UM PERCURSO PARA A LEITURA ORANTE DA BÍBLIA Lordelo, Paredes, 5º encontro
Na verdade, esta Palavra, que hoje te prescrevo, não é muito difícil para ti nem está fora do teu alcance. Não está no céu, para se dizer: Quem subirá por nós até ao céu e no-la irá buscar para a escutarmos e praticarmos?
Não está tão pouco do outro lado do mar, para se dizer: Quem atravessará o mar e no-la irá buscar para a escutarmos e praticarmos?
A Palavra está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a praticares.» (Deut.30,11-14)
I. LECTIO DIVINA, TÃO ANTIGA E SEMPRE NOVA 1. Um pouco de história 2. Os quatro degraus da lectio divina: leitura, meditação, oração e contemplação. 3. Algumas sugestões práticas para obter frutos na lectio divina
1. UM POUCO DE HISTÓRIA Nas origens: Expressão de Orígenes (séc. III d.c.): Ler a Palavra de Deus com um coração aberto e em clima de oração. Sistematização séc. XII (Guigo): alguns passos em frente Método de leitura difundido pelos monges Alguns passos atrás (efeitos da Contra-Reforma) Recomendada pelo II Concílio do Vaticano: DV 25 Comissão Pontifícia Bíblica, A Interpretação da Bíblia na Vida da Igreja (15-04-1993) IV, c.2 Prioridade Pastoral: João Paulo II, NMI 39
JOÃO PAULO II Lectio Divina e a difusão da Bíblia É preciso, amados irmãos e irmãs, consolidar e aprofundar esta linha, inclusive com a difusão do livro da Bíblia nas famílias. De modo particular é necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, segundo a antiga e sempre válida tradição da lectio divina: Esta permite ler o texto bíblico como palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência. João Paulo II, Novo Millenium Ineunte, n. 39
BENTO XVI Lectio Divina e a primavera espiritual Lectio: Ler e tornar a ler uma passagem da Sagrada Escritura, tomando os elementos principais Meditatio: Paragem interior, na qual a alma se dirige a Deus, tentando compreender o que a Palavra diz hoje para a vida concreta Oratio: Colóquio direto com Deus Contemplatio: Manter o coração atento à presença de Cristo Actio: Vida coerente de adesão a Cristo e à sua doutrina
Bento XVI Quero aqui lembrar, brevemente, os seus passos fundamentais: começa com a leitura (lectio) do texto, que suscita a interrogação sobre um autêntico conhecimento do seu conteúdo: o que diz o texto bíblico em si? Sem este momento, corre-se o risco que o texto se torne somente um pretexto para nunca ultrapassar os nossos pensamentos.. Verbum Domini, 87
Bento XVI Segue-se depois a meditação (meditatio), durante a qual nos perguntamos: que nos diz o texto bíblico? Aqui cada um, pessoalmente mas também como realidade comunitária, deve deixar-se sensibilizar e pôr em questão, porque não se trata de considerar palavras pronunciadas no passado, mas no presente. Verbum Domini, 87
Bento XVI Sucessivamente chega-se ao momento da oração (oratio), que supõe a pergunta: que dizemos ao Senhor, em resposta à sua Palavra? A oração enquanto pedido, intercessão, ação de graças e louvor é o primeiro modo como a Palavra nos transforma. Verbum Domini, 87
Bento XVI Finalmente, a lectio divina conclui-se com a contemplação (contemplatio), durante a qual assumimos como dom de Deus o seu próprio olhar, ao julgar a realidade, e interrogamo-nos: qual é a conversão da mente, do coração e da vida que o Senhor nos pede? De facto, a contemplação tende a criar em nós uma visão sapiencial da realidade segundo Deus e a formar em nós «o pensamento de Cristo» (1 Cor 2, 16). Verbum Domini, 87
Bento XVI Aqui [na contemplação] a Palavra de Deus aparece como critério de discernimento: ela é «viva, eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes; penetra até dividir a alma e o corpo, as junturas e as medulas e discerne os pensamentos e intenções do coração» (Hb 4, 12). Verbum Domini, 87
Bento XVI Há que recordar ainda que a lectio divina não está concluída, na sua dinâmica, enquanto não chegar à ação (actio), que impele a existência do fiel a doarse aos outros na caridade Verbum Domini, 87
PAPA FRANCISCO Há uma modalidade concreta para escutarmos aquilo que o Senhor nos quer dizer na sua Palavra e nos deixarmos transformar pelo Espírito: designamo-la por «lectio divina». Consiste na leitura da Palavra de Deus num tempo de oração, para lhe permitir que nos ilumine e renove. Evangelii Gaudium, 152
PAPA FRANCISCO A evangelização requer a familiaridade com a Palavra de Deus, e isto exige que as dioceses, paróquias e todos os grupos católicos proponham um estudo sério e perseverante da Bíblia e promovam igualmente a sua leitura orante pessoal e comunitária. Evangelii Gaudium, 175
PAPA FRANCISCO A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração, e alegra-me imenso que se multipliquem, em todas as instituições eclesiais, os grupos de oração, de intercessão, de leitura orante da Palavra, as adorações perpétuas da Eucaristia. Evangelii Gaudium, 262
PAPA FRANCISCO A leitura espiritual dum texto deve partir do seu sentido literal. Caso contrário, uma pessoa facilmente fará o texto dizer o que lhe convém, o que serve para confirmar as suas próprias decisões, o que se adapta aos seus próprios esquemas mentais. E isto seria, em última análise, usar o sagrado para proveito próprio e passar esta confusão para o povo de Deus. Nunca devemos esquecer-nos de que, por vezes, «também Satanás se disfarça em anjo de luz» (2 Cor 11, 14). Evangelii Gaudium, 152
PAPA FRANCISCO MEDITAÇÃO 153. Na presença de Deus, numa leitura tranquila do texto, é bom perguntar-se, por exemplo: «Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida? Que é que me dá fastídio neste texto? Porque é que isto não me interessa?»; ou então: «De que gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me atrai? E porque me atrai?». Evangelii Gaudium, 153
2. Os quatro degraus da Lectio Divina ESTACIONAR... Silêncio, disposição interior... 1. LEITURA: Que diz o texto? 2. MEDITAÇÃO: Que me diz o Senhor neste texto? 3. ORAÇÃO: Que digo eu ao Senhor que me fala neste texto? 4. CONTEMPLAÇÃO: Que sinto em mim? Que experiência me é dada viver agora? Que me pede ele? DISCERNIMENTO: Qual a vontade de Deus a meu respeito? Que tenho de mudar? PARTILHA: Ouvir os outros. Falar com eles. AÇÃO: A palavra dá frutos. Que vou fazer?
I. LECTIO = LEITURA = Que diz o texto? Conhecer, respeitar, situar Ler o texto Reler o texto Ver o contexto Tentar fazer perguntas ao texto e confrontar passagens paralelas; Interpretar símbolos; Ver personagens; Quem fala, como fala, a quem fala, quando fala, onde fala... Como agem e reagem as personagens (sentimentos, circunstâncias, etc.)
II. MEDITATIO = MEDITAÇÃO = Que me diz a Palavra? Ruminar, dialogar, atualizar Vejo a minha vida e a vida, a minha história e a história, à luz dessa Palavra. Que me sugere? Que me pede? Que me exige? Onde me toca? Que valores profundos me evoca o texto? Que sinto ou experimento? Como reajo ao ler este texto? Com que relaciono o texto?
III. ORATIO = ORAÇÃO = Que digo eu ao Senhor? Suplicar, louvar, recitar Que digo eu ao Senhor que me fala neste texto? Que palavra ou sentimento me sugere? Que cântico me inspira? A que tipo de oração me conduz? a) Súplica b) Louvor c) Penitência d) Silêncio
IV. CONTEMPLATIO = CONTEMPLAÇÃO Discernir, saborear, agir Talvez esta oração se prolongue em silêncio, em contemplação, em presença mútua de amor Eu olho para Ele Ele olha para Mim
V. ACTIO = ACÇÃO AGIR. PÔR EM PRÁTICA Ela deverá transformar, a partir de dentro, a minha própria vida! É essa a sua finalidade primeira!
RESUMINDO PASSO A PASSO 1. STATIO (Preparação) A Palavra esperada. Estou à espera. Ponho-me à escuta. Disposição interior. Silêncio. 2. LECTIO (Leitura) A Palavra escutada. Leio o texto com atenção. Ler bem é escutar em profundidade. 3. MEDITATIO (Meditação) A Palavra compreendida. O significado da Palavra. Que me diz? Quem me diz? 4. ORATIO (Oração) A minha palavra responde à Palavra. Inicia-se o meu diálogo com a Palavra. Rezo o texto, a oração brota viva.
RESUMINDO PASSO A PASSO 5. CONTEMPLATIO (Contemplação) A Palavra encarnada. Epifania. Diante da manifestação de Deus, prostro-me, adoro. Silêncio diante da Palavra. 6. DISCRETIO (Discernimento) A Palavra confrontada. Prolongo a escuta, faço o discernimento. Analiso. Percebo qual é a vontade de Deus. 7. COLLATIO (Intercomunicação) A Palavra partilhada. Avalio com outros a minha resposta à Palavra. Diálogo com os irmãos. 8. ACTIO (Ação) A Palavra em ação. A Palavra dá frutos. Cumpre-se, realiza-se. Vida. Testemunho. Anúncio. Compromisso.
Ler, meditar, rezar, contemplar A Leitura é o estudo assíduo da Escritura feita com espírito atento. É um exercício dos sentidos externos. A meditação é uma diligente actividade da mente que procura o conhecimento das verdades ocultas. É um exercício da inteligência. A Oração é um impulso fervoroso do coração para Deus. É uma exercitação do desejo. A contemplação é uma elevação da mente para Deus saboreando as alegrias da eterna doçura. Ultrapassa os sentidos.
É como pão para a boca! A Leitura leva o alimento à boca. A meditação mastiga e tritura-o. A oração descobre-lhe o sabor. A Contemplação é a doçura que recria e dá alegria.
Síntese Procurai na Leitura. e achareis na Meditação. Batei à porta na Oração e ela se vos abrirá na Contemplação...
3. ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA OBTER FRUTOS NA LECTIO DIVINA Que haja uma atmosfera de silêncio e de recolhimento. Às vezes, sobretudo, entre jovens, o tempo da «statio», do parar, do domínio dos sentidos, é o mais demorado e o mais exigente. Nalguns grupos, de pessoas mais adultas, mas também de jovens, começamos pela oração do Rosário, para criar um clima de serenidade e de paz e preparar para a escuta. E, por vezes, resulta. Outras vezes, enquanto cada elemento chega e se organiza e se dispõe no grupo, pode quebrar-se o ruído da entrada com um cântico simples, uma espécie de refrão que se repete em jeito de litania, ou então uma música de fundo, que chama a atenção para a seriedade do encontro. Não vai mal que uma frase bíblica, um ícone, uma imagem, um símbolo, «provoque» e «centre», desde logo, a atenção na Palavra que se vai rezar.
3. ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA OBTER FRUTOS NA LECTIO DIVINA Uma certa sobriedade de linguagem. Não recorrer à erudição da exegese. O mais importante é fazer perceber que Deus não reservou aquela Palavra para os exegetas e biblistas. E quando a coisa se complica, mostrar que eles próprios têm em rodapé uma anotação, ou podem esclarecer o sentido da expressão no dicionário que vem em apêndice à Bíblia. É decisivo que as pessoas descubram que a Palavra afinal é acessível. Está perto de si
3. ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA OBTER FRUTOS NA LECTIO DIVINA a sobriedade dos símbolos e das imagens. Não é útil recorrer a tudo o que se sabe e a tudo o que o texto possa dizer. Hoje ficamo-nos por aqui Clareza doutrinal
3. ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA OBTER FRUTOS NA LECTIO DIVINA Naturalmente, sugiro que se tenham sempre presentes os quatro passos fundamentais da Lectio Divina. Acrescentaria ainda, talvez depois algumas perguntas para a reflexão e a ação; mas nunca mais de três questões, para não criar confusão e para que cada um possa memorizá-las ou apontá-las.
3. ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA OBTER FRUTOS NA LECTIO DIVINA Uma modalidade participativa de exposição Proporcionar, durante o encontro um tempo de absoluto silêncio, como sendo o tempo mais importante. Pertence ao orientador perceber se o tempo de silêncio deve ser mais ou menos longo, e poderá também sabiamente preenchê-lo, se achar necessário, retomando as questões da Meditação ou retomando algumas das expressões da Oração. De qualquer modo, deve haver sempre silêncio. O silêncio, de facto, é o sinal eficaz de que não se está lá apenas para ouvir, mas que se está também para uma relação pessoal com o texto.