9 0 ebola pode filcar ainda pior. Novas estudos mostram que o virus pode ficar ma; resistente, mas dificilmente sera transmitido pel0 ar 4
Cristiane Segatto D izern que os rnenores frascos contern os piores venenos. 0 proverbio vale para rnuitas formas de vida - entre elas o virus ebola, capaz de rnatar urn em cada dois infectados. Ele 6 altarnente letal e, ao rnesrno tempo, simples e rnirrado. Cada particula do ebola e cornposta de apenas seis proteinas agrupadas. Olhando bern, com certa boa vontade, e possivel enxergar alguma sernelhanqa entre ele e urn fio de espaguete em escala microscopica. Desde que o ebola escapou do controle na Africa (13 mil infectados e 4.800 mortos - a maioria na Guine, na Liberia e em Serra Leoa) e bateu as portas dos Estados Unidos e da Europa, os cientistas tentam entender se ha algo novo em sua biologia. 0 virus mudou? Esta mais contagioso? Consegue se rnultiplicar mais rapido? 0 que era pessimo pode ficar ainda pior? Parte das respostas comeqa a sair do laboratorio da pesquisadora iranianoarnericana Pardis Sabeti, do Broad Institute, na Universidade Harvard. Ela e urna das mais respeitadas investigadoras da genetica do ebola. 0 atual surto comeqou em dezembro na Guine e logo chegou a Liberia. Assim que o virus alcanqou Serra Leoa, Pardis foi procurada por colaboradores que trabalharn na cidade de Kenerna. A equipe de Pardis decidiu comecar a decifrar o genoma do virus o mais rapido possivel. Sem o estudo dos genes, n&o e possivel criar novos testes de diagnostico, vacinas ou rernedios prornissores, corno o ZMapp, o soro em desenvolvirnento nos Estados Unidos que parece ter sido o responsive1 pela recuperaqao do medico americano Kent Brantly, infectado na Liberia. No inicio de junho, arnostras de sangue extraidas de doentes africa-
tas obtiveram virus que simplesmente perderam a capacidade de matar. N8o 6 facil ser infectado pel0 ebola. Isso so acontece quando ha contato com fluidos corporais do doente - como sangue, lagrima, suor, vbmito, &men etc. 0 ebola nzo 6 como o influenza, o virus da gripe, que consegue percorrer longas distincias suspenso no ar. 0s estudos geneticos realizados pela equipe de Pardis comprovaram que as mutapes sofridas pel0 ebola n8o s8o suficientes para alterar o conjunto de genes mais importantes - aqueles que conferem a propria identidade do virus. Uma das caracteristicas basicas dessa identidade e depender de fluidos corporais para ser transmitido. "Perguntar se o ebola pode ser transmitido pel0 ar 6 como perguntar se as zebras podem se espalhar pel0 ar", disse Eric Lander, diretor do Broad Institute, a revista New Yorker. Segundo ele, essa 6 uma quest80 errada, porque ignora o estilo de vida que permitiu a propria existhcia do virus. "Mais inteligente seria perguntar se as zebras podem aprender a correr mais rapido", afirmou. Existem varias formas pelas quais o virus poderia se tornar mais contagioso sem que, para isso, precisasse ser transmitido pel0 ar. A forma clksica 6 tornar-se menos letal. Por mais paradoxal que pareqa, essa 6 uma regra da natureza. Todo e qualquer virus d quer saber de crescer e se multiplicar. 0s mais "espertos" n8o matam sempre ou matam devagar. Com isso, tcm tempo de infectar muitas pessoas antes de ir para a sepultura com o doente. Em surtos anteriores, o ebola chegou a matar ate 90% dos infectados - uma tragedia para o ser humano e tambem para as popidaqoes virais, contidas com muito mais facilidade. No surto atual, o ebola nzo mata com tanta frequgncia. A taxa de b
letalidade varia entre 40% e 90%, dependendo da regiho e dos recursos para tratar os doentes. Se o virus estiver matando menos porque os infectados receberam hidrataqho adequada e outros paliativos ou porque o organismo dos doentes resistiram ao ataque, a noticia e boa. Se o ebola estiver se tornando menos letal por uma estrategia de sobrevivhcia biologica dele mesmo, a noticia e pessima. Por enquanto, nho se sabe. "E possivel que o virus esteja se replicando mais rapidamente que no passado", diz o cientista Peter Jahrling, do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, em Washington. Isso significa que pode haver mais particulas virais em cada gota de fluido corporal. Isso aumentaria o risco de contaminaqho de um numero maior de pessoas. 0 ebola ja e um virus altamente infeccioso. Apenas um quinto de uma colher de chi de sangue pode conter 10 bilhdes de particulas virais. Uma infima quantidade delas ja e capaz de infectar quem tem contato com fluidos corporais do doente - dai a necessidade de usar vestimentas duplas, oculos, mascaras e luvas sobrepostas para cuidar dos pacientes. Existe outra preocupaqho. Que, ao sofrer mutaqoes, ainda que leves, o ebola se torne irreconhecivel a nossas defesas. Ate o momento, os sortudos que sobrevivem ao ebola n%o se infectam novamente pel0 mesmo virus. Eles se tornam imunes. Se as proteinas do virus sofrerem alteraqdes, eles poderiam voltar a se infectar. Seria terrivel nho so para eles. Significaria que as vacinas e os tratamentos em desenvolvimento deixariam de fazer efeito. Esse tip0 de mutapo nho e incomum, segundo a
geneticista Pardis. "Ha alguma evidhcia de que as proteinas do ebola possam estar mudando", afirmou Pardis ao jornal The New York Times. Apesar disso, ela e outros cientistas afirmam que niio ha nenhuma evidencia de que o virus ja tenha sofrido altera~designificativas. Altera~des biologicas podem ter contribuido para que o atual surto na Africa nho fosse controlado rapidamente como nos episodios anteriores. Certamente, elas niio siio a causa principal da tragedia. 0 ebola niio teria matado tanta gente nem escapado da Africa se os paises ricos e a Organiza~iio Mundial da Saude (OMS) tivessem ouvido os apelos de pesquisadores e profissionais de saude que vivem a rotina dos paises afetados. E o caso do grupo Medicos Sem Fronteiras (leia o depoimento na pagina 86), um dos primeiros a prever que o surto sairia do controle. A previsiio atual da OMS 6 sombria. Em dezembro, podera haver 10 mil novas infec~des por ebola a cada semana, se os esfor~os de controle nos paises mais afetados (Guine, Liberia e Serra Leoa) niio forem ampliados. "A atual epidemia de ebola 6 paradoxal: esta fora de controle, ao mesmo tempo que 6 facilmente controlavel", escreveu o economista Jeffrey Sachs, professor da Universidade Columbia e consultor das Na~des Unidas, em artigo publicado em outubro na revista cientifica The Lancet. 0 fundamental para o controle da epidemia 6 garantir diagnostico rapido, isolamento e tratamento adequado dos doentes. Sachs argumenta que esses passos conhecidos niio foram realizados a tempo no surto atual. Segundo estimativas do govern0 americano, cerca de 60% das infec~des na Africa Ocidental continuam sem diagnostico. Se cada doente pode transmitir o virus a ate oito pessoas, os epidemiologistas preveem centenas de milhares de casos em meados de 2015. Ainda assim, 6 possivel evitar o pior. Segundo Sachs, a epidemia podera ser controlada nos proximos seis meses, desde que os paises recebam o basico do basico: diagnostico rapido, transporte seguro, isolamento dos doentes e tratamento. Exatamente aquilo que deveria ter sido oferecido desde dezembro, quando o primeiro caso surgiu na Guink. +