DIREITO PROCESSUAL PENAL 4.º ANO DIA/ TÓPICOS DE CORREÇÃO

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Transcrição:

DIREITO PROCESSUAL PENAL 4.º ANO DIA/2017-2018 Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes Colaboração: Prof.ª Doutora Teresa Quintela de Brito, Mestres João Gouveia de Caires, David Silva Ramalho e Mafalda Moura Melim Exame escrito 19 de junho de 2018 TÓPICOS DE CORREÇÃO Questão n.º 1: Alberta poderia recorrer da aplicação da prisão preventiva (art. 219.º do CPP), invocando os seguintes fundamentos: No que respeita aos princípios, encontrando-se o processo na fase de inquérito, o Juiz de Instrução não poderia proceder, oficiosamente, à aplicação de medidas de coação, exigindo-se o requerimento do MP (art. 194.º, n.º 1 do CPP). Perante este requerimento, o Juiz de Instrução só poderia aplicar medida mais grave, quanto à sua natureza, do que a promovida pelo MP invocando e demonstrando os fundamentos constantes das als. a) e c) do art. 204.º do CPP, conforme estabelece o art. 194.º, n.º 2 do CPP. Ora, o Juiz de Instrução sustentou a decisão no perigo de perturbação do inquérito, o que se reconduz à previsão da al. b) do art. 204.º do CPP. Consequentemente, com base nesta argumentação, o Juiz de Instrução não poderia submeter a Arguida a prisão preventiva, visto que o MP tinha requerido a aplicação de uma obrigação de permanência na habitação (art. 194.º, n.º 3, do CPP). Tal corresponde ao equilíbrio entre o princípio da judicialidade/reserva de juiz e a direção do inquérito (atribuída ao MP). Quanto aos pressupostos específicos relativos à aplicação da prisão preventiva, importa sublinhar que se trata de uma medida de coação subsidiária, porque especialmente lesiva dos direitos fundamentais do arguido (art. 193.º, n. os 2 e 3 do CPP). Assim, apesar de existirem fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena superior a 5 anos de prisão (art. 202.º, n.º 2, al. a), do CPP), haveria que demonstrar, em concreto e na fundamentação da decisão a insuficiência das outras medidas de coação para garantir as necessidades cautelares do processo (art. 202.º, n.º 1, do CPP), ou seja, haveria que evidenciar a absoluta necessidade da medida mais 1

gravosa por ser insuficiente qualquer outra face aos perigos a acautelar (ultima ratio e respeito pelo princípio da subsidiariedade). Paralelamente, Alberta podia requerer ao Juiz de Instrução a revogação da medida, nos termos do art. 212.º, n.º 1, al. a), e n.º 4 do CPP, por ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei. Seria valorizada a exclusão da providência de habeas corpus (art. 222.º do CPP), atendendo à jurisprudência do STJ relativa à interpretação da al. b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP. Questão n.º 2: Seria competente para o julgamento da Arguida pelos crimes de que foi acusada o tribunal judicial de 1.ª instância da Comarca de Lisboa Oeste, que julgaria em coletivo. Relativamente ao processo respeitante ao homicídio de Bártolo, seria materialmente competente o Tribunal judicial de 1.ª instância, por exclusão de partes, dado não preencher o âmbito dos arts. 11.º e 12.º do CPP. A competência em razão da estrutura cabia ao Tribunal coletivo (critério qualitativo previsto no art. 14.º, n.º 2, al. a), do CPP, dado tratar-se de um crime doloso e do qual é elemento do tipo a morte de uma pessoa). A competência territorial estava atribuída à comarca de Lisboa Oeste, dado ser o Tribunal em cuja área o agente atuou, i.e., Sintra (art. 19.º, n.º 2, do CPP, por exclusão dos critérios especiais constantes do art. 20.º ss. do CPP e porque se trata de um crime em que é elemento do tipo a morte de uma pessoa). Relativamente ao processo respeitante à tentativa de homicídio de Carla, seria em tudo idêntica à aferida no parágrafo anterior com as seguintes alterações: no que respeita à competência material, seria igualmente competente o Tribunal coletivo pelo critério qualitativo previsto no art. 14.º, n.º 2, al. a), do CPP, dado que a tentativa é sempre dolosa e é uma forma (ou tipo dependente) do tipo consumado, pelo que apesar de não haver consumação isso não obsta ao preenchimento daquela reserva de competência. De igual modo, no que respeita à competência territorial, seria também competente o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste em virtude do art. 19.º, n.º 4 do CPP: local da prática do último ato de execução, ou seja, Sintra. Podendo discutir-se se seria aplicável, em alternativa, o n.º 2 do art.º 19.º do CPP, sendo certo que seria igualmente competente o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, dado o agente ter atuado em Sintra. 2

Em princípio, seria organizado um único processo para a investigação dos dois crimes. Resta saber se seria necessário aplicar os critérios de conexão de processos para esse efeito, ou se tal resultaria de uma apensação natural. Para quem defenda a necessidade de resolver o caso com recurso às regras sobre a competência por conexão, seria exigida a demonstração dos respetivos requisitos: pluralidade de processos (real ou hipotética); que se encontrem todos na mesma fase (art. 24.º, n.º 2, CPP); que não se verifique nenhuma exceção à conexão nem havendo limites à conexão (art. 26.º do CPP). Não havendo pluralidade de tribunais competentes, ficaria dispensada apenas a aplicação dos arts. 27.º e 28.º do CPP. Seria ainda exigida uma situação típica de conexão de processos: neste caso, o mesmo agente praticou vários crimes na mesma ocasião (e lugar), nos termos do art. 24.º, n.º 1, al. b), do CPP, sendo, ademais, o seu conhecimento da competência de tribunais da mesma comarca. Assim, seria competente para o julgamento de Alberta, pelo homicídio de Bártolo e pela tentativa de homicídio de Carla, o tribunal judicial de 1.ª instância da Comarca de Lisboa Oeste, que julgaria em coletivo. Questão n.º 3: Num primeiro momento, importa sublinhar que Carla poderia requerer a respetiva inquirição durante a instrução. Com efeito, tanto na qualidade de vítima (arts. 67.º-A, n.º 1, al. a), i), do CPP) como de assistente (art. 68.º, n.º 1, al. a), do CPP), é-lhe concedida a possibilidade de solicitar esta audição (arts. 292.º, n.º 2, e 69.º, n.º 2, al. a), do CPP). Em segundo lugar, cumpre recordar o disposto nos arts. 286.º, 289.º e 290.º do CPP. De acordo com estes preceitos, a instrução destina-se a comprovar, judicialmente, a decisão de acusação ou arquivamento proferida no final do inquérito, com o intuito de determinar a necessidade de submeter a causa a julgamento. Por esse motivo, o seu conteúdo resume-se aos atos necessários a esta comprovação, com exceção do debate instrutório, que é obrigatório. Consequentemente, o Juiz de Instrução poderá indeferir a prática dos atos que entenda não servirem tal finalidade (art. 291.º, n.º 1, do CPP). Desse modo, o fundamento do indeferimento do Juiz de Instrução reconduzia-se, neste caso, à previsão do art. 291.º, n.º 3, do CPP, visto que Carla tinha já sido ouvida no inquérito. Ainda assim, Carla poderia reagir contra esta decisão. A este respeito, dispõe o art. 292.º, n.º 2, do CPP que o Juiz de Instrução ouve a vítima sempre que esta o solicite. Trata-se, por isso, de um ato legalmente obrigatório, 3

quando requerido. Em consequência, a preterição deste ato in casu, através de uma decisão de indeferimento gera uma nulidade dependente de arguição (art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP), que segue o regime do n.º 3, al. c) da mesma disposição (1). Assim, Carla deverá arguir a nulidade até ao encerramento do debate instrutório. Neste ponto, importa determinar o concreto mecanismo que permite a Carla arguir essa nulidade. Segundo o art. 291.º, n.º 2, do CPP, dos despachos que indeferem atos de instrução requeridos pelos sujeitos cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a indeferir. Como resulta evidente, este normativo ocupa-se, genericamente, das diligências probatórias promovidas pelos sujeitos em sede de instrução, constituindo uma exceção à regra da recorribilidade consagrada no art. 399.º do CPP. Na hipótese em análise, diríamos então que Carla poderia, num primeiro momento, reclamar (no prazo geral de 10 dias cfr. art. 105.º do CPP) do despacho inicial do Juiz de Instrução divergindo do entendimento do Juiz de Instrução quanto à necessidade da diligência e poderia, nessa altura, arguir a referida nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, neste caso até ao encerramento do debate instrutório (n.º 3, al. c) da mesma disposição). Dever-se-ia discutir se Carla poderia cumular as duas vias (sendo certo que nada parece impedi-la) e as consequências no caso de o Juiz de Instrução indeferir cada uma. Perante o indeferimento da reclamação, Carla teria que se conformar com a decisão, visto que este despacho seria irrecorrível (art. 291.º, n.º 2, do CPP). Já perante o indeferimento da arguição de nulidade, a solução parece ser a inversa: a regra seria a da recorribilidade (mesmo atendendo à exceção do art. 310.º, n.º 1 do CPP no caso de o Juiz de Instrução relegar a decisão sobre a nulidade para o despacho instrutório). Todavia, a solução de irrecorribilidade (do despacho que indefere a reclamação) colide frontalmente com o intuito do legislador que, em 2015, atribuiu caráter obrigatório à audição da vítima, sempre que esta o tenha requerido. Efetivamente, a preterição de um ato legalmente obrigatório não poderá ser tratada de forma idêntica a uma decisão contida na discricionariedade do Juiz de Instrução. Por essa razão, entende-se que o regime das nulidades (art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP) prevalece, nesta situação, sobre as normas ( 1 ) Neste sentido, vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-07-2015, processo n.º 204/14.9PCCBR.C1 4

gerais relativas à impugnabilidade dos atos de instrução (art. 291.º, n.º 2, CPP). A decisão que indefira a arguição da nulidade será recorrível. Questão n.º 4: Alberta poderia interpor recurso da sentença, que seria nula na parte em que condenar pelos factos de que decorre a premeditação, fora das condições previstas no art. 359.º do CPP. Deveria considerar-se que o conhecimento, por parte do Tribunal, da premeditação da Arguida resulta de factos novos (em concreto: a premeditação constitui um acontecimento histórico/pedaço da vida adicionado aos factos já constantes do processo) e uma alteração de factos, uma vez que a premeditação não é totalmente independente do objeto pendente, pelo contrário, pertence ao objeto/caso/problema jurídico em análise. Tratava-se de uma alteração substancial de factos nos termos do art. 1.º, al. f), do CPP, em virtude do agravamento do limite máximo da pena (em concreto: a pena máxima da tentativa de homicídio qualificado 16 anos e 8 meses é mais grave do que a pena da tentativa de homicídio 10 anos e 8 meses). Tratando-se de uma alteração substancial de factos não autonomizável (na medida em que não era suscetível de ser destacado e constituir um objeto de outro processo), na fase de julgamento, aplicar-se-ia, desde logo o n.º 3 do art. 359.º, pelo que o Tribunal deveria perguntar se a Arguida, o MP e a Assistente estariam de acordo em prosseguir o julgamento para apreciação da premeditação. Em caso de acordo, a eventual sentença condenatória por homicídio qualificado, decorrente da premeditação, seria válida (desde logo porque não haveria qualquer limite à competência). Não havendo acordo, estabelece o n.º 1 do art. 359.º do CPP a inadmissibilidade de consideração do facto novo para a condenação. No entanto, importa recordar que os factos constitutivos da circunstância qualificante premeditação tinham sido trazidos a juízo pela Arguida, em declarações prestadas durante o julgamento (no que constituiria uma confissão cfr. art. 344.º, n. os 1, 3, al. c) e 4 do CPP). A este propósito, dever-se-ia discutir a possibilidade de aplicação analógica do disposto no art. 358.º, n.º 2 do CPP, previsto para as situações de alteração não substancial de factos (ou de mera alteração da qualificação jurídica dos factos). Nos termos do art. 358.º do CPP, sendo os elementos novos trazidos pela defesa, o CPP não impõe a obrigação de comunicação ou de concessão de prazo para a defesa se 5

preparar, pois foi pela mão da defesa que o Tribunal chegou àqueles factos ou qualificações diversas. Não haveria qua acautelar qualquer surpresa face à estratégia e ao direito de defesa do arguido. Ao invés, o art. 359.º do CPP ocupa-se dos casos de alteração substancial de factos, estabelecendo, no n.º 1, a impossibilidade de consideração desses factos para a condenação, salvo o referido acordo. A circunstância de o facto novo (premeditação) ter sido trazido pela própria Arguida não deve equivaler ao acordo (expresso) exigido pelo art. 359.º, n.º 3 do CPP. Acresce que o MP e a Assistente também deveriam dar o seu acordo. Assim, e na falta de acordo, restaria o regime do art. 359.º, n.º 1 do CPP, o que implicaria o não conhecimento do facto novo. Especialmente desde a Reforma de 2007, o legislador decidiu, neste ponto, abdicar da absoluta prossecução da verdade material, atribuindo prioridade ao cumprimento das garantias processuais e ao equilíbrio do sistema. Optou-se, de forma inequívoca, por inviabilizar a continuação do julgamento por estes novos factos, a não ser que os sujeitos processuais nisso consintam (e desde que tal consenso não implique a incompetência do Tribunal). Desse modo, exige-se uma manifestação expressa de vontade do arguido neste contexto, que garanta o pleno conhecimento e aceitação das potenciais consequências de um julgamento pelos novos factos. Em coerência, considera-se que o Tribunal deveria ter comunicado a potencial alteração de objeto, emergente das declarações de Alberta, advertindo os sujeitos processuais para o regime constante do art. 359.º, n.º 3, do CPP. Perante tal comunicação, Alberta, o MP e a Assistente pronunciar-se-iam. Concluindo: ainda que o facto novo tenha resultado de declarações da Arguida, tal não equivale ao seu consentimento para efeitos do n.º 3 do art. 359.º do CPP; e uma vez que o Tribunal não comunicou a alteração de objeto, com o intuito de obter o acordo da Arguida, do MP e da Assistente a sentença seria nula nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, constituindo fundamento de recurso ordinário, no prazo do mesmo sob pena de sanação (arts. 410.º, n.º 3, e 411.º, n.º 1 do CPP). Afigura-se muito discutível que a prestação de declarações, por parte da Arguida, fosse equiparável ao acordo exigido pelo art. 359.º, n.º 3, do CPP inexistindo qualquer dado relativo ao necessário acordo dos demais sujeitos processuais. Todavia, se assim se entendesse, a sentença seria válida, não se observando qualquer problema de incompetência do Tribunal. 6

Questão n.º 5: A resposta seria, em princípio, negativa. Afirma-se que, durante um interrogatório complementar, os agentes policiais (para o qual seriam competentes mediante delegação de competências do MP cfr. arts. 144.º, 267.º e 270.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPP) sugeriram a Alberta que diligenciariam no sentido de promover uma acusação por homicídio privilegiado (art. 133.º do CP), caso a Arguida colaborasse com a investigação. À luz do disposto no art. 126.º, n. os 1 e 2, al. e), do CPP, as subsequentes declarações da Arguida são nulas. Dever-se-ia demonstrar que, atendendo ao princípio do processo justo e equitativo (art. 6.º, n.º 1, da CEDH e art. 32.º, n.º 1, da CRP), não é admissível a acusação por crime diverso daquele que se apurou, constituindo tal atuação uma promessa de vantagem legalmente inadmissível. Acresce que nem o MP, titular da ação penal e único responsável pela decisão final de inquérito, poderia prometer a desconsideração de factos indiciados, em troca da colaboração da Arguida, dado que tal desvirtuaria os critérios de estrita objetividade a que obedece a sua atuação (cfr. art. 219.º, n.º 1 da CRP, art. 53.º, n.º 1 do CPP e arts. 1.º e 2.º, n.º 2 do Estatuto do Ministério Público). Em princípio, a consequência processual do reconhecimento do caráter proibido das provas é a proibição de utilização como fundamento de decisões prejudiciais ao arguido, não podendo ser repetidas, devendo até, segundo alguma doutrina, ser desentranhadas dos autos, gerando um vício (proibição de prova ou nulidade com regime sui generis) que não depende de arguição e nunca se sana, nem com o trânsito em julgado (cfr. o regime do recurso de revisão extraordinário art. 449.º, n.º 1, al. e) do CPP). Essa é a consequência especialmente cominada no art. 126.º, n.º 1, do CPP, onde se dispõe que as provas obtidas mediante tortura, coação, etc., não pode[m] ser utilizadas. Isto sem prejuízo de poderem ser utilizadas contra aqueles que geraram a proibição (art. 126.º, n.º 4) no caso, os agentes policiais. No entanto, a partir dessas declarações, lograram os agentes encontrar a arma do crime. Ora, esta prova estabelece um nexo de dependência lógica, cronológica e valorativa com as anteriores declarações (nulas) de Alberta, pelo que se encontra igualmente ferida de nulidade (art. 122.º, n.º 1 do CPP ou, para quem assim o entenda, art. 32.º, n.º 8 da CRP). 7

Em função disso, o Tribunal não poderia valorar a arma como prova, salvo se ocorresse alguma das exceções que a doutrina e jurisprudência (portuguesa e em especial norte-americana e alemã) têm apontado ao efeito à distância o que tornaria admissível a utilização da mesma. Assim, a Arguida poderia interpor recurso da sentença condenatória também com este fundamento, não obstante poder ser conhecido oficiosamente nos termos do regime sui generis referido supra. Junho 2018. 8