Epidemiologia contextos e pluralidade



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Transcrição:

Epidemiologia contextos e pluralidade Renato Peixoto Veras Maurício Lima Barreto Naomar de Almeida Filho Rita Barradas Barata SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros VERAS, RP., et al., orgs. Epidemiologia: contextos e pluralidade [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. 172 p. EpidemioLógica series, n 4. ISBN 85-85676-54-X. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

EPIDEMIOLOGIA Contextos e Pluralidade

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Presidente Eloi de Souza Garcia Vice-Presidente de Ambiente, Comunicação Maria Cecília de Souza Minayo EDITORA FIOCRUZ Coordenadora Maria Cecília de Souza Minayo Conselho Editorial Carlos E. A. Coimbra Jr. Carolina Μ. Bori Charles Pessanha Hooman Momen Jaime Ε Benchimol José da Rocha Carvalheiro Eui% Fernando Ferreira Miriam Struchiner Paulo Amarante Paulo Gadelha Paulo Marchiori Buss Vanize Macêdo Zigman Brener Coordenador Executivo João Carlos Canossa P. Mendes

EPIDEMIOLOGIA Contextos e Pluralidade Organizadores Renato Peixoto Veras Maurício Lima Barreto Naomar de Almeida Filho Rita Barradas Barata Série EpidemioLógica 4

Copyright 1998 dos autores Todos os direitos desta edição reservados à FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ/EDITORA FIOCRUZ ISBN 85-85676-54-X Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica: Guilherme Ashton Copidesque: Jorge Luiz Moutinho Uma Revisão de provas: Fernanda Veneu Supervisão editorial: M. Cecilia Gomes Barbosa Moreira ESTA PUBLICAÇÃO FOI PARCIALMENTE PRODUZIDA COM RECURSOS PROVENIENTES DO CONVÊNIO 123/94 - ABRASCO/FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - COM O OBJETIVO DO DESENVOLVIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA EM APOIO ÀS ESTRATÉGIAS DO SUS. Catalogação-na-fonte Centro de Informação Científica e Tecnológica Biblioteca Lincoln de Freitas Filho V476e Veras, Renato Peixoto (Org.) Epidemiologia: contextos e pluralidade/organizado por Renato Peixoto Veras, Maurício Lima Barreto, Naomar de Almeida Filho e Rita Barradas Barata. Rio de Janeiro: Editora FIOCRU7./ABRASCO, 1998. 172p. (Série EpidemioLógica, 4) 1. Epidemiologia. I. Barreto, Maurício Lima. II. Almeida Filho, Naomar de. III. Barata, Rita Barradas. CDD-20ed.- 614.4 1998 Editora FIOCRUZ Rua Leopoldo Bulhões, 1480 Térreo Manguinhos 21041-210 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (021) 590-3789 - ramal 2009 Fax.: (021) 280-8194

Autores Adauto Araújo Departamento de Endemias Samuel Pessoa da Escola Nacional de Saúde Pública/FiocRuz Carlos Corvalán Escritório de Saúde Ambiental/Organização Mundial da Saúde Cláudio José Struchiner Instituto de Medicina Social/Universidade Estadual do Rio de Janeiro Dirceu B. Greco Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Eduardo Massad Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo Elizabeth David dos Santos Centro Nacional de Epidemiologia da Fundação Nacional de Saúde/Ministério da Saúde Ester Cerdeira Sabino Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo Fernando Rodriguez Artalejo Departamento de Medicina e Saúde Pública/Universidad Autônoma Madri, Espanha José da Rocha Carvalheiro Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo e Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo Luiz Antonio dos Anjos Departamento de Nutrição da Universidade Federal Fluminense e Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Luiz Fernando Ferreira Departamento de Ciências Biológicas da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ M. Elizabeth Halloran Department of Biostatistics, Rollins School of Public Health/Emory University Adanta, Estados Unidos

Marilia Sá Carvalho Departamento de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Mary Jane Paris Spink Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Projeto Bela Vista/OMS Oswaldo Gonçalves Cruz Departamento de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Robert C. Brunet Université de Montréal Canadá Roberto Briceño-León Laboratório de Ciências Sociais/Universidade Central da Venezuela Tord Kjellström Escritório de Saúde Ambiental Organização Mundial da Saúde Valdir de Castro Oliveira Departamento de Comunicação Social/Universidade Federal de Minas Gerais e Conselho Municipal de Saúde de Brumadinho-MG Volney de M. Câmara Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina/Universidade Federal do Rio de Janeiro Willian Saad Hossne Faculdade de Medicina de Botucatu/Universidade Estadual Paulista Organizadores Renato Peixoto Veras Instituto de Medicina Social e Universidade Aberta da Terceira Idade/Universidade Estadual do Rio de Janeiro Maurício Lima Barreto Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia Naomar de Almeida Filho Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia Rita Barradas Barata Instituto de Medicina Social/Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Sumário APRESENTAÇÃO 9 1. Epidemiologia, Estatística, Filosofia e Matemática Cláudio José Struchiner, M. Elizabeth Halloran, Robert C. Brunei & Eduardo Massad. 13 2. Epidemiologia da AIDS: garimpando novos paradigmas José da Rocha Carvalheiro 19 3. Subtipos de HIV-1 no Brasil Ester Cerdeira Sabino 29 4. As Dificuldades para o Desenvolvimento de Vacinas Anti-HIV e a Participação Brasileira nos Ensaios Clínicos Fase I/II com Vacinas Candidatas Dirceu B. Greco 35 5. Proteção Vacinai e Pensamento Mágico: a controvérsia da vacina na perspectiva psicossocial Mary Jane Paris Spink 45 6. Infecções Parasitárias na Pré-história da América do Sul Adauto Araújo & Luiz Fernando Ferreira 51 7. Contribuições da Epidemiologia na Formulação de Planos de Saúde: a experiência espanhola Fernando Rodriguez Artalejo 61 8. Vigilância e Meio Ambiente: aspectos conceituais e metodológicos para áreas de mineração de ouro Volney de M. Câmara 67 9. Análise Espacial por Microáreas: métodos e experiências Marilia Sá Carvalho & Osvaldo Gonçalves Cruz 79 10. Rede e Sistema de Informações: GEENET Ε HEADLAMP Carlos Corvalán & Tord Kjellström 91 11. Eliminação do Sarampo no Brasil Elizabeth Ό avid dos Santos 103

12. Avaliação Nutritional de Adultos em Estudos Epidemiológicos Luiz Antonio dos Anjos. 113 13. A Cultura da Enfermidade como Fator de Proteção e de Risco Roberto Briceño-León 121 14. Os Mídias e a Mitificação das Tecnologias de Saúde Valdir de Castro Oliveira 133 15. Epidemiologia, Desenvolvimento Tecnológico e Ética Willian Saad Hossne 147

APRESENTAÇÃO O presente volume, que reúne importantes contribuições apresentadas no III Congresso Brasileiro de Epidemiologia, II Congresso Ibero-Americano e I Congresso Latino-Americano, testemunha, de maneira ímpar, ainda quando comparado aos demais textos que integram esta série de coletâneas, a diversidade da produção na epidemiologia contemporânea e o vigor de suas inter-relações com diversos campos do conhecimento humano. Propositadamente, os editores escapam aqui às definições temáticas em proveito da abertura do debate epidemiológico à multidisciplinaridade, senão à verdadeira interdisciplinaridade. O livro que o leitor tem em mãos cumpre plenamente as expectativas formuladas no Boletim Especial da ABRASCO, publicado em julho de 1995, logo após a realização do Congresso. Naquela ocasião, a Comissão de Epidemiologia da ABRASCO expressou o desejo de congregar todas as correntes de pensamento atuantes no campo da disciplina, desejo plenamente satisfeito por um congresso que primou pela abertura de novas perspectivas e pelo diálogo da epidemiologia com diversas ciências e práticas. Além disso, a interação entre instituições e grupos de pesquisadores brasileiros e colegas latino e ibero-americanos, também registrada neste

volume, revelou-se muito fecunda e deu origem a parcerias de trabalho e debates que vêm atravessando esses anos transcorridos entre o Congresso de 1995 e a publicação dos trabalhos então apresentados. Seria impossível resumir aqui a variedade de temas que compõem o presente livro e optamos, antes, por tentar delinear alguns eixos que possibilitam encontrar certa unidade em meio à vigorosa diversidade de perspectivas, métodos e propósitos. É possível divisar na epidemiologia contemporânea a abertura para um diálogo profícuo, tanto com as ciências biológicas quanto com as humanas, além de um esforço sistemático de fundamentação epistemológica da disciplina. Nesse último sentido, é muito interessante a tentativa, aqui registrada, de reflexão sobre a interface entre epidemiologia, matemática e filosofia, e seus desdobramentos nas questões metodológicas centrais à evolução recente da epidemiologia. No âmbito do debate simultâneo com as interfaces biológicas e sociais, temos aqui exemplos de como abordar questões contemporâneas complexas, como a pandemia pelo HIV/AIDS, a partir de perspectivas diferentes e complementares que, sem perder sua especificidade e densidade epistemológica própria, contribuem para a compreensão e enfrentamento do problema. Um campo em que estas diferentes perspectivas se imbricam de maneira clara e que constitui um desafio à ciência contemporânea como um todo é a possibilidade de desenvolver vacinas anti-hiv, que aqui comparece sob as óticas da diversidade biológica, da factibilidade de seu desenvolvimento e avaliação in loco dos paradigmas que presidem a dinâmica de investigação e desenvolvimento, assim como da sua interação com sistemas simbólicos de representação social. Muito estimulante, também, é o diálogo da epidemiologia com uma outra disciplina por si só interdisciplinar a paleoparasitologia, que combina um conjunto de estratégias de investigação biológica e histórica. Se antes, no caso da AIDS, falamos da contemporaneidade e de problemas que certamente nos acompanharão no futuro discernível, no caso da paleoparasitologia reconstruímos cenários do passado, estabelecendo, contudo, também um exercício prospectivo, pois como dizia um arguto observador da marcha dos tempos: "quando não conhecemos nosso passado estamos condenados a repeti-lo". Outra linha de inter-relação da epidemiologia, abordada neste livro,

refere-se à utilização de seus conceitos e métodos na implementação de ações de saúde e políticas, tanto sob o ponto de vista macropolítico de um país europeu, como ao estudo de caso de uma aplicação específica da vigilância epidemiológica a 'cenas sociais' que congregam oportunidades, pessoas e questões de saúde: as regiões auríferas. Desdobrando esta última perspectiva, vemos que se tem ampliado enormemente a participação de questões ambientais no âmbito da epidemiologia contemporânea temas abordados por outro texto que discute os riscos decorrentes da exposição a solventes orgânicos, o que se vem fazendo acompanhar por um refinamento das técnicas de análise das questões de saúde no espaço, aqui representadas pela análise de microáreas. Encontramos também tematizado nesta publicação o impacto dos meios de comunicação no desenvolvimento da epidemiologia e o da dinâmica da tecnologia médica no que é veiculado pela mídia. Tem-se aí uma rua de mão dupla: o impacto social das novas tecnologias de comunicação tornando disponíveis informações que subsidiam as análises epidemiológicas e os modos como o progresso tecnológico no campo da saúde são retraduzidos para seus destinatários os pacientes e os espectadores e leitores dos meios de comunicação. Entre os temas de grande relevância social para os países em desenvolvimento, a presente coletânea inclui artigos sobre as perspectivas de eliminação do sarampo no Brasil e as estratégias metodológicas relativas a um problema infelizmente ainda importante entre nós: a desnutrição dos adultos. Deixamos para o final, como que resumindo os desdobramentos de tudo que é discutido ao longo desta obra, duas questões fundamentais a uma disciplina que vem ampliando consideravelmente seu escopo de atuação na sociedade e sua capacidade de intervenção preventiva trata-se dos modos como a 'ciência dos riscos' traduz-se em uma 'cultura da enfermidade' e a bioética. Se quisermos, de fato, fazer com que a epidemiologia constitua um eixo fundamental da saúde coletiva, temos que efetivamente traduzir nossos achados em informações compreensíveis e culturalmente apropriadas; só assim poderemos fazer com que hábitos, comportamentos e mesmo estilos de vida possam ser transformados, de maneira consensual e não-autoritária, em alternativas mais saudáveis para as comunidades e os indivíduos. A questão ética perpassa todas as dimensões abordadas anteriormente, à medida

que a disciplina amplia-se, complexifica-se e corre riscos de 'internalismo' exacerbado, dando as costas a seu propósito básico de ser, a um só tempo, um conjunto sistemático de métodos e um instrumento para aprimorar as condições de vida dos indivíduos e coletividades. Oxalá todas as técnicas e métodos que pudemos ver e rever ao longo dos quatro volumes que compõem a presente série de livros, oriundos do Congresso de Epidemiologia, não nos afastem do humano, demasiadamente humano, que constitui nosso propósito mais profundo e fundamental. Os Organizadores

EPIDEMIOLOGIA, ESTATÍSTICA, FILOSOFIA Ε MATEMÁTICA Claudio José Struchiner, M. Elizabeth Halloran, Robert C. Brunet & Eduardo Massad INTRODUÇÃO Os fatores potenciais que contribuem para a falta de validade quando da avaliação do impacto epidemiológico de intervenções de saúde, em particular vacinas, incluem o complexo papel desempenhado pelos mecanismos imunes, suas implicações para a proteção no nível da população ('imunidade de rebanho' - herd immunity) e os vários mecanismos de transmissão de doenças (direto, sexual, mediado por vetores etc). A inter-relação desses vários aspectos implica o fato de que a infecção de uma pessoa seja dependente da manifestação da infecção em outros indivíduos. A aplicação de princípios gerais de validade em estudos epidemiológicos é discutida por Miettinen (1985) e Rothman (1986), entre outros. Greenwood & Yule (1915), Orenstein et al. (1988) e Comstock (1990) revisam princípios de validade úteis para a avaliação de vacinas no campo. Struchiner et al. (1990), Halloran & Struchiner (1991,1995) e Struchiner & Halloran (1994) introduzem a

definição de medidas de eficácia, discriminando entre efeitos diretos e indiretos de uma intervenção, e explicitam a necessidade de levar em conta a estrutura da infecção dependente entre indivíduos no desenho de estudos epidemiológicos para avaliar intervenções de saúde. INFERÊNCIA CAUSAL EM DOENÇAS INFECCIOSAS INFERÊNCIA CAUSAL Estatísticos e filósofos sempre se preocuparam com a interpretação das relações causais nos estudos observacionais. Os pontos cruciais aqui relacionamse à especificação das condições sob as quais dados não-experimentais permitem estimar efeitos do tipo daqueles revelados pela experimentação. Rubin (Holland, 1986) defendeu um modelo de inferência causal baseado em como seria o resultado (outcome) potencial num indivíduo submetido a cada um dos diferentes tratamentos sob estudo. O problema fundamental de tal modelo é que somente um dos resultados potenciais é observável. O modelo de Rubin propõe uma solução estatística para o problema, tornando explícito um conjunto adequado de pressupostos, alguns dos quais não são passíveis de teste. A independência entre o resultado, em um indivíduo, do tratamento indicado e os resultados relativos a outros indivíduos está entre os pressupostos comumente adotados. A abordagem é conhecida no âmbito das discussões filosóficas contemporâneas da causalidade como a lógica dos contrafactuais (Glymor, 1986), que difere da lógica formal em muitos aspectos importantes: os contrafactuais podem ser logicamente falsos; e os contrafactuais podem logicamente conter um ao outro e diferir de condicionantes materiais ordinárias. Em doenças infecciosas, a transmissão de um hospedeiro para outro depende de quem está infectado na população e a pressuposição crucial da independência é freqüentemente violada. Nesse contexto, as indesejáveis propriedades da lógica dos contrafactuais tornam-se evidentes.

Uma abordagem equivalente à de Rubin é a proposta por Pratt & Schlaifer (1984). Os componentes de seu modelo incluem os conceitos distintos da lei e da regressão estocásticas e os conceitos distintos de fatores e concomitantes. Os problemas enfrentados por um cientista que tenta distinguir entre uma lei estocástica e a associação estatística são, então, ilustrados por um drama em que atuam três atores: a natureza, o 'traquinas' (prankster) e o cientista. Nessa dramatização, as fontes comuns de falta de validade em estudos de inferência causal são determinadas pela forma como o traquinas seleciona unidades experimentais, indica tratamento a unidades e registra dados. DOENÇAS INFECCIOSAS Struchiner & Halloran (1994; 1995) formulam a base teórica para a analogia entre inferência causal e a avaliação da eficácia dos programas de intervenção para doenças infecciosas. Os principais pontos abordados por eles são: Equivalência (faculdade de serem intercambiáveis) Em qualquer estudo epidemiológico concebido para avaliar o efeito de um certo tratamento sobre um resultado de interesse, os grupos de comparação devem assemelhar-se com relação a todos os aspectos materiais, à exceção do seu status quanto ao tratamento. Em outras palavras, eles devem ser intercambiáveis. A faculdade de serem intercambiáveis pode ser parcial ou completa. A primeira garante que seria possível descrever a ocorrência da manifestação de interesse entre os indivíduos tratados, não tivessem eles sido tratados, tomando-se por base os dados observados nos não-tratados. A equivalência completa garante, em acréscimo, que seria possível descrever a ocorrência do resultado de interesse entre os indivíduos não-tratados, tivessem eles estado sob tratamento, com base nos dados observados no grupo sob tratamento. A alocação aleatória de tratamento em indivíduos e o caráter duplocego do estudo não restauram, necessariamente, a equivalência. Contudo, ambos os mecanismos evitam vícios (bias) estatísticos.

Exposição idêntica ao contágio Para que se alcance a equivalência é necessário, entre outras coisas, garantir idêntica exposição ao contágio em ambos os grupos sob tratamento (Halloran & Struchiner, 1995). A exigência de comparabilidade de exposição ao contágio é específica dos estudos epidemiológicos em doenças infecciosas e de uma obtenção mais sutil. É possível definir diferentes medidas de impacto de um programa de intervenção levando em conta a exposição ao contágio nos grupos tratados e não-tratados. Esquematicamente, a exposição ao contágio pode ser idêntica e conhecida, idêntica e desconhecida, diferente e conhecida, e diferente e desconhecida em ambos os grupos sob tratamento. Perfis idênticos para imunidade naturalmente adquirida A exposição passada ao contágio determina o perfil imune de uma população. Idealmente, ambos os grupos sob tratamento deveriam apresentar a mesma distribuição de imunidade naturalmente adquirida. Contudo, este requisito não é suficiente para definir precisamente o impacto de uma medida de controle numa população. De modo análogo à discussão sobre exposição ao contágio, podemos definir, esquematicamente, pelo menos quatro situações de comparação: o perfil imune é igual e conhecido em ambos os grupos; igual e desconhecido; diferente e conhecido; e diferente e desconhecido. Muitas avaliações de efeito descrevem, de fato, uma combinação de três conceitos simultaneamente: efeito biológico, exposição ao contágio e o perfil imune basal (baseline). Para a comparabilidade e precisão, melhor seria desenvolver avaliações de efeito que discriminam entre os vários conceitos. DESENHOS DE ESTUDO, MODELOS ESTATÍSTICOS Ε MATEMÁTICOS As avaliações correntes de efeito podem ser aperfeiçoadas de diferentes modos. Primeiro, é possível limitar-se à exposição ao contágio mediante o uso de desenhos de estudo específicos, que conduzem à estimativa de taxas de ataque secundário. Em segundo lugar, é possível adequar modelos estatísticos aos dados ou desenvolver modelos matemáticos que traduzam conceitos

biológicos e, com isso, controlar a exposição à infecção ou a distribuição prévia do perfil imune. Exemplos dessa abordagem podem ser encontrados em Struchiner et al. (1989), Halloran et al. (1989) e Struchiner et al. (1990). OBSERVAÇÕES FINAIS As avaliações habituais de eficácia, utilizadas para descrever o impacto de intervenções dirigidas às doenças endêmicas, carecem de precisão. Essas avaliações na verdade descrevem vários conceitos simultaneamente. Seguindo a tradição epidemiológica referente às doenças crônicas, é usual que os dados sejam coletados, de modo a aperfeiçoar a estimativa de tais medidas, mediante o controle de fatores potenciais de confusão (confounders), ou que se utilizem, então, de estratégias de desenho de estudo (randomização e procedimentos duplo-cego) de modo a garantir a validade em nível do desenho, entretanto, devido à estrutura de dependência da alocação de tratamento e ao fenômeno sob observação decorrente da própria natureza dos mecanismos de transmissão das doenças infecciosas, essas abordagens não são suficientes. Modelos de inferência causal baseados na lógica dos contrafactuais podem ajudar a entender os estudos observacionais e o significado de avaliações de efeito deles derivadas. Essa abordagem assinala a necessidade adicional de controle quanto à exposição ao contágio e aos perfis imunes determinados pela transmissão basal. Tal objetivo pode ser alcançado pelo uso de modelos estatísticos e matemáticos, ou pelo desenvolvimento de desenhos de estudo especificamente concebidos, de modo a levar em conta a transmissão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMSTOCK, G. W. Vaccine evaluation by case-control or prospective studies. American Journal of Epidemiology, 131:205-207, 1990.

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EPIDEMIOLOGIA DA AIDS: GARIMPANDO NOVOS PARADIGMAS José da Rocha Carvalheiro INTRODUÇÃO A epidemia de AIDS exerceu uma ação demolidora sobre o 'edifício epidemiológico' neste final de século, só comparável ao estrago que a infecção HIV produz no sistema imunológico do indivíduo atingido. Foi chamada inicialmente de síndrome, por falta de agente que a encaixasse no paradigma da epidemiologia biológica convencional da causalidade estrita. O aproveitamento do instrumental técnico da epidemiologia analítica das doenças crônico-degenerativas conduziu a fatores de risco, à definição de grupos e a comportamentos de risco. O isolamento do vírus HIV e sua associação causal com a síndrome mudaram completamente o rumo do consenso inter-subjetivo prevalecente no mundo científico. A antigüidade da noção de 'doença nova' contrapõe-se à novidade da noção de 'doença emergente' e, imediatamente, a indagações a respeito de sua possível inserção

no elenco das zoonoses. Os procedimentos convencionais de vigilância (monitoramento) do vírus ganham importância devido ao desenvolvimento tecnológico da biologia molecular. A desconcertante rapidez de variação permite estabelecer hipóteses a respeito da evolução da patogenicidade do HIV, em virtude do número de indivíduos infectados e do ritmo da transmissão. Surgem, com estardalhaço compreensível pela perplexibilidade diante da epidemia, as propostas da 'epidemiologia molecular' e, como seu corolário, a 'epidemiologia evolucionária'. Identifica-se, sob a nova roupagem de uma sofisticação tecnológica, a persistência de um modelo estritamente 'pasteuriano'. A discussão crítica a respeito dos diversos paradigmas do pensamento epidemiológico já avançou muito, mas conserva ainda um caráter contrahegemônico, diante da óbvia predominância da epidemiologia das causas, única, ou múltiplas, dos fatores e do comportamento de risco. Talvez a AIDS venha a ser o desafio maior capaz de induzir uma verdadeira revolução científica no campo da epidemiologia. A EPIDEMIA HIV/AIDS O surgimento da epidemia de AIDS colocou a saúde pública diante de um desafio portentoso. A contribuição da epidemiologia não obedeceu a nenhum plano de abordagem, procedendo, assim, de forma errática e conflituosa. Coube à vigilância da epidemiologia convencional, ou de características como a denominamos em outro trabalho (Carvalheiro, 1992), papel saliente nos primórdios da epidemia. No início da década de 80 (Grmck, 1989), foi o alerta do sistema de vigilância do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) de Atlanta que permitiu aos médicos americanos ter olhos para ver uma nova entidade mórbida com caraterísticas clínicas e epidemiológicas peculiares. Chamava fundamentalmente a atenção a gravidade de infecções oportunistas em homossexuais masculinos. Esta peculialidade aguçou o apetite dos preconceitos e o novo quadro ganhou a designação de 'peste gaf ' na imprensa leiga. Na imprensa científica, preferiu-

se caracterizá-la como síndrome associada a uma deficiência não-inata do sistema imune. Até hoje é designada Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA OU, como se prefere no Brasil, pelo acrônimo em inglês AIDS). Num precioso artigo publicado na imprensa leiga, Amato Neto (s.d.), parafraseando Samuel Pessoa, transitou pela irônica nomenclatura com que o velho mestre classificava os parasitas: bicho bom, bicho bobo e bicho besta. Bom é o objeto de estudo da parasitologia. O bobo aparece no campo microscópico ou nos fluidos orgânicos sem ter nada a ver com o processo estudado, mas também não atrapalha. Ninguém o incrimina. Besta é o que, quando aparece, causa confusão. No início da epidemia, os oportunistas deixaram de ser bobos ou bestas e, antes da teoria viral, chegaram a ser encarados como prováveis bichos bons. Sem um agente etiológico definido, os epidemiologistas puseram-se em campo com as armas poderosas da epidemiologia dos fatores de risco: um rol de variáveis suspeitas e computadores de grande porte. Claro, e muito dinheiro. Foi um momento de euforia dos que cultivam a epidemiologia como a arte de elencar os fatores de risco em ordem decrescente de uma suposta importância, estimada pelo 'risco relativo', à semelhança de uma lista de livros ou CDs mais vendidos (best-sellers). Alguns a denominam epidemiologia convencional, outros, epidemiologia clínica. Almeida Filho (1992) a considera o segundo paradigma, cultuadora de um Objeto resíduo'. Enquanto durou, a euforia foi infinita (com perdão da memória de Vinícius). Na impossibilidade de saber Ό que' seria, pelo menos se poderia avançar no conhecimento dos fatores associados à emergência da síndrome. Estudos retrospectivos de casos permitiram esquadrinhar comportamentos e práticas, chegando ao sexo anal receptivo como o grande vilão, especialmente quando associado à multiplicidade de parceiros, configurando a promiscuidade como característica de um conjunto da população que passou a ser chamado de 'grupo de risco'. A descoberta do vírus HIV e sua conseqüência imediata, a elaboração de testes diagnósticos sorológicos, transformaram radicalmente a situação. A primeira e mais óbvia, descoberto o bicho bom, foi atirar definitivamente os oportunistas para a categoria de bestas. Como corolário, sendo vírus haveria de ter uma história natural. À semelhança de outras viroses, descobrir-lhe o

ciclo tornou-se, imediatamente, objeto de intensa atividade científica em todo o mundo. Um retorno ao que Almeida Filho (1992) chamou primeiro paradigma, ou da causalidade estrita, e outros, por exemplo Mac Donald (1957), chamaram epidemiologia biológica. Como acontece com outros vírus, um mergulho na estrutura epidemiológica, na concepção reterida em trabalho anterior (Carvalheiro, 1992), permitiria responder a indagações de extraordinária pertinência. Não apenas quanto aos mecanismos de transmissão, e é bom lembrar que, pelo menos, durante curto tempo, chegou-se a incriminar a participação de insetos uma busca incessante pelo cumprimento dos postulados de Koch, complementados por Manson, que dão corpo à teoria microbiana com transmissão por artrópodes - mas, também, quanto à possível existência de reservatórios animais, configurando uma zoonose. Imediatamente, então, macacos de diversas procedências passaram a ser investigados. Os conceitos fundamentais do que poderia ser chamado uma epidemiologia ecológica puderam ser explorados ao extremo, na linha tão bem desenvolvida por parasitologistas como Pavlovsky (1964) e retomada, mais recentemente, pela extraordinária perspicácia de autores como Burnet & White (1972). Outros desdobramentos foram decorrência direta da descoberta do vírus HIV e da invenção dos testes diagnósticos, não apenas os sorológicos, e também os de identificação direta do vírus por procedimentos da biologia molecular como PCR e heteroduplex. É a retomada da epidemiologia de risco não mais associada exclusivamente à doença, mas sim à infecção, pois, agora, é possível diagnosticá-la antes do surgimento dos sinais e sintomas de AIDS. Puderam ser definidas coortes para estudos prospectivos, escolhidas entre indivíduos livres de infecção, nos limites estritos de testes diagnósticos cada vez melhores, com sensibilidade e especificidade, ambas próximas de 100%. As buscas terminaram por ampliar o espectro da história natural do vírus HIV. Outros mecanismos de transmissão foram descobertos, incriminando sangue e hemoderivados. Grupos tão diversos, como hemofílicos e usuários de drogas ilícitas por via endovenosa foram incluídos na história natural; e também pequenas vítimas de transmissão congênita ou de infecção no canal do parto ou, ainda, do tão valorizado aleitamento materno. Mulheres pertencentes a etnias que praticam a amputação do clitóris ou a inlundibulação, talvez como prevenção da lascívia, incorporaram-se a

esse exército de vítimas que recruta em categorias cada vez mais variadas. Os avanços no delineamento da história natural do vírus HIV, na linha dos trabalhos de feição ecológica semelhantes aos consagrados pelos já mencionados Burnet & White (1972), foram complementados por aprofundamentos em duas direções quase diametralmente opostas. De um lado, no campo biológico, buscou-se desvendar os mecanismos íntimos da relação xeno-parasitária no nível individual. Conhecer a imunopatologia dessa relação, extremamente complexa, é considerado indispensável para orientar as ações de prevenção em todos os níveis: cura definitiva, limitação do prosseguimento da ação patogênica ou, mesmo, proteção individual específica. Por outro lado, como é cada vez mais freqüente na epidemiologia atual, junto da história natural (ecológica) dos agentes, há que se explorar a natureza histórica das doenças no homem que a eles se associam. Se às outras indagações pode faltar a perspectiva das ciências humanas (a história, a geografia, a sociologia, a antropologia, a psicologia social), a esta definitivamente não. Este é o terreno do debate atual da construção do objeto da epidemiologia (social). Sem ser uma mera justaposição de 'olhares', ela deve incorporar saberes que se expressam em outros domínios. Para não perder sua especificidade há de encontrar categorias de análise ligadas à dimensão coletiva do processo saúde e doença, cuja transformação possa ser compreendida através da identificação de processos que operam em outros níveis de agregação ou mesmo em outras estruturas de mesmo nível. Assim é que, para discutir se a AIDS é doença nova ou emergente, pode-se recorrer a procedimentos derivados da biologia molecular, sem que a questão se reduza a buscar neste campo a resposta para todas as dúvidas. Isto é indispensável se quisermos acompanhar Grmek (1993) naquilo que parece mas não é mero jogo de palavras: nos casos como o da AIDS devemos contrapor a emergência de uma doença nova à novidade de uma doença emergente. Descartadas as hipóteses de produção artificial deliberada ou ocasional de um vírus extremamente patogênico ex novo, resta-nos buscar na árvore genealógica do vírus HIV, obtida com técnicas da moderna biologia molecular, as possíveis relações com outros vírus encontrados em associação xenoparasitária com o homem e com outras espécies animais. Esta, que já se está chamando epidemiologia evolucionária, parente próxima da epidemiologia molecular, é no entanto insuficiente. Para formular hipóteses

a respeito da origem do vírus HIV, devemos associar o conhecimento gerado neste âmbito biológico ao que resulta da análise da epidemia de AIDS, com o instrumental teórico e metodológico das ciências humanas (Grmek, 1995). Não é muito diferente do que propõe, como objeto da epidemiologia social, o debate recente na área, pelo menos na América Latina. Para se chegar à formulação de hipóteses, como a de um processo seletivo para a origem da extrema patogenicidade do vírus HIV no homem, esse é o caminho. Só assim poderá ser afastado o sentido apocalíptico com que alguns autores apresentam o cenário de progressão da epidemia de AIDS no mundo do século XXI (Myers, 1994). Discutir se a atual epidemia tem origem animal, configurando uma antropozoonose (ou antroponose), vai ainda pelo mesmo rumo. E, também, a suspeita da origem humana de surtos descritos em macacos cativos (zooantroponose?). CONTROLE DA EPIDEMIA O surgimento de uma doença da gravidade da AIDS, espalhando-se com caráter epidêmico em grupos definidos da população, localizados geograficamente, conduziu a propostas de controle que, às vezes, se aproximaram da 'solução final' nazista. Confinamento, proibição de circular livremente, no sentido ambulatório estrito e/ou no sentido sexual, estiveram sempre presentes como propostas. Só não se propôs, explicitamente, matar os portadores do vírus. O que, de resto, segundo algumas hipóteses da epidemiologia evolucionária, poderia ter ocorrido naturalmente no passado: o vírus, muito antigo, não teria conseguido espalhar-se porque, extremamente patogênico e incidindo em pequenos aglomerados humanos, matara os portadores c morrera com eles como possibilidade histórica. A compreensão da dinâmica do processo epidêmico, como é designado por Sinnccker (1976), ou, mais propriamente, do processo endemo-epidêmico da AIDS é fundamental. Para intervir necessitamos saber como. A maneira preconceituosa como alguns setores continuam a tratar as vítimas deste flagelo do fim do século só encontra explicação na ignorância dos reais contornos e mecanismos da epidemia.

A contribuição da nova epidemiologia molecular deve representar, como 'novo instrumento cognitivo', o mesmo que Fantini (1992) associa à biologia molecular, quando afirma ser esta "capaz de tornar visíveis quadros patológicos imperceptíveis em outros contextos e de fornecer instrumentos científicos e epistemológicos para uma redefinição do conceito de doença". Não pode faltar, nesta discussão, a certeza de que a complexidade do processo endemo-epidêmico da AIDS exigirá uma reconstrução do edifício epidemiológico. A epidemiologia dos fatores de risco, importante numa fase anterior da epidemia, mostra-se incompetente para dar conta da sua atualidade e do seu futuro. A incompetência tem aqui um sentido jurídico: esta epidemiologia do segundo paradigma (Almeida Filho, 1992) não é o foro adequado para esclarecer o desenvolvimento da epidemia. Não podemos deixar passar sem menção esta incompetência, no sentido vulgar, da epidemiologia dos fatores de risco quando se torna estritamente prescritiva de comportamentos mais saudáveis, ou menos arriscados. O já mencionado Sinnecker (1976) utiliza a varíola como ilustração de seus conceitos. Era um exemplo de pandemia em vias de extinção, à época em que o prefácio da edição alemã foi escrito (1970). É um exercício curioso aplicar tais conceitos no caso da AIDS, que se apresenta como pandemia 'em estado nascente'. A primeira idéia foi a de casos esporádicos isolados, sem conexão entre si, ou, na visão de Sinnecker (1976), de ocorrência não limitada no tempo nem no espaço. Os esforços dos técnicos do CDC de Atlanta conseguiram estabelecer não só cadeias de transmissão entre homo e bissexuais masculinos, mas também indicaram o papel do sangue contaminado na propagação. Desde então, a grande dúvida: endemia, epidemia ou pandemia? Sinnecker (1976) descreve a varíola, em 1970, como pandemia em contração. Limitada no tempo, mas não no espaço, ao atingir ainda diversos países de vários continentes. A maioria já não exibia casos, ou apenas os apresentava esporadicamente, isolados. Em outros, a ocorrência era constante, sem restrição no tempo, mas com restrições maiores ou menores no espaço. Entre eles estava o Brasil, com as chamadas áreas endêmicas. Os surtos de doença em massa, configurando epidemias, ocorrências limitadas no tempo e no espaço, podiam originar-se, no limite, até mesmo de um simples caso isolado. Ε relatada uma pequena epidemia, na Polônia, país então livre da

doença, em 1963, oriunda de um único caso, mal diagnosticado, que transmitiu a doença a três profissionais da saúde e, daí, explodiu, tornando sem efeito o diagnóstico original de malária e subseqüente de varicela. Outras vezes, as epidemias surgem como aumentos acima do esperado em áreas endêmicas reconhecidas. A unificação de epidemias locais pode levar a pandemias. No estado atual, a epidemiologia molecular está ajudando a indicar rotas prováveis de difusão da epidemia de AIDS, permitindo identificar no tráfico de vírus, até mesmo entre continentes, uma razão pelo menos tão importante quanto a variabilidade do vírus para a propagação da epidemia (Myers, 1994). Quem sabe será capaz de ajudar na identificação da complexa trama de relações sociais envolvida no processo endemo-epidêmico da AIDS. Por enquanto, tudo leva a crer que se trata mesmo de pandemia em estado nascente, havendo dúvidas a respeito de quantos são os centros de irradiação (Myers, 1994). Folscheid (1995), em uma lúcida entrevista concedida à revista francesa La Recherche, coloca brasas vivas sobre as feridas. Transita por tópicos tão polêmicos quanto a tradição mítica no mundo ocidental de associar paixão e morte, pelos jogos arriscados a que se dedicam segmentos da atual população em escala planetária. Num ludismo sem inocência, em que as relações amorosas conservam algum 'don juanismo', mas incorporam um caráter predatório ao novo tipo de sedução. Comenta a inoperância do discurso utilitário das campanhas oficiais de incentivo ao uso do preservativo e enfatiza as imensas dificuldades de um processo educativo em profundidade, capaz de reciclar princípios éticos contextualizados pela modernidade das relações, que supere as falácias da alternativa da propaganda. Esta, através de um discurso que veicula a idéia segundo a qual proteger-se não é difícil, parece acreditar que o mero apelo à responsabilidade individual será capaz de evitar a contaminação, agarrando-se a uma mentalidade estritamente 'pasteuriana' e sonhando com um novo Pasteur que tire da manga um remédio capaz de vencer sozinho a epidemia (Folscheid, 1995).

No garimpo dos novos paradigmas, a epidemiologia na América Latina, social, crítica, conturbada, incompreendida, poderá finalmente emergir com as credenciais construídas em quase três décadas de aprofundamento epistemológico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA FILHO. A Clínica e a Epidemiologia. Salvador: Apce, Produtos do Conhecimento, 1992. AMATO NETO. Bicho Bom, Bicho Bobo e Bichídeo (comunicação pessoal), s.d. BURNET, F M. & WHITE, D. O. Natural History of infectious Disease. 4.ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1972. CARVALHEIRO, J. R. Qualidade em saúde em tempo de crise. Divulgação em Saúde para Debate, 7:20-27, 1992. FANTINI, Β. La Biologia molecolare e il concetto di malatria. In: GOUREVITCH, D. (Org.) Maladie et Maladies, Histoire et Conceptualisation. Genève: Librairie Droz, 1992. FOLSCHEID, D. Nous sommes encore trop imprégnés de la mentalité pastorienne. La Recherche, 273: 212-214, 1995. GRMEK, M. Histoire du Sida. Paris: Payot, 1989. GRMEK, M. Le concept de maladie émergente. Hist. Phil. Life Sci:,15:281-296,1993. GRMEK, Μ. O enigma do aparecimento da Aids. Estudos Avançados, 9(24):229-239,1995. MAC DONALD, G. The Epidemiology University Press, 1957. and Control of Malaria. London: Oxford MYERS, G. HIV: between past and future. Aids Res. and Human Retrou, 10(11):1317-1324, 1994. PAVLOVSKY. NaturalNidaüty of Transmissible Diseases. Moscow: Peace Publishers, 1964. SINNECKER. General Epidemiology. London: John Wiley and Sons, 1976.

SUBTIPOS DE HIV-1 NO BRASIL Ester Cerdeira Sabino O HIV-1 é um vírus com alta taxa de mutação. Isto faz com que praticamente cada partícula viral contenha um genoma diferente das demais. Para descrever esta alta variedade do HIV, foi utilizado o conceito de 'quasispescie' (Meyerhans et al., 1989), em que o HIV é visto como uma população de vírus e não como um genoma único. A diversidade do HIV-1 está em torno de 6% num mesmo indivíduo, podendo chegar a 50% entre indivíduos de diferentes regiões geográficas (Myers et al., 1992). Com essa alta taxa de variação, é de se esperar que o vírus apresente características biológicas diferentes. Por outro lado, tal diversidade dificulta uma classificação coerente das diversas cepas. A diversidade do HIV tem sido estudada sob vários prismas. Uma das primeiras características detectadas foi a forma como algumas cepas cresciam em cultura. Enquanto algumas cresciam lentamente e não causavam sincício in vitro, outras causavam sincício e cresciam rapidamente e em altos títulos (Cheng-Mayer et al., 1988). Posteriormente, foi demonstrado que indivíduos

que apresentavam as cepas indutoras de sincício evoluíam de modo mais acelerado para a doença (Tersmette et al.,1989). Uma outra forma de se estudar a variabilidade genética do HIV é pela análise filogenética. Por meio de análise filogenética do gene env (Myers et al., 1992) ou do gene gag (Louwagie et al., 1993) de cepas de HIV, isoladas no mundo inteiro, foi possível a divisão do HIV-1 em dois grupos: Μ (de major) e O (de outlier) (Myers, 1994). No grupo Μ está classificada a maioria das cepas responsáveis pela epidemia de AIDS. Este grupo está dividido em pelo menos oito subtipos denominados de A a H, que divergem entre si em torno de 30%, na região do envelope (vide Tabela 1 para ver o local onde estes subtipos são encontrados). O grupo O representa 5% dos casos de HIV presentes na República dos Camarões e diverge em 50% das outras cepas do grupo Μ (Nkengasong et al., 1994a). A análise filogenética feita com cepas representativas dos oito subtipos do grupo Μ sugere que todos tiveram um único ancestral em comum (Korber et al., 1994; Myers, 1994). O grupo O, ao contrário, parece ter evoluído a partir de um ancestral diferente daquele que deu origem aos demais subtipos de HIV

Um dos problemas no estudo dos subtipos de HIV é que essa classificação baseava-se na técnica de seqüenciamento que é cara e trabalhosa e, em geral, só pode ser realizada em um número pequeno de amostras. Recentemente, foi desenvolvido um ensaio (heteroduplex mobility essay) que permite a subtipagem de HIV sem a necessidade de seqüenciamento. lista técnica baseia-se na mobilidade de fitas híbridas de produto de PCR em gel de acrilamida e permite o estudo de um maior número de amostras, num tempo menor, do que a técnica de seqüenciamento (Delwart et al., 1993). Ela foi avaliada por um grupo de trabalho internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS) para caracterização e isolamento de HIV em todo o mundo, e escolhida como a técnica de triagem para subtipagem do HIV (Bachman et al., 1994). No Brasil, 199 amostras foram estudadas através de seqüenciamento ou pela técnica de HMA e três subtipos foram detectados: B, C e F (Potts et al., 1993; Sabino et al, 1995) (Cf. Tabela 2). A maioria das amostras foram classificadas no subtipo B. Tabela 2 - Subtipos de HIV-1 presentes no Brasil

Foram avaliadas em nosso estudo setenta amostras de indivíduos soropositivos da cidade de São Paulo. O subtipo F foi relacionado ao uso de drogas endovenosas (Sabino et al., 1995). Quatro entre doze usuários de droga eram subtipo F. Das outras dez amostras de subtipo F encontradas nos outros estudos, apenas se tem os dados epidemiológicos de seis indivíduos: um usuário de droga; duas mulheres infectadas por relação heterossexual; dois homossexuais e um homem sem fator de risco definido. Três amostras C foram encontradas no Rio Grande do Sul e uma na cidade de São Paulo (WHO, 1994; Sabino et al, 1995). Ainda não sabemos qual o significado biológico dos subtipos genéticos de HIV. Cepas indutoras de sincício e não-indutoras de sincício foram encontradas em amostras de todos os subtipos. São necessários estudos para determinar como se comportam os diversos subtipos em relação à evolução clínica, transmissibilidade e resposta imunológica. Ε também possível que vírus de um mesmo subtipo tenham características diferentes. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa, onde o subtipo Β prevalece, a maioria das cepas contém no topo da alça V3 quatro aminoácidos que são relativamente conservados (GPGR) (Myers et al, 1992). As cepas brasileiras são mais variáveis nessa região, cerca de 30% contêm o motivo GWGR (Potts et al, 1993; Louwagie et al, 1994). A troca de uma prolina por um triptofano altera a conformação tridimensional deste epitopo importante. Assim, é possível que as cepas GWGR tenham um comportamento biológico muito diferente de outra do mesmo subtipo, porém com a seqüência GPGR no topo da alça V3. Nesse sentido, Korber et al. (1994) tentaram caracterizar o HIV-1 de acordo com a conservação dos aminoácidos na alça V3. Através de análise fenética as cepas foram divididas em 14 grupos. Esta análise também é recente e seu significado biológico ainda está para ser determinado. Também não sabemos se será necessário uma vacina para cada subtipo de HIV. Estudos iniciais sugeriam uma concordância entre subtipo genético e resultados obtidos por testes de neutralização (Mascola et al, 1994). Estes resultados não foram confirmados por outros grupos (Nkengasong et al., 1994b). Na verdade, não sabemos nem mesmo se anticorpos neutralizantes terão alguma função protetora nos indivíduos vacinados.

O encontro de subtipos diferentes em uma mesma população nos permitirá estudar mais facilmente o fenômeno de dupla infecção. A dupla infecção já pode ser demonstrada em pelo menos dois indivíduos que foram expostos, ao mesmo tempo, a dois vírus diferentes (Zhu et al, 1995; Diaz et al, 1994). Um caso de vírus recombinante entre o subtipo Β e F pode ser encontrado em nosso meio (Sabino et al, 1994). Resta saber se um indivíduo infectado por um vírus pode, subseqüentemente, se infectar por outro. Concluindo, a classificação atual do HIV é baseada em dados da seqüência do genoma viral. Ainda não sabemos o significado biológico desta classificação. Em países como o Brasil, onde mais de um subtipo é prevalente, os estudos para avaliar as diferenças clínicas e imunológicas destes vírus são de fundamental importância. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHMAN et al. Rapid genetic characterization of HIV-1 from four WHOsponsored vaccine evaluation sites using heteroduplex mobility assay. Aids Res Hum Retrov, 10:1345-1353, 1994 CHENG-MAYER, C. et al. Biological features of HIV-1 that correlate with virulence in the host. Science, 240:80-82, 1988. COUTO-FERNANDEZ, J. C. et al. Genetic and antigenic variability of HIV-1 strain isolated in Brazil. Aids Res Hum Retrov, 10:1157-1163,1994. DELWART, E. L. et al. Genetic relationships determined by a DNA mobility assay: analysis of HIV-1 env genes. Science, 262:1257-1261, 1993. DIAZ, R. et al. Evidence of dual HIV-1 infection and recombination in dually exposed transfusion recipient, Journal of Virology, 69:3272-3281, 1994. KORBER & et al. Mutational trends in V3 loop protein sequences observed in different genetic lineages of human immunodeficiency virus type-1. Journal Virology, 68:6730-6744, 1994. LOUWAGIE, J. et al. Phylogenetic analysis of gag genes from seventy international HIV-1 isolates provides evidence for multiple genotypes. Aids, 7:769-780, 1993.