Ciência Florestal, Santa Maria, v. 10, n. 2, p. 31-37 31 ISSN 0103-9954. ADIÇÃO DE ANTRAQUINONA NA POLPAÇÃO ALCALINA DE Eucalyptus saligna



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Transcrição:

Ciência Florestal, Santa Maria, v. 10, n. 2, p. 31-37 31 ISSN 0103-9954 ADIÇÃO DE ANTRAQUINONA NA POLPAÇÃO ALCALINA DE Eucalyptus saligna ANTHRAQUINONE ADDITION IN THE ALKALINE PULPING OF Eucalyptus saligna Lúcia Helena Jerônimo 1 Celso E. B. Foelkel 2 Sonia M. B. Frizzo 3 RESUMO O presente trabalho avaliou diferentes variações dos parâmetros de polpações alcalinas de cavacos de madeira de Eucalyptus saligna, tendo como objetivo estudar a influência da antraquinona (AQ), visando a diminuir os compostos reduzidos de enxofre nas emissões aéreas por meio da redução da sulfidez. Foram realizados oito cozimentos com álcali ativo variando de 19 a 21%, sulfidez de 0 a 20% e antraquinona de 0 a 0,1%, visando aos números kappa de 15,5 ± 1,5, em condições alcalinas controladas pelo fator H. De um modo geral, a adição de antraquinona melhorou a deslignificação, possibilitando a redução da sulfidez. As deslignificações kraft/antraquinona, com sulfidez de 5 e 10%, apresentaram resultados satisfatórios, podendo ser utilizadas em substituição ao kraft convencional, proporcionando redução da sulfidez do processo sem-prejuízos na polpação. A deslignificação soda/antraquinona, apesar de desempenho ligeiramente inferior, tem potencial para instalações industriais onde o problema de odor é crítico. Palavras-chave: antraquinona, sulfidez, deslignificação alcalina, Eucalyptus saligna. ABSTRACT The present work evaluated different alkaline pulping conditions for Eucalyptus saligna wood. The objective was to evaluate the influence of the anthraquinone (AQ) on the reduction of the total reduced sulfur (TRS) in the aerial emissions, by reducing the sulfidity. The experiment consisted of 8 cooking with active alkali varying from 19 to 21%, sulfidity from 0 to 20% and anthraquinone from 0 to 0.1%, aiming to obtain kappa numbers in the range 15.5±1.5. The H factor was used to control the relation time/temperature along cooking. The addition of anthraquinone increased the delignification rate allowing sulfidity reduction. The kraft/aq pulping with sulfidities of 5 and 10% presented satisfactory results, making it possible the replacement of conventional kraft cooking, giving a reduction in process sulfidity without harms in pulping. In spite of a slightly lower performance, the soda/aq cooking has potential to be used where the smell is a critical problem in the industrial operation. Key words: anthraquinone, sulphidity, alkaline pulping, Eucalyptus saligna. 1. Engenheira Florestal, M.Sc., Técnica da Empresa Votorantin Celulose e Papel S.A. São Paulo (SP). 2. Engenheiro Agrônomo, Dr.h.c., Professor Visitante do Departamento de Ciências Florestais, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, CEP 97105-900, Santa Maria (RS). 3. Engenheira Florestal, M.Sc., Professora do Departamento de Química, Centro de Ciências Naturais e Exatas, Universidade Federal de Santa Maria, CEP 97105-900, Santa Maria (RS).

32 Jerônimo, L.H.; Foelkel, C.E.B.; Frizzo, S.M.B. INTRODUÇÃO Ao longo dos tempos, o Brasil vem-se caracterizando como um grande produtor de celulose, principalmente fibra curta de eucalipto, possuindo fábricas modernas que estão, cada vez mais, procurando avanços tecnológicos. Nesse cenário, a preocupação ambiental aumenta a cada dia. As indústrias de celulose são conhecidas pelos impactos ambientais que podem causar, principalmente em relação à poluição do ar e das águas. Um dos principais processos de transformação da madeira em celulose é o processo kraft que, pelo fato de utilizar compostos de enxofre, resulta na geração de odores desagradáveis. Algumas mudanças nos processos de polpação têm proporcionado ganhos na eficiência de reações, principalmente na redução da quantidade de enxofre aplicado. Como conseqüência, a busca para redução das emissões atmosféricas de gases de enxofre tem-se constituído em um objetivo importante para muitas instalações industriais. Uma variação na utilização do processo kraft, para a redução da emissão dos compostos reduzidos de enxofre (TRS, total reduced sulphur ), é o abaixamento da sulfidez no licor de cozimento. A geração de compostos mal odorosos, tais como mercaptanas, gás sulfídrico e dimetil sulfeto, pode ser minimizada pela manutenção da sulfidez em níveis abaixo de 10%. O uso de aditivos auxiliares de deslignificação, principalmente da antraquinona, tem favorecido tal alternativa do processo (OLIVEIRA et al., 1996). O principal objetivo deste trabalho foi verificar a influência da antraquinona na polpação alcalina de Eucalyptus saligna em deslignificações soda e kraft com baixa sulfidez. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O processo kraft é o mais empregado, atualmente, para produção de celulose. Originou-se com base no processo soda pela introdução de sulfeto de sódio, o qual possibilitou diminuir a carga alcalina e melhorar as características da celulose. Apesar das várias vantagens apresentadas, a formação de compostos de enxofre, característicos do processo, causa poluição odorífica, impossibilitando sua utilização em algumas indústrias (GOMIDE et al., 1987). O processo kraft apresenta grandes vantagens sobre os demais, tais como adaptação a todos os tipos de madeira, produção de polpas de alta qualidade com excelentes propriedades de resistências e um eficiente sistema de recuperação de reagentes químicos e energia (GOMIDE et al., 1980). Uma das características principais do processo kraft é a alta qualidade da celulose obtida. Essa qualidade é avaliada basicamente pelo teor de lignina residual (número kappa), grau de degradação dos carboidratos (viscosidade) e propriedades físico-mecânicas. Porém, essas características podem sofrer alterações de acordo com algumas variáveis do processo como carga alcalina, tempo e temperatura de deslignificação, entre outros (SILVA,1994). O odor é um dos principais problemas ambientais de fábricas de celulose. O processo kraft apresenta emissões aéreas poluentes que incluem tanto gases mal-cheirosos, como material

Adição de antraquinona na polpação alcalina de Eucalyptus saligna 33 particulado (FOELKEL et al., 1983). Segundo Kawasaki Kasei Chemical apud SILVA (1994), o melhor método de eliminação dos compostos malcheirosos seria a completa remoção dos compostos de enxofre do processo kraft, o que o transformaria no processo soda. O processo soda apresenta a desvantagem de baixos rendimentos e qualidade inferior da polpa celulósica em relação ao processo kraft. Essas desvantagens são atribuídas ao tempo de deslignificação excessivamente longo e às altas temperaturas e às altas concentrações de soda necessárias para a produção de polpas que possam ser branqueadas. Porém, esse processo seria uma excelente solução de substituição ao kraft, caso conseguissem melhorias na taxa de deslignificação, no rendimento e na qualidade da polpa. A antraquinona (AQ), em adição ao processo soda e em condições otimizadas de deslignificação, tem-se mostrado como uma realidade para tais finalidades (GOMIDE & OLIVEIRA, 1979). Segundo GOMIDE & OLIVEIRA (1979), as reações da antraquinona durante o processo soda e kraft consistem basicamente na oxidação dos polissacarídios da madeira e na hidrólise de ligações éteres da lignina. A antraquinona causa a oxidação do grupo redutor dos carboidratos, estabilizando-os em relação às reações de despolimerização terminal. Essa estabilização resulta em proteção destes contra reações de degradação e solubilização, consequentemente, causando um aumento do rendimento. A ação da antraquinona sobre a lignina é explicada pela reação de hidrólise das ligações ß-éter, ocasionando a formação de fragmentos de lignina de menor massa molecular, o que resulta em uma intensificação da taxa de deslignificação e remoção desta. GIERER (1980) mostra o sistema redox da antraquinona com os polissacarídios e lignina. A antraquinona estabiliza os polissacarídios da madeira, oxidando seus grupos terminais redutores para ácidos aldônicos, sendo por isso, reduzida para antrahidroquinona. A forma reduzida, monoânion de antrahidroquinona, adiciona nucleofilicamente na quinona metídio intermediária do tipo éter β-arila na lignina, promovendo a ruptura dessa ligação e recuperando a antraquinona na forma oxidada. Esse sistema redox funciona, muitas vezes, antes de se condensar de modo irreversível. Blain apud GOMIDE et al. (1980), estudando a polpação alcalina para madeiras de folhosas com sulfidez variando de 0 a 25%, indicam que em qualquer sulfidez, dentro desse limite, a presença de antraquinona proporcionou benefícios significativos, em termos de taxas mais altas de polpação, menores exigências de álcali, além de rendimentos e viscosidades mais altos. FOELKEL et al. (1987) concluíram ser possível trabalhar a baixa sulfidez (10%) com a adição de antraquinona e obter polpa com boas características de qualidade e propriedades físicomecânicas. De acordo com BLAIN (1992), dependendo das características operacionais de cada fábrica, é possível esperar-se uma redução de TRS pela redução da sulfidez com a adição de pequenas quantidades de antraquinona. MATERIAL E MÉTODOS As amostras utilizadas, para a realização deste trabalho, constituiram-se de cavacos de Eucalyptus saligna. As deslignificações foram realizadas em duplicata em um digestor laboratorial

34 Jerônimo, L.H.; Foelkel, C.E.B.; Frizzo, S.M.B. com condiçoes variáveis, visando a obter celuloses com mesma faixa de lignina residual (n. kappa 15,5 ± 1,5). Trabalhou-se com quatro níveis de sulfidez, variando-se o álcali ativo (expresso como NaOH) e a quantidade de antraquinona adicionada (a base de madeira seca). As condições utilizadas para as deslignificações estão apresentadas nos Tabelas 1 e 2. TABELA 1: Condições das deslignificações alcalinas. Fonte de variação Índice Temperatura máxima (ºC) 170 Tempo até temp. máx. (min.) 60 Tempo à temp. máx. (min.) 45 Relação licor-madeira 4:1 Sulfidez (%) 0-20 Álcali ativo (% como NaOH) 19-21 Antraquinona (%) 0-0,1 Fator H 842 TABELA 2: Condições de sulfidez, álcali ativo e antraquinona (AQ) das deslignificações alcalinas. Produto Álcali ativo (%) Sulfidez (%) Antraquinona (%) Kraft 19 20 0 Kraft/AQ 20 10 0,05 Kraft/AQ 20,5 5 0,05 Soda/AQ 21 0 0,1 Para cada deslignificação, a quantidade de cavacos utilizadas foi de 2.000 gse (gramas equivalentes secas em estufa a 105 ± 3 C). Em cada tratamento, realizaram-se duas repetições, somando-se, dessa forma, oito deslignificações. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos para as deslignificações alcalinas estão apresentados no Tabela 3. Observando-se o Tabela 3, nota-se que, apesar da deslignificação kraft apresentar os melhores resultados, tanto para rendimentos e viscosidade, as deslignificações soda/antraquinona e kraft/antraquinona com baixa sulfidez apresentaram resultados comparativos, demonstrando que, com a adição de antraquinona, é possível se obter celulose com rendimentos e qualidades comparáveis com a celulose do processo kraft. Os rendimentos mais baixos encontrados para o tratamento com 10% de sulfidez certamente estão relacionados à maior deslignificação notada para este, o que resultou em número kappa médio de 14,1. Uma menor carga de álcali ativo se justificaria para esse tratamento, possivelmente na ordem de 19,5%. Os teores de rejeito são praticamente nulos para todos os níveis de sulfidez. FERREIRA (1996), trabalhando nas mesmas condições de deslignificação normal, com sulfidez de 8%, obteve os

Adição de antraquinona na polpação alcalina de Eucalyptus saligna 35 mesmos valores para teor de rejeitos e rendimento depurado, ou seja, igual a 51,9%, ficando bem próximo dos valores aqui analisados. TABELA 3: Resultados das deslignificações alcalinas. Caracterização das polpas Tipos de deslignificação Soda/AQ 0%sulfidez Kraft/AQ 5% sulfidez Kraft/AQ 10% sulfidez Kraft 20% sulfidez Rendimento bruto (%) 51,4 52,1 50,9 52,2 Rendimento depurado (%) 51,3 52,0 50,8 52,1 Teor de rejeitos (%) 0,1 0,1 0,1 0,1 Número kappa 15,3 15,8 14,1 16,3 Viscosidade (cm 3 /g) 1.051 1.025 1.053 1.226 Alvura (% ISO) 41,5 40,7 42,0 41,0 Álcali consumido (% base madeira) 11,1 10,8 10,2 11,4 Em que: AQ = antraquinona. O número kappa é utilizado na determinação do grau de deslignificação da polpa e também como parâmetro para a quantificação da carga de reagentes químicos a ser aplicada no branqueamento. De um modo geral não houve diferença na taxa de deslignificação das polpas analisadas pois foi considerada uma faixa ideal de número kappa entre 15,5 ± 1,5. As polpas estudadas, de um modo geral, apresentaram viscosidades altas. Nota-se uma superioridade do processo kraft em relação aos demais, ainda por causa das melhores condições proporcionadas pelo sulfeto de sódio. As polpas kraft/antraquinona (AQ) com baixa sulfidez e soda/antraquinona (AQ) apresentaram viscosidades bem-próximas, mostrando a eficiência da antraquinona em relação à proteção dos polissacarídios, como relatado por GOMIDE & OLIVEIRA (1979) e GIERER (1980). A alvura está intimamente ligada ao número kappa, o qual apresenta relação direta com o teor de lignina residual na polpa (FOELKEL & BARRICHELO, 1975). Quando se observa o Tabela 3, os resultados obtidos mostram uma pequena oscilação nas alvuras, relacionadas ao número kappa obtido, sendo que esses valores se mostram similares àqueles encontrados por FERREIRA (1996), ou seja, próximos a 42%ISO. O consumo de álcali pelas polpas foi praticamente uniforme em todos os níveis de sulfidez, variando de 10,2 a 11,4 %. CONCLUSÕES O processo kraft/antraquinona com baixa sulfidez (5 a 10%) apresentou grande viabilidade como alternativa ao processo kraft convencional por apresentar um bom rendimento de deslignificação.

36 Jerônimo, L.H.; Foelkel, C.E.B.; Frizzo, S.M.B. O processo kraft convencional deve ser utilizado, quando se visa a alcançar maiores viscosidades na polpa. É possível que o processo kraft/antraquinona com baixa sulfidez também possa suprir essa exigência, mas certamente com aumento da dosagem de antraquinona, o que não foi objetivo desse estudo. Pelo fato de não apresentar sulfidez alguma, o processo soda/antraquinona demonstrou potencial de utilização em instalações industriais com problemas ambientais de odor. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Universidade Federal de Santa Maria e à Empresa Klabin-Riocell pelo apoio recebido para a realização deste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLAIN, T. J. Anthraquinone pulping: fifteen years after. Boston: Tappi Pulping Conference, 1992. FERREIRA, G. W. Qualidade da celulose kraft-antraquinona de Eucalyptus dunnii Maiden plantado em cinco espaçamentos em relação ao Eucalyptus grandis Hill ex Maiden e Eucalyptus saligna Smith. 1996. 128 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria. FOELKEL, C.E.B.; BARRICHELO, L. E. G. Tecnologia de celulose e papel. Piracicaba: ESALQ/USP, ESALQ, 1975. 207 p. FOELKEL, C. E. B.; BUSNARDO, C. A.; RATNIEKS, E. et al. Processo kraft-antraquinona: estudo de influência da sulfidez. Guaíba: Riocell, 1987. 17 p. (Relatório Técnico 118). FOELKEL, C. E. B.; HERRERA, J.; VESZ, J. B. et al. Controle das emissões de H 2 S no forno de cal através de suas variáveis operacionais. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE CELULOSE Y PAPEL, 3., 1983, São Paulo. Anais... São Paulo: ABCP, 1983. GIERER, J. Chemical aspects of kraft pulping. Wood Science and Tecnology, New York, v.14, p. 241-266, 1980. GOMIDE, J. L.; OLIVEIRA, R. C. Eficiência da antraquinona na polpação alcalina de eucalipto. Revista Árvore, Viçosa, v. 3, n. 2, p. 208-220, 1979. GOMIDE, J. L.; OLIVEIRA, R. C.; COLODETE, J. L. Produção de polpa kraft de eucalipto, com adição de antraquinona. Revista Árvore, Viçosa, v. 4, n. 2, p. 203-214, 1980. GOMIDE, J. L.; VIVONE, R. R.; MARQUES, A. R. Utilização do processo soda/antraquinona para produção de celulose branqueável de Eucalyptus sp. In: CONGRESSO ANUAL DE CELULOSE E PAPEL DA ABCP, 1987, São Paulo. Anais... São Paulo: ABCP, 1987.

Adição de antraquinona na polpação alcalina de Eucalyptus saligna 37 OLIVEIRA FILHO, A. C.; LIMA, E. R.; SILVA, F. G. et al. Controle das emissões atmosféricas: uma preocupação permanente do setor. Revista O Papel, São Paulo, n. 9, p. 84, 1996. SILVA Jr., F. G. Conversão do processo kraft em soda DDA (sal disódico de 1,4-dihidro-9-10-dihidroxiantraceno) para madeira de eucalipto. 1994. 172 p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia da Madeira) Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba.