SUGESTÕES SOBRE ALGUNS ITENS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL INTERNACIONAL PARA O PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL I -INTRODUÇÃO



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Transcrição:

SUGESTÕES SOBRE ALGUNS ITENS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL INTERNACIONAL PARA O PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL I -INTRODUÇÃO Na oportunidade em que se discute um projeto para um novo Código de Processo Civil, a comunidade acadêmica ligada ao Direito Internacional Privado vem trazer suas sugestões sobre relevantes questões que o novo CPC não deve deixar de tratar, especialmente nas áreas de jurisdição internacional e de cooperação jurídica internacional. Com as sugestões adiante apresentadas, pretende-se contribuir para o aperfeiçoamento do projeto de reforma da legislação processual brasileira. Esta contribuição se alinha às manifestações do Presidente da Comissão, Ministro Luiz Fux, entre as quais a exortação contida na CR 438, com o seguinte teor: Esta Corte, com a nova competência que lhe foi atribuída pela EC 45/2004, deve se atentar às necessidades da cooperação internacional, em especial no tocante ao combate ao crime organizado transnacional, e possibilitar aos demais Estados estrangeiros a investigação de ditas organizações criminosas, através da concessão do exequatur de cartas rogatórias com esse fim. 1

Ali se tratava de uma questão da cooperação jurídica internacional na esfera penal. No entanto, as regras para a cooperação jurídica internacional na área cível, além de serem usadas rotineiramente em casos penais, também representam um importante fator para a segurança jurídica internacional, em vista do estreitamento das relações jurídicas que envolvem cidadãos e empresas originários de distintos Estados nacionais. II - SUGESTÕES Os temas que merecem ser analisados pela Comissão dizem respeito à competência internacional e à cooperação jurídica internacional. Em relação ao primeiro ponto, é necessário: i) estabelecer um dispositivo específico para a competência internacional na ação de alimentos e nas ações com o consumidor e; ii) dar efetividade à cláusula de eleição do foro estrangeiro, como se fora uma prorrogação de competência que, uma vez escolhida pelas partes, deve ser respeitada pelos tribunais. 2

Quanto ao segundo item, é recomendável que se adotem, no novo CPC, as regras que cuidam de cartas rogatórias e sentenças estrangeiras presentes na Resolução nº. 9 do STJ, utilizada com grande êxito desde 2005, e cujos temas contam com a consolidação jurisprudencial daquele Tribunal. 1. Competência Internacional Apresenta-se, a seguir, proposta de artigos com regras especiais para alimentos, consumidores, cláusula de eleição de foro e seqüestro de menores. Antigo artigo 88 - continua Artigo 88 B - Também será competente a autoridade judiciária brasileira: I - nas ações de alimentos, quando: a) o credor tiver seu domicílio ou residência habitual no Brasil; b) o devedor/réu mantiver vínculos pessoais no Brasil, tais como posse de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos. 1 II nas ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência habitual no Brasil; III- mediante submissão expressa ou tácita das partes à jurisdição nacional 1 Note-se que a redação das alíneas a) e b) já consta na Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares, de 1989, promulgada, no Brasil, pelo Decreto 2.428/97 3

Artigo 89 Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II em matéria de sucessão hereditária, proceder a inventário e partilha dos bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou cujo último domicílio tenha sido fora do território nacional. Artigo 89 B - O juiz brasileiro não será competente quando: I - nos pedidos de guarda, se, sobre o mesmo caso, houver pedido de retorno do menor, com base em tratado internacional do qual o Brasil faça parte. II - se houver cláusula exclusiva de eleição do foro estrangeiro, e não se tratar de competência exclusiva da autoridade brasileira, na forma do artigo 89. III - JUSTIFICATIVA DOS ARTIGOS PROPOSTOS a) Regras especiais para as ações de alimentos No sistema atualmente em vigor, caso a família tenha residência em Estado estrangeiro, e mãe e filho passem a viver no Brasil, o alimentando não poderá ajuizar a demanda no país, pois a hipótese não se acha contemplada no artigo 88 4

do CPC. Assim, especificamente para a ação de alimentos, em que o autor é geralmente a parte hipossuficiente, a regra geral de competência do foro de domicílio do réu deve coexistir com a competência do foro de domicílio ou da residência do autor. b) Regras especiais para as ações com os consumidores Também nas ações que envolvam relações de consumo, a possibilidade do autor iniciar a ação em local de seu domicílio, em vez do domicílio do réu, se justifica em razão da presunção de hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor de bens e serviços. c) Regras especiais para contratos internacionais quando houver cláusula de eleição de foro A inclusão de cláusulas de escolha de foro em contratos internacionais é uma prática necessária, uma vez que mais de um Judiciário nacional pode se considerar competente para julgar o litígio que eclodir entre as partes contratantes, em face da inexistência de regras uniformes sobre jurisdição internacional em matéria contratual. É usual que, diante do surgimento do litígio autor e réu recorram a judiciários distintos, procurando recorrer ao tribunal do país em que se sinta mais seguro, seja em decorrência da lei aplicável ao mérito da controvérsia, seja diante de aspectos de natureza processual do foro escolhido. A incerteza gerada por essas 5

múltiplas possibilidades, conhecida na doutrina processual internacional como forum shopping, afeta o custo da contratação, seus termos e mesmo sua existência. O princípio da autonomia da vontade, que fundamenta a liberdade de as partes elegerem o foro (jurisdição) para solução de suas controvérsias contratuais, tem sido amplamente utilizado nas relações comerciais internacionais, e deve ser respeitado pelos tribunais, elevando o grau de segurança jurídica nas contratações internacionais. Atualmente, embora seja conhecida e permitida no Brasil a escolha do foro nos contratos internos, no caso da jurisdição internacional a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido vacilante, 2 a despeito de decisão autorizativa do STF na década de 50. 3 Em face disto, será certamente um avanço significativo do novo CPC a inclusão de regras claras sobre a questão, colocando nosso direito processual em linha com a tendência do direito processual internacional. 2 Em sentido favorável à eleição de foro: Recurso Especial nº 242.383/SP, STJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 03/02/2005; Recurso Especial nº 505.208/AM, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19/08/2003. Em sentido contrário à eleição de foro: Recurso Especial nº 804.306/SP, STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/08/2008; Recurso Especial nº 251.438, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 08/08/2000; Ação Rescisória nº 133/RS, Rel. Min. Cláudio Santos, j. 30/08/1989; Recurso Extraordinário nº 34.606/DF. Rel. Min. Luiz Gallotti, j. 05/12/1957 Recurso Extraordinário nº 18.615/DF, Rel. Min. Antonio Villas Boas, j. 21/ 06/ 1957. 3 Recurso Extraordinário nº 30.636/DF, Rel. Min. Candido Motta, j. 24/01/1957. 6

De fato, no âmbito do Mercosul o Brasil é parte do Protocolo de Buenos Aires 4 que permite expressamente a escolha da jurisdição internacional pela vontade das partes, não havendo, por conseguinte, motivo para que a legislação interna deixe de acompanhar essa posição, diante da indicação segura de que o Legislativo brasileiro não se opõe às tais regras de jurisdição internacional. Na perspectiva do direito comparado, verifica-se que há inúmeros países que desde há muito admitem a eleição do foro pela vontade das partes. Na Inglaterra, as cláusulas de eleição de foro são válidas desde o final do século XVIII; nos Estados Unidos, a Suprema Corte passou a admiti-la na década de 1970; na França, desde a década de 1930, e, na Itália, com a lei de direito internacional privado de 1995. No âmbito do espaço europeu, a autonomia da vontade para escolha de jurisdição é admitida desde 1968, com a Convenção de Bruxelas, estando atualmente disciplinada pelo Regulamento (CE) nº 44/2001. No plano global, o novo CPC deve alinhar-se às normas previstas na Convenção da Haia de 2005 sobre a escolha da cláusula de foro, que deverá se tornar o padrão mundial na matéria. O Brasil muito se beneficiará com a adoção de regras específicas sobre esta matéria no novo CPC, o que, 4 Promulgado pelo Decreto nº 2.095/96. 7

além de possibilitar a futura adoção da Convenção da Haia pelo país, eliminará a lacuna que atualmente se verifica, causadora da jurisprudência instável do STJ sobre os efeitos da cláusula de eleição de foro em contratos internacionais. Finalmente, observa-se marcante incoerência entre as disposições da Lei de Arbitragem segundo a qual as partes são livres para resolver os litígios decorrentes de seu contrato mediante arbitragem e a ineficácia de cláusula de eleição de foro ou jurisdição internacional. Sendo as partes livres para excluir por inteiro a jurisdição estatal em prol da jurisdição arbitral, não se justifica que não possam excluir determinada jurisdição estatal, em prol de jurisdição estatal estrangeira de sua mútua preferência. Essa incoerência pode ter conseqüências ainda mais absurdas. Como é de conhecimento geral, e determinado pela Convenção de Nova York de 1958 em vigor no Brasil 5, o judiciário do país da sede da arbitragem é o único competente para apreciar todas as questões atinentes ao procedimento arbitral. Nessa hipótese, estar-se-ia diante de uma eleição de foro indireta. Ou seja, admite-se a arbitragem com sede na França e implicitamente que o judiciário francês seja o único competente para apreciar, p.e, a anulabilidade do laudo. Assim, caso a justiça brasileira seja instada a agir, deverá se abster de fazê-lo. Nada obstante, se as partes escolherem o judiciário francês para julgar a controvérsia isso pode não ser admitido,diante do quadro legislativo atual. 5 Promulgada pelo Decreto nº 4.311/02. 8

2. Cooperação Cível A seção do CPC que trata das cartas rogatórias e das sentenças estrangeiras necessita ser atualizada, para conformar-se à jurisprudência do STJ sobre a matéria, bem como à Resolução n 9/2005 desse Tribunal. Sugere-se manter o art. 210 do CPC atual, que trata das rogatórias ativas. Quanto às rogatórias passivas, propõem-se os seguintes dispositivos: XX. As cartas rogatórias passivas poderão ter por objeto, dentre outros: I - citação e intimação; II - produção de provas; III - medidas de urgência; e IV - homologação de decisões estrangeiras. XXX. O Presidente do STJ concederá o exequatur às cartas rogatórias provenientes do exterior, salvo se lhes faltar autenticidade ou se a medida solicitada, quanto à sua 9

natureza, atentar manifestamente contra a ordem pública brasileira. Parágrafo único: A concessão de exeqüibilidade às cartas rogatórias obedecerá ao disposto no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. JUSTIFICATIVA DOS ARTIGOS PROPOSTOS Sobre cartas rogatórias, mantém-se a regra existente sobre as solicitações de diligências ao exterior (cartas rogatórias ativas). Quanto às solicitações provenientes do exterior, procurou-se adequar as normas do CPC às convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, à jurisprudência do STJ e à moderna doutrina do direito processual internacional, admitindo-se as chamadas cartas rogatórias executórias. Consoante as normas regimentais vigentes, não se admite que sejam suscitadas questões de mérito da ação que tramita no exterior para impedir o cumprimento da diligência rogada, pois cabe à Justiça estrangeira apreciar tais questões. Segundo tal sistema, denominado sistema da contenciosidade limitada: (...) somente admitindo impugnação contrária à concessão do exequatur, quando fundada em pontos específicos, como a falta de autenticidade dos documentos, a inobservância de formalidades legais ou a ocorrência de 10

desrespeito à ordem pública, aos bons costumes e à soberania nacional. Torna-se inviável, portanto, no âmbito de cartas rogatórias passivas, pretender discutir perante o Tribunal do foro (o Superior Tribunal de Justiça após a Emenda Constitucional n 45/2004l, no caso), o fundo da controvérsia jurídica que originou, no juízo rogante, a instauração do pertinente processo, exceto se essa questão traduzir situação caracterizadora de ofensa à soberania nacional ou de desrespeito à ordem pública brasileira. Precedentes. 6 Finalmente, remete-se o procedimento sobre a concessão do exequatur às regras vigentes no STJ. Em matéria de homologação de sentenças estrangeiras, as seguintes alterações são propostas: Artigo A homologação de decisões estrangeiras será requerida por carta rogatória, ou por ação de homologação de decisão estrangeira. Artigo. As decisões estrangeiras somente terão eficácia no Brasil após sua homologação. 1º- Serão homologadas as decisões interlocutórias e os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, tenham natureza jurisdicional. 2º- As decisões estrangeiras poderão ser homologadas parcialmente. 6 STF, DJ 04.mar.1999, AR em CR nº 7870. 11

3º- Admitir-se-á tutela de urgência e execução provisória, quando concedidas pelo Poder Judiciário brasileiro em procedimento de homologação de decisões estrangeiras. 4º- Será cabível a homologação de decisões estrangeiras, para fins de execução fiscal, quando prevista em tratado internacional do qual o Brasil faça parte, ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira. Artigo. Será homologável a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência, interlocutória e final. 1º- O juízo sobre a urgência da medida postulada compete exclusivamente à autoridade rogante. 2º- A homologação de medida de urgência não obrigará ao reconhecimento, homologação ou execução da sentença definitiva estrangeira. Artigo. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de decisão estrangeira quando: I - a decisão não houver sido proferida por autoridade competente; II o réu não houver sido citado ou exercido sua defesa; III - não for eficaz a decisão no lugar em que foi proferida; IV a decisão não estiver acompanhada de tradução oficial V - houver manifesta ofensa à ordem pública. 12

Parágrafo único. A medida de urgência, ainda que proferida sem a audiência do réu, poderá ser homologada. Artigo. Não será homologável a decisão estrangeira nas hipóteses de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira. JUSTIFICATIVA DOS ARTIGOS PROPOSTOS Procurou-se adequar a matéria de homologação da decisão estrangeira à doutrina, à legislação vigente, à jurisprudência do STJ e às convenções em vigor no país. Neste sentido, previu-se a homologação de sentenças estrangeiras pela via da carta rogatória, adequando-se ao sistema em vigor no âmbito do MERCOSUL, por força do Protocolo de Las Leñas, de 1992. Note-se que a redação do dispositivo guarda simetria com os demais textos legais. Conformando-se com o art. 38 da Lei de Arbitragem, institui-se a regra geral de presunção de homologabilidade das decisões estrangeiras. A recusa, portanto, deve ser fundamentada e se adequar aos casos excepcionais taxativamente expressos no artigo. Essa redação, vale dizer, cria também um sistema compatível com a Convenção de Nova York 7, fazendo recair sobre o requerido o 7 Promulgada pelo Decreto nº 4.311/02 13

ônus da prova, preservando os importantes avanços conquistados pela adoção da Convenção por nosso país. Estabelece-se, também, a homologação dos provimentos não judiciais que, pela lei brasileira, tenham natureza jurisdicional. Assim, em linha com a jurisprudência firmada do STF e STJ, decisões proferidas por autoridades administrativas ou religiosas são passíveis de homologação, desde que proferidas por autoridades competentes no país estrangeiro para a prática do ato. Igualmente em linha com a jurisprudência anterior do STF, mantida pelo STJ, admite-se a homologação parcial de decisões estrangeiras, repelindo somente a parte da decisão que ferir a ordem pública brasileira ou a soberania nacional. Ademais, é prevista a possibilidade da concessão de tutela de urgência na homologação da decisão estrangeira, estendendo-se a ela a tutela cautelar geral e a tutela antecipada, previstas na legislação processual. Passa a ser admitida a homologação de decisões estrangeiras de execução fiscal, desde que haja tratado neste sentido ou promessa de reciprocidade apresentada à Autoridade Central. Com este dispositivo, evita-se que o devedor do Fisco estrangeiro possa ficar imune à cobrança do crédito fiscal no Brasil. 14

Apresenta-se nova regra acerca da possibilidade de reconhecimento de decisão concessiva de medidas de urgência, interlocutórias ou finais, superando as disposições do art. 15 da LICC, segundo o qual somente é homologável a sentença estrangeira transitada em julgada. Propõe-se a possibilidade de homologação da decisão alienígena desde que seja ela eficaz no seu Estado de origem, em linha com o que já se admite no âmbito do MERCOSUL, com base no art. 20, alínea e do Protocolo de Las Leñas. Com este dispositivo, passa a ser admitido, dentre outras hipóteses, o reconhecimento provisório de decisões em matéria de alimentos, implicando avanço significativo em busca da efetividade de decisões jurisdicionais estrangeiras. Tratando dos requisitos indispensáveis à homologação, encontra-se a regra de que as medidas de urgência, ainda que proferidas sem a audiência do réu, poderão ser homologadas. O propósito deste dispositivo é admitir a medida de urgência inaudita altera parte, como já ocorre no direito interno, em hipóteses excepcionais. De fato, em certas situações a ciência do réu sobre a possibilidade da prática de certo ato pode inviabilizar ou tornar ineficaz o ato pretendido (como, por exemplo, a escuta telefônica). É para disciplinar tais casos que o projeto estabelece esta norma. 15

Convém ser esclarecida a utilização, no texto proposto, do vocábulo decisão. Pretende-se com isto abarcar sentenças e medidas interlocutórias de cunho decisório, passíveis de execução provisória, tais como as concessivas de liminares e tutela antecipada. Por fim, adota-se expressamente regra já tradicional na jurisprudência e na doutrina brasileiras, que impede a homologação nas hipóteses de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira. Quanto aos pedidos de obtenção de provas no país, sugerem-se os seguintes dispositivos: Artigo Os pedidos de cooperação jurídica internacional para obtenção de provas no Brasil, quando tiverem de ser atendidos em conformidade com decisão de autoridade jurisdicional estrangeira, seguirão o procedimento de carta rogatória. ARTIGO. Quando a obtenção de prova não decorrer de cumprimento de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira e puder ser integralmente submetida à autoridade judiciária brasileira, o pedido seguirá o procedimento de auxílio direto. 16

JUSTIFICATIVA DOS ARTIGOS PROPOSTOS Nos dispositivos acerca da obtenção de provas no país, distinguem-se duas situações. A primeira, tradicional, consiste no pedido formulado pela via da rogatória. A segunda, alude à possibilidade de que solicitações de cooperação, que não ensejem juízo de delibação, sejam encaminhadas pela via do auxílio direto. Pretende-se que, nos caso em que a autoridade estrangeira deseja informações sobre o andamento de processo no Brasil que não esteja sob segredo de justiça, não haja necessidade de se adotar a via da carta rogatória. Esta tampouco será exigida quando a solicitação de prova a ser produzida no Brasil demandar somente a cognição do juiz brasileiro, desde que não se trate de conferir eficácia a ordem emanada de juízo estrangeiro. Assim, o auxílio direto serve para atos de cooperação que prescindam do exequatur do Superior Tribunal de Justiça, para os quais os juízes nacionais passam a ter inteira liberdade de apreciação e decisão. O instituto difere da carta rogatória porque nesta, a medida decorre de decisão da autoridade judicial estrangeira, tomada em processo do qual o juiz nacional não tem conhecimento ou, tampouco, qualquer poder além de conceder ou negar o cumprimento daquilo que lhe foi rogado. 17

Não será possível, contudo, a execução de ordem judicial estrangeira por meio do pedido de auxílio direto, sob pena de usurpar-se-á competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, quando o juiz nacional exerce inteira cognição do pedido, inaugurando uma ação autônoma no Brasil, verifica-se a cooperação jurídica pela via do auxílio direto, medida que se revela adequada em determinados casos, em muito contribuindo para a efetividade da prestação jurisdicional no âmbito internacional. 18