O DIÁLOGO SOCIAL A Concertação Social e a Negociação Colectiva em Portugal *



Documentos relacionados
ESTATUTOS. Artigo 1.º Denominação e sede

PARECER N.º 19/CITE/2006

CONFERÊNCIA AS RECENTES REFORMAS DO MERCADO LABORAL EM PORTUGAL: PERSPECTIVAS DOS PARCEIROS SOCIAIS 1

REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO I INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO. Os Instrumentos de Regulamentação Colectiva podem ser:

POSIÇÃO DA UGT Audição sobre o Futuro da Europa

LEI N. 108/91, DE 17 DE AGOSTO (LEI DO CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL)

Acabar com as disparidades salariais entre mulheres e homens.

PROJECTO DE LEI N.º 393/VIII ESTABELECE O ESTATUTO LEGAL DO MEDIADOR SÓCIO-CULTURAL. Exposição de motivos

Projecto de Lei n.º 408/ X

DECRETO N.º 418/XII. Cria o Inventário Nacional dos Profissionais de Saúde

PROJECTO DE LEI N.º 100/IX ESTATUTO DO DIRIGENTE ASSOCIATIVO VOLUNTÁRIO. Preâmbulo

Convenção n.º 87 CONVENÇÃO SOBRE A LIBERDADE SINDICAL E A PROTECÇÃO DO DIREITO SINDICAL

Por despacho do Presidente da Assembleia da República de 26 de Julho de 2004, foi aprovado

Cuida das relações coletivas de trabalho, onde os interesses cuidados são os de um grupo social. São instituições do direito coletivo do trabalho:

DIREITOS SINDICAIS I DISPOSIÇÕES GERAIS

Informação complementar ao Relatório de Governo das Sociedades referente ao Exercício de 2007

DECRETO N.º 37/VIII. Artigo 1.º Objecto. Artigo 2.º Sentido e extensão

disponibiliza a LEI DO VOLUNTARIADO

Grupo Parlamentar PROJECTO DE LEI N.º./X ALTERA O ESTATUTO DOS DEPUTADOS, ADITANDO NOVOS IMPEDIMENTOS. Exposição de motivos

R-47/06 (A4) Dos elementos disponíveis, destacam-se os seguintes aspectos:

PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS. Proposta de Lei n.º 207/XII. Exposição de Motivos

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente o terceiro parágrafo do artigo 159º,

3. A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição.

Lei n.º 133/99 de 28 de Agosto

GRANDE DETERMINAÇÃO E EMPENHO NA REVISÃO DAS CONVENÇÕES

PROJECTO DE LEI N.º 312/XI

Lição 13. Direito Coletivo do Trabalho

6º Congresso Nacional da Administração Pública

em nada nem constitui um aviso de qualquer posição da Comissão sobre as questões em causa.

O ENVOLVIMENTO DOS TRABALHADORES NA ASSOCIAÇÃO EUROPEIA

CAPÍTULO I Disposições gerais

CCV Correios de Cabo Verde, SA. Decreto Lei nº 9-A/95:

Manual do Revisor Oficial de Contas. Directriz de Revisão/Auditoria 701

PARECER N.º 28/CITE/2005

Regulamento Interno da Comissão Especializada APIFARMA VET

PROJECTO DE LEI N.º 65/VIII

VOLUNTARIADO E CIDADANIA

CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL REGULAMENTO. Artigo 1º. (Natureza) Artigo 2º. (Objectivos)

ASSEMBLÉIA NACIONAL CAPÍTULO I

Artigo 2 (Proibição do Secretismo) As associações não podem ter carácter secreto.

Financiamento de Planos de Benefícios de Saúde através de Fundos de Pensões

Análise Comparativa à Filosofia, à Ideologia e aos Princípios de Atuação das Associações Sindicais e Patronais

Estatuto do Direito de Oposição

Restituição de cauções aos consumidores de electricidade e de gás natural Outubro de 2007

RESPONSABILIDADE SOCIAL EM PORTUGAL REALIDADE OU FICÇÃO?

RESOLUÇÃO PROPOSTA DE LEI DO CÓDIGO DE TRABALHO CONTINUA INACEITÁVEL NEGOCIAÇÃO DEVE PROSSEGUIR

CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Normas de Funcionamento do Banco Local de Voluntariado do Cadaval. Capitulo I Disposições Gerais

Instrumento que cria uma Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa

Regulamento de Criação e Funcionamento dos Grupos de Trabalho da Sopcom

OS TRIBUNAIS E O MINISTÉRIO PÚBLICO

CONTRIBUTOS DA UGT SOBRE A DINAMIZAÇÃO DA CONTRATAÇÃO COLECTIVA ATRAVÉS DA DESCENTRALIZAÇÃO DE BASE NEGOCIAL. (documento de 10 de Janeiro de 2011)

- REGIMENTO - CAPITULO I (Disposições gerais) Artigo 1.º (Normas reguladoras)

Instalações Eléctricas de Serviço Particular

ESCOLA PROFISSIONAL DE FELGUEIRAS ESTATUTOS CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

FORMAÇÃO PROFISSIONAL A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE TRABALHADORES NAS EMPRESAS

DECLARAÇÃO CONJUNTA. Feito em São Tomé, em 30 de Maio de Pelo Governo da República Portuguesa:

Despacho conjunto n.º 413/99, de 15 de Maio

Reestruturação sindical: tópicos para uma questão prévia

e) A sustentação das vertentes científica e técnica nas actividades dos seus membros e a promoção do intercâmbio com entidades externas.

Pº C.Co.36/2012 SJC-CT

Definição do conceito fiscal de prédio devoluto

Perguntas Frequentes

NÚCLEO DE MEDICINA INTERNA DOS HOSPITAIS DISTRITAIS ESTATUTOS CAPÍTULO I DENOMINAÇÃO, SEDE E OBJECTIVOS

Regulamento de Funcionamento do Banco Local de Voluntariado de Viana do Alentejo

REGULAMENTO DO CONSELHO DA COMUNIDADE DO ACES ALENTEJO CENTRAL 2

REU IÃO I FORMAL DOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVER O DE 7 DE OVEMBRO VERSÃO APROVADA

REGULAMENTO DO BANCO LOCAL DE VOLUNTARIADO DE MIRANDELA. Preâmbulo

Regulamento de Apoio ao Movimento Associativo

AUDIÇÃO NA COMISSÃO PARLAMENTAR DO AMBIENTE, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E PODER LOCAL. Projeto de Lei Nº 368/XII

DA GESTÃO DE RISCOS DE CORRUPÇÃO E INFRACÇÕES CONEXAS RELATÓRIO

CÂMARA MUNICIPAL MONCHIQUE. Preâmbulo

DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

REGULAMENTO GERAL DAS FACULDADES DA UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS

Só um ou, quando muito, dois membros do órgão de gestão ou administração da empresa local pode ser remunerado.

FICHA DOUTRINÁRIA. Diploma: CIVA. Artigo: 18º. Assunto:

MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL

ESTATUTOS DA ASSOCIAÇÃO SER BEBÉ

REGULAMENTO DE ATRIBUIÇÃO DE APOIOS PELO MUNÍCIPIO DE MORA. Nota justificativa

AGRUPAMENTO VERTICAL DE MURÇA EB 2,3/S DE MURÇA

PARECER N.º 45/CITE/2011

Incentivos à contratação 2013

REGULAMENTO INTERNO CAP. I DISPOSIÇÕES GERAIS CAP. II ASSOCIADOS. Regulamento Interno. Artigo 1º Definições gerais.

AGÊNCIA DE REGULAÇÃO ECONÓMICA MODELO DE GOVERNAÇÃO

PARECER N.º 403/CITE/2015

Comissão Social Inter Freguesias da Zona Central

PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU NOS DOMÍNIOS DO EQUIPAMENTO, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES.

REGULAMENTO INTERNO DE FUNCIONAMENTO DO BANCO LOCAL DE VOLUNTARIADO DE GUIMARÃES

REGULAMENTO DO BANCO LOCAL DE VOLUNTARIADO DE AZAMBUJA

Software Livre Expectativas e realidades

REGULAMENTO DO CONTROLO DE QUALIDADE DA ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS. (Artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro)

Lei n.º 66/98 de 14 de Outubro

TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS. Actualização N.º 1

Dinâmicas de transformação das relações laborais em Portugal, DGERT, Colecção Estudos * Autora - Prof.ª Doutora Conceição Cerdeira

Transcrição:

O DIÁLOGO SOCIAL A Concertação Social e a Negociação Colectiva em Portugal * Na exposição que passamos a fazer, o conceito de diálogo social é tomado em sentido amplo, ou seja, como abrangendo todo o universo de relações sóciolaborais no âmbito das quais se desenvolvem processos de negociação colectiva destinados a regular as relações de trabalho subordinado. Assim entendido, o diálogo social é qualquer coisa que se realiza todos os dias, que confere um conteúdo e uma natureza democráticas às relações laborais e que constitui ainda o elemento dinamizador e regulador destas relações. Sem diálogo social não há relações de trabalho equilibradas. Seguindo este conceito o diálogo social realiza-se nos seguintes níveis: - Diálogo tripartido: realiza-se entre Parceiros Sociais 1 e o Governo; - Diálogo bipartido: realiza-se entre os parceiros sociais, aos níveis sectorial, de grupo de empresa ou de empresa. O diálogo tripartido desenvolve-se na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) e, tanto tem como finalidade proporcionar o diálogo e o debate dos grandes problemas que se colocam no mundo do trabalho, entre os parceiros sociais e o governo com vista à aproximação de posições e à criação de condições de negociação aos níveis sectorial e de empresa situações em que o diálogo tem um valor em si mesmo, como promover a celebração de acordos tripartidos. * Seminário realizado na cidade da Praia em Cabo Verde nos dias 22 e 23 de Março, de 2000. 1 Quando nos referimos a parceiros sociais estamos a falar das confederações sindicais e patronais. Em Portugal temos como confederações sindicais a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses Intersindical Nacional (CGTP-IN); a União Geral de Trabalhadores (UGT), e como confederações patronais,

O diálogo bilateral, ou bipartido, entre organizações sindicais e patronais, tem em vista a regulação das condições de trabalho nos níveis sectorial e de empresa ou empresas, sendo dele que brotam as convenções colectivas, nas suas diversas formas. Esta forma de diálogo, ou se quisermos de negociação bilateral, é, porventura, a mais dinâmica, mais rica e a que responde (ou procura responder) directamente aos anseios dos trabalhadores e a que melhor se adapta, também, à realidade e às necessidades das empresas. Uma contratação colectiva bloqueada ou pouco viva, acabará sempre por se traduzir num menor dinamismo das empresas prejudicando o seu crescimento e a sua competitividade, com consequências na economia em geral e no desenvolvimento social. O Diálogo tripartido - sua evolução em Portugal O Conselho Nacional do Plano: A seguir à instauração do regime democrático a CRP 2 de 1976 criou um órgão composto pelas organizações de trabalhadores, das actividades económicas, das autarquias locais e do próprio governo, chamado Conselho Nacional do Plano. Como o próprio nome indica, o Conselho Nacional do Plano era um órgão ligado à preparação e execução do plano, ao qual, no contexto da Constituição de 1976, era atribuída uma função de grande importância e que tinha como objectivo (talvez utópico) estabelecer uma articulação entre o principio da intervenção do estado, mesmo prevendo a apropriação dos meios de produção e a garantia de iniciativa privada e cooperativa e o funcionamento de uma economia de mercado. a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), a Confederação do Comércio Português (CCP); e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

O Conselho Nacional do Plano tinha uma intervenção apenas aquando da elaboração das grandes opções do plano e, como essa lei perdeu significado no aspecto económico e jurídico, não logrou grande êxito. O Conselho Nacional do Plano foi extinto em 1989. O Conselho Permanente de Concertação Social Em 1984, ainda durante a existência do Conselho Nacional do Plano, foi criado por Decreto-Lei, o Conselho Permanente de Concertação Social. De composição tripartida (Governo, Confederações Sindicais e Confederações Patronais) no dito Decreto que o constituia foram indicadas as organizações que ali tinham assento. Pode afirmar-se, sem margem para dúvidas, que o Estado (Governo) assumiu então um papel nada consentâneo com os princípios constitucionais da liberdade de associação 3. Esse papel foi assumido de forma muito clara e com objectivos determinados, em razão de uma realidade socio-laboral muito tensa e de uma situação económica bastante difícil que ocorria, então em Portugal. O CPCS 4 nasceu, assim, determinado a promover o diálogo e a Concertação entre parceiros desavindos sob a tutela de um Governo que se propunha aproximá-los e, através dessa aproximação, criar as condições propícias à estabilização das relações sociais em Portugal. Este modelo permitia, ainda, que o Governo interviesse, de forma determinante, na escolha dos seus interlocutores. Os escolhidos foram promovidos ao estatuto de parceiros sociais privilegiados do diálogo e da Concertação sem que tenha 2 CRP Constituição da República Portuguesa 3 v.g. Prof. Jorge Miranda, o sistema de Concertação social, o diálogo e a negociação colectiva em Portugal e riscos da sua corporativização 4 Conselho Permanente de Concertação Social ( a sigla é a mesma da actual Comissão Permanente de Concertação Social, que é uma comissão do Conselho Económico e Social).

sido equacionado qualquer sistema de aferição de representatividade das organizações chamadas a integrar o dito conselho. O Conselho Económico e Social A revisão constitucional de 1989, criou o Conselho Económico e Social, substituindo, assim o Conselho Nacional do Plano. O Conselho Permanente de Concertação Social foi transferido, integralmente, para o interior do Conselho Económico e Social, passando a designar-se de Comissão Permanente de Concertação Social, ou seja, o Conselho foi extinto, mas manteve-se o seu conteúdo e a própria sigla ( CPCS ). As finalidades da CPCS também não se alteraram, sendo que, no essencial, continuou a constituir um importante instrumento através do qual os Governos em funções procuravam celebrar acordos (pactos sociais), quase sempre em períodos pré-eleitorais. Neste contexto foram celebrados vários acordos, com mais ou menos significado e utilidade socio-laboral e económica, mas que tiveram um papel indiscutível na moderação do crescimento dos salários, em Portugal e na alteração da legislação laboral. Não raro, estes acordos foram apresentados com uma legitimidade capaz de sobrepor-se a competências próprias dos órgãos de soberania, designadamente da Assembleia da República, através da produção de projectos de leis laborais que se destinavam a ser adoptados sem discussão por este órgão, impostos pela maioria parlamentar que suportava o Governo, numa manifestação de corporativismo, que viria a ser criticada por eminentes personalidades 5 portuguesas. A ilustrar esta situação podem ser encontradas algumas leis que 5 A propósito podem ver-se as posições dos Professores Jorge Miranda, Vital Moreira, Jorge Leite e Luís Sá,, O sistema de Concertação Social, o diálogo e a negociação colectiva em Portugal e riscos da sua corporativização

sendo aprovadas formalmente pela Assembleia da República, foram, na verdade, redigidas por alguns parceiros sociais em sede de acordos de concertação. A prática que acabamos de descrever encontra-se, hoje, praticamente ultrapassada. A evolução do sistema de concertação social: No presente, assiste-se a uma nova fase no processo de concertação social e do diálogo em Portugal. A concertação social começa a dar indicações de querer desligar-se dos calendários eleitorais, esgotado que parece estar o modelo anterior, caracterizado por uma grande instrumentalização político-eleitoral. A concertação como instrumento exclusivo da celebração de acordos têm, agora, condições para dar lugar a um processo de diálogo permanente em que a este á atribuído um valor em si mesmo, independentemente de produzir, ou não, efeitos imediatos ou de curto prazo. Os acordos globais e estratégicas de médio e longo prazo ( o último foi chamado de Concertação estratégica) parece quererem ceder lugar a acordos mais flexíveis, temáticos, chamados de geometria variável, no sentido de que podem referir-se aos temas que as partes escolherem em cada momento, sem sujeição a calendários ou a temas pré-definidos. Os acordos de subscritores parece estarem em vias de serem substituídos por acordos consensuais, em que o resultado final a obter, com o diálogo e a concertação tripartidos, seja constituído pelo máximo denominador comum dos conteúdos negociados pelas partes.

O diálogo social em sede de Concertação social é um elemento muito importante no processo de criação de condições para a negociação colectiva sectorial e para a celebração de acordos consensuais e de geometria variável, no sentido referido 6. Mas considera que o diálogo social tem limites que não devem ser ultrapassados, sob pena de este sistema poder invadir áreas de competência próprias dos órgãos de soberania, designadamente da Assembleia da República. O sistema de diálogo tripartido deve ter como finalidade e objectivo essencial a promoção do diálogo permanente, o qual tem um valor próprio não negligenciável na busca de soluções para os problemas que os trabalhadores, as empresas e o país enfrentam, devendo situar-se preferencialmente a jusante da decisão política e da actividade legislativa do Governo e, em especial, da Assembleia da República, sem embargo de lhe ser reconhecido um papel na indicação de grandes medidas de caracter estratégico. Ou seja, o diálogo e a Concertação podem revelar-se, especialmente eficazes na identificação de necessidades (nomeadamente legislativas) e na regulação das relações económicas e sociais (promoção da negociação colectiva, aplicação das leis laborais, promoção do diálogo e da negociação nas empresas, etc.), potenciando, por esta via, o desenvolvimento e a competitividade, respeitando e promovendo a coesão social e a solidariedade. A CONTRATAÇÃO COLECTIVA EM PORTUGAL A Constituição da República Portuguesa reconhece às associações sindicais o direito de contratação colectiva, como forma de defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores. 6 Geometria variável foi um conceito recentemente introduzido no processo de diálogo e de concertação em Portugal, podendo definir-se como um processo em que as partes no diálogo social decidem, em cada

Este direito é, nos termos constitucionais, monopólio dos sindicatos. Do lado patronal, o direito de contratação colectiva pode ser exercido por uma entidade patronal, por várias ou pelas respectivas associações. A Contratação Colectiva (diálogo bilateral entre sindicatos e patrões) desenvolvese com vista à celebração de convenções colectivas. Estas por sua vez, podem ser dos seguintes tipos: - AE (acordo de empresa) trata-se de uma convenção outorgada por uma ou mais associações sindicais e uma entidade patronal de uma empresa; - ACT ( acordo colectivo de trabalho) trata-se de uma convenção por uma ou mais associação sindical e por uma pluralidade de entidades patronais de outras tantas empresas; - CCT (contrato colectivo de trabalho) trata-se de uma convenção celebrada por uma ou várias associações sindicais de um sector de actividade e a correspondente associação patronal. 7 O processo de negociação das convenções colectivas inicia-se com a apresentação de uma proposta à parte contrária de onde constam, essencialmente o conjunto de direitos e deveres dos trabalhadores e das entidades patronais: condições de admissão, evolução das carreiras e categorias profissionais, condições de trabalho, exercício dos direitos sindicais na empresa, etc.. Embora qualquer das partes goze do direito de iniciativa negocial, este tem vindo a ser exercido, quase exclusivamente, pelos sindicatos. momento, qual ou quais os conteúdos objecto de negociação, sem sujeição à conjuntura. 7 Como se pode constatar os acordos de Concertação não constam do elenco legal como convenções colectivas. A doutrina, com mais ou menos hesitações, tem-nos considerado acordos não sindicáveis judicialmente e, portanto, aproximando-se de acordos de cavalheiros

O processo de negociação é um processo complexo e nele devem participar todos os interessados, decorrendo do índice desta participação (envolvimento) a maior ou menor força negocial dos sindicatos. O processo inicia-se com a preparação de um projecto inicial, que é colocado pelos sindicatos respectivos à apreciação dos trabalhadores que vão ser abrangidos pela convenção colectiva, em sessões organizadas para o efeito, mas que se realizam, normalmente nas empresas, durante o horário de trabalho ao abrigo do direito de reunião 8. Este período, destinado à discussão do projecto, reveste-se de uma enorme importância, na medida em que permite o melhoramento do texto, mediante a adopção dos contributos, críticas e sugestões recolhidas nas reuniões, envolve e identifica os trabalhadores com os conteúdos propostos, fazendo com que os sintam como seus. Desta identificação e envolvimento depende a força negocial dos sindicatos, uma vez que, mesmo não tendo necessidade de recorrer a formas de luta, sempre se sentirão mais apoiados nas mesas de negociação. Findo o processo de discussão da proposta esta é apresentada á outra parte, que tem 30 dias para se pronunciar ou formular uma contraproposta a qual deverá responder a todas as questões apresentadas pelos sindicatos. As negociações iniciam-se nos 15 dias seguintes, com a fixação, por acordo, do protocolo de negociações e o agendamento das respectivas sessões. Nesta primeira reunião é usual as partes apresentarem as respectivas credenciais ou títulos de representação. As negociações decorrem, então, ao ritmo que os acordos vão permitindo, sendo muitíssimo frequente ocorrerem interrupções destinadas a consultas aos 8 Nos termos da lei sindical os trabalhadores têm até 15 horas por ano para se reunirem no seu local de trabalho, durante o período normal de trabalho.

representados, embora a lei não o preveja, e em certa medida o não permita, já que as partes devem encontrar-se mandatadas para negociar e para acordar. Frequentemente as negociações sofrem roturas sem que tenha havido acordo As razões que levam a estas roturas são várias e vão desde a impossibilidade de encurtar as distâncias entre as posições de parte, até à intransigência de uma das partes em evoluir na sua posição, à tentativa de imposição de uma determinada matéria já acordada noutra mesa negocial, com outra organização sindical. Rompidas as negociações directas, a lei apresenta 5 formas de solução para estes conflitos colectivos (já que quando se rompem as negociações o conflito e o mal estar são inevitáveis, independentemente das formas que assumirem). Essas formas são as seguintes: - Conciliação é efectuada pelos serviços de conciliação do Ministério da tutela 9 procuram conciliar as partes, - Mediação as partes escolhem um mediador que desenvolve uma acção de mediação entre as partes. - Arbitragem (voluntária) as partes devem acordar em submeter a resolução do conflito a arbitragem. - Arbitragem obrigatória 10 a arbitragem pode ser tornada obrigatória quando tendo-se frustrado a conciliação ou a mediação, as partes não acordem, no prazo de 2 meses a contar do termo daqueles processos, em submeter o conflito a arbitragem voluntária. - PRT 11 tal como o próprio nome indica trata-se de um instrumento de natureza administrativa, cuja emissão é da competência dos Ministros do Trabalho e da Solidariedade e da tutela ou responsável do sector respectivo, podendo ocorrer quando se verifiquem as seguintes condições: (a) 9 Hoje o Ministério do Trabalho e da Solidariedade 10 O sistema de arbitragem obrigatória foi criado em 1992, pelo D.L. 209/92, de 2/10. Contudo, passados que são quase 8 anos sobre a publicação do dito D.L. o sistema ainda não funcionou nem se encontra regulamentado. 11 Portarias de Regulamentação de Trabalho

Inexistência de associações sindicais ou patronais no sector; (b) 12 Recusa reiterada de uma das partes em negociar; e (c) 12 prática de actos ou manobras manifestamente dilatórias que, de qualquer modo, impeçam o andamento normal do processo de negociação. Das formas legais postas à disposição das partes e do Governo, para resolução dos conflitos colectivos, decorrentes dos processos de contratação colectiva, só a conciliação tem sido usada e com pouco sucesso. A falta de utilização dos mecanismos de resolução destes conflitos, nomeadamente por parte do Governo, tem levado a um bloqueamento da negociação colectiva, com prejuízos notórios para os trabalhadores e para as empresas. Para os trabalhadores porque não vêem como queriam, melhoradas as suas condições de vida e de trabalho; para as empresas que são, frequentemente confrontadas com processos desgastantes de luta ( mais ou menos explícitos ) promovidos pelos sindicatos. Em Conclusão: nas sociedades democráticas o diálogo social constitui um instrumento incontornável do desenvolvimento com justiça social. Um diálogo que não se destina a fazer desaparecer as diferenças ou a por fim aos interesses específicos de cada parceiro. Um diálogo social que reconhecendo as diferenças e os interesses divergentes procure encontrar, em cada momento e através do diálogo a melhor solução para os trabalhadores, os empregadores e para o país. Março de 2000 Joaquim Dionisio Advogado e membro do Conselho Económico e Social 12 Estaríamos no âmbito da emissão de uma PRT sanção, aplicada à parte que não quer negociar.