A PERCEPÇÃO DO FOCO PROSÓDICO NO PORTUGUÊS DO BRASIL. Manuella Carnaval. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

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Transcrição:

A PERCEPÇÃO DO FOCO PROSÓDICO NO PORTUGUÊS DO BRASIL Manuella Carnaval Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil manuellacarnaval@gmail.com Abstract This Study presents a perceptive approach of the informational and contrastive prosodic focus phenomenona in Brazilian Portuguese, studying this process in relation to its prosodic category, phonological word or phonological phrase, describing the prosodic marking of focus based on the results of perceptual tests on the identification of focus type and its placement on the utterance. The corpus of 17 utterances were recorded by 4 subjects, producing the sentence O marido da Renata derrubou suco de laranja (Renata's husband spilled orange juice) in differentt ways, with the following focused structures: (i) the entire sentence, (ii) de laranja, (iii) suco, (iv) suco de laranja, (v) derrubou, (vi) derrubou suco de laranja, (vii) da Renata, (viii) O marido and (ix) O marido da Renata. These utterances were randomly presented in a forced choice test accomplished by 20 volunteers, which were supposed to indicate the focus type and the part of the sentence on focus. The results indicated that sentences with a larger extension of the focused structure (phonological phrase) were significantly less recognized) than the ones with a smaller focused structure (phonological word). Index Terms: focalization, prosody, perception, brazilian portuguese. 1. Introdução Esta pesquisa pretende estudar perceptivamente, no âmbito da relação entre Prosódia e estruturação da informação, enunciados assertivos do Português do Brasil modulados pelos processos de focalização informacional e contrastiva (ou mais especificamente corretiva exclusiva, [1]). O fenômeno de focalização é definido a partir do destaque dado a uma parte do enunciado, seção considerada genuinamente informativa, que constitui informação nova, e, portanto, rema, foco do enunciado, ao passo que a informação anteriormente compartilhada constitui o tema, a pressuposição. Em nossa análise contemplamos duas subcategorias de foco: o foco informacional, a porção do enunciado que constitui informação verdadeiramente nova, a resposta a uma questão hipotética anteriormente formulada, e o foco contrastivo, porção que contradiz, nega, uma afirmação ou pressuposição anteriormente explicitada. Além dos valores semânticos da focalização, nos voltamos também para o fator extensão do constituinte focalizado marcado pela prosódia, abordando, assim, os conceitos de foco amplo e foco estreito utilizados na literatura especializada para se referir à extensão do termo focalizado [2], [3]. Para legitimar os dois tipos de focalização aqui considerados, acredita-se ser necessário o julgamento dos enunciados em estudo por falantes nativos do PB, para se obter juízos a partir da perspectiva do falante da Língua Portuguesa. Dessa forma, a partir da aplicação de testes perceptivos para medição da taxa de reconhecimento dos enunciados pelos ouvintes, pretendeu-se averiguar se a modulação própria de cada focalização é auditivamente perceptível e se a extensão do constituinte focalizado é um fator de confusão na percepção dos limites da focalização. Aos voluntários para os testes foram indagados dois fatores de importância para a caracterização das focalizações aqui estudadas, a saber: (i) o tipo de foco realizado, informacional ou corretivo, e (ii) o constituinte focalizado, averiguando a extensão do elemento em foco. 2. Objetivos Com a validação auditiva dos padrões melódicos por meio dos testes perceptivos, os objetivos deste estudo são: (i) Verificar o reconhecimento perceptivo das construções de focalização informacional e contrastiva. (ii) Averiguar a relevância do fator extensão do constituinte a ser focalizado (palavra, sintagma) na percepção da marcação prosódica dos focos informacional e contrastivo. 3. Referencial teórico Envolto por uma grande variação terminológica [4], o fenômeno de focalização é abordado na literatura a partir de diferentes correntes teóricas. Para alguns autores, a dicotomia Dado x Novo seria essencial para a definição de foco, correspondendo este sempre à porção de informação nova na sentença. [5] propõe uma categorização a partir das noções de informação nova (totalmente nova), inferível (por raciocínio lógico) e evocada (textual ou contextualmente), conferindo maior refinamento taxonômico. Considerando-se que uma das funções da entoação é a organização do enunciado em pressuposição e foco, tema e rema [6] e reconhecendo a orientação prosódica de nosso trabalho e os diferentes valores semânticos e pragmáticos atribuídos pelo processo de focalização, adotamos a terminologia Foco-Pressuposição, por esta reconhecer a marcação prosódica do foco, sendo este a expressão que contém o centro entonacional do enunciado [7]. Com relação aos valores semântico-pragmáticos associados ao processo de focalização, nos interessam especialmente aqueles atribuídos pelo foco informacional, que

se aproxima da noção discursiva de informação nova, e pelo foco contrastivo, sendo este uma negação a uma afirmação anterior [8]. Assim, o foco informacional seria definido, em um teste de perguntas, como resposta a uma questão parcial, a porção de informação nova, requisitada previamente em uma pergunta: (A): Quando foi aplicada a prova? (B): A prova foi aplicada ontem. Por sua vez, o foco contrastivo se realiza como uma correção em relação a uma afirmação anterior: (A): A prova de Inglês será aplicada amanhã. (B): A prova de MATEMÁTICA será aplicada amanhã. Os dois tipos de foco também são abordados aqui a partir de uma escala em relação à extensão do constituinte focalizado. Em nossa análise esta dimensão será tratada como contínua [9], sendo graduada do domínio mais estreito (palavra fonológica) para o domínio mais amplo (enunciado completo). Assim, acreditamos que a percepção da focalização, sobretudo da contrastiva, seja influenciada pelo fator extensão. A prosódia, então, atuaria na diferenciação não somente dos valores semânticos de cada tipo de focalização, mas também na delimitação do constituinte focalizado, denunciando os termos sobre os quais a focalização recai ao longo do enunciado, como ilustrado na figura abaixo, para o foco contrastivo: Figura 3: Continuum de extensões do constituinte focalizado. Entendemos por foco amplo de fato, sobre todo o enunciado, a ausência de foco específico na sentença. Por ser possível apenas na realização do foco informacional, em que o enunciado O marido da Renata derrubou suco de laranja seria a resposta a uma pergunta do tipo O que aconteceu?, o foco amplo foi postulado como contorno default, parâmetro comparativo em relação às demais realizações melódicas. 4. Metodologia Neste trabalho, nos propomos a descrever os fenômenos de focalização informacional e contrastiva, em seu caráter prosódico, a partir da linha experimental, instrumental, de abordagem da entoação, que prevê que as hipóteses sobre as categorias em análise sejam organizadas em testes empíricos [11]. Assim, pretendemos averiguar as seguintes hipóteses: 1. As focalizações do tipo informacional e contrastiva no PB são auditivamente distinguíveis uma da outra. 2. A marcação prosódica dos focos informacional e contrastivo no PB é sensível à extensão do constituinte na percepção dos usuários da língua. Figura 1: Enunciado O marido da Renata derrubou suco de laranja pronunciada com focalização corretiva sobre de laranja (preto) e derrubou suco de laranja (magenta). Neste trabalho, consideramos, para a formação do contínuo dos termos focalizados, segundo sua extensão, os domínios hierárquicos constitutivos do enunciado que foram estabelecidos por [10] com a Fonologia Prosódica: enunciado fonológico (U), frase ou sintagma entonacional (I), frase ou sintagma fonológico (ɸ), grupo clítico (C), palavra fonológica (ω), pé (Σ) e sílaba (σ). Trabalhamos especificamente com os níveis considerados como domínio da entoação no PB: palavra fonológica, word (ω) e do sintagma fonológico (ɸ). Assim, abordamos, sempre na mesma frase ( O marido da Renata derrubou suco de laranja ), o foco estreito no nível da palavra fonológica (ω). As extensões maiores são abordadas, relativamente, em dois níveis distintos: o sintagma fonológico (ɸ), podendo a focalização incidir sobre um ou dois sintagmas fonológicos, o que chamamos de foco complexo, e o domínio de I (sintagma entoacional), recaindo sobre todo o enunciado O marido da Renata derrubou suco de laranja, sendo este o foco amplo de fato. Portanto, nosso contínuo seria esquematizado da seguinte forma: Assim, procedemos à elaboração de um corpus de fala não-espontânea, de modo que se pudessem obter pares mínimos prosódicos, enunciados de mesma estrutura textual com padrões melódicos distintos, opondo, assim, seus significados apenas pela estrutura prosódica. O corpus controlado pretende contemplar, no âmbito dos focos informacional e contrastivo, diferentes extensões de foco (o foco amplo e o foco estreito), abordados a partir do aumento gradual da extensão do constituinte focalizado a cada enunciado. Assim, atentando para os domínios hierárquicos prosódicos constitutivos do enunciado, procurou-se estabelecer uma composição do enunciado de modo que a focalização ocorra sobre os domínios da entoação no PB, o sintagma fonológico (ϕ), e, também,, a palavra fonológica (ω): Desse modo, as focalizações aqui abordadas se realizariam sobre todas as palavras fonológicas e sintagmas fonológicos que constituem o enunciado, podendo, ainda, ocorrer sobre dois sintagmas fonológicos, maior extensão aqui considerada. Há, ainda, o enunciado de foco amplo, considerado como ausência de foco, previsto apenas para o foco informacional. Assim, nosso corpus é constituído pelos enunciados organizados abaixo:

contrastivo 72%. O teste estatístico qui-quadrado (χ2) apontou a significância desses percentuais, rejeitando a hipótese nula de que o reconhecimento do tipo de foco se deveu ao acaso, tanto para o foco informacional (χ2=178,5, gdl=1, p < 0,001) quanto para o foco contrastivo (χ2=63,413, gdl=1, p < 0,001). No entanto, o reconhecimento superior do foco informacional ao contrastivo nos chamou atenção. Por ser prosodicamente mais marcada, esperava-se que a focalização contrastiva sobressaísse à informacional. Essa questão apresentou explicação mais satisfatória quando analisado o reconhecimento do tipo de foco por enunciado, ilustrado no gráfico abaixo: A frase O marido da Renata derrubou suco de laranja foi, então, gravada por quatro informantes, dois femininos e dois masculinos, de nove maneiras distintas para o foco informacional (incluindo o foco amplo) e de oito maneiras para o foco contrastivo, constituindo 17 enunciados por informante e totalizando 68 enunciados em nosso corpus. Após a constituição do corpus, pudemos elaborar os testes perceptivos, tendo por base nossas hipóteses e objetivos explicitados anteriormente. Desse modo, julgamos necessária a aplicação de dois testes: o primeiro relacionado à identificação do tipo de foco, informacional ou contrastivo; o segundo relacionado ao reconhecimento da extensão focalizada (uma palavra fonológico, um sintagma fonológico, dois sintagmas fonológicos ou o foco amplo, todo o enunciado). Ambos os testes apresentavam o perfil de escolha forçada e foram rodados por script do programa Praat de análise acústica, que apresentava os enunciados de forma aleatória a cada aplicação. Aplicados com 20 juízes, os testes consistiam em: - Primeiro teste: após ouvir cada enunciado, o voluntário deveria seguir o comando Indique se o enunciado apresenta uma resposta ou uma correção, marcando uma das opções, resposta ou correção. - Segundo teste: dividido em duas etapas, uma relativa ao foco informacional, outra relativa ao foco contrastivo. Com relação ao foco informacional, os voluntários deveriam obedecer o comando Selecione a opção que responde a uma pergunta anterior ; com relação ao foco contrastivo, o comando consistia em Selecione abaixo o vocábulo/expressão que está sendo corrigido. Em ambas as etapas eram apresentadas 7 opções de resposta: as palavras fonnológicas O marido, da Renata, derrubou, suco, de laranja ; os sintagmas fonológicos O marido da Renata, suco de laranja ; dois sintagmas fonológicos derrubou suco de laranja ; o foco amplo, apresentado como opção o enunciado completo O marido da Renata derrubou suco de laranja, para o foco informacional, e como a opção sem correção, para o foco contrastivo. Apesar de a realização do foco amplo não ser possível para o foco contrastivo, como uma correção, este foi inserido também nesta etapa a título de comparação. 5. Resultados Os resultados obtidos com os testes perceptivos nos permitiram avaliar a percepção do processo de focalização no Português do Brasil, tanto em relação ao reconhecimento do tipo de foco quanto ao reconhecimento da extensão focalizada, levando também em consideração as principais confusões ocorridas. O primeiro teste, de reconhecimento do tipo de foco, apontou altas taxas de reconhecimento para ambos os focos, tendo o foco informacional 83% de reconhecimento e o foco Gráfico 1: Porcentagem de reconhecimento de cada tipo de focalização por enunciado. Dessa forma, pudemos perceber que o reconhecimento do foco contrastivo é superior quando a focalização incide sobre palavra fonológica, decaindo quando incide sobre constituintes mais longos, o que não ocorre para o foco informacional. Assim, podemos afirmar que o reconhecimento do tipo de foco é sensível à extensão do constituinte focalizado, já que, excluindo os enunciados com foco sobre extensões maiores, o foco contrastivo apresenta maior reconhecimento, como esperado. O segundo teste de percepção nos permitiu averiguar se a extensão é um fator que afeta a percepção da localização do foco, a identificação do constituinte focalizado. Os resultados nos levaram a identificar três grupos principais de reconhecimento para os dois tipos de focalização: enunciado de foco amplo, enunciados com foco sobre vocábulo fonológico (foco estreito), enunciados com foco sobre mais de um vocábulo (foco complexo). Assim, temos que o foco amplo, quando julgado entre os enunciados de foco contrastivo, tem seu reconhecimento otimizado. Em relação aos demais grupos, em ambos o reconhecimento do constituinte focalizado se mostra superior quando a extensão focalizada é estreita, piorando à medida que se torna mais longa, complexa. Os gráficos abaixo ilustram essas relações:

Gráfico 2: Porcentagem de reconhecimento do elemento sob foco informacional, segundo sua extensão. Matriz 1: Matriz de confusão criada a partir dos resultados do teste perceptivo para o foco informacional Gráfico 3: Porcentagem de reconhecimento do elemento sob foco contrastivo, segundo sua extensão. Aplicando a técnica de regressão logística, pudemos validar estatisticamente a influência significativa que o fator extensão apresenta sobre o reconhecimento do constituinte focalizado (t = 8,1, p < 0,01 ). Posteriormente, interessou-nos analisar as confusões realizadas pelos juízes, a fim de sistematizá-las e estabelecer possíveis relações entre os constituinte confundidos. A representação dos dados em matrizes de confusão nos permitiu concluir que a ausência de foco, o foco amplo, quando julgada entre os enunciados de foco contrastivo, é identificada, individualizada, ao passo que, no foco informacional, as extensões focalizadas em geral são confundidas com a ausência de focalização (foco amplo). Além disso, percebemos claramente que, para o foco contrastivo, as extensões maiores, de mais de um vocábulo, são normalmente confundidas com a focalização sobre um vocábulo. Para o foco informacional, apesar de as confusões serem mais difusas, observa-se a mesma tendência de confusão de constituintes mais complexos (mais de um vocábulo) com constituintes com extensão de um vocábulo. A distribuição dos votos recebidos por cada enunciado pode ser visualizada nas matrizes de confusão abaixo, em que se tem na linha vertical a produção dos enunciados e na linha horizontal a interpretação dada aos enunciados pelos juízes. A linha diagonal, marcada pelos número em vermelho, corresponde às coincidências entre produção e interpretação, isto é, às boas respostas obtidas por cada enunciado. A primeira matriz corresponde ao foco informacional, a segunda ao contrastivo. Matriz 2: Matriz de confusão criada a partir dos resultados do teste perceptivo para o foco informacional Por fim, pode-se dizer que confirmamos nossas hipóteses, atestando a distinção perceptiva entre os tipo de foco informacional e contrastivo bem como a influência do fator extensão do constituinte focalizado na percepção dos limites de ambas as focalizações. Espera-se que os resultados obtidos a partir dessa investigação possam significar ganhos para o estudo da estruturação da informação por um viés prosódico experimental. 6. Referências [1] MORAES, J. A. Variações em torno de tema e rema. Cadernos do CNLF [Cadernos do IX Congresso Nacional de Lingüística e Filologia] vol. IX, no. 17: 279-289, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2006. [2] AVESANI, C.; VAYRA, M. Broad, narrow and contrastive focus in Florentine Italian. In: Proceedings of the 15th International Congress of Phonetic Sciences, vol. 2, pp. 1803-1806, Barcelona, 2003. [3] SITYAEV, D.; HOUSE, J. Phonetic and phonological correlates of broad, narrow and contrastive focus in English. Proceedings of the 15th ICPhS, Barcelona, 2003. [4] KRUIJFF-KORBAYOVÁ, I.; STEEDMAN, M. Discourse and information structure. Journal of Logic, Language and Information 12 (3): 249-259, 2003. [5] PRINCE, E. F. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P., ed. Radical Pragmatics. NY: Academic Press, 1981. [6] FÓNAGY, I. Des fonctions de l intonation: essay de sinthèse. In: Flambeau. Tokyo, n.29, p. 1-20. 2003. [7] CHOMSKY, Noam. Deep structure, surface structure and semantics interpretation. In Steinberg, D.; Jakovits, L. (eds). Semantics. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 183-216, 1971. [8] BRAGA, M. L.; KATO, M. A.; MIOTO, C.. As construções quno português brasileiro falado: relativas, clivadas e interrogativas. In: CASTILHO, A.; KATO, M. A.;

NASCIMENTO, M. (Orgs.). Gramática do Português Falado. Vol III, 241-294, 2009. [9] AUTOR. [10] NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. [11] LADD, D. R. Intonational Phonology. New York: 2nd edition Cambridge University Press, 1996.