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ASSOCIAÇÃO DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS E DE ORÇAMENTO E FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Cadernos ASLEGIS ISSN 1677-9010 / www.aslegis.org.br http://bd.camara.leg.br

Queijos artesanais brasileiros: aspectos culturais e legislativos Luciano Gomes de Carvalho Pereira 1 Resumo O modo artesanal de produção de queijos constitui importante forma imaterial de patrimônio cultural brasileiro, ensejando a possibilidade de indicação geográfica. A legislação federal e estadual que disciplina a produção, o comércio e a fiscalização industrial e sanitária dos queijos artesanais é restritiva e, por vezes, conflituosa. Ajustes legislativos se fazem necessários para proteger essa atividade num ambiente altamente competitivo, como é o mercado de produtos lácteos. Palavras-chave Queijo, alimento, patrimônio cultural, indicação geográfica, legislação, fiscalização sanitária. Abstract Traditional cheese manufacture is an important feature of Brazilian immaterial cultural patrimony. Geographic identity can be recognized for many products. Legislation concerning production, commerce, industrial and sanitary inspection of traditional cheeses restricts their manufacture. Conflicts have been identified among federal and state laws. Legislative adjustments are necessary to protect traditional cheese manufacture among highly competitive dairy market. Key words Cheese, food, cultural patrimony, geographic identity, legislation, sanitary inspection. 1 Engenheiro Agrônomo, Psicólogo, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados da Área X Agricultura e Política Rural. Artigos & Ensaios 125

Este artigo busca apresentar, de forma sintética, aspectos da produção artesanal de queijos no Brasil, pouco conhecidos do público consumidor. O queijo é um importante produto alimentício, havendo técnicas específicas para a fabricação de seus diversos tipos, em várias partes do mundo e também no Brasil. Observa-se que, além de se tratar de uma atividade agroindustrial e econômica expressiva, o modo artesanal de fabricação de queijos foi também elevado, no país, à categoria de bem cultural de natureza imaterial, passando a integrar o acervo do patrimônio cultural brasileiro. Conceito que enseja grande variedade de acepções, cultura foi conceituada por Edward B. Tylor (1832-1917) como todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. 2 A Constituição Federal refere-se expressamente ao patrimônio cultural nos seguintes termos: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.... A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Unesco, por sua vez, define como patrimônio cultural ima- 2 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Artigos & Ensaios 127

terial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Considera, ainda, que o patrimônio imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. 3 A fabricação de queijo artesanal como bem cultural imaterial A partir de solicitação formulada em 2001 pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Iphan passou a inventariar regiões como Serro, Serra da Canastra e Serra do Salitre, naquele Estado, onde se mantém a tradição de fabricação de queijos artesanais. Identificaram-se registros documentais da produção de queijo desde o século XVIII. As técnicas têm origem na tradição portuguesa da Serra da Estrela; há aspectos comuns, mas cada uma das citadas regiões definiu um modo próprio de fabricação, expresso na forma de manipulação do leite, dos coalhos e das massas, na prensagem, na cura e até no comércio. Por entender que o modo artesanal de fabricação de queijos confere identidade própria às comunidades que possuem tal tradição, o Iphan passou a promover o registro daquele processo, com vista ao seu reconhecimento como patrimônio cultural brasileiro. A partir do registro, cabe ao Iphan apoiar a comunidade na elaboração de uma política de incentivo dessa prática tradicional. As ações de salvaguarda da cultura queijeira empreendidas pelo Iphan deverão envolver projetos de educação patrimonial e qualificação profissional dos atores envolvidos. O registro poderá incentivar a organização em cooperativas e associações dos produtores de outras regiões, a criação de empregos e de infraestrutura onde houver necessidade. O Iphan também apoia atividades de promoção e valorização desse modo de fazer artesanal. 4 3 Unesco, referida no portal do Iphan. Disponível em < http://portal.iphan.gov.br >. Acesso em 13 dez. 2012. 4 Iphan. Modo artesanal de fazer queijo de Minas. Disponível em < http://portal.iphan.gov.br >. Acesso em 13 dez. 2012. 128 Cadernos ASLEGIS 46 Maio/Agostol 2012

Com o registro, cooperativas e universidades poderão obter, junto às agências de pesquisa, financiamentos e outros incentivos governamentais para a realização de estudos sobre a produção do leite com o intuito de controlar doenças que atingem os rebanhos (brucelose e tuberculose) e podem ser transmitidas pelo leite cru. Além disso, essas políticas deverão fomentar a adequação das unidades produtoras queijeiras às normas de boas práticas na fabricação artesanal do Queijo Minas Artesanal. 5 Considerando a demanda de recursos para a realização de ações que concorram para a preservação do modo artesanal de fabricação de queijos, há que se considerar que a legislação brasileira prevê a concessão de incentivos fiscais destinados a fomentar empreendimentos culturais. Neste sentido, a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet de incentivo à cultura, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a, entre outros aspectos, salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da sociedade brasileira. A regulação da produção do Queijo Minas Artesanal e o conflito legal Sendo produtos alimentícios, os queijos artesanais devem atender a normas específicas para que possam ser comercializados no Brasil. A principal finalidade dessas normas é salvaguardar a saúde pública, que constitui direito do cidadão e dever do Estado, nos termos do art. 196 da Constituição Federal. Os produtos de origem animal têm sua fiscalização industrial e sanitária determinada pela Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950. O Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal RIISPOA, aprovado pelo Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952 que tem sofrido modificações ao longo do tempo, encerra um capítulo dedicado aos queijos, que são definidos tanto de forma genérica quanto específica. O art. 598 do referido Regulamento, com redação dada pelo Decreto nº 2.244, de 1997, define queijo genericamente como: o produto fresco ou maturado que se obtém por separação parcial do soro do leite ou leite reconstituído (integral, parcial ou totalmente desnatado), ou de soros lácteos coagulados pela ação física do coalho, de enzimas específicas, de bactérias específicas, de ácidos orgânicos, isolados ou combinados, todos de qualidade apta para uso alimentar, com ou 5 Iphan, op. cit. Artigos & Ensaios 129

sem agregação de substâncias alimentícias e/ou especiarias e/ ou condimentos, aditivos especificamente indicados, substâncias aromatizantes e matérias corantes. Os arts. 599 a 632 do referido Regulamento referem-se aos diversos tipos de queijos, definindo de forma específica os tipos batavo; caccio- -cavallo; cheddar; danbo; edam; emental; estepe; fontina; gorgonzola; gouda; gruyère; limburgo; Minas; mussarela; parmesão, parmesano, reggiano, reggianito e sbrinz; pategrás sandwich; prato; provolone (fresco, curado ou butirro ); reino; roquefort; siciliano; tandil; tilsit e tybo. Definem-se também os queijos processado e ralado, o requeijão e a ricota (fresca ou defumada). O art. 631 ressalva que outros tipos de queijo podem ser fabricados, com aprovação prévia dos respectivos padrões pela DIPOA, após definição das características tecnológicas, organolépticas e químicas. O art. 614 define Queijo Minas (padrão) como o produto obtido de leite integral ou padronizado, pasteurizado, de massa crua, prensado mecanicamente e devidamente maturado durante 20 (vinte) dias, devendo apresentar uma série de características ali especificadas. A produção artesanal de queijos é uma importante e tradicional atividade no Estado de Minas Gerais. A Lei Estadual (MG) nº 14.185, de 31 de janeiro de 2002, que dispõe sobre o processo de produção do Queijo Minas Artesanal e dá outras providências, constitui importante instrumento legal e seu art. 1º, com a redação dada pela Lei Estadual nº 19.492, de 13 de janeiro de 2011, assim define o produto em questão: Art. 1º É considerado Queijo Minas Artesanal o queijo que apresente consistência firme, cor e sabor próprios, massa uniforme, isenta de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas, confeccionado a partir do leite integral de vaca fresco e cru, retirado e beneficiado na propriedade de origem. 1º O Queijo Minas Artesanal confeccionado conforme a tradição histórica e cultural da área demarcada onde for produzido receberá certificação diferenciada. 2º O poder público promoverá o registro dos processos de produção do Queijo Minas Artesanal de que trata este artigo nas áreas demarcadas do Estado, para fins de proteção do patrimônio cultural, quando couber. 130 Cadernos ASLEGIS 46 Maio/Agostol 2012

O art. 2º da Lei Estadual (MG) nº 14.185/2002 define os procedimentos a serem observados na produção de leite. O art. 3º estabelece que a qualidade do produto e sua adequação ao consumo serão asseguradas mediante a observância das normas do Programa Mineiro de Incentivo à Certificação de Origem e/ou Qualidade dos Produtos da Bovinocultura Certibov; certificação das condições de higiene recomendadas pelo Instituto Mineiro de Agropecuária IMA; e cadastro do produtor no IMA. A legislação do Estado de Minas Gerais possibilita a fabricação do Queijo Minas Artesanal com leite cru e permite a sua comercialização em até sessenta dias, caso não seja submetido a processo de maturação. Diverge, portanto, da legislação federal, que: exige o emprego de leite pasteurizado e submetido a processo de maturação por 20 dias (art. 614 do RIISPOA); exclui da obrigação de ser submetido à pasteurização ou outro tratamento térmico o leite higienizado que se destine à elaboração dos queijos submetidos a um processo de maturação a uma temperatura superior aos 5º C, durante um tempo não inferior a 60 dias (Portaria nº 146, de 7 de março de 1996, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MAPA, que aprova os regulamentos técnicos de identidade e qualidade dos produtos lácteos). Esse conflito entre a legislação federal e a estadual prejudicava a comercialização do Queijo Minas Artesanal e os produtores reivindicavam uma solução. Na Câmara dos Deputados, a questão foi examinada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural CAPADR, que realizou reunião de audiência pública em 25 de outubro de 2011 para tratar especificamente do assunto, bem assim pela Subcomissão Especial com a finalidade de discutir as questões acerca das energias renováveis na agricultura e das políticas públicas para a agricultura familiar e extensão rural Subagrif. O Deputado Zé Silva, presidente da referida Subcomissão, encaminhou ao MAPA a Indicação nº 1.845/2011, da qual transcrevemos o seguinte trecho: A produção e o comércio de queijo tipo Minas Artesanal entre eles o secularmente conhecido por Canastra têm grande importância para a economia rural de Minas Gerais, notadamente para os agricultores familiares. Segundo a EMATER-MG, são 27 mil famílias que utilizam leite de produção própria para a confecção artesanal de queijos e que Artigos & Ensaios 131

muitas vezes fazem a venda direta para o consumidor final, sem intermediários, conseguindo assim melhores preços. Até 1996, o queijo Minas frescal somente podia ser comercializado após decorridos 3 dias de sua produção. O prazo para os demais tipos de queijo era de 10 dias. Por meio da Portaria nº 146, de 7 de março de 1996, o MAPA estendeu esses prazos para um mínimo de 60 dias, em temperatura superior a 5 C, para todos os queijos fabricados com leite cru. Ao exigir um período mínimo de maturação de 60 dias, contados a partir da entrada em entreposto do queijo artesanal fabricado na fazenda com leite cru (sem tratamento térmico), a legislação federal tornou-se inadequada à realidade. Os queijos Minas Artesanais mais demandados pelos consumidores são os frescos ou semi-cura, com um máximo de maturação de 21 dias, o que garante toda a expressão do sabor e a consistência mais adequada para seu consumo. A relação entre o tempo de maturação do queijo Minas e suas características físico-químicas e microbiológicas foi estudada na dissertação de mestrado intitulada Queijo Minas Artesanal da Canastra maturado à temperatura ambiente e sob refrigeração, de autoria de Milene Therezinha das Dores, aprovada pelo Departamento de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa. A autora concluiu que: independente do período de coleta (amostras de queijo canastra coletados na estação da seca e das chuvas), a temperatura ambiente foi decisiva para a redução da microbiota patogênica com 22 dias de maturação. Por sua vez, os queijos maturados sob refrigeração só atingiram os níveis permitidos pela legislação aos 37 dias, para os queijos fabricados no período da seca, e, ao valor estimado de 87 dias para aqueles fabricados no período das águas (páginas 70 e 71). Dessa forma, à luz dos novos conhecimentos científicos, solicito ao Ex mo. Sr. Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que analise a possibilidade de atualizar a referida Portaria nº 146, de 7 de março de 1996, no tocante ao período mínimo de maturação, à temperatura ambiente, dos queijos elaborados a partir de leite não pasteurizado. 132 Cadernos ASLEGIS 46 Maio/Agostol 2012

Havendo recebido essa Indicação e analisado em profundidade a matéria, o MAPA editou a Portaria nº 57, de 15 de dezembro de 2011, que, entre outros aspectos: permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e a inocuidade do produto; restringe a produção de queijos elaborados a partir de leite cru, com período de maturação inferior a 60 dias a queijaria situada em região de indicação geográfica certificada ou tradicionalmente reconhecida e em propriedade certificada oficialmente como livre de tuberculose e brucelose, sem prejuízo das demais obrigações dispostas em legislação específica. Na forma da legislação em vigor, queijos artesanais podem ser comercializados no município onde são produzidos com o selo do Serviço de Inspeção Municipal (SIM), ou dentro do Estado, com o selo do Serviço de Inspeção Estadual (SIE). Mediante a inclusão desses produtos no Sistema Brasileiro de Inspeção de Produto de Origem Animal (SISBI-POA) do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária Suasa, o produto com os selos estaduais e municipais poderá ser comercializado em todo o País, com equivalência ao selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). 6 A Portaria nº 57/2011, do MAPA, faz referência a indicação geográfica, um construto de grande importância que abrange dois outros conceitos, definidos nos arts. 176, 177 e 178 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. São eles: Indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço ; e Denominação de origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou 6 O Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária Suasa foi instituído pela Lei nº 9.712, de 20/11/1998, que acrescentou dispositivos à Lei nº 8.171, de 17/01/1991. Artigos & Ensaios 133

Conclusão essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos. Acreditamos que os processos de certificação da indicação geográfica e da sanidade do rebanho, a cargo das instituições competentes, associados às demais condições estabelecidas na Portaria nº 57/2011, do MAPA, concorram para valorizar os queijos artesanais brasileiros e possibilitar a superação dos obstáculos legais à sua ampla comercialização. Do exposto, podemos concluir que o modo artesanal de produção de queijos é uma atividade de grande importância econômica, social e cultural, assumindo o caráter de patrimônio cultural imaterial brasileiro, assim como inúmeras outras formas de expressão das tradições e da cultura popular. Ajustes legislativos sem prejuízo da atenção à fundamental questão sanitária se fazem necessários para proteger essa atividade num ambiente altamente competitivo, como é o mercado de produtos lácteos, onde prevalece a grande indústria e proliferam subsídios, incentivos fiscais e outras ações protecionistas de governos. 134 Cadernos ASLEGIS 46 Maio/Agostol 2012