UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARINA LUZIA DORIGO BARÃO



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Transcrição:

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARINA LUZIA DORIGO BARÃO A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS CURITIBA 2014

MARINA LUZIA DORIGO BARÃO A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, com intuito da obtenção parcial do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Drª. Thais Pascoaloto Venturi CURITIBA 2014

TERMO DE APROVAÇÃO MARINA LUZIA DORIGO BARÃO A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, de de 2014. Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Profª. Doutora Thais Pascoaloto Venturi UTP Prof. UTP Prof. UTP

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me dado forças para ingressar em outro curso superior e continuar, após uma interrupção de um ano e meio para me tornar mãe de dois filhos maravilhosos. Agradeço especialmente ao meu marido, a quem já dediquei o presente trabalho, pela paciência, compreensão, apoio incondicional e pelas saídas estratégicas com as crianças para que eu pudesse estudar tranquilamente. Agradeço à minha orientadora e incentivadora Profª. Drª. Thais Pascoaloto Venturi, por quem nutro admiração e respeito, especialmente porque já confessou sua paixão pelos animais. Pessoa extraordinária, paciente e dedicada. Não poderia deixar de agradecer a todos os animais que passaram por minha vida pessoal e profissional. Ao Chester, que nos deixou há 4 anos, mas ainda está presente em meus pensamentos. Companheiro e fiel, deixou imensa saudades. À Kitty Amada, Theobaldo, Mimucho e Filomena, gatinhos que estão sob minha responsabilidade, pelo carinho dedicado a toda família. Aos colegas da faculdade Jessica Chagas, Ricardo, Pedro e Amilton, pelo companheirismo e paciência. Ao final, agradeço à minha mãe pelo incentivo velado para que eu cursasse Direito (sei que esse era o seu desejo desde minha adolescência, há muito tempo) e às minhas irmãs que, mesmo longe, sempre estiveram presentes. E, por último, ao meu pai, que há 28 anos partiu deste mundo, quando eu ainda era uma criança. Tenho certeza que me protege e me apóia em todas as minhas decisões. Acredito que adoraria brincar com seus netos. Saiba que sinto muito a sua falta.

DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu marido, Ricardo Maia, pela compreensão e incentivo para realização dos meus objetivos. Sem você, com certeza, tudo isso não seria possível. Dedico também aos meus filhos, Rafael e Vitor, que, apesar da falta de compreensão pela tenra idade, sentiram a ausência da mãe. Saibam que sempre tive vocês em meus pensamentos, mesmo estando longe por várias horas e talvez nos momentos que vocês mais precisavam de mim. Vocês foram meu incentivo para o alcance dos meus objetivos.

EPÍGRAFE Não importa se os animais são incapazes ou não de pensar. O que importa é que são capazes de sofrer. Jeremy Bentham Não há diferença fundamental entre o Homem e os animais nas suas faculdades mentais(...). Os animais, como o Homem, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento. Charles Darwin

RESUMO O presente trabalho trata da discussão acerca da personalidade jurídica dos animais não-humanos e visa analisar as diferentes teorias sobre o tema, tendo como referência a visão moderna de antropocentrismo mitigado e a tutela estabelecida no plano constitucional. Nos dias atuais, diante do despertar de consciência das relações do homem com o meio ambiente, que afasta a visão antropocêntrica, discute-se o enquadramento jurídico dos animais não-humanos, pois o Direito tradicional civilista, considera os animais não humanos como coisas ou bens. Diante disso, questiona-se se esses seres sencientes podem ser considerados sujeitos de direito, capazes de titularizar deveres e direitos ou seriam sujeitos de direitos despersonificados não-humanos?há três teorias principais que abrangem o assunto: a tradicional, que mantém os animais não humanos na condição de coisas; a personificação, que visa atribuir status de pessoas, sujeitos de direitos e deveres, aos animais; e a terceira teoria que pretende inserir os animais em uma terceira categoria, com regime jurídico próprio. Para tanto,por meio de revisão bibliográfica, legislação, revistas especializadas, teses, dissertações e artigos que abordam o assunto, o trabalho inicia pelo estudo da personalidade jurídica adotada pelo Código Civil brasileiro, destaca as regulamentações acerca do meio ambiente, especialmente quanto aos animais não-humanos e, por último, ingressa no campo ético-filosófico do direito dos animais, apontando as posições dos principais doutrinadores. Palavras-chave: animais não-humanos. personalidade dos animais. teoria abolicionista. teoria reformista.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 - DESENHO ESQUEMÁTICO DOS CRITÉRIOS DE ORGANIZAÇÃO...17 FIGURA 2 - CLASSIFICAÇÃO DOS BENS...33 FIGURA 3 - CLASSIFICAÇÃO DOS BENS MÓVEIS...35

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 9 2 PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO... 11 2.1 AS RELAÇÕES JURÍDICAS... 11 2.2 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA... 15 2.3 O OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA... 20 2.4 PERSONALIDADE E CAPACIDADE... 22 2.5 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS... 32 3 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE E O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS... 40 3.1 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL... 40 3.2 A PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL... 51 4 DIREITO DOS ANIMAIS: SUJEITOS DE DIREITO?... 59 4.1 QUAL A ORIGEM DO ANTROPOCENTRISMO?... 59 4.2 O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS NO MUNDO ATUAL... 68 4.2.1 Teoria reformista... 69 4.2.2 Teoria abolicionista... 72 4.3 PERSONALIDADE JURÍDICA DOS ANIMAIS: TENDÊNCIAS ATUAIS... 76 4.3.1 Os animais como sujeitos de direito... 77 4.3.2 Crítica à teoria dos animais como sujeitos de direito... 81 4.3.3 Animais com status intermediário entre pessoa e coisa... 83 5 CONCLUSÃO... 86 REFERÊNCIAS... 87

9 1 INTRODUÇÃO O pensamento jurídico atual, diante da consciência ecológica e da mudança dos paradigmas éticos, sofreu alterações para se repensar as bases ético-jurídicas do enquadramento dos animais no Direito Positivo. O tema leva em consideração as mudanças de valores e percepções sociais ao longo dos anos que alcançam o mundo jurídico em relação à natureza. Dessa forma, surgiu a necessidade de estudar a relação da natureza, mais especificamente dos animais não-humanos, no que concerne a sua personalidade diante do Direito moderno. O antropocentrismo, que considera a superioridade humana sobre os demais animais e a natureza como mero objeto que se encontra à disposição do homem começa a entrar em crise diante da compreensão ambiental e social que considera o homem uma parte do conjunto biótico ou uma peça de uma cadeia da vida. A doutrina, diante do enquadramento tradicional, considera os animais como coisas ou objetos do direito. Entretanto, diante da condição de seres sencientes, necessário se faz uma revisão do status moral e jurídico, para que sejam titulares de direitos, consoante o Artigo 225, 1º, VII da Constituição da República Federativa do Brasil. O presente trabalho visa analisar as diferentes teorias adotadas acerca da personalidade jurídica dos animais, tendo como referência a visão moderna de antropocentrismo mitigado e a tutela estabelecida no plano constitucional. Para tanto, a fim de pontuar a posição jurídica dos animais na legislação pátria, inicia-se com uma revisão teórica acerca da relação jurídica, abordando os sujeitos de direito, seus objetos, personalidade e capacidade, bem como a classificação dos bens, ressaltando, especialmente, a questão dos animais, incluídos na categoria de coisas no atual Código Civil Brasileiro. No segundo capítulo, buscou-se apontar as normas brasileiras que protegem o meio ambiente, incluindo animais não humanos. Iniciou-se com a análise da proteção constitucional, em especial, a Carta Magna de 1988, que, ao destinar um capítulo para o meio ambiente, tornou-se marco histórico, pois suas antecessoras tinham visão de que os recursos naturais eram infinitos e inesgotáveis. No tocante à

10 proteção infraconstitucional, fez-se referência às principais normas concernentes aos animais, desde o ano de 1934, no qual foi promulgada a primeira lei de proteção aos animais no Brasil. O terceiro e último capítulo é dedicado especificamente aos direitos dos animais. Inicia com a origem do antropocentrismo, retratando um breve olhar sobre os animais na história da humanidade, com a finalidade de obter uma melhor compreensão do tema e de como o pensamento atual conservador encontra-se arraigado no antepassado. Chegando à atualidade, evidencia-se que as discussões acerca da natureza jurídica dos animais vêm se avolumando, afastando a visão antropocêntrica e alcançando vertentes ao redor do mundo. O trabalho aborda as três concepções pelas quais o ser humano interage com os não-humanos: conservadores, reformistas e abolicionistas, sendo que as duas últimas destacam-se por serem compartilhadas pelos defensores dos Direitos dos Animais. Acerca da natureza jurídica dos animais, apresentam-se os enfoques que, devido à tendência legislativa de descaracterizá-los como coisas, busca-se o seu enquadramento jurídico. Diante disso, foram apresentadas as teorias que buscam a satisfação dos interesses dos animais: animais como sujeitos de direito e animais com status intermediário entre pessoa e coisa. Destarte, o presente trabalho tem por objetivo principal apresentar as teorias atuais sobre os Direitos dos Animais, que buscam atribuir personalidade jurídica aos animais não humanos pensado sobre o prisma não antropocêntrico, constatando-se que os animais não-humanos, como seres sencientes, possuem interesses próprios e direitos, afastando a concepção antropocêntrica que abarca objeto, coisa e animal não-humano.

11 2 PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO 2.1 AS RELAÇÕES JURÍDICAS Desde os tempos mais remotos, afirma Caio Mário da Silva Pereira, onde quer que homens coexistam, quer em uma unidade familiar, quer em uma tribo ou entidade estatal, ainda que rudimentar, pode-se encontrar o fenômeno jurídico. Para o autor, há e sempre houve um mínimo de condições existenciais da vida em sociedade, que se impõe à pessoa por meio de forças que contenham sua tendência à expansão individual e egoísta 1. Francisco Amaral, afirma: A compreensão do que realmente seja o fenômeno jurídico não deve partir da visão do direito como simples conjunto de normas ou como determinado procedimento de solução de conflitos de interesses, mas da certeza de ser ele produto de uma realidade complexa e dinâmica, que é a vida em sociedade, com seus problemas e controvérsias. (...) Como produto histórico e, consequentemente, cultural, o direito resulta de um processo de institucionalização de práticas e de comportamentos típicos, de órgãos e de critérios de decisão, que a sociedade e o Estado estabelecem, para o fim de dirimirem conflitos de interesses, previsíveis e tipificados. 2 Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, o Direito não existe sem sociedade, assim como não existe sociedade sem Direito. A sociedade é composta por pessoas e regulada e ordenada pelo Direito, que disciplina as condutas. E para que essas condutas tornem a convivência viável, surge a disciplina social, ou seja, a norma jurídica é a expressão formal do Direito, disciplinadora das condutas. 3 Mesmo atualmente ou ainda no passado, a vida jurídica de um determinado povo, em época determinada, em dado momento histórico, a normatividade da coexistência social submete-se a regras dirigidas à vontade de todos. Caio Mário da Silva Pereira dá o nome a este complexo de Direito Positivo, que define como conjunto de regras e princípios jurídicos que pautam a vida social de determinado povo em determinada época. Em contraposição de sentido, tem-se a ideia de 1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 3. 2 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 8. 3 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 125.

Direito Natural que pode ser definido como o que a própria natureza ensina a todos os animais 4, correspondendo às relações instintivas dos irracionais. 5 Nesse diapasão, Francisco Amaral define direito natural como sendo o conjunto de princípios essenciais e permanentes atribuídos à Natureza (na antiguidade greco-romana), a Deus (na Idade Média), ou à razão humana (na época moderna), sendo fundamento para o direito positivo (criado por uma vontade humana). Desenvolve-se, na época moderna, sob o nome de Jusnaturalismo, expressão de princípios superiores ligados à natureza racional e social do homem, deduzindo-se um sistema de regras jurídicas. 6 No século XVIII, por influência do iluminismo, movimento que defendeu a liberdade de pensamento e lutava pelo progresso e razão em todos os campos da experiência humana, torna-se a expressão do racionalismo no direito, sendo denominado, ius-racionalismo. A principal questão quanto ao direito natural é a possível superioridade em relação ao direito positivo, sendo que sua função é de legitimar o poder do legislador, a ele se recorrendo no processo de aplicação das normas. 7 Em sentido oposto ao jusnaturalismo, o positivismo jurídico, desenvolvido nos séculos XIX e XX, vê o direito como um conjunto de ordens ou comandos, emanados do Estado e providos de sanção, tendo por características a coercitividade do direito; a imperatividade das normas jurídicas no sentido de estabelecerem ordens, comandos; e a supremacia da lei sobre as outras fontes do direito (costume, jurisprudência, princípios gerais). Para Francisco Amaral, embora ainda seja a doutrina dominante, o positivismo jurídico apresenta limitações e insuficiências que atestam a sua crise. 8 Complementa, ainda, Francisco Amaral que a influência do jusracionalismo no direito moderno no processo de racionalização e sistematização do direito, resultou nos códigos e as constituições dos séculos XVIII e XIX, bem como na preocupação com a justiça e a igualdade material, no reconhecimento de princípios suprapositivos, no conceito e defesa dos direitos fundamentais, no desenvolvimento da 4 Termo definido por Ulpiano em seu livro I, tit. I do Digesto: Ius naturale, est quod natura omnia animalia docuit. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 6. 5. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 5. 6 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 32. 7. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 32. 8. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 33. 12

13 responsabilidade civil, na fundamentação de um direito geral da personalidade, na elaboração de categorias de natureza técnico jurídica, como a de sujeito de direito, de declaração de vontade, de negócio jurídico, etc. 9 Conforme Caio Mário da Silva Pereira o direito positivo se opõe ao direito natural, aquele representando o regime de vida social corrente, este o conjunto de princípios ideais preexistentes e dominantes. Um é fonte de inspiração para o outro, não são antagônicos, pois exprimem uma convergência ideológica: o direito positivo ampara-se no direito natural para que a regra encontre o ideal; o direito natural inspira o direito positivo para que este se aproxime da perfeição. 10 A relação entre a sociedade e o Direito, de acordo com Paulo Nader, respalda-se na questão de que o ordenamento jurídico é elaborado como um processo de adaptação social, ajustando-se às condições do meio e, por outro lado, o Direito estabelecido, cria a necessidade de adaptação do comportamento social aos novos padrões de convivência. Para o autor, a vida em sociedade já pressupõe organização e a própria existência do Direito, pois a sociedade cria o Direito com o propósito de formular as bases da justiça e segurança. 11 O valor supremo do Direito e a maior virtude do homem é a justiça e, para que seja implementada, deve ser regida pela organização social mediante normas e pelo respeito a certos princípios fundamentais. Neste sentido, a justiça depende da segurança para produzir seus efeitos na vida social, pois não se chega à justiça se não houver uma ordem jurídica definida. Para que a segurança jurídica seja alcançada e, por seu intermédio, a justiça, é imprescindível que haja padrões de organização interna adotados pelo Estado. 12 Neste diapasão, a relação jurídica, no entender de Miguel Reale, é uma espécie de relação social, na qual os homens, com o intuito de obtenção de diversos fins, entram em contato uns com os outros, mas nem sempre de natureza jurídica. A conduta humana pode ter fins morais, religiosos, econômicos, estéticos, artísticos ou, ainda, utilitários. 13 9 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 34. 10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 6. 11 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 18. 12. Introdução ao Estudo do Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 18. 13 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 216.

14 As relações jurídicas são relações sociais reconhecidas pelo Estado com a finalidade de protegê-las, ou seja, o Estado, baseado nos dados sociais, instaura modelos jurídicos que condicionam e orientam as relações jurídicas. Dessa forma, conclui o autor, que quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida como sendo relação jurídica. 14 Nas palavras de Francisco Amaral: Relação jurídica é o vínculo que o direito estabelece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situação em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses jurídicos. É conceito básico do direito privado, representando a situação jurídica de bilateralidade que se estabelece entre sujeitos, em posição de poder, e outros em correspondente posição de dever. 15 Para Carlos Roberto Gonçalves, a relação jurídica é toda relação da vida social regulada pelo Direito, sendo que o sujeito dessa relação é sempre o ser humano, na condição de ente social. As relações jurídicas privadas nascem da vida em sociedade e são disciplinadas pelo Código Civil. Os efeitos, no âmbito do direito, são aqueles produzidos pelas relações sociais de pessoa a pessoa, física ou jurídica. Essas pessoas são os sujeitos das relações jurídicas. 16 Conforme Orlando Gomes, a relação jurídica pode ser encarada sob dois aspectos. No primeiro, é o vínculo entre dois ou mais sujeitos de direito que obriga um deles, ou os dois, a ter certo comportamento, ou seja, é o poder direto de uma pessoa sobre determinada coisa. Sob o segundo aspecto, a relação jurídica é o conjunto dos efeitos jurídicos que nascem de sua constituição, consistentes em direitos e deveres. 17 A principal fonte de referência da relação jurídica é o conjunto de relações cujos poderes e deveres são determinados pela autonomia dos particulares. Francisco Amaral explica que a relação jurídica consiste nas relações sociais de 14 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 216. 15 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 8. 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 98. 17 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.86.

15 que os indivíduos participam e que, pela possibilidade potencial de gerarem conflitos de interesses, são disciplinadas pelo direito. 18 Dessa forma, a relação social regulada pelo Direito passa a denominar-se relação jurídica e apresenta requisitos de ordem material (relação social, o comportamento dos indivíduos) e de ordem formal (norma de direito incidente), que confere à relação social o caráter de jurídica. Conclui o autor que a relação jurídica é a relação social disciplinada pelo direito, e concretamente, é uma relação entre sujeitos, um titular de um poder, outro, de um dever. 19 2.2 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA Os sujeitos de direito são o elemento subjetivo das relações jurídicas. É quem participa da relação jurídica, sendo titular de direitos e deveres. São sujeitos de direito as pessoas físicas ou naturais isto é, os seres humanos, e as pessoas jurídicas, grupos de pessoas ou de bens a quem o direito atribui titularidade jurídica. 20 A relação jurídica reúne os elementos sujeito, objeto e fato propulsor, sendo que em cada relação figura, ao menos, um sujeito, que deve ser capaz e possuidor de qualidades jurídicas das quais derivam direitos e deveres para as pessoas. O objeto é o bem no qual incide o poder do sujeito ou a prestação exigível, ou seja, tudo que representa uma utilidade para a pessoa, não somente as coisas, mas também as ações humanas (prestações). 21 Nas palavras de Orlando Gomes, o fato é o acontecimento, dependente ou não da vontade humana a quem a lei atribui a função de criar, modificar ou extinguir direitos, ou seja, é o elemento propulsor da relação jurídica que vincula os sujeitos ou submete a coisa ao poder da pessoa, concretizando a relação abstrata. 22 Segundo Sílvio de Salvo Venosa, os animais e as coisas podem ser objeto do Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa. Os 18 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 105. 19. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 105. 20. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 138. 21 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 91-92. 22. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 92.

16 animais são levados em consideração tão-só para sua finalidade social, no sentido protetivo. 23 Francisco Amaral explica que os animais são coisas e, como tais, possíveis objeto de direito. O direito protege-os para garantir-lhes a sua função ecológica, evitar a extinção de espécies ou defendê-los da crueldade humana (CF art. 255, VII e Declaração Universal de Direitos Humanos). 24 Sob esta ótica, Hugo Nigro Mazzili explica: Considerados em si mesmo, os animais, plantas e coisas inanimadas não são sujeitos de direitos ou deveres, pois não são suscetíveis a noções de ética ou de valor moral. Se existem obrigações dos homens em relação à preservação de animais e plantas, e até em relação aos seres inanimados, não é porque estes tenham direitos, mas porque os homens, sim, têm noção de valoração ética, e, estes sim, individual ou coletivamente considerados, têm direitos e deveres, inclusive no que diz respeito às demais formas de vida e à preservação do meio ambiente em que vivem, aqui incluídos os seres inanimados. 25 Fábio Ulhoa Coelho estabelece dois critérios de organização dos sujeitos de direito: personificados/despersonificados e humanos (corpóreos)/não humanos (incorpóreos). Explica que nem todos os sujeitos de direito são personificados, mas mesmo os despersonalizados são titulares de direitos e deveres. 26 Os sujeitos personificados são os sujeitos de direito dotados de personalidade jurídica. São as pessoas, que podem ser físicas (ou naturais) ou jurídicas (ou morais). As pessoas físicas são sujeitos de direito humanos (homens e mulheres) e as jurídicas, não humanos. 27 Os sujeitos despersonificados também podem ser humanos ou não humanos. Os nascituros, homem ou mulher em processo de gestação no útero materno, são já sujeitos de direito, embora ainda não tenham personalidade jurídica, então, são sujeitos despersonalizados humanos. Os despersonificados não humanos são 23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 134. 24 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 139. 25 MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 143. 26 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 327-328. 27. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 334-335.

17 entidades criadas pelo direito para melhor disciplinar os interesses de homens e mulheres. 28 Todo ente despersonificado não humano tem uma finalidade, que justifica a sua constituição e abrange os negócios jurídicos que está autorizado a praticar. Os principais exemplos de sujeito de direito despersonificado são o espólio, o condomínio edilício e a massa falida. 29 Para ilustrar a ideia, seguem abaixo os critérios estabelecidos pelo autor de maneira esquematizada: FIGURA 1: DESENHO ESQUEMÁTICO DOS CRITÉRIOS DE ORGANIZAÇÃO SUJEITOS DE DIREITO PERSONIFICADOS DESPERSONIFICADOS PESSOAS humanos não-humanos FÍSICAS (naturais) JURÍDICAS (morais) nascituro massa falida, espólio, condomínio edilício, sociedade em comum, conta de participação humanos não-humanos Fonte: COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 327-328. Heron José de Santana Gordilho e Tagore Trajano de Almeida Silva sugerem, baseados na classificação proposta por Fabio Ulhoa Coelho, que os animais sejam incluídos na categoria de sujeitos não-humanos personificados. 30 28 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 342. 29. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 359. 30 GORDILHO, Heron José de Santana; SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo: Direito, Personalidade Jurídica e Capacidade Processual. Revista de Direito Ambiental. 2012. RDA 65. p. 350-351. Disponível em:

18 Cabe aqui ressaltar que este assunto, essência do presente trabalho, será abordado adiante, com maior expressividade. Segundo Carlos Alberto Gonçalves, todo direito tem seu objeto e sobre esse objeto desenvolve-se o poder de fruição da pessoa. O objeto da relação jurídica é tudo o que se pode submeter ao poder dos sujeitos de direito, como instrumento de realização de suas finalidades jurídicas. 31 Em uma relação jurídica, aquele a quem cabe o dever de cumprir ou o poder de exigir, ou ambos, se denomina sujeito de direito. Destarte, sujeitos de direitos são as pessoas às quais as regras jurídicas se destinam e podem ser tanto pessoa natural ou física quanto pessoa jurídica, que é um ente coletivo. 32 Ser pessoa é ter a possibilidade de ser sujeito de direitos nas relações jurídicas. É na pessoa que os direitos se localizam, por isso ela é sujeito de direitos ou centro de imputações jurídicas no sentido de que a ela se atribuem posições jurídicas. O termo pessoa, na linguagem comum, é o ser humano. No entanto, na linguagem jurídica, pessoa é o ser com personalidade jurídica, aptidão para a titularidade de direitos e deveres. Todo ser humano é pessoa pelo fato de nascer ou até de ser concebido. Pessoa é o ser humano como sujeito de direitos. 33 Conforme Francisco Amaral, os sujeitos de direito podem ser pessoas naturais ou físicas, se coincidentes com o ser humano, e pessoas jurídicas, quando são entidades ou organizações unitárias de pessoas ou de bens a que o direito atribui aptidão para a titularidade de relações jurídicas. Pessoa jurídica é um conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica. 34 A ordem jurídica disciplina o surgimento desses grupos, reconhecendo-os como sujeitos de direito, tendo por razão de ser a necessidade ou conveniência de as pessoas singulares combinarem recursos de ordem pessoal ou material para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades de cada um dos interessados. Dessa forma, pessoas e bens organizam-se, de modo unitário, passando o direito a atribuir personalidade ao conjunto. 35 <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/animais%20em%20juizo.pdf.> Acesso em: 04 ago. 2014. 31 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 275. 32 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.227. 33 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 139. 34. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.173. 35. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.173.

19 Na lição de Orlando Gomes, as pessoas naturais ou físicas são os seres humanos. Todo homem é pessoa, entretanto, mede-se a personalidade na capacidade de ser titular de direitos e obrigações, influindo na capacidade de agir. As pessoas jurídicas são as associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e os partidos políticos. Ambas as pessoas são sujeitos de direito, mas são disciplinadas diversamente, não se lhes aplicando as mesmas regras quanto ao início e fim da personalidade, nem quanto à capacidade. Conclui o autor que sujeito de direito é a pessoa a quem a lei atribui a faculdade ou a obrigação de agir, exercendo poderes ou cumprindo deveres 36. As pessoas jurídicas, conforme Carlos Roberto Gonçalves, são agrupamentos de pessoas naturais, visando alcançar fins de interesse comum, também denominadas pessoa moral ou pessoa coletiva em outros países. 37 A existência da pessoa jurídica justifica-se pela necessidade ou conveniência dos indivíduos utilizarem recursos coletivos para a realização de objetivos comuns, além das possibilidades individuais, o que motivou a organização de pessoas e bens, com reconhecimento do direito e com atribuição de personalidade ao grupo, distinta da de cada um de seus membros, atuando na vida jurídica com personalidade própria. 38 A pessoa jurídica, portanto, é um conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns, ou seja, são entidades a que a lei confere personalidade, capacitandoas a serem sujeitos de direitos e obrigações. 39 Entretanto, há previsão legal que, em certos casos de universalidades de direitos e de massas de bens, identificáveis como unidade que, mesmo não tendo personalidade jurídica, podem gozar de capacidade processual e ter legitimidade ativa ou passiva para atuarem em juízo por meio de representação. Dentre os grupos despersonalizados, destacam-se a família, a massa falida, heranças jacente e vacante, espólio, sociedades sem personalidade jurídica, condomínio. 40 36 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 128. 37 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99. 38. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 216. 39. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 216. 40. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 226.

20 Trazendo a matéria para o tema em debate, Danielle Tetü Rodrigues ensina que, embora toda pessoa natural seja considerada sujeito de direito, nem todo sujeito de direito é pessoa física, em razão de a própria lei reconhecer direitos a determinados agregados patrimoniais como a massa falida e o espólio. Neste sentido, a noção de sujeito de direito baseada na teoria moderna encontra assente vez que a própria dogmática jurídica construiu artificialmente as personalidades jurídicas. 41 Sob este enfoque, Edna Dias citada por Danielle Tetü Rodrigues, pondera que o animal, como sujeito de direitos, já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo, tendo por argumento para a defesa desta concepção de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento do registro de seus atos constitutivos, podendo comparecer em Juízo para a defesa de seus direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos em razão da legislação que os protege. Seus direitos devem ser pleiteados por meio da representatividade (Ministério Público), assim como ocorre com os relativamente incapazes ou com ou absolutamente incapazes. 42 Conclui a autora que, ainda que determinadas pessoas sejam consideradas incapazes, ainda assim são sujeitos de direito. Portanto, para os animais não humanos, como também são incapazes, podem ser sujeitos de direitos, mesmo porque a lei permitiu que seus direitos sejam defendidos e representados por órgãos competentes. 43 2.3 O OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA Para Caio Mário da Silva Pereira, toda relação jurídica tem um objeto, seja este um bem ou uma coisa. Também os fatos humanos podem ser objeto de relação jurídica sob a denominação de prestação. Para o autor, tudo que pode ser 41 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2012, p. 186. 42. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2012, p.187. 43. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2012, p. 188.

21 integrado ao patrimônio é um bem, ou seja, são bens econômicos, mas não somente. 44 Outros bens economicamente inestimáveis ou insuscetíveis de valor pecuniário também recebem proteção legal como, por exemplo, o estado de filiação, direito ao nome, poder sobre os filhos. O autor compreende como bem jurídico, em sentido amplo, tudo que pode ser objeto da relação jurídica, não distinguindo a materialidade ou patrimonialidade. 45 Orlando Gomes considera como objeto dos direitos os bens e as prestações. A noção jurídica de bem é mais ampla do que a econômica, pois abrange as coisas suscetíveis de apreciação pecuniária e as que não comportam essa avaliação. Bem e coisa não se confundem, pois o primeiro é gênero e a segunda é espécie. 46 Em sentido estrito, no entanto, os bens distinguem-se das coisas, pois estas são materiais ou concretas, enquanto o nome bens fica reservado para designar os imateriais ou abstrato. Explica Caio Mário da Silva Pereira: Uma casa, um animal de tração são coisas, porque concretizado cada um em uma unidade material e objetiva, distinta de qualquer outra. Um direito de crédito, uma faculdade, embora defensável pelos remédios jurídicos postos à disposição do sujeito em caso de lesão, diz-se, com maior precisão, ser um bem. Sob o aspecto de sua materialidade é que se faz a distinção entre a coisa e o bem. 47 Para Orlando Gomes, o bem compreende o que pode ser objeto de direito sem valor econômico, enquanto a de coisa restringe-se às utilidades patrimoniais, isto é, as que possuem valor pecuniário. Dessa forma, coisa deve ser compreendida como bem econômico, ou seja, suscetível de utilização ou apropriação por um sujeito de direito para satisfação de uma necessidade. O objeto de direito pode ser, portanto, uma coisa, como nos direitos reais e nos direitos sucessórios, como também a atividade humana ou os bens incorpóreos. 48 44 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 337. 45. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 337. 46 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 179. 47 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 338. 48 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 180.

22 2.4 PERSONALIDADE E CAPACIDADE Segundo Caio Mário da Silva Pereira, a ideia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair deveres. A personalidade, como atributo da pessoa humana, está a ela indissoluvelmente ligada, sendo que sua duração é da vida, pois desde que vive e enquanto vive, o ser humano é dotado de personalidade. 49 Diz-se que toda pessoa é dotada de personalidade, pois o ser humano é o sujeito das relações jurídicas e a personalidade é a faculdade a ele reconhecida. No entanto, o direito também reconhece personalidade a entes morais, a que o Código Civil denomina de pessoas jurídicas, ou seja, agrupamentos de indivíduos que se associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedades e associações) ou destinando patrimônio para determinado fim (fundações). 50 Em sentido jurídico, pessoa é o ente suscetível de direitos e obrigações. A personalidade jurídica é a aptidão para adquirir direitos e obrigações, enquanto a capacidade jurídica dá a extensão da personalidade, sendo aquela que gera a aptidão para exercer direitos e contrair obrigações. 51 Nas palavras de Francisco Amaral: Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz em um quantum. Capacidade, de capax (que contém), liga-se à ideia de quantidade e, portanto, à possibilidade de medida e de graduação. Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa. Compreende-se, assim, a existência de direitos da personalidade, não de direitos da capacidade. O ordenamento jurídico reconhece a personalidade e concede a capacidade, podendo considerar-se esta como um atributo daquela. A capacidade é então a "manifestação do poder de ação implícito no conceito de personalidade", ou a "medida jurídica da personalidade". E, enquanto a personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, a capacidade é atribuída pelo ordenamento jurídico, como realização desse valor. 52 49 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 181. 50 Atualmente essa aptidão é reconhecida a todo ser humano, com sentido de universalidade, mas nem sempre isso aconteceu. No direito romano, os escravos eram tratados como coisas, desprovidos da faculdade de ser titular de direitos. Na relação jurídica ocupavam a posição de objeto e não de sujeito. PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 181. 51 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 126. 52 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 140.

23 A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida e termina com a morte, real ou presumida. 53 É um atributo do ser humano dentro da ordem jurídica, pois, independentemente da consciência ou da vontade do indivíduo, a criança, o deficiente mental ou portador de enfermidade, mesmo na ausência de conhecimento da realidade ou falta de reação psíquica, é uma pessoa, dotado de personalidade. 54 Para Caio Mário da Silva Pereira, o conceito de personalidade está indissoluvelmente ligado ao de pessoa, pois desde que vive e enquanto vive, o ser humano possui personalidade. 55 Atualmente, o Código Civil de 2002 reconhece os atributos da personalidade estendido a todo ser humano em seu art. 1º, ao proclamar que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil 56. Então, afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que tem capacidade para ser titular de direitos. 57 Pessoa natural ou física é o ser humano como sujeito de direitos e deveres. Todo ser humano é pessoa, pelo simples fato de existir, e por isso, é capaz de direitos e deveres na ordem civil, conforme preceitua art. 1 do Código Civil, e todos têm a mesma personalidade porque todos têm a mesma aptidão para a titularidade de relações jurídicas, sendo irrenunciável. 58 O artigo 2º do Código Civil 59 vigente dispõe que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro, desde a concepção. Dessa forma, o sistema adotado pelo direito positivo considera o início da personalidade com o nascimento com vida (teoria natalista), 50 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 180, p. 129. 54 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 181. 55. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 183. 56 Art. 1 o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014. 57 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95. 58 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 140. 59 Art. 2 o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

24 mas respeitam-se os direitos do nascituro, desde a concepção, ou seja, desde que formado o novo ser. 60 Para o direito brasileiro, antes do nascimento com vida não há personalidade, mas a lei protege e resguarda, em algumas circunstâncias, os interesses do nascituro. Há situações em que se reconhecem direito em potencial ao ente concebido, mas não se fala em pessoa do nascituro. Portanto, no direito brasileiro, a personalidade jurídica tem começo com o nascimento com vida e são, dessa forma, necessários dois requisitos para sua caracterização: nascimento e a vida. 61 Para Caio Mário da Silva Pereira, ocorre nascimento quando é feto é separado do ventre materno, seja naturalmente, seja com auxílio de recursos obstétricos. Também não se cogita em tempo de gestação ou se o nascimento ocorreu a termo ou foi antecipado. Para preencher a condição do nascimento, é necessário e suficiente que se desfaça a unidade biológica, de forma que mãe e filho constituam dois corpos. Sendo assim, a vida do novo ser configura-se no momento que se opera a primeira troca oxicarbônica no meio ambiente, ou seja, viveu a criança que tiver inalado o ar atmosférico, ainda que haja perecimento em seguida. 62 Francisco Amaral dispõe: Nascimento é o fato, natural ou artificial, da separação do feto do ventre materno. Com a primeira respiração tem início o ciclo vital da pessoa, marcando, também, o nascimento, o início da capacidade de direito. Assim dispõe no art. 2 do Código Civil: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro". Significa isso que, verificado o nascimento e o início da vida com a penetração do ar nos pulmões, firmou-se a capacidade jurídica do recém-nascido. Mesmo que esse venha a morrer, já adquiriu direitos que serão transmitidos aos herdeiros. Nesse dispositivo, a exemplo do que ensina a doutrina mais tradicional, o Código emprega o termo personalidade como sinônimo de capacidade de direito, o que é, a meu ver, superado. 63 60 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100. 61 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 185. 62. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 186. 63 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 140.

25 Conforme Carlos Alberto Gonçalves a capacidade que todos têm, sem qualquer distinção, que adquirem ao nascer com vida, é a capacidade de direito ou de gozo, que também denomina de capacidade de aquisição de direitos. 64 Assim, sendo o começo da personalidade o nascimento com vida, somente a partir de então existe uma pessoa em que se integram direitos e obrigações. Até então, os direitos são potenciais, para cuja constituição dever-se-á aguardar o nascimento e a aquisição da personalidade. O interesse prático reside na questão sucessória, pois, nascendo com vida, ainda que por alguns instantes, recebeu, adquiriu e transmite seus direitos aos seus sucessores. 65 Complementa Caio Mário da Silva Pereira: Se a toda pessoa, e aos entes morais por ela criados, a ordem jurídica concede personalidade, não a confere, porém, a outros seres vivos. É certo que a lei protege as coisas inanimadas, porém em atenção ao indivíduo que delas desfruta. Certo, também, que os animais são defendidos de maustratos, que a lei proíbe, como interdiz também a caça na época da cria. Mas não são, por isso, portadores de personalidade, nem têm um direito a tal ou qual o tratamento, o qual lhes é dispensado em razão de sua utilidade, e ainda com o propósito de amenizar os costumes e impedir brutalidades inúteis. 66 Orlando Gomes indica que o termo capacidade emprega-se em dois sentidos. O primeiro, com o mesmo significado de personalidade, denominando-se capacidade de direito ou de gozo. Toda pessoa é capaz de ter direitos e ninguém pode ser totalmente privado dessa espécie de capacidade. O segundo sentido é a aptidão para exercer direitos, denominado capacidade de fato ou de exercício, podendo ser restringido por diversas causas. Essa capacidade de fato é condicionada à capacidade de direito. É possível ter-se a capacidade de direito sem ter a de fato, ou adquirir o direito sem poder exercê-lo por si. Essa impossibilidade de exercer o direito é a incapacidade. 67 Para Caio Mário da Silva Pereira, todo ser humano é dotado de aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações (personalidade). Ligado a isso, a 64 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95. 65 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 188. 66. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 183. 53 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 149-150.

26 ordem jurídica reconhece ao indivíduo a capacidade para aquisição dos direitos e para exercê-los por si mesmo, diretamente, ou por meio de representação ou assistência de outrem. Personalidade e capacidade se completam. Quem tem aptidão para adquirir direitos deve ser hábil a gozá-lo e exercê-los, por si ou por via de representação. A esta aptidão oriunda da personalidade para adquirir os direitos na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito, enquanto a capacidade de fato é a aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo. 68 A capacidade de fato ou de exercício é a aptidão pessoal para praticar atos com efeitos jurídicos, ou seja, é a aptidão para pessoalmente o indivíduo adquirir direitos e contrair obrigações, podendo sofrer restrições por diversos fatores como idade e estado de saúde da pessoa. 69 Caio Mário da Silva Pereira esclarece que a denominada capacidade direito ou de gozo é a aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos na vida civil, distinguindo-se da capacidade de fato ou de exercício, também denominada de capacidade de ação, é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. 70 Conceitua Francisco Amaral: Capacidade de direito é a aptidão para alguém ser titular de direitos e deveres, ser sujeito de relações jurídicas. Todas as pessoas físicas a têm (CC, art. 1º), como efeito imediato do princípio da igualdade. Têm-na também as pessoas jurídicas, se obedecidas as formalidades legais de sua constituição. As pessoas físicas adquirem-na com o nascimento e conservam-na até a morte. Diversa da capacidade de direito é a capacidade de fato, aptidão para a prática dos atos da vida civil, e para o exercício dos direitos como efeito imediato da autonomia que as pessoas têm. 71 A capacidade de direito é indivisível, irredutível e irrenunciável e a capacidade de fato é variável, pois nem todos a têm, vez que comporta diversidade de graus. Nesse sentido, as pessoas físicas podem ser capazes, absolutamente incapazes e 68 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 223. 69 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 138. 70 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 223. 71 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 145.

civil. 72 Segundo Orlando Gomes, as limitações da capacidade de fato estão ligadas relativamente incapazes, na medida em que possam ou não praticar os atos da vida 27 ao estado da pessoa e são de ordem física ou jurídica. Podem produzir incapacidade absoluta ou relativa, ora impedindo totalmente o exercício dos direitos, ora inabilitando a pessoa à prática de um ou vários atos jurídicos. O modo como essa incapacidade é suprida é influenciada diretamente pela natureza da causa impeditiva. 73 Quando há falta de alguns requisitos para dirigirem-se com autonomia no mundo civil, embora não haja negação da ordem jurídica da capacidade de direito, esta lhes recusa a autodeterminação, interdizendo-lhes o exercício dos direitos, pessoal e diretamente, porém condicionado à intervenção de outra pessoa, o que importa na incapacidade. 74 Importante salientar que a incapacidade para o exercício dos direitos é exceção à regra geral da capacidade e resulta de preceito legal de ordem pública. A lei priva da capacidade as pessoas que, presumivelmente, não possuam discernimento suficiente para a prática de alguns ou todos os atos jurídicos, resultando na incapacidade absoluta ou incapacidade relativa. 75 Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira: Aquele que se acha em pleno exercício de seus direitos é capaz, ou tem a capacidade de fato, de exercício ou de ação; aquele a quem falta a aptidão para agir não tem a capacidade de fato, Regra é, então, que toda pessoa tem a capacidade de direito; mas nem toda pessoa tem a de fato. Toda pessoa tem a faculdade de adquirir direitos, mas nem toda pessoa tem o poder de usá-los pessoalmente e transmiti-los a outrem por ato de vontade. Por isso mesmo se diz que a regra é a capacidade, e a incapacidade é exceção, ou, enunciado de outra maneira, afirma-se que toda pessoa tem a capacidade de direito ou de aquisição, e presume-se a capacidade de fato ou de ação; somente por exceção, e expressamente decorrente de lei, é que se recusa ao indivíduo a capacidade de fato. É por isso, também, que ninguém tem a faculdade de abdicar da sua capacidade, ou de se declarar incapaz, ou de reduzir a sua capacidade, seja de direito, seja de fato. 76 72 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 146. 73 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 150. 74 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 224. 75. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 153. 76. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 224.