Análise da fragilidade de solos arenosos em processo de voçorocamento no Sudoeste do Rio Grande do Sul Bomicieli, R. O. 1 ; Deobald, G. A. 1 ; Dalla Rosa, M. P. 1 ; Reckziegel, R. B. 1 ; Bertolazi, V. T.; Pedron, F. A. 1 ; Suzuki, L. E. 2 ; 1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, e-mail: bomicieli@ymail.com; Apresentador 2 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, e-mail: dusuzuki@gmail.com. Resumo Os Neossolos Quartzarênicos são aqueles que apresentam considerável fragilidade devido a sua textura arenosa que confere a estes solos baixa fertilidade natural e alta suscetibilidade à erosão hídrica e eólica. Na região Sudoeste do Rio Grande do Sul (RS) estes solos estão associados a processos de voçorocamento e formação de areais, caracterizando impacto ambiental considerável. Nesse sentido, este trabalho objetivou caracterizar e analisar perfis de Neossolos Quartazênicos em áreas de voçorocamento, visando obter dados que permitam entender melhor as fragilidades destes solos, no intuito de contribuir com o seu manejo sustentável. Verificou-se, através dos dados dos quatro perfis estudados que os Neossolos Quartzarênicos do Sudoeste do RS apresentam textura arenosa e baixa fertilidade natural, que lhes conferem uma baixa resiliência e alta fragilidade natural. Estes solos devem ser manejados com muitos cuidados para evitar danos ambientais irreparáveis. Introdução O emprego de solos de extrema vulnerabilidade à degradação, no processo produtivo, tem condicionado mudanças conceituais no que diz respeito a uso do solo. Na região Centro-Oeste do Brasil, por exemplo, segundo Sales et al. (2010), os incentivos fiscais e a valorização das terras com elevado potencial agrícola levaram à ocupação de solos considerados de baixa aptidão sem a realização prévia da avaliação dessa capacidade de uso, resultando na adoção de sistemas de manejo inadequados. Não diferente disso esta ocorrendo no Sudoeste do Rio Grande do Sul, onde áreas consideradas, antes marginais a produção agropecuária vem sendo constantemente agregadas as já tradicionais. Os solos arenosos são considerados ecologicamente muito frágeis, e o uso agrícola destes deveria ser evitado ou, pelo menos, usados racionalmente, respeitando suas limitações. Na região Sudoeste do Rio Grande do Sul, a ocorrência de Neossolos Quartzarênicos é comum e a sua utilização, principalmente com campo nativo para pecuária de corte, tem trazido prejuízos relacionados à erosão hídrica e eólica. Embora esses solos possuam grande permeabilidade e profundidade (Embrapa, 2006), a sua textura arenosa ao longo do perfil é considerada uma séria limitação referente ao uso. Além de conferir baixa coesão entre as partículas, tornando-os bastantes suscetíveis à erosão, não é raro, após intervenção antrópica, a ocorrência de voçorocas (Keret al., 1992), mesmo em áreas pouco declivosas,
com consequências drásticas, particularmente relacionadas à contaminação e assoreamento dos cursos de água (Oliveira et al., 2001), e aumento dos riscos de desertificação (Corrêa, 1997). No RS os Neossolos Quartzarênicos têm sido muito pouco estudados, havendo uma demanda considerável por informações sobre o comportamento e fragilidade destes solos. Neste contexto, o presente trabalho objetivou caracterizar e analisar perfis de Neossolos Quartzarênicos em áreas de voçorocamento, visando obter dados que permitam entender melhor as fragilidades destes solos, no intuito de contribuir com o seu manejo sustentável. Material e métodos A coleta de amostras e descrição dos perfis foi realizada na região Sudoeste do Estado do Rio Grande do Sul em áreas sob condições de voçorocamento, nos municípios de Quaraí, Manoel Viana e São Francisco de Assis, localizada entre as coordenadas 30.469417 a 29.595844 de latitude Sul e 56.249181 a 55.116833 de longitude Oeste. O clima segundo Maluf (2000) é o TE UM v, onde a temperatura média anual gira ao redor de 17,8 C e a precipitação entre 1.388 mm, podendo ocorrer chuvas torrenciais de mais de 160 mm em 24 horas e geadas de abril a novembro. Períodos com 100 mm de déficit hídrico são verificados em 8 de cada 10 anos e uma vez a cada 10 anos se verifica déficit de 300 mm (Brasil, 1973). Foram selecionados quatro locais de ocorrência dos Neossolos Quartzarênicos, com diferentes feições geomorfológicas. A descrição morfológica e ambiental e a coleta de amostras dos perfis foram realizadas conforme metodologia proposta por Santos et al. (2005). As amostras deformadas foram secas ao ar, destorroadas e passadas em peneiras de malha de 2 mm, para obtenção da terra fina seca ao ar (TFSA). A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta (Embrapa, 1997). As análises químicas de ph em água, Na e K, Ca e Mg, H + Al, Al, carbono orgânico e capacidade de troca de cátions a ph 7,0 foram realizadas de acordo com metodologia padrão descrita em Embrapa (1997). A classificação taxonômica dos perfis foi efetuada pelo Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Embrapa, 2006). Resultados e discussão Os perfis analisados ocorrem em relevo ondulado a suave ondulado, propiciando o aparecimento de voçorocas. Os solos analisados encontravam-se sob campo nativo, com exceção do perfil 2 que encontra-se também sob reflorestamento. O campo nativo para uso de uma exploração pecuária extensiva se mostrou sem maiores cuidados, com a pastagem empobrecida e degradada, apresentando em diversos pontos processos erosivos do tipo voçorocas. Os perfis foram classificados em Neossolo Quartzarênico Órtico típico e Neossolo Quartzarênico Órtico solódico conforme o Tabela 1. Os perfis apresentam boa profundidade e drenagem variando de 140 a 170+ cm. O horizonte A apresenta espessura de até 22cm, exceto o V1, com 65cm. A profundidade do horizonte A é
importante devido a sua maior disponibilidade de nutrientes (Brasil, 1973). Além disso, dada as limitações de retenção de água devido à textura arenosa e ao clima mais seco nesta região, a espessura dos horizontes é importante no desenvolvimento das raízes. Tabela 1. Dados ambientais, morfológicos e classificação taxonômica dos perfis de Neossolos Quartzarênicos estudados neste trabalho. Perfil* Relevo Uso atual Cor úmida no Classificação taxonômica horizonte C (Embrapa, 2006) V1 1 Ondulado Campo nativo 10YR 4/5 Neossolo Quartzarênico Órtico típico V2 1 Suave Campo nativo e ondulado reflorestamento 10YR 4/5 Neossolo Quartzarênico Órtico solódico V3 2 Suave Ondulado Campo nativo 7,5YR 4,5/6 Neossolo Quartzarênico Órtico típico V4 3 Ondulado Campo nativo 5YR 4,5/6 Neossolo Quartzarênico Órtico solódico *Quaraí 1, Manoel Viana 2, São Francisco de Assis 3 As raízes têm boa penetração em todos os perfis diminuindo sua ocorrência com a profundidade (Tabela 2). Esta redução em profundidade deve-se as características fisiológicas e morfológicas das espécies dominantes na cobertura vegetal. Com base nas observações de campo e nos dados de granulometria, os perfis não apresentaram limitações físicas ao desenvolvimento de raízes. A transição entre horizontes apresentou variação nos perfis, com predomínio da transição clara e plana. Nos perfis V3 e V4 a transição do horizonte superficial A para o subjacente ocorre de maneira clara e plana, apenas no V1 e V2 esta transição ocorre de maneira diferente, sendo ela plana e gradual e irregular e abrupta respectivamente. Em relação à granulometria, outro aspecto marcante nestes solos, 100% dela ocorreu na fração terra fina em todos os perfis e horizontes analisados. Na fração terra fina, se verificou o predomínio da fração areia em todos os perfis, ficando eles enquadrados na classe textural areia, apenas nos horizontes C1 do V1 e C3 do V2 houve uma redução no percentual desta fração e uma leve elevação na fração argila ficando eles enquadrados na classe areia franca. Dessa forma a fração argila onde se encontra a reatividade dos solos e por consequência sua fertilidade, tem sua expressão extremamente reduzida. A argila natural (dispersa em água), foi elevada para os 2 primeiros horizontes de cada perfil, com exceção do V1. Houve predomínio de valores acima de 50% do teor da argila total, evidenciando a fragilidade destes perfis a dispersão natural da argila e enfraquecimento dos agregados, o que pode elevar a suscetibilidade destes solos à erosão hídrica. No aspecto químico estes solos possuem uma deficiência significativa dos principais minerais analisados, o que é bastante compreensível visto que estes nutrientes encontram-se na fração argila e esta tem uma participação bastante discreta na composição destes perfis.
Tabela 2. Dados morfológicos relativos à sequência dos horizontes, textura, transição entre horizontes e raízes dos Neossolos Quartzarênicos. Perfil V1 V2 V3 V4 Hz Prof. Areia Silte Argila Total cm ---------------------g kg -1 ---------------------- Argila Natural Raízes Transição entre horizontes* Ap 0 20 955 18 27 7 muitas ir cl A 20 65 947 15 38 8 comuns pl gr C1 65 94 844 34 122 84 poucas cl gr C2 94-150+ 905 29 66 29 poucas A 0 12 942 28 30 18 muitas ir ab C1 12 40 947 30 23 21 comuns cl pl C2 40 80 923 31 46 33 poucas pl gr C3 80 160+ 846 42 112 59 raras A 0 22 949 20 31 22 muitas cl pl C1 22 53 912 35 53 36 muitas cl pl C2 53 93 898 57 45 29 poucas pl gr C3 93 150+ 917 28 55 29 poucas A 0 20 949 14 37 11 muitas cl pl C1 20 66 930 39 31 19 comuns cl gr C2 66-100 915 37 48 36 poucas cl pl C3 100-170+ 947 22 31 7 raras *ir: irregular; cl: clara; pl: plana; gr: gradual; ab: abrupta; Os perfis de uma maneira geral apresentaram uma grande variação nos dados químicos, essa variação é comum levando-se em conta os diferentes locais onde foram coletados. O V1 apresentou melhores condições químicas em relação à disponibilidade de nutrientes para as plantas, mas mesmo este perfil apresenta baixa fertilidade natural capaz de comprometer a produtividade da maioria das culturas de grãos. O V4 apresentou condição química extremamente limitante ao desenvolvimento vegetal. Estas características são dependentes da reatividade dos constituintes minerais e orgânicos que compõem o solo. Foi verificado que os perfis apresentam teor de C org. muito baixo associado ao teor de argila também muito baixo, condição que restringe a qualidade destes solos. Segundo Siqueira Neto (2006), existe uma correlação, nos solos arenosos, entre a CTC e o teor de C org., assim, solos com pouca participação da fração argila em sua constituição, a matéria orgânica toma para si a reatividade do sistema. No entanto, esta relação não foi observada no V1 que apresentou valores baixos para as variáveis C org., argila e valores de CTC superiores aos demais perfis. Os valores relativamente elevados de CTC no V1 são resultados dos altos valores de Ca que, embora não sejam comuns para este tipo de solo, podem ocorrer devido a práticas antrópicas como adubações ou calagens.
Tabela 3. Dados químicos dos perfis de Neossolos Quartzarênicos. Perfis ph H 2 O Ca 2+ Mg 2+ K + Na + Al 3+ H+Al 3+ CTC C ph7,0 V% Al% org. --------------------------------------cmol c kg -1 ----------------------------------------- g kg -1 V1 Ap 5,1 4,6 1,0 0,44 0,27 0,3 1,3 7,5 83 4 0,92 V1 A 5,3 3,8 0,7 0,26 0,27 0,3 1,1 6,1 83 5 0,30 V1 C1 5,4 4,0 0,8 0,20 0,27 0,2 1,5 6,7 78 3 0,66 V1C2 5,4 4,4 0,9 0,20 0,40 0,2 1,1 7,0 85 4 0,23 V2 A 5,4 3,0 0,5 0,52 0,48 0,2 1,9 6,4 71 5 1,17 V2 C1 5,4 0,8 0,1 0,29 0,35 0,5 2,3 3,9 42 24 1,27 V2 C2 5,3 0,3 0,1 0,20 0,30 0,4 2,1 2,9 29 32 0,45 V2 C3 5,3 1,4 0,2 0,17 0,27 0,4 1,7 3,7 55 17 0,24 V3 A 5,0 2,2 0,4 0,38 0,22 0,2 1,9 5,0 63 5 1,96 V3 C1 5,1 0,9 0,2 0,13 0,14 0,4 1,9 3,2 41 23 0,67 V3 C2 5,2 0,9 0,1 0,05 0,05 0,5 2,3 3,3 32 33 0,62 V3 C3 5,2 0,1 0,1 0,04 0,11 0,5 2,5 2,8 12 60 0,18 V4 A 4,8 0,1 0,1 0,13 0,32 0,5 2,7 3,2 17 48 0,91 V4 C1 5,0 0,3 0,1 0,08 0,22 0,6 2,5 3,2 22 45 0,77 V4 C2 5,3 0,0 0,0 0,03 0,16 0,4 2,7 2,9 8 62 0,49 V4 C3 5,2 1,1 0,1 0,05 0,18 0,4 2,3 3,7 38 22 0,27 Os valores de ph, Al 3+ trocável e H+Al foram baixos, sugerindo uma baixa acidez quando comparados a outras classes de solos. No entanto, uma análise mais apurada mostra que no V3 e no V4 os valores de Al% sugerem maior atividade destes cátions ácidos quando comparados aos básicos. O uso das áreas com Neossolo Quartzarênico do Sudoeste do Rio Grande do Sul com pastagens, sem o manejo adequado com reforma e reposição de nutrientes, culmina em reduções mais acentuadas da fertilidade e da matéria orgânica do solo, além de favorecer o desenvolvimento de grandes voçorocas, degradando irreversivelmente o ambiente. Enfatiza-se, ainda, a necessidade de mais pesquisas na região, nas áreas de solos arenosos para viabilizar o aproveitamento das terras dentro de uma perspectiva de desenvolvimento social, preservação ambiental e balanço econômico favorável. Conclusão Os dados morfológicos, físicos e químicos dos Neossolos Quartzarênicos analisados sugerem elevada suscetibilidade a erosão hídrica e eólica e baixa fertilidade natural. Estes solos devem ser utilizados com cuidado para evitar danos ambientais irreparáveis resultantes do processo de voçorocamento. Literatura citada BRASIL, Ministério da Agricultura. Divisão de Pesquisa Pedológica. Levantamento de reconhecimento dos solos do Rio Grande do Sul. Recife: DNPEA-MA, 1973. 431p. (Boletim Técnico N 30)
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