AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DA JUNTA SOLDADA COM AÇO INOXIDÁVEL MARTENSÍTICO DE BAIXA TEMPERATURA DE TRANSFORMAÇÃO F. J. S. Oliveira 1, L. R. R Ribeiro 1, H. F. G. de Abreu 2, R. T. de Oliveira 1, C. A. de Lavor 1, I. F. Sousa 1. 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará 2 Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais,UFC. Universidade Federal do Ceará Campus do Picí, bloco 729. E-mail do autor: fjoliveira7@gmail.com RESUMO O presente trabalho realizou uma soldagem automática por arame tubular em um aço AISI 4140, utilizando como metal de adição um aço inoxidável martensítico que sofre transformação a baixa temperatura. A junta obtida teve suas propriedades mecânicas avaliadas a partir da análise de sua resistência à tração, tenacidade e microdureza. Também foram caracterizadas as microestruturas resultantes na zona fundida, zona afetada pelo calor e metal de base. Os resultados mostraram que o ciclo térmico da soldagem proporcionou redução de dureza na zona termicamente afetada, em regiões do meio e da raiz da junta. Nos ensaios de tração, a junta apresentou elevados limites de escoamento e de resistência à tração, e a sua ruptura ocorreu na interface entre o metal de base e o metal de solda. Nos ensaios de impacto, a energia absorvida apresentou valores relativamente baixos. Palavras-chave: soldagem, arame tubular, aço inoxidável martensítico, propriedades mecânicas. INTRODUÇÃO A demanda por materiais que possuam propriedades adequadas para aplicações em setores como o de Petróleo e Gás é um dos fatores responsáveis por 4781
pesquisas e desenvolvimento de novas ligas de aço. Durante os processos de exploração e produção de petróleo existem estruturas de grande porte que são submetidas a severas condições de serviço e que necessitam serem construídas a partir de materiais com elevada resistência mecânica. Uma alternativa aos aços inoxidáveis duplex que são convencionalmente utilizados neste tipo de aplicação são os aços inoxidáveis martensíticos, em virtude da sua boa resistência à corrosão e propriedades mecânicas superiores (1). Porém ainda existe a necessidade de mais estudos sobre o comportamento desses materiais quando submetidos a diferentes processos de soldagem. O presente trabalho realizou uma soldagem automática por arame tubular em um aço AISI 4140, utilizando como metal de adição um aço inoxidável martensítico que sofre transformação a baixa temperatura. Transformação martensítica vem acompanhada de deformação e dilatação (2), e essas transformações em aços que ocorrem em temperaturas baixas (abaixo de 200 ºC) podem provocar diminuição das tensões residuais trativas no metal, reduzindo a necessidade de tratamentos térmicos posteriores à soldagem (3), porém se faz necessário conhecer as propriedades mecânicas deste material em uma junta soldada. O objetivo deste trabalho é avaliar as propriedades mecânicas e microestruturas em uma junta soldada através do processo arame tubular automático, com metal de base aço ABNT 4140 e metal de adição de aço inoxidável martensítico com baixa temperatura de transformação. MATERIAIS E MÉTODOS O metal de base utilizado nessa pesquisa foi o aço ABNT 4140. Classificado como um aço baixa liga para construção mecânica, e que deve ser tratado termicamente para obtenção de propriedades finais desejadas. A composição química do aço ABNT 4140 foi caracterizada através de um espectrômetro de emissão ótica SHIMADZU modelo PDA 7000, e é apresentada na Tabela 1. Tabela 1 Composição química do aço ABNT 4140 (%peso). C Mn Si Cr Mo S P Ni 0,39 0,82 0,24 0,83 0,22 0,006 0,010 0,09 Fonte: Elaborada pelo autor. 4782
Os tratamentos térmicos de têmpera a 860 ºC por 1 hora e resfriamento em óleo, e revenimento a 480 ºC por 1 hora e resfriamento ao ar foram realizados no metal de base. O metal de adição foi o arame tubular de aço inoxidável martensítico. Sua composição química fornecida pelo fabricante é apresentada na Tabela 2. Tabela 2 Composição química dos metais de adição (% peso). Arames Tubulares C N Mn Si Cr Ni Mo Co P S AWS A5.22 E410NiMo T0-3 0,04 0,12 1,2 0,7 12,5 4,0 0,40 - - - Fonte: Fabricantes. Na soldagem foi utilizado o processo Arame tubular com robô industrial e mesa auxiliar para o posicionamento da tocha e deslocamento automático durante a soldagem, fonte eletrônica multiprocesso com capacidade para 450 A. A geometria e dimensões da chapa de aço 4140 para produzir a junta de topo é apresentada na Figura 1.. Figura 1 Dimensões em milímetros e geometria da junta. As características do consumível e os parâmetros utilizados no processo de soldagem da junta são apresentados na Tabela 3. Tabela 3 - Características dos consumíveis e parâmetros de soldagem da junta. Velocidade Velocidade Diâmetro Corrente Gás Tensão (V) soldagem alimentação (mm) (A) (mm/s) (m/min) Energia (kj/mm) 1,6 Autoprotegido 28,8 200 5 5,6 1,15 Fonte: própria. Baseado em norma da Petrobras (4) foram utilizadas temperaturas de preaquecimento e interpasse de 215 ºC (±15). Para o aquecimento foi utilizado um maçarico com cilindros de oxigênio e acetileno. A medição e controle das 4783
temperaturas de preaquecimento e interpasse foi feito com um Termômetro infravermelho da marca ICEL modelo TD-961. Para caracterização da microestrutura foram utilizados um microscópio ótico ZEISS Imager M2m com câmera digital acoplada e sistema de aquisição de imagem, e um microscópio eletrônico de varredura Phillips XL 30 operando com 20 kv, detector SE e acoplado com sistema de análise de energia dispersiva de raios-x. Para a preparação de amostras, inicialmente foram retiradas seções completas das juntas soldadas com dimensões de 70x20 mm, em seguida, a etapa de preparação metalográfica consistiu de lixamento utilizando lixadeira rotativa e lixas com granulação de 100, 200, 400, 600 e 1200. Após o lixamento foi realizado um polimento com pasta de diamante de 6, 3 e 1 µm e ataque químico com os reagentes nital e ácido crômico eletrolítico. Os exames metalográficos foram realizados no metal de base (MB), na zona termicamente afetada (ZTA) e na zona fundida (ZF). Para a classificação das microestruturas foi utilizado o sistema do Instituto Internacional de soldagem (IIW).Os perfis de microdureza vickers foram levantados através de um microdurômetro shimadzu compreendendo as mesmas regiões já citadas acima. A carga utilizada foi de 200 g com um espaçamento entre impressões de 0,2 mm e tempo de carga de 10 segundos. Para o levantamento dos valores de resistência à tração e limite de escoamento, foram realizados ensaios de tração em três corpos de prova nas mesmas condições. Nesta etapa foi utilizada uma máquina universal de ensaios da marca EMIC. O corpo de prova foi o reduzido com 9 mm de diâmetro no corpo central e comprimento útil de 36 mm Os procedimentos do ensaio, a geometria completa do corpo de prova e suas dimensões seguiram a Norma (5). Os ensaios de impacto Charpy-V foram realizados de acordo com a norma (6). ASTM E23. Três regiões da junta foram avaliadas, o metal de base, a ZTA reta e o metal de solda, todas em temperatura ambiente. RESULTADOS E DISCUSSÃO A junta produzida somou quatorze passes e apresentou pequena distorção, isso pode ser observado na Figura 2. Também é possível perceber a sequência de 4784
passes realizados na junta, configurando assim uma soldagem multipasses de chapa grossa, onde passes posteriores implicam em alterações microestruturais no metal de solda dos passes anteriores. Figura 2 Configuração da junta. Na Figura 3 em a) é apresentada uma visão geral da região superior da junta soldada, sendo possível perceber a zona fundida, a zona termicamente afetada e o metal de base. Na mesma figura em b) é mostrada uma microscopia eletrônica de varrredura (MEV) do metal de base que apresentou predominância de microestrutura com martensita revenida, o que já era esperado em se tratando de aço médio carbono e baixa liga submetido aos tratamentos de têmpera e revenimento. Esse resultado é similar aos encontrados por outros autores (7). Figura 3 a) Microscopia ótica da Interface, 50x, b) metal de base em MEV, 1000x. A Figura 4 apresenta as microestruturas da zona termicamente afetada (ZTA). Em a) e b) temos a ZTA da região do topo onde foi observado a presença de 4785
martensita grosseira e martensita revenida na região de grão grosso, podendo coexistir também microestrutura bainítica. A ZTA da raiz não é mostrada, mas apresentou resultados semelhantes ao topo. Na região do meio da junta, Figura 4 c) e d) foi observado a ocorrência de recristalização da microestrutura formando novos constituintes após a decomposição da martensita revenida. Possivelmente esta região sofreu influência dos ciclos térmicos dos passes posteriores. As ZTAs de soldas são regiões bastante complexas em virtude dos diferentes ciclos térmicos experimentados. Figura 4 a) ZTA topo 50x, b) ZTA topo 500x, c) ZTA meio 50x, d) ZTA meio 500x A zona fundida é mostrada na Figura 5, e é observado a formação de microestrutura predominantemente martensítica na forma de ripas. Em 5 a) temos a ZF obtida por microscopia ótica onde além das ripas de martensita é possível perceber o contorno de grão da austenita prévia, e em 5 b) temos a imagem da 4786
microestrutura da ZTA obtida por microscopia eletrônica de varredura, sendo mais nítida a formação da microestrutura martensítica. Figura 5 a) MO zona fundida 1000x, b) MEV zona fundida 2000x. Os perfis de microdureza do metal de solda e ZTA foram levantados nas regiões do topo, do meio e da raiz da junta e são apresentados na Figura 6. Os resultados mostram que a microdureza no meio da junta se apresentou com valores mais baixos, média de 421 HV no metal de solda e 377 HV na ZTA. Figura 6 Perfis de microdureza nas regiões do topo, meio e raiz da junta. 4787
Diferente da região central, o topo, que não sofreu com a influência de passes posteriores apresentou valores de microdureza mais elevados, média de 466 HV no metal de solda e 535 HV na ZTA. Esses valores mais elevados se devem à formação de martensita na ZTA. A hipótese para valores mais baixos no metal de solda é o teor de carbono residual conforme apresentado na tabela 2, mesmo considerando a ocorrência de diluição, enquanto no metal de base temos teor médio de carbono, cerca de 0,40 % C. Outro fato que chama a atenção é a queda de microdureza à medida que cresce a distância da linha de fusão, e isso é explicado pela redução de temperaturas de ciclo térmico com o aumento da distância da zona fundida. O resultado do ensaio de tração é apresentado na Figura 7 e fica evidenciado o comportamento relativamente frágil do material da junta soldada. Foram ensaiados dois corpos de prova iguais em mesmas condições e ambos apresentaram praticamente resultados iguais. Figura 7 Diagrama Tensão x Deformação da junta soldada. O corpo de prova teve sua fratura na zona termicamente afetada e a partir do ensaio foram levantadas as seguintes propriedades mecânicas (Tabela 4): Limite de escoamento (LE), Limite de resistência à tração (LRT), alongamento percentual 4788
(Al%) e redução de área (RA%) percentual, além dos seus respectivos desvios padrão (DP). Apesar de a junta ter sua fratura na Zona termicamente afetada, o que não é desejável, é possível afirmar que a junta apresentou elevados limites de escoamento e de resistência à tração. Tabela 4 Propriedades Mecânicas da junta soldada. Valor Valor Valor Médio ±DP Médio ±DP Junta Médio LRT LRT LE LE AL (%) (MPa) (MPa) ±DP AL Valor Médio RA (%) - 1150 15 1023 11 1 0,2 2 0,5 Fonte: própria. ±DP RA Os ensaios de impacto Charpy mostraram que a energia absorvida pela junta soldada se apresentaram relativamente baixos. Esse resultado somado aos altos valores de microdureza principalmente na ZTA tornam esse material como suscetíveis à trincas, isso também é observado por outros pesquisadores (3). Na Figura 8 são apresentados os valores médios de energia absorvida obtidos pela média da triplicata em cada região. O metal de base usado o aço 4140 tem sido também estudado por outros pesquisadores e os resultados mostram que este tem apresentado baixa tenacidade nas condições de temperado e revenido, estudos vem sendo realizados na busca de métodos de soldagem sem tratamento térmico posterior (8). Figura 8 Energia absorvida média nas regiões da junta soldada. 4789
CONCLUSÕES A junta soldada apresentou microestrutura martensítica tanto no metal de solda quanto na zona termicamente. Os limites de escoamento e de resistência à tração apresentaram valores elevados, porém a fratura se deu de forma frágil e ocorreu na região da interface. O comportamento e localização da fratura são explicados pela alta microdureza medida na ZTA e pela baixa energia absorvida na mesma. Regiões do meio da junta foram influenciadas positivamente pelo ciclo térmico de passes posteriores e apresentaram níveis mais baixos de microdureza. Apesar dos ótimos resultados de resistência mecânica é possível concluir que a junta soldada apresenta forte susceptibilidade a trincas principalmente na região da zona termicamente afetada. É preciso mais estudos da soldagem deste material, buscando melhorar a sua tenacidade. AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do Ceará, ao laboratório de Caracterização de Materiais, ao Instituto Federal do Ceará e a Capes pelas colaborações durante a pesquisa. REFERÊNCIAS 1. A. L. C. SILVA e P. R. MEI. Aços e ligas especiais. 3ª edição, São Paulo: Edgard Blucher. 2010. 2. BHADESHIA, H. K. D. H., Developments in Martensitic and Bainitic Steels: Role of the Shape Deformation, Mat. Sci. Eng. A, 378, 34-39, 2004. 3. THIBAULT, D., BOCHER, P., THOMAS, M. Residual stress and microstructure in welds of 13%Cr 4%Ni martensitic stainless steel. Journal of Materials Processing Technology 209, p.2195-2202. 2009.. 4. PETROBRAS. N-0133: Soldagem. Brasil, 2013. 5. Norma ASTM E8/E8M 13a: Standard Test Methods for Tension Testing of Metallic Materials. 4790
6. Norma ASTM E23 12c: Standard Test Methods for Notched Bar Impact Testing of Metallic Materials. 7. TAVARES, W. S. Influência de Transformação Martensítica a baixa Temperatura no Nível de Tensões Residuais e Textura Cristalográfica de Juntas Soldadas de Aços Usados na Industria do Petróleo. (Tese). Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013..(8) AGUIAR, W. M. Soldagem do aço ABNT 4140 sem tratamento térmico posterior. Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Universidade Federal do Ceará - CE, Fortaleza, 2001. EVALUATION OF THE MECHANICAL PROPERTIES OF THE WELDED JOINT BOARD WITH LOW TEMPERATURE MARTENSITIC STEEL OF TRANSFORMATION ABSTRACT The present work realized an automatic welding by tubular wire in an AISI 4140 steel, using as addition metal a martensitic stainless steel that undergoes transformation at low temperature. The obtained joint had its mechanical properties evaluated from the analysis of its tensile strength, toughness and microhardness. Also were characterized the resulting microstructures in the melt zone, heat affected zone and base metal. The results showed that the welding thermal cycle provided a reduction of hardness in the thermally affected zone in the middle and root regions of the joint. In the tensile tests, the joint showed high yield strength and tensile strength limits, and its rupture occurred at the interface between the base metal and the weld metal. In the impact tests, the energy absorbed presented relatively low values. Keywords: welding, tubular wire, martensitic stainless steel, mechanical properties. 4791