de 2012. FAO (2000) Report of the conference on international food trade beyond 2000: science-based decisions, harmonization, equivalence and mutual recognition. Melbourne, 11 15 October 1999. FAO document ALICOM 99/25. Disponível em <http://www.fao.org/docrep/meeting/x4015e. htm>. Consulta em 03 de outubro de 2012. FAO/WHO (1985) Residues of veterinary drugs in foods. Report of a Joint FAO/WHO Expert Consultation, Rome, 1984. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Rome. FAO Food and Nutrition Paper, No. 32. FAO/WHO (1991) Report of the FAO/WHO conference on food standards, chemicals in food and food trade, Rome, 18 27 March 1991. Rome, Food and Agriculture Organization of the United Nations. FAO document ALICOM 91/22. FAO/WHO (1995) Application of risk analysis to food standards issues. Report of the Joint FAO/ WHO Expert Consultation, World Health Organization, Geneva, 13 17 March 1995. (WHO/FNU/ FOS/95.3). Disponível em <http://www.who.int/foodsafety/publications/micro/en/march1995. pdf>. Consulta em 03 de outubro de 2012. 34

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