SAUSSURE NO DIVÃ: AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUÍSTICA E A PSICANÁLISE DE LACAN

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Transcrição:

SAUSSURE NO DIVÃ: AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUÍSTICA E A PSICANÁLISE DE LACAN Robert Rizzo Miranda da Silva (UENF) robert.hnc@hotmail.com RESUMO Propõe-se através da exposição de conceitos linguísticos apropriados por Lacan pela linguística estrutural de Saussure, pontuar semelhanças e diferenças entre a teoria lacaniana e a saussuriana bem como de elementos como linguagem, língua, fala, significante, significado e signo. Desta forma, pretende-se demonstrar que frente à perspectiva epistemológica e ampla para o estudo da linguagem oferecida pela linguística saussuriana, Lacan dela se serve como base inicial para a construção da sua própria concepção de linguagem, relacionada a Psicanálise. Por fim, o presente trabalho pretende elucidar os diálogos, contribuições e atravessamentos responsáveis pela articulação da Psicanálise Lacaniana e a Linguística, Palavras Chaves: Psicanálise Lacaniana, Linguística, Saussure, Lacan 1. Introdução As associações e questionamentos sobre a linguagem e Psicanálise se derivam na cerce prática da Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud. Diante disso, Freud, por sua descoberta pode ser visto como precursor da estrutura de discurso. Desde os primórdios, seu saber e prática focaram sobre a questão da palavra reprimida e sua formação no que ele denominava sintoma, no inconsciente e no desenvolvimento do sujeito. Essas correspondências intrínsecas entre linguagem e Psicanálise, que são pautadas por Freud, podem ser evidenciadas através da citação de (ARRIVÉ, 1999, p. 23), que eleva a indagação: A psicanálise não é nada mais do que um exercício de linguagem. Todos os psicanalistas, finalmente, concordam implícita ou explicitamente com isso, embora se sinta com estranheza que alguns deles resistem a reconhecê-lo. Resistência cujas próprias forças é proporcional à evidência dos fatos. Como evitar, então, uma conexão entre linguagem e inconsciente? E como dispensar o encontro entre linguística e psicanálise? (AR- RIVÉ, 1999, p. 23) Seguindo a mesma linha de raciocínio (MILLER, 1996, p. 117), elucida o território da psicanálise como o campo da palavra, posicionando, desta forma, o gênese de uma nova ótica no campo da linguagem. 1

Portando, com tal afirmação, a Psicanálise deve se constituir como um campo do discurso. Diante dos atravessamentos entre Psicanálise e Linguística, O psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) é o pioneiro da releitura radical da obra de Freud pela linguística, Filosofia e Antropologia, dentre outras áreas do saber. Com o trabalho interdisciplinar que o mesmo produzia, ele redireciona a prática analítica pelo viés lingüístico, onde definiu que o inconsciente é estruturado como uma linguagem (LACAN, 1998, p. 27). Posto isto, para estruturar a Psicanálise permeada de conceitos para além do inconsciente substancial, Lacan se baseia na ciência linguística, que teve sua gênese através de estudos e experimentos do lingüista Ferdinand de Saussure. No início do século XX, Saussure publicou a obra Curso de lingüística Geral (1916), que viria a se tornar a pedra fundamental da linguística moderna. Este postulava os fenômenos linguísticos, dentre eles, a linguagem, fala, língua, significante, significado e signo. Para o autor, a língua se constitui como: Uma instituição social, parte determinada e essencial da linguagem. Está acima dos diversos órgãos do corpo humano que a articulam, pois existe uma faculdade mais geral, a que comanda os signos e que seria a faculdade linguística por excelência. (SAUSSURE, 1978, p. 15) Para tanto, o presente trabalho pretende debruçar sobre os atravessamentos entre a Psicanálise e a linguística, objetivando evidenciar as semelhanças e divergências quanto aos conceitos estruturalistas originados por Saussure, posteriormente utilizados por Lacan para a produção da Psicanálise pós Freudiana. 2. Metodologia Este trabalho assume uma perspectiva qualitativa. Partindo da proposta de se realizar uma reflexão teórica conceitual permeando ambos conceitos citados acima. Para Britten (2011), A qualidade da pesquisa qualitativa deve ser entendida nos termos dos posicionamentos epistemológicos e ontológicos desse tipo de pesquisa, e não por contraste com os fundamentos positivistas. (BRITTEN, 2011, p. 386) 2

Feita como deve ser, a pesquisa qualitativa é rigorosa, exige trabalho intenso tais como revisão bibliográfica, leitura intensa, fichamentos textuais, produção de estado da arte, pelo que consome muito tempo. Não existem, no entanto, soluções fáceis ou mecânicas que possam garantir a ausência de erros como qualquer outra teoria, mas ela serve para a sua finalidade específica. Como método escolhido desta teoria, aplicou-se a revisão bibliográfica. Para Silva e Menezes (2009), o trabalho utilizado da técnica de revisão bibliográfica deve: Abordar domínio teórico sobre o tema, quais as lacunas existentes e os principais entraves teóricos. De acordo com o objetivo da pesquisa, a revisão apresenta determinado conteúdo. (SILVA; MENEZES, 2009, p. 42) A autora ainda segue sua linha de raciocínio explicando que a revisão bibliográfica é importante na obtenção de informações sobre a situação atual do tema ou problema pesquisado no conhecimento das publicações existentes sobre o tema e os aspectos que já foram abordados; e na verificação das opiniões similares e divergentes, além dos aspectos relacionados ao tema ou ao problema de pesquisa. Silva e Menezes (2009). 3. Similaridades e diferenças entre linguagem, língua, e fala nas teorias saussariana e lacaniana Em meio suas teorias, Saussure postula a linguagem dividida em dois campos distintos: o estudo da língua e o estudo da fala, sendo reservada àquela o lugar de objeto por excelência da ciência linguística. A língua é definida como social em sua essência e independente do indivíduo (SAUSSURE, 1978, p. 27). Diante disso, a língua não é considerada um objeto individual, mas se fundamenta em seu uso coletivo, na junção do todo (SAUSSU- RE, 1978, p, 28) em continuidade, o autor apresenta que a mesma não opera em nível consciente, pois o individuo não sabe como ele a adquire nem de como ela se estrutura, ele apenas dela se serve, bem como, sem a língua o individuo não se insere em contextos sociais, pois não consegue se comunicar pelo meio linguístico compartilhado. No que tange à fala, o teórico afirma que a mesma é a parte individual da linguagem com caracteres psicofísicos, sendo base concreta 3

da linguagem que é produzida pelo falante, a qual se assegura com a ajuda [do] instrumento criado e fornecido pela coletividade (SAUSSU- RE 1978, p. 29). Posto a conceituação, Lacan se apropriou destes, porém lançou mão da divisão entre língua e fala, em suas palavras: Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de sondagem, a psicanálise dispõe apenas um meio: a fala do paciente (LACAN, 1998, p.248). Em contexto analítico, a fala é o meio de descoberta e manejo de conteúdos inconscientes, quando externados, possibilitam a cura do analisando por meio do dito. Lacan prosseguira, colocando o inconsciente como passível da linguagem, como indica: Mesmo que eu não saiba o que digo só sei que não o sei, e não sou o primeiro a dizer algo nessas condições, isso já foi ouvido digo que a causa disso só deve ser buscada na própria linguagem. O que eu acrescento a Freud ainda que isso esteja em Freud, patente, pois o que quer que ele demonstre do inconsciente nunca é senão material de linguagem-, o que acrescento é isso: que o inconsciente seja estruturado como uma linguagem. Qual? Pois bem, justamente, procurem-na. (LACAN, 2009, p. 42) Diante o exposto, evidencia-se que Lacan relacionou tais conceitos lingüísticos de Saussure, para além, adaptando a fala e língua em sua própria visão, e estruturando o inconsciente como uma linguagem, mas causando um afastamento de alguns pontos de Saussure, ao eliminar suas dicotomias. 4. Signo, significado e significante nas teorias saussariana e lacaniana Para Saussure, a língua dentro do campo linguístico é constituída por um sistema de signos distintos (SAUSSURE, 1978, p. 18), o signo é formado por dois elementos complementares: o significante parte acústica da palavra e significado objeto designado. Um signo se define por seu caráter diferencial, ou seja, só existe por ser diferente de todas as outras possibilidades de signos. Essa definição de signo como diferença, abre caminho para que (SAUSSURE, 1978, p. 32) desenvolva sua teoria baseada nas dicotomias que, por sua vez, dão base a estudos objetivos da língua, inaugurando tais estudos como ciência. 4

Portanto, o signo tem uma natureza psíquica e é a união do sentido e da imagem acústica, ou seja, do significado e do significante. Pode- -se entender como significado o sentido, o conceito ou mesmo a idéia de alguma coisa. Seria a representação mental de algo. Já o significante pode ser entendido como a imagem acústica: Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos (SAUSSURE, 1978, p. 80). É possível dizer que o significante é a parte perceptível do signo e o significado a parte inteligível. Assim, o signo se parece a uma moeda com duas faces inseparáveis, mas ao mesmo tempo interdependentes. O significado e o significante estão unidos mentalmente por um vínculo de associação, mas em uso individual, o sujeito se exprime por signos e significantes comuns, mas através de significados particulares de seu aparato linguístico. Lacan afirma que a formulação do algoritmo S/s (significado e significante) deve ser atribuída a Saussure. Porém causa divergência ao afirmar que o significante ocupa uma posição primordial (LACAN, 1998, p.500), além de estar separado do significado por uma barreira resistente à significação (LACAN, 1998, p. 500). Neste sentido, Lacan adapta o conceito de significado e significante em sua obra, se fazendo da ruptura entre eles, em primazia do significante, como aponta na explanação da Psicose: Para explicar a psicose, Lacan separa e inverte o que em Saussure era tido, o seu máximo grau de distinção, apenas como a face e o verso de uma folha de papel, permitindo, assim, melhor configurar ou aperfeiçoar o deslizamento da "cadeia" como processo independente e separado não só do mundo referencial, como já queria Saussure, mas também do mundo do significado, até ali imediatamente vinculado ao significante. (ALMEIDA, 2004, p. 104) Posto algumas convergências, Lacan se baseou na linguística e em seus elementos, porém, não raro, sua teoria em alguns aspectos, divergiu de Saussure, como demonstra o autor: Em Lacan, embora haja, marginalmente, uma teoria do signo, [...] não há articulação entre ela e o significante, a ponto de ser impossível, por e- xemplo, na teoria lacaniana, dizer que o significante é um signo. Portanto, o signo lacaniano é fundamentalmente diferente do signo saussuriano. (ARRIVÉ, 1999, s/p apud NÓBREGA, 2002a, p. 228) 5

Portanto, na concepção do signo, ao passo que este se diferencia do significado, Lacan se distanciou e criou suas noções de fenômenos Saussurianos, optando por um nova noção, fora das dicotomias tão latentes em Linguística. 5. Considerações finais Ao apresentar as concepções de conceitos linguísticos dos autores, é notável a observação das compatibilidades quanto diferenças entre o modo da teoria lacaniana e da saussuriana em compreender a função da linguagem, da fala, da língua, do significante, e do significado, enfim, do da linguística como um todo. Quanto à divisão epistemológica proposta por Saussure entre língua e fala, é possível encontrá-la em Lacan sob os conceitos de linguagem e fala. Pode-se ainda afirmar que o método estruturalista - o qual entende que os signos se constituem e se diferenciam entre si apenas por oposição, e não por uma pretensa relação com a realidade encontra-se no fundamento do pensamento saussuriano e também do lacaniano. Contudo, a compreensão de que o processo está intimamente ligado a uma cadeia de significantes, tem sua ruptura em Lacan, que elevou hierarquicamente o significante em relação ao significado, ao tecer sua teoria. A separação realizada por Lacan entre significante e significado representa um dos mais importantes desenvolvimentos da teoria psicanalítica pós-freudiana. Funciona para o analista como um instrumento eficiente no processo de interpretação, permitindo-lhe uma escuta diferenciada dos modelos psicológicos, utilizados como padrão de intervenção. Desse modo, concluísse a extrema valia da apropriação de conceitos da linguística Sausurriana, pela Psicanálise de Jacques Lacan, para além uma ferramenta de compreensão psicológica, oportunizando um diálogo transversal das áreas do saber. 6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, J. Compulsão à linguagem na psicanálise: Teoria lacaniana e psicanálise pragmática. Tese de Doutorado, Programa de Pós- Graduação em Filosofia, Universidade Estadual de Campinas. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1516-14982009000100002&lang=pt> Acessado em 25 de Março de 2019. ARRIVÉ, M. Linguagem e psicanálise, linguística e inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1999. ARRIVÉ, M. Linguística e psicanálise: Freud, Saussure, Hjelmslev, Lacan e outros. São Paulo: EDUSP, 2001. BRITTEN, N. Pesquisa qualitativa metodológica. Rio de Janeiro: Contexto, 2011. LACAN, J. A instância da letra no inconsciente freudiano in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998 Disponível em: <http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1516-14982009000100002&lang =pt> Acessado em 25 de Março de 2019. LACAN, J. Seminário 18: de um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. MILLER, J. A. Matemas I. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1516-14982009000100002&lang=pt> Acessado em 25 de Março de 2019. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Lisboa: Dom Quixote, 1978. SILVA, E. L. MENEZES, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 3. ed. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, 2009. 7